Dimensão e perspectivas sociais do acesso livre à informação
No mundo contemporâneo da sociedade da informação ou sociedade em rede, assim denominada por Manuel Castells, a grande questão é como as pessoas terão amplo e livre acesso aos benefícios das tecnologias de informação e comunicação (TICs), de forma que a Internet, por sua apropriação social, seja um poderoso instrumento de educação, ciência e tecnologia, cultura e formação de cidadania.
Para a concretização desse propósito e para que a utopia imaginada, alguns séculos atrás, pelo grande pensador inglês Thomas Morus (1480-1535) se torne realidade, o que é necessário?
Governos e instituições nacionais e internacionais devem não somente proporcionar a infra-estrutura tecnológica, de comunicação e de informação (conteúdos) essencial, mas também formular e concretizar políticas com esta finalidade, abarcando, ao mesmo tempo, coleções e acervos manuscritos, impressos e eletrônicos, aí incluída a pluralidade do diversificado conjunto de textos, imagens e sons patrimônio documental e patrimônio digital, memória do mundo.
O Ibict, fortemente engajado em ações dessa natureza, lançou o Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica (Ibict, 2005), integrando-se ao movimento que emana de diferentes países, tendo por base sobretudo a Declaração de Berlim e em harmonia com as idéias e ideais da International Federation of Lybrary Association and Institutions (Ifla) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Manifesto tem por objetivo mobilizar a comunidade científica e a sociedade brasileira em geral para se universalizar e democratizar a informação em ciência e tecnologia, condição fundamental para o desenvolvimento econômico e social de nosso país, bem como atuar como forte agente de inclusão social (Suaiden, Manifesto, 2005).
No entanto, até chegar ao acesso livre à informação, alguns marcos históricos foram semeando e sedimentando o terreno para este avanço, e aqui são retomados os principais.
Assim, não pode ser esquecido Paul Otlet, que, no final do século XIX, juntamente com Henri La Fontaine, não por acaso vencedor do prêmio Nobel da Paz, de 1913, iniciou um hercúleo trabalho de classificação e registro da produção intelectual do mundo, à época. Em uma visão ampla e moderna de documentos, esse esforço se expandiu com a revolução industrial: artigos e relatórios científicos e técnicos, desenhos industriais, patentes, protótipos, cartões postais, fotografias e microfilmes, o que se estendeu, naturalmente, a acervos iconográficos e sonoros de rádio, televisão e cinema, e textos completos. As idéias de Otlet eram norteadas por alguns princípios, entre os quais os de universalidade, simultaneidade e de acesso por qualquer pessoa, onde estivesse, da produção intelectual do mundo, aproximam-se das concepções da Internet e são a comprovação de seu vanguardismo.
Em termos de políticas internacionais, a Unesco teve e mantém um papel central nas políticas de informação científica e técnica. Ainda na década de 60 do século XX, reconhecia que a informação era um elemento estratégico para o desenvolvimento dos países e poderia diminuir as lacunas entre nações ricas e desenvolvidas e nações em desenvolvimento. Nas suas políticas, a relevância da informação se estendia da ciência e técnica até o cidadão comum, passo importante para a visão mais democrática de informação.
A área de ciência da informação, formulada conceitualmente nos primeiros anos da década de 60, em torno, sobretudo, das tecnologias e recuperação da informação, proporciona a introdução, nos meios acadêmicos, do debate mundial e pesquisas sobre informação científica e tecnológica, chamando a si a responsabilidade de formação de recursos humanos necessários para a concretização desse processo. Das bibliotecas tradicionais aos centros, sistemas e redes de informação e, atualmente, portais, bibliotecas digitais e virtuais, arquivos abertos, catálogos on-line de acesso público (OPACs) passaram a ser elaborados e implantados por equipes multidisciplinares, em trabalho interdisciplinar, no qual os profissionais de ciência da informação assumem parte fundamental.
Nesse panorama, teses e dissertações exercem um papel central, porque representam a geração de conhecimentos que, por sua vez, impulsionará o desenvolvimento cientifico, tecnológico e de inovações.
As teses e dissertações guardam com os programas de pós-graduação relação bidirecional são produtos dos programas e, ao mesmo tempo, servem de referências aos pós-graduandos e pesquisadores.
O advento dos recursos de tecnologia de informação e comunicação mudou também o processo de escrita, registro e acesso das teses e dissertações, e os processadores de texto permitiram que passassem a ser preparados por seus próprios autores, em arquivos digitais. Assim, as bibliotecas digitais foram os sistemas implantados para abrigá-los, tal como as bibliotecas tradicionais sempre fizeram com as teses e dissertações em papel. As redes de computadores e a Internet tornaram-se as vias de acesso aos mesmos.
A disponibilização das Electronic Theses and Dissertations (ETDs) é um esforço internacional presente em instituições de ensino e pesquisa, de todos os continentes. Para que o acesso seja facilitado e, assim, os pesquisadores e pós-graduandos aproveitem todo este conhecimento disponível em milhares de computadores espalhados pelo mundo, torna-se necessário a organização, no que diz respeito a práticas e padrões no processamento das mesmas.
Internacionalmente, a Networked Digital Library of Theses and Dissertations (NDLTD) lidera essas atividades. Seu trabalho engloba a definição de metadados para intercâmbio de dados, a gerência de catálogos coletivos, o relacionamento com outras entidades, a difusão das ETDs e o apoio aos que desejam iniciar projetos.
Nacionalmente, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), coordenada e organizada pelo Ibict exerce o mesmo papel.
A BDTD foi criada em 2001 com a participação de três universidades que já tinham projetos locais, uma biblioteca de ciências ativa, com acervos on-line disponíveis e por representantes de organismos do governo federal vinculados à pós-graduação e à pesquisa.
A BDTD é aderente aos padrões e às práticas internacionais, disponibilizando o catálogo de metadados da base coletiva aos buscadores internacionais, por meio do Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting (OAI-PMH). Os trabalhos nela catalogados são indexados em bases de vários países, como, por exemplo, Argentina, Chile, Espanha, Estados Unidos e Holanda. Conseqüentemente, possibilita que teses e dissertações brasileiras sejam conhecidas, no cenário internacional, contribuindo com o esforço do acesso aberto à informação e mostrando a qualidade da pós-graduação e da pesquisa nacionais.
ETDs foram incluídas neste número temático da revista Ciência da Informação , com seus programas e projetos nacionais e internacionais, por serem parte importante do esforço de acesso livre à informação, aqui abordados nos seus aspectos históricos, políticos, econômicos e socioculturais.
O objetivo do Ibict, ao lançar este fascículo, avança na direção da inclusão social, sedimentando e ao mesmo tempo ultrapassando a inclusão digital e competência informacional e, cumprindo a sua parte, contribui decisivamente para a transformação da utopia e do humanismo de Thomas Morus em realidade, proporcionando uma rede democrática para vida mais equilibrada e justa dos indivíduos da sociedade contemporânea.
Emir Suaiden
Diretor do Ibict