Rumo à publicação eletrônica
Abel Laerte Packer
Coordenador, SciELO
Irati Antonio
Consultora, SciELO
Vera Sílvia Marão Beraquet
Professora do Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Biblioteconomia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
A comunicação científica nacional defronta-se com a publicação eletrônica. Não se trata, contudo, de confrontar-se com um perigo ou um inimigo. Tampouco chegou a hora da resolução do dilema entre o papel e o formato eletrônico. E, muito menos, de abraçar ou resistir a uma iminente e dramática ruