Uso de estratégias metacognitivas na leitura do indexador*

Dulce Amélia de Brito Neves
Doutora em ciência da informação – UFMG. Professora adjunta do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da UFPb.
E-mail: damelia@jpa.neoline.com.br

Eduardo Wense Dias
Doutor em ciência da informação – Universidade da Califórnia (Los Angeles). Professor titular da Escola de Ciência da Informação da UFMG.
E-mail: edias@eci.ufmg.br

Ângela Maria Vieira Pinheiro
Doutora em psicologia cognitiva – Universidade de Dundee (Escócia). Professora titular do Departamento de Psicologia da UFMG.
E-mail: amvpinheiro@superig.com.br

Resumo

A pesquisa objetivou identificar semelhanças e divergências no uso das seguintes estratégias metacognitivas entre leitores proficientes indexadores e não-indexadores: incompreensão monitorada, construção de hipótese, relação de informações entre sentenças e parágrafos, pergunta-resposta, elaboração mental de resumo, juízo de valor, repetição e evocação. O método utilizado foi o protocolo verbal, que possibilita a obtenção de relatos individuais da própria cognição durante a execução de uma tarefa ou à medida que esteja sendo relembrada.

A leitura de dois textos foi aplicada a sete indexadores e a sete sujeitos do grupo-controle. Os resultados demonstram que os indexadores lêem de modo semelhante aos sujeitos do grupo-controle, divergindo apenas em relação às estratégias de elaboração de resumo. Também foi testada uma questão metodológica relacionada ao texto, em sua condição marcada e não marcada. Conclui-se pela necessidade de se introduzir formalmente o ensino de estratégias metacognitivas no treinamento de leitura do indexador.

Palavras-chave

Análise de assunto. Estratégias metacognitivas. Leitura.

Use of metacognitive strategies in the indexer reading

Abstract

This research aimed to identify similarities and differences in the use of the following metacognitive strategies between proficient readers professional indexers and non-indexers: monitoring non-comprehension, hypothesis construction, the relation between sentence and paragraph, question-&-answer, the mental development of summarization, value judgment, repetition and recall. The method applied was the verbal (think-aloud) protocol which allows for the retention of individual reports of personal cognitive processes during the exercise of the task, or to the extent that these can be recalled. The reading of two texts was applied to seven indexers and to seven informants of a control group. The results show that the indexers read in a similar way to the control group, differentiated only in terms of strategies of summary construction. The methodological question related to the markedness or non-markedness of the text was also tested. The conclusion was in favor of the need to formally introduce the teaching of metacognitive strategies in the training of the indexer in reading.

Keywords

Subject analysis. Metacognitive strategies. Readi

INTRODUÇÃO

A leitura tem destaque no trabalho de algumas especializações da ciência da informação, como a catalogação temática, a classificação e a indexação. Essas funções são desempenhadas em bibliotecas ou sistemas de recuperação de informação e têm por finalidade o tratamento temático dos documentos. Para simplificar, daqui por diante vamos denominar o profissional que desempenha esse tipo de função simplesmente como indexador.

Além da leitura de documentos, a indexação compreende outras tarefas, dentre as quais se destacam as seguintes: 1) a identificação do conteúdo do documento, ou seja, o assunto ou assuntos de que trata, ou um resumo desse conteúdo; 2) a geração dos respectivos textos desses assuntos/resumos. Na geração desses textos, são muitas vezes utilizados instrumentos como linguagens de indexação (um thesaurus, por exemplo), ou normas técnicas de elaboração de resumos. À parte a geração de textos, o conjunto dessas tarefas da indexação é conhecido como análise de assunto, definida como a etapa em que um documento é analisado para determinar de qual ou de quais assuntos trata (DIAS, 2004, p. 147).

Dentre as várias áreas da pesquisa em cognição, a que mais se aproxima dos tópicos tratados pela ciência da informação é a denominada “processamento textual”, uma atividade cognitiva que exige o domínio de dois processos básicos de leitura: 1) reconhecimento de palavras; 2) compreensão de um texto como um todo.

Os pesquisadores que lidam com os modelos cognitivos de compreensão da leitura textual, como Kintsch e Van Dijk (1978), Van Dijk e Kintsch (1983) e Kintsch (1988, 1998), assinalam o papel das funções de memória, linguagem, do conhecimento de mundo e enciclopédico, das habilidades de fazer inferências e do uso de estratégias no processamento da leitura e compreensão textual. Como processo de compreensão, a leitura, além dos processos específicos de reconhecimento de palavras, depende do uso de capacidades fonológicas, sintáticas, semânticas, episódicas e pragmáticas que compartilha com a linguagem oral.

* Artigo elaborado a partir da tese de doutorado “Aspectos metacognitivos na leitura do indexador”, de autoria de Dulce Amélia de Brito Neves, sob a orientação de Eduardo Wense Dias e Ângela Maria Vieira Pinheiro (NEVES, 2004).

Para compreender um texto, os indivíduos lançam mão de todo o conhecimento prévio armazenado na memória de longo prazo, demandando, inclusive, possíveis esquemas de procedimento existentes na memória semântica. O conhecimento anterior facilita o processamento do texto e a compreensão, por oferecer uma estrutura na qual o conteúdo do material lido possa ser relacionado. A integração do conhecimento passado com o texto que está sendo lido permite aos leitores formar o que é chamado por Van Dijk e Kintsch (1983) e Kintsch (1998) de “modelo situacional”. Este consiste na combinação das informações (ou proposições – unidades abstratas de significado) retiradas do texto com as proposições formadas a partir de conhecimentos gerais preestabelecidos e da experiência pessoal dos leitores. Estudos têm demonstrado que indivíduos com conhecimento anterior extenso em um domínio mostram mais geração de inferências, construção de hipóteses e capacidade de julgamento da adequação e importância do conteúdo do texto, do que leitores com menos conhecimentos (p. ex., ANDERSON; PEARSON, 1984; HAAS; FLOWER, 1988).

Além do papel central do conhecimento prévio na compreensão da leitura, a importância do monitoramento da compreensão e do uso de estratégias metacognitivas* de processamento de texto tem sido enfocada por vários estudos, e, como resultado, várias estratégias têm sido identificadas. Pressley e Afflerbach (1995) identificam as atividades dos sujeitos durante o processamento textual, considerando os processos que ocorrem antes, durante e após a leitura. Cada um desses momentos, por sua vez, subdivide-se em subcategorias.

Segundo Pressley e Afflerbach (1995), os leitores proficientes preparam-se antecipadamente para ler um texto. Observam o grau de dificuldade e a extensão do texto, que partes lerão mais atentamente, quais ignorarão ou que apenas esquadrinharão visualmente, buscando identificar elementos prospectivos. Adicionalmente, ativam o conhecimento prévio por meio da pesquisa mental do seu conhecimento sobre o tópico em questão, além da leitura das referências bibliográficas. Resumem o quanto foi proveitosa essa visão geral e constroem uma hipótese inicial do assunto abordado.

* A cognição é compreendida como os processos mentais inconscientes de uma pessoa, enquanto a metacognição refere-se ao gerenciamento consciente sobre um fenômeno cognitivo pelo indivíduo.

Durante a leitura, executam diversas atividades: identificam informações relevantes, lêem as partes aparentemente mais importantes, fazem inferências, lêem em voz alta, repetem e reformulam uma idéia buscando sua correspondência na memória de trabalho. Tomam notas, fazem pausas para refletir sobre o texto, elaboram paráfrases, buscam padrões textuais, fazem predições. Relacionam partes do texto buscando esclarecer dúvidas, interpretam o texto, emitem juízos de valor sobre a qualidade do texto e a veracidade do relato, entre outras. Todas essas atividades demandam esforços cognitivos, sendo consideradas pelos pesquisadores a parte mais exaustiva para o leitor.

Após a leitura, relêem o texto na íntegra, recitam o texto visando a ampliar a memória, listam porções de informações, fazem autoquestionamentos, testam suas hipóteses sobre o conteúdo do texto, refletem sobre as informações recentes, interpretando-as, relêem partes do texto, entre outras atividades.

Em 2000, Pressley, resumindo as pesquisas da área, identifica quatro estratégias de compreensão textual recorrentes nos estudos analisados: predição, questionamento, busca por esclarecimento quando a compreensão apresenta-se confusa e resumo. Confirmando achados anteriores, além das estratégias de processamento de texto, a leitura envolve diversos processos, tais como construção de imagens, monitoramento da compreensão, releitura e interpretação.

Para o indexador, seu cotidiano é concentrado no ato da leitura, de forma a viabilizar o acesso à informação contida nos documentos aos usuários dos sistemas de informação anteriormente mencionados. Como a leitura dos documentos na íntegra demandaria um tempo de que não dispõe, é instruído a ater-se a partes do documento, tais como o título e o resumo.
As pesquisas sobre indexação têm evidenciado três pontos da atividade: compreensão do texto (identificação do conteúdo de um documento), geração de texto (tradução do conteúdo identificado para a linguagem de indexação e/ou sua expressão na forma de um resumo) e a representação do conteúdo (criação de linguagens, como os thesauri, por exemplo).

A compreensão textual foi investigada por Farrow (1991), que, buscando conhecer o modelo situacional do indexador, pretendia descobrir de que modo o indexador efetua a leitura. O autor observou que a perícia no assunto tratado no texto é de grande importância e que a compreensão é um processo limitado, não apenas pela habilidade de leitura do indexador, mas também pela sua capacidade de armazenamento de informações na memória. Farrow fundamentou-se na pesquisa de Kintsch e Van Dijk (1978), cujo modelo de produção e compreensão textuais poderia servir para a descrição do processo de leitura do indexador.

A abordagem de Kintsch e Van Dijk foi usada também por Beghtol (1986), que considera importantes os estudos de interseção entre o processo de indexação e as abordagens cognitivas do processamento textual para melhor entendimento dos processos envolvidos em uma leitura tão peculiar quanto a do indexador.

Fujita (1999) utilizou o método do “protocolo verbal” como instrumento de coleta de dados. A pesquisadora observou que o indexador utiliza estratégias metacognitivas para a identificação de conceitos, demonstrando domínio da estrutura textual dos documentos. A autora adverte para a importância de uma leitura bem estruturada e da sistematização de um método para a identificação de conceitos.

A habilidade dos indexadores com diferentes níveis de experiência foi enfocada por Bertrand e Cellier (1995). Os resultados mostraram profissionais com mais prática utilizando certas estratégias não utilizadas pelos indexadores noviços. Os autores identificaram, ainda, que a perícia no uso da linguagem de indexação e a familiaridade com o assunto influenciam igualmente no trabalho dos indexadores. A importância da experiência adquirida pelo indexador foi também evidenciada por Naves (2000).

A importância do conhecimento prévio no assunto a ser indexado foi também estudada por Ward (1996). Segundo ele, o indexador precisa ter ainda outras habilidades: julgar o que indexar e com que profundidade; ler (inclusive dados não-verbais); analisar e avaliar textos; gerar textos específicos do sistema de informação, catalogar e classificar.

As pesquisas têm também evidenciado que a leitura do indexador não está relacionada apenas à identificação das superestruturas e dos esquemas textuais; vai além, pois exige a incorporação de uma série de atitudes, normas e habilidades que podem vir a ser automatizadas em nível de atitudes, mas que exigem do profissional uma adaptação freqüente. No entanto, nota-se nas pesquisas da área um enfoque pouco expressivo na descrição dos processos cognitivos na leitura para fins de indexação, apesar de a literatura vir identificando estratégias metacognitivas utilizadas pelos leitores em geral. Tomando como referência essas estratégias, nosso objetivo principal foi averiguar se, na indexação, as mesmas estratégias poderiam ser encontradas, quais seriam usadas e com que freqüência. A expectativa era que a leitura do indexador mostrasse particularidades. Assim, propúnhamos como objetivos específicos responder às seguintes questões: a) Que estratégias metacognitivas de leitura são usadas pelo indexador durante a leitura para fins de indexação? b) Além das estratégias metacognitivas de leitura usadas pelos leitores proficientes em geral, existem outras estratégias particulares utilizadas pelos indexadores? c) Em que aspectos a leitura para fins de indexação se assemelha ou se diferencia da leitura sob condições normais?

Para atingir esses objetivos, optamos pelo método do protocolo verbal, que possibilita a obtenção de relatos individuais da própria cognição durante a execução de uma tarefa ou à medida que esteja sendo relembrada. Esse método tem-se revelado útil no estudo de processos cognitivos complexos e consiste em solicitar aos sujeitos para fazer paradas ao longo do texto e relatar, em voz alta, o que estão pensando. Os estudos que avaliam os efeitos do processo de pensar alto na compreensão (p. ex., FLETCHER, 1986; CRAIN-THORESON, LIPPMAN e MCCLENDON-MAGNUSON, 1997) mostram que o processo de pensar alto não afeta a compreensão, comparado com a leitura silenciosa.

Dois procedimentos de protocolo verbal, marcado e não-marcado, são comumente usados na pesquisa em leitura. O marcado envolve a colocação de marcas coloridas em pontos do texto para sinalizar para o leitor que deve parar e comentar. No não marcado, o texto é apresentado sem marcas, e o sujeito faz comentários espontâneos. Passagens desse último tipo podem provocar poucos comentários, limitando as informações do protocolo. Já as passagens marcadas podem ter efeito oposto: podem gerar comentários supérfluos. Tentando elucidar essa questão, Crain-Thoreson, Lippman e McClendon-Magnuson (1997) compararam a eficácia dos dois procedimentos na produção de comentários. Descobriram que não houve efeito significativo entre as duas condições na compreensão do material lido e que a presença de marcação não afetou os escores de compreensão. No entanto, os autores descobriram que o padrão de correlação entre os tipos de comentário e compreensão diferiu com a presença e ausência de marcação. O procedimento marcado produziu mais categorias de comentários correlacionados com compreensão do que o procedimento não marcado.

Diante desses achados, a presente pesquisa propõe, como objetivo adicional, também testar a questão relacionada à forma de apresentação – marcada ou não marcada – dos textos utilizados.

MÉTODO

O estudo faz uso de um delineamento quase experimental, tendo como variáveis independentes o tipo de leitor – um grupo experimental de participantes (indexadores) e um grupo-controle (não indexadores) – e o tipo de texto (marcado ou não marcado). A variável dependente diz respeito às verbalizações produzidas na leitura em voz alta pelos dois grupos de sujeitos em função do tipo de texto.

Participantes

Participaram do estudo 14 leitores proficientes, distribuídos em dois grupos, cada um com sete componentes. O primeiro grupo foi composto por indexadores e recebeu a denominação de grupo de indexadores; o segundo, por sujeitos não indexadores, por sua vez identificado como grupo-controle.

Optamos por indexadores da área da educação, pela proximidade interdisciplinar com a ciência da informação. Foram selecionados bibliotecários das Faculdades de Educação da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minhas Gerais (PUC-Minas). Para o grupo-controle, estabelecemos os seguintes critérios: mestrando da UFMG, com projeto qualificado nas áreas da educação, psicologia ou ciência da informação, cuja formação não fosse em biblioteconomia. A seleção deu-se por sorteio a partir da lista fornecida pelos respectivos programas de pós-graduação.

No grupo dos indexadores, todos eram bibliotecários, com tempo de profissão médio de sete anos (DP = 1,61; mínimo = 6 e máximo = 10); a maioria tem como escolaridade máxima a especialização. No grupo-controle, os sete participantes apresentam profissões diferentes (professor, supervisor, psicólogo, psicoterapeuta, comunicólogo e consultor), têm em média quatro anos de profissão (DP = 1,27; mínimo = 3 e máximo = 6) e todos têm mestrado em curso. O grupo-controle apresenta, pois, perfil semelhante aos indexadores no que se refere à instrução. No entanto, apresenta em média menor tempo de profissão.

Instrumento

O instrumento constituiu-se de três textos inéditos para os participantes. Um texto foi usado para treinamento do procedimento de protocolo verbal e os outros dois, com cerca de 1.600 palavras cada, foram utilizados para o experimento. O artigo de Santos (2001) trata do papel dos Gaesi (grupos acadêmicos de estudos interdisciplinares) na formação do professor de línguas, ao passo que o artigo de Pires (2001) discute os resultados de sua dissertação, que teve por objetivo analisar a construção do sujeito destinatário na obra literária infantil de Ziraldo. Dentre esses, um foi apresentado de forma marcada, e o outro, sem marcas. Um modo de estimular os comentários durante a verbalização é a marcação do texto, ou seja, a cada período com um sentido completo, assinala-se com um ponto no final do parágrafo, induzindo comentários. Além disso, foram retiradas as identificações acadêmicas dos autores das notas de rodapé, constando apenas seus nomes, como também as referências.

Antes da coleta de dados, os dois textos foram lidos e avaliados por dois indexadores externos à pesquisa, mas com perfil semelhante aos sujeitos do estudo. Ambos consideraram os textos escolhidos equivalentes em grau de dificuldade e compreensão.

Especificação e descrição das estratégias metacognitivas

As variáveis usadas na pesquisa foram pautadas no processo referente às estratégias empregadas durante a leitura de um texto, como evidenciam Pressley e Afflerbach (1995). Dentre as categorias citadas por esses autores, selecionamos as seguintes: incompreensão monitorada, construção de hipótese, relação de informações entre sentenças e parágrafos, estratégia pergunta-resposta e resumo mentalmente elaborado. A essas foram acrescidas mais três, encontradas na literatura: juízo de valor, evocação e repetição. Vale salientar que as definições das categorias foram elaboradas por nós tendo em vista sua adequação do procedimento à pesquisa. Nas transcrições dos protocolos, foram identificadas tomando como referência as seguintes definições:

Incompreensão monitorada. O leitor não percebe claramente o significado de um termo, de uma sentença, ou mesmo a idéia do autor. É identificada por frases que expressam confusão e dúvidas sem mostrar evidência de uma estratégia para resolver o impasse: Não sei o que é... Não compreendo... O autor não explicita... O autor faz confusão... Deve ser...

Construção de hipótese. Durante a leitura, fazemos suposições sobre o assunto tratado, que podem ser confirmadas em sua totalidade, em parte ou descartadas, fazendo-se necessária sua reformulação ou elaboração de novas suposições. Foi identificada por expressões como: Acho que... Acredito que... Para mim isso é... Provavelmente...

Relação de informação entre sentenças e parágrafos. Durante a leitura, relacionamos termos, frases, sentenças e parágrafos entre si, buscando dar-lhes sentido. A unida-de textual é de grande importância, pois proporciona a fruição das idéias. O sujeito mostra ter tirado suas dúvidas a partir de uma sentença ou parágrafo anterior, como: Agora estou entendendo ... Como o autor disse antes... Então quer dizer que... Acho esse parágrafo importante...

Pergunta-resposta. Ocorre quando o sujeito questiona a si mesmo ou ao texto sobre um esclarecimento necessário para a compreensão do assunto tratado, podendo ser identificada por questões diretas, como: O que será que o autor quis dizer... Vou retomar essa questão... Encontrei a resposta...

Resumo mentalmente elaborado. O leitor busca formular uma síntese, a partir das partes importantes do texto. É identificado por comentários como: Em resumo... Em síntese...

Juízo de valor. O leitor emite juízos de valor sobre o autor e sobre o texto, concorda ou discorda do autor. É identi-ficada por expressões como: Em minha opinião... Isso é importante... É interessante... Não acho importante... Com certeza ... É exatamente isso... Está certo... Está errado... O autor foi claro... O autor não foi claro ...

Evocação. Estratégia utilizada na compreensão, abrangendo a codificação semântica e episódica, as representações mentais, a partir da criação de modelos mentais, roteiros e esquemas. O sujeito busca na memória informações que sedimentem a sua leitura, relembrando outros autores ou assuntos lidos ou estudados antes: Isso me lembra...O professor fulano de tal falava sobre isto...

Repetição. Ocorre quando o sujeito relê um parágrafo ou sentença, cita-o em voz alta, buscando fixar a informação na memória de curto prazo e/ou resgatá-la da memória de longo prazo. Uma resposta é também considerada repetição quando o sujeito sublinha o texto e expressa esse ato, ou repete apenas uma palavra do texto.

Procedimentos de coleta e transcrição dos dados

A coleta de dados no protocolo verbal é efetuada com a gravação da leitura em voz alta. Os comentários/verbalizações feitos durante a leitura são posteriormente transcritos e classificados em categorias (PRESSLEY; AFFLERBACH, 1995; CRAIN-THORESON; LIPPMAN; MCCLEDON-MAGNUSON, 1997, entre outros autores). No entanto, tendo em vista a especificidade do nosso estudo, buscamos sistematizar o método de acordo com o perfil da pesquisa.

Os participantes foram instruídos individualmente sobre o procedimento de pensar em voz alta. Utilizamos o primeiro texto, que não foi lido, apenas serviu para exemplificar a condição do protocolo verbal. Inicialmente, explicamos o processo que se iniciava. Para tanto, elaboramos a seguinte seqüência de instruções: a) reproduza o processo de leitura que lhe é peculiar, sem se preocupar com a presença do pesquisador; b) leia os dois textos que serão entregues a seguir, em voz alta. Um dos textos terá pontos marcando o local onde deve parar para comentar, no outro, a leitura é livre; c) procure explicitar, do modo mais claro possível, o que se passa em sua mente; d) expresse verbalmente todo e qualquer pensamento que ocorra em sua mente e manifeste toda dúvida que lhe ocorra, inclusive a busca por uma solução.

Em seguida, iniciou-se a leitura para fins de registro dos comentários. O pesquisador procurou manter-se fora do campo visual dos sujeitos, de modo a causar o mínimo de interferência. Os textos marcados e não marcados foram contrabalançados entre os sujeitos para evitar o efeito de ordem. Ao término das seções, as fitas foram transcritas e as categorias identificadas. A classificação obtida foi avaliada por duas pessoas externas à pesquisa denomi-nadas juízes – alunos de mestrado em psicologia –, com o objetivo de verificar o grau de acerto da codificação. A concordância do primeiro juiz foi de 75%, e a do segundo, de 87%, o que significa um índice satisfatório de acerto, pois o percentual recomendado é de 83%.

Pressupostos

Os fundamentos que sustentam as expectativas quanto ao desempenho dos indexadores nas estratégias metacognitivas de leitura estudadas neste trabalho estão basicamente relacionados à sua formação. Em relação à incompreensão monitorada, seria de se esperar que tivessem um desempenho algo diferenciado, no qual oferecessem evidência de compreensão em vez de expressar confusão e dúvidas, já que são treinados para a atividade de leitura de documentos e a devem exercer como uma tarefa profissional. Acredita-se que o indexador se encontra apto para utilizar estratégias que expressem o monitoramento da compreensão de forma muito mais aguerrida do que o leitor comum, que, de certa forma, poderia se colocar em uma posição mais passiva.

O mesmo se poderia dizer em relação à construção de hipóteses. Com efeito, o treinamento em análise de assunto propõe como uma das principais estratégias a leitura técnica, em que o indexador se concentra em algumas partes do documento suficientes para a identificação do assunto: o título, o resumo, a introdução, entre outras. Além de serem elementos-chave na determinação do assunto do documento, têm a vantagem de dispensar a leitura integral do texto. Esses elementos guardam uma proximidade muito grande com os elementos contextualizadores da estratégia de construção de hipóteses. A leitura técnica também predispõe ao uso da estratégia relação entre sentença e parágrafos, pois instrumenta o indexador a ler de forma fluente, habilitando-o a estabelecer correspondência entre os grupos de informações proporcionadas pelo texto.
Era de se esperar também que os indexadores dessem ênfase aos resumos, tendo em vista que sua formação inclui o treinamento na elaboração desse tipo de texto. Quanto à estratégia de emitir juízos de valor, pressuponha-se um desempenho diferenciado, uma vez que o indexador é treinado para analisar os documentos da forma a mais imparcial possível. Assim, deixar-se influenciar por juízos de valor poderia ter um impacto negativo na sua função de procurar ser imparcial na descrição temática de determinado documento. Finalmen-te, no que diz respeito às categorias evocação, repetição e pergunta-resposta, esperávamos que fizessem parte do comportamento de todos os tipos de leitores proficientes. Por isso, tínhamos a expectativa de que os indexadores apresentassem um desempenho semelhante ao do grupo-controle.

Em relação à questão metodológica, é com base na literatura que esperávamos que o texto marcado produzisse mais comentários do que o texto não marcado.

RESULTADOS

Os resultados consistem nas verbalizações produzidas na leitura em voz alta pelos dois grupos de sujeitos, as quais foram classificadas nas categorias já mencionadas: incompreensão monitorada, construção de hipótese, relação de informação entre sentença e parágrafo, pergunta-resposta, resumo mentalmente elaborado, juízo de valor, evocação e repetição.
Para realizar as análises descritivas, bem como os testes não paramétricos Wilcoxon e Mann-Whitney, foi utilizado o pacote estatístico SPSSWIN. O primeiro foi utilizado com a finalidade de verificar se existe diferença entre as medidas tomadas em relação ao texto marcado e não marcado. O segundo, para verificar se há diferença de leitura entre os dois grupos – indexadores e não-indexadores. Para ambos os testes, considerou-se como nível de significância satisfatório p £ 0,05.
Apresentamos, a seguir, a descrição geral dos resultados obtidos pelos indexadores e grupo-controle (tabela 1).

TABELA 1
Amplitude da freqüência de respostas, médias e desvios-padrões dos resultados obtidos pelos indexadores e grupo-controle, por categoria, relativos aos textos marcados e não marcados

 

Indexadores

Grupo controle

Categorias de leitura

Mínimo

Máximo

Média

Desvio padrão

Mínimo

Máximo

Média

Desvio padrão

Incompreensão monitorada – tm

0

10

2,85

3,48

1

11

4,57

3,30

Incompreensão monitorada – tnm

0

3

0,57

1,13

0

3

1,14

1,21

Construção de hipótese – tm

1

10

4,28

3,30

1

8

3,28

2,43

Construção de hipótese – tnm

1

8

3,28

2,43

0

8

2,00

2,76

Relação entre sentenças e parágrafos – tm

1

24

9,00

7,76

3

11

8,57

2,76

Relação entre sentenças e parágrafos – tnm

1

11

4,71

3,40

1

10

5,71

2,98

Resumo mentalmente elaborado – tm

3

10

4,28

2,62

1

3

1,42

0,78

Resumo mentalmente elaborado – tnm

1

3

1,57

0,78

0

1

0,85

0,37

Juízo de valor  tm

 

0

25

8,85

8,41

3

11

5,85

3,48

Juízo de valor – tnm

0

26

9,85

9,17

3

25

11,85

8,89

Evocação  tm

 

0

7

2,14

2,73

1

11

3,57

3,45

Evocação – tnm

 

0

7

1,42

2,50

0

8

3,14

2,60

Repetição  tm

 

1

8

3,71

2,13

0

21

5,85

7,28

Repetição – tnm

 

0

12

2,14

4,48

0

1

0,42

0,53

Pergunta-resposta – tm

0

3

1,28

1,38

0

4

1,42

1,27

Pergunta-resposta - tnm

0

1

0,28

0,48

0

1

0,28

0,48

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

tm = texto marcado
tnm = texto não marcado

Nos dois grupos, podemos observar que a situação de texto marcado obteve, na maioria das categorias, médias mais altas do que a de texto não marcado, o que foi confirmado pelos resultados do teste Wilcoxon (tabela 2). Com exceção das categorias juízo de valor e evocação, todas as demais mostraram diferenças significativas (p £ 0,05) em função do tipo de apresentação do texto, tendo a condição marcada redundado na produção de mais respostas em comparação à condição não marcada. Assim, considerando os dois grupos juntos, o texto marcado produziu maior ocorrência de verbalizações do que o procedimento não marcado.

TABELA 2
Comparação entre as categorias de textos marcados e de não marcados, em função das respostas dos indexadores e do grupo-controle por meio do teste Wilcoxon

Categorias

Z

Nível de significância

Incompreensão monitorada

-2,49

0,013

Construção de hipótese

-2,55

0,011

Relação entre sentenças e parágrafos

-2,71

0,007

Resumo mentalmente elaborado

-2,69

0,007

Juízo de valor

-1,32

0,184

Evocação

-1,20

0,230

Repetição

-2,20

0,028

Pergunta-resposta

-1,49

0.001

 

No entanto, considerando cada grupo separadamente (tabelas 3 e 4), percebemos que a condição marcada ou não marcada dos textos afetou mais as respostas do grupo-controle. Para os indexadores (tabela 3), exceto para as categorias relação entre sentenças e parágrafos e resumo mentalmente elaborado, em que a condição marcada produziu maiores índices de respostas, não fez diferença se o texto era marcado ou não.

TABELA 3
Comparação entre as categorias de textos marcados e não marcados, em função das respostas dos indexadores por meio do teste Wilcoxon

Categorias

Z

Nível de significância

Incompreensão monitorada

-1,47

0,141

Construção de hipótese

-0,75

0,450

Relação entre sentenças e parágrafos

-1,99

0,046

Resumo mentalmente elaborado

-2,22

0,026

Juízo de valor

0,00

1,000

Evocação

-1,34

0,180

Repetição

-1,19

0,233

Pergunta-resposta

-1,84

0,066

 

TABELA 4
Comparação entre as categorias de textos marcados e de não marcados, em função das respostas do grupo-controle por meio do teste Wilcoxon

Categorias

Z

Nível de significância

Incompreensão monitorada

-2,02

0,043

Construção de hipótese

-1,84

0,066

Relação entre sentenças e parágrafos

-1,99

0,046

Resumo mentalmente elaborado

-1,63

0,102

Juízo de valor

-1,89

0,058

Evocação

-0,55

0,581

Repetição

-2,02

0,043

Pergunta-resposta

-1,84

0,066

 

Para o grupo-controle, as categorias incompreensão monitorada, relação entre sentenças e parágrafos, juízo de valor e repetição apresentaram diferenças significativas (p £ 0,05) em função da característica marcada ou não marcada do texto. Exceto para a categoria juízo de valor, a condição marcada apresentou maior índice de respostas.

Em síntese, considerando o desempenho geral dos dois grupos (tabela 1), na situação texto marcado, podemos constatar que o grupo de indexadores apresentou maiores amplitudes de resultados e maiores desvios-padrões na maioria das categorias em relação ao grupo-controle (exceto nas categorias evocação e repetição) de monstrando, por conseguinte, maior variabilidade de desempenho em comparação ao grupo-controle. No que se refere ao texto não marcado, o comportamento dos dois grupos mostrou mais semelhanças, com exceção da categoria repetição, que, mais uma vez, causou maior variabilidade de resultados e maior desvio-padrão no grupo de indexadores. Outra semelhança entre os dois grupos refere-se ao desempenho na categoria pergunta-resposta, que exibiu os menores resultados nos dois grupos e nas duas condições de texto.

Com base na constatação de que, nos dois grupos, como um todo, a condição de texto marcado produziu maior ocorrência de verbalizações do que o procedimento não marcado, passaremos agora a verificar se, no que se refere à condição marcada, há diferença de leitura entre os indexadores e não-indexadores.

Na tabela 5, evidenciamos a comparação, por meio de teste Mann-Whitney, entre as respostas dos dois grupos, baseada na média e na soma dos postos, incluindo o nível de significância.

TABELA 5
Comparação entre as respostas dos indexadores e grupo-controle, em função do estilo de texto marcado e das categorias de estratégias

Categorias

Grupos

Média dos postos (Ranks)

Soma dos postos (Ranks)

Teste Mann-Whitney

valor de z e nível de significância

Incompreensão monitorada

Indexador

6,00

42,00

-1,349; p = 0,177

Grupo controle

9,00

63,00

Construção de hipótese

Indexador

8,07

56,50

-0,520; p= 0,603

Grupo controle

6,93

48,50

Relação entre sentenças e parágrafos

Indexador

7,36

51,50

-0,129; p= 0,897

Grupo controle

7,64

53,50

Resumo mentalmente elaborado

Indexador

10,64

74,50

-2,998; p = 0,003

Grupo controle

4,36

30,50

Juízo de valor 

Indexador

8,36

58,50

-0,774; p = 0,439

Grupo controle

6,64

46,50

Evocação

 

Indexador

6,14

43,00

-1,244; p = 0,213

Grupo controle

8,86

62,00

Repetição

 

Indexador

7,36

51,50

-0,130; p = 0,897

Grupo controle

7,64

53,50

Pergunta-resposta

Indexador

7,14

50,00

-0,331; p = 0,740

Grupo controle

7,86

55,00

 

No teste de Mann-Whitney, para que houvesse diferença significativa entre os dois grupos, seria necessário que a soma dos postos fosse menor ou igual a 36. Ocorreu uma distinção expressiva (estatisticamente significativa) apenas na variável “resumo mentalmente elaborado”, que, na leitura dos indexadores, em comparação com o grupo-controle, apresentou maior média, embora, como já mencionado, o desempenho do grupo de indexadores tenha apresentado maior variabilidade.

Com base na formação dos indexadores e em nossas expectativas com relação seu desempenho, esse resultado é bastante inesperado, o que nos obriga a proceder a uma análise mais detalhada dos dados e das verbalizações produzidas pelos participantes dos dois grupos no texto marcado, que, como vimos, produziu mais informações. Em comparação ao grupo-controle, esperávamos encontrar por parte dos indexadores uma leitura mais diferenciada no sentido de maior ou menor uso de estratégias metacognitivas (de acordo com as nossas expectativas), além da identificação de estratégias qualitativamente diferentes nos dois grupos.

Assim, embora a leitura dos indexadores tenha se diferenciado dos leitores não-indexadores em termos de significância estatística, apenas, no que se refere à sua capacidade de elaborar resumos, a tabela 1 nos mostra que a média de comentários que expressam incompreensão monitorada obtida pelos indexadores foi sensivelmente menor do que a do grupo-controle. Esse resultado significa que, além da capacidade de sintetizar a informação, os indexadores expressam menos confusões e dúvidas sem evidência de solucioná-las do que os não-indexadores. Isso está de acordo com a expectativa de que, em função do treinamento recebido, encontraríamos nos indexadores um desempenho algo diferenciado, que demonstrasse menos sinais de incompreensão, mesmo que monitorada.

Vejamos alguns exemplos de verbalizações dos participantes dos dois grupos no texto marcado. O indexador 1, por exemplo, ao ler o título do texto, comentou: Já não sei o que é Gaesi. Ao ler o mesmo texto, o GC 4 seguiu até a linha 11, antes de manifestar sua incompreensão: O que eu fiquei curioso foi quanto à questão do Gaesi, que não tá falando aqui... Bom, ele tá fazendo uma introdução ao projeto, mas eu tô achando muito confuso... Embora ambos os sujeitos tenham mostrado sinais de incompreensão, o indexador expressou imediatamente, isto é, já no título, a sua dúvida, mostrando estar atento para a procura da definição do termo, o que pode facilitar a compreensão. Em um outro momento, na linha 29, o indexador 1 expressou: Bakhtiniano, não sei o que é, tenho que procurar saber o que é.... Temos aqui um exemplo de um sujeito procurando ativamente monitorar a sua incompreensão.

Retomando os dados da tabela 1, observamos que a média de comentários que expressam repetição obtida pelos indexadores, como a média de incompreensão monitorada, foi consideravelmente menor do que a do grupo-controle. No entanto, a maior média obtida pelo grupo-controle, na estratégia repetição, deveu-se à grande variância dos resultados de seus componentes (53,14 contra apenas 4,57 no grupo de indexadores) e maior desvio-padrão (7,29 contra 2,14). Os indexadores mostraram então maior uniformidade de desempenho quanto à estratégia sob consideração.

Finalmente, a tabela 1 (ainda considerando os textos marcados) mostra-nos que, contrariamente às nossas expectativas, o grupo de indexadores apresentou maior média em juízo de valor do que o grupo-controle. Entretanto, vale lembrar que a alta média obtida ocorreu em decorrência da grande variância dos resultados (70,81 contra apenas 12,14 no grupo-controle) e maior desvio-padrão (8,41 contra 3,48). Em vez da uniformidade expressa na estratégia de repetição, os indexadores mostraram grande heterogeneidade de desempenho quando emitiram juízo de valor. O mesmo pode ser observado quando demonstraram o uso da relação entre sentenças e parágrafos. Apesar de não ter havido diferenças entre as médias nos dois grupos, nessa estratégia, o grupo de indexadores mostrou maior variância (60,33) e maior desvio-padrão (7,77) do que o grupo-controle (7,62 e 2,76, respectivamente).

De qualquer forma, é surpreendente que, a despeito da formação do bibliotecário, instruído a não emitir juízo de valor, pelo menos alguns dos profissionais da amostra não foram imparciais no processo de indexação. Igualmente, era de se esperar que os indexadores mostrassem um desempenho mais homogêneo na categoria relação entre sentença e parágrafos. Passemos a alguns exemplos de verbalização em ambas as estratégias sob análise.

O juízo de valor foi identificado a partir de expressões que denotassem opinião pessoal ou avaliação das idéias do autor e da qualidade do texto. O indexador 1, por exemplo, afirma em determinado momento: Eu também não, como você pode escrever bem, deixando a gramática de lado? Impossível, você tem que trabalhar a gramática de forma mais prazerosa... Eu acho que o ensino da gramática não pode ser chato... Já o indexador 3 emitiu o seguinte juízo de valor: É, na minha opinião, é muito mais interessante um grupo único, do que ficar formando vários grupos e ir desmembrando.

Durante a leitura, desde o seu início, relacionamos termos, frases, sentenças e parágrafos entre si. Dessas relações, advém o sentido atribuído ao texto, as analogias que possibilitam a compreensão do sentido dado pelo autor. As formulações baseadas nas experiências metacognitivas, acumuladas com o conhecimento adquirido em leituras anteriores, possibilitam aos leitores fazer inferências às proposições do autor. Tais habilidades são utilizadas em grande escala pelos leitores proficientes durante a compreensão textual. A estratégia relação entre sentenças e parágrafos, em nossa pesquisa, foi uma variável relativa à unidade textual e foi identificada quando os sujeitos expressavam fruição na leitura. O indexador 2 assim verbaliza: Ele coloca em questão o que acontece a partir dali, o que surge de novo. Já o indexador 7 observa: Esse texto parece ter sido escrito por mais de uma pessoa, a linguagem muda em certos momentos... Finalmente, o grupo-controle 3 também considerou estranha certa parte do texto: Bom, tá muito claro que essa parte do texto, as considerações finais, foram escritas por um autor diferente das primeiras partes do texto. A linguagem mudou completamente...

Pela amplitude dos resultados e pela sua alta variância, podemos concluir que apenas alguns poucos indexadores demonstraram o uso da estratégia de relação entre sentenças e parágrafos com maior freqüência do que os sujeitos do grupo-controle.

No que se refere à construção de hipóteses, os dois grupos de participantes mostraram desempenho semelhante tanto em quantidade quanto qualidade, o que mais uma vez não confirma nossas expectativas quanto à leitura do indexador. Vejamos um exemplo de verbalização de um indexador nesse sentido. O indexador 7, ao ler o título do texto, expressou dúvida, mas iniciou sua primeira construção de hipótese: O que poderia ser Gaesi? Quando eu vejo educação em interdisciplinaridade, deve ser alguma coisa que envolveu várias disciplinas ou assuntos diferentes.

Os dois grupos de sujeitos também mostraram desempenho semelhante no que se refere ao uso das estratégias evocação e perguntas e respostas. O elemento determinante da estratégia evocação é o uso de termos que exprimem uma representação mental evocativa, como na reação do indexador 2, ao ler o título do texto: Lembra-me aquilo que é colocado na sala de aula, e o que se produz a partir dali, se existe alguma relação com o que se aprende e se produz.

Outra estratégia utilizada diante de incertezas sobre nossas expectativas, suposições ou interpretações, que podem extinguir ou mesmo diminuir dúvidas, é o questionamento do texto/autor, quando o incitamos a “falar” conosco e a “dizer” se estamos corretos em nossas afirmações ou precisamos mudar o rumo dos conceitos possíveis àquele conteúdo. Essa estratégia foi a menos usada por nossos sujeitos.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Fizemos uma série de suposições que procuramos confirmar com a pesquisa. De modo geral, esperávamos que a leitura para fins de indexação mostrasse peculiaridades em relação à leitura efetuada em condições naturais. No entanto, descobrimos que, com exceção de maior uso da estratégia de resumo e de alguns sinais de maior monitoramento da compreensão, a leitura do indexador não se diferenciou da leitura de outros leitores proficientes. Exceto quando usavam a repetição, cujo papel é manter a informação na memória de curto prazo, e quando monitoraram sua incompreensão, os indexadores mostraram maior variabilidade de desempenho, revelando ser uma amostra muito mais heterogênea do que a de leitores não-indexadores em termos do comportamento de leitura. Isso ficou especialmente evidente ao demonstrarem o uso das estratégias de juízo de valor e relação entre sentenças e parágrafos. A falta de imparcialidade na leitura e o fraco indício de busca da relação entre sentenças e parágrafos expressos por alguns desses profissionais são surpreendentes, assim como a descoberta da ausência de diferenciação entre indexadores e leitores comuns no que se refere ao processo de construção de hipóteses.

Considerando a categoria juízo de valor, verificamos que os dois tipos de leitores estudados emitem juízos de valor sobre o autor e sobre o texto. Durante a leitura, os indexadores variaram na sua expressão de julgamento sobre o texto e seu autor. Com base na grande variabilidade entre o grupo de indexadores, podemos afirmar que pelo menos uma parcela desses sujeitos avalia o texto de modo mais intenso do que os outros leitores e que utilizam essa operação para a implementação do ato de indexar. A análise da estratégia de relação entre sentenças evidencia que o uso desse procedimento conduz o leitor às idéias do autor e à identificação desse tipo de relação. Esperávamos que, em decorrência da proximidade com a leitura e a prática em processamento textual, o profissional da indexação sobressaísse por sua habilidade em lidar com as unidades textuais, mas isso não foi observado no comportamento dos indexadores. Na estratégia de construção de hipótese, percebemos a importância da experiência de um leitor em lidar com a organização textual. O indexador, que tem a leitura como ferramenta de trabalho e que recebe treinamento específico para lidar com os elementos contextualizadores do texto, deveria ter expresso muito mais familiaridade na identificação dos elementos constitutivos do texto em sua leitura.

Entretanto, o fato de os indexadores terem se sobressaído na estratégia resumo é animador. O domínio dessa habilidade demonstra que o leitor está sempre atento à meta que pretende atingir com a leitura buscando ao longo do texto partes mais importantes que lhe possam dar uma direção segura. O grupo-controle levou a efeito a estratégia de elaboração mental de resumo de modo distinto e bem menos freqüente que os indexadores. Esses resultados nos mostram que a formação na área e o exercício freqüente de habilidades específicas levaram os indexadores a um desempenho que supera o dos demais leitores, o que corresponde ao que se espera para o profissional indexador.

É igualmente animador que os indexadores tenham monitorado sua incompreensão com menos freqüência que o grupo-controle, o que parece demonstrar uma apreensão mais rápida do sentido geral do texto do que os não-indexadores. Além disso, quando expressam dúvidas, mostram sinais de que sabem como procurar a solução. Tal comportamento pode ser decorrente do fato de o indexador ter a leitura como ferramenta de trabalho. Nessa perspectiva, ao estar mais exposto ao texto, parece ter adquirido a habilidade de ativar os esquemas mentais e os formatos do gênero textual acadêmico. Ou seja, com a prática adquiriu destrezas metacognitivas que lhe possibilitaram maior facilidade em acionar os esquemas mentais que o colocam em interação com a construção textual, demarcada pelos mecanismos de argumentação, que foram apreendidos em razão do maior número de ocorrências em seu cotidiano. Portanto, esse contato freqüente proporcionou uma visão textual mais clara, capacidade de síntese e baixa construção de incompreensão monitorada. Esperávamos, entretanto, que essa diferença fosse estatisticamente significativa, mostrando um comportamento bastante diverso do grupo-controle.

CONCLUSÕES

Em sua formação, o bibliotecário cursa disciplinas que visam a instruí-lo na organização e no tratamento da informação, como também no processamento técnico dos documentos. Porém, apesar desse treinamento, em sua busca por termos para representar o assunto tratado no documento, o indexador baseia-se no discernimento próprio e na prática adquirida no exercício da profissão, o que, além de tornar o processo de indexação subjetivo, questiona a eficácia da formação profissional. Outro fator responsável pela subjetividade no processo é o desconhecimento dos mecanismos cognitivos subjacentes ao processo de indexação.

Diante desse quadro, tentamos neste trabalho identificar as peculiaridades da leitura para fins de indexação e como esse tipo de leitura se assemelha ou se diferencia da leitura sob condições normais, em termos das estratégias utilizadas. As pesquisas, até o momento, não dão conta dos eventos metacognitivos ocorridos durante a leitura para fins de indexação.

Assim, parece-nos que, com algumas exceções, as indicações para a leitura do indexador não se traduzem em uma leitura diferenciada, já que, em termos do uso de estratégias metacognitivas, a leitura para propósito de indexação não apresenta características próprias que a diferenciem daquela dos leitores de modo geral. A ênfase do ensino do tratamento temático da informação deveria então voltar-se de forma mais arrojada ao desenvolvi-mento de competências necessárias à implementação de uma leitura mais estratégica do que a revelada por esta pesquisa.

Conseqüentemente, faz-se preciso uma adequação do ensino de biblioteconomia às teorias cognitivas, que poderão possibilitar a convergência de habilidades naturais com as habilidades que podem ser desenvolvidas com o uso de técnicas de gestão cognitiva da leitura. O desenvolvimento dessa confluência de competências deveria receber maior ênfase nos cursos de formação. A inserção dessas competências nos currículos da formação acadêmica de bibliotecários possibilitará uma orientação pontual para a relevância dos processos cognitivos no desenvolvimento de experiências monitoradas de leitura para o futuro indexador de textos.

A inclusão de disciplinas como “Aspectos cognitivos no tratamento da informação” ou “Fundamentos cognitivos na leitura para indexação”, em cursos de biblioteconomia e de arquivologia, possibilitaria a incorporação desse aparatus teórico na formação de profissionais que trabalham na área da ciência da informação.

Nessa perspectiva, diversas pesquisas têm sido realizadas em outras áreas do conhecimento, visando à implementação de ensino do uso das estratégias metacognitivas na leitura. Pressley (2000) relata várias investigações que enfocam a compreensão dos processos mentais envolvidos na compreensão textual e sua implementação em experiências educacionais. As pesquisas de Pressley e outros (1992) e de Chan (1992), entre outras, relatam o sucesso obtido no ensino da monitoração da compreensão a crianças no ensino fundamental.

O segundo objetivo do estudo dizia respeito a questões metodológicas ligadas ao uso da técnica do protocolo verbal: avaliar se o procedimento marcado produz maior número de comentários do que o procedimento não marcado. A expectativa foi confirmada. De fato o texto marcado produziu mais verbalizações do que o não marcado. Diferentemente dos achados de Crain-Thoreson, Lippman e McClendon-Magnuson (1997), que encontraram o efeito marcado versus não marcado apenas em uma análise qualitativa (o procedimento marcado produziu mais categorias de comentários correlacionados com os escores de uma medida de compreensão do que o procedimento não marcado), na presente pesquisa o efeito se mostrou estatisticamente significativo para a maioria das categorias estudadas quando os resultados dos dois grupos foram analisados em conjunto. Quando os resultados foram analisados para cada grupo separadamente, a condição marcada ou não marcada dos textos afetou mais as respostas do grupo-controle. Para os indexadores, com exceção de duas categorias em que a condição marcada produziu maiores índices de respostas, não fez diferença se o texto era marcado ou não; mas esse grupo de indexadores, na situação texto marcado, apresentou em relação ao grupo-controle um desempenho mais heterogêneo.

Artigo submetido em 28/02/2006 e aceito em 08/03/2007.

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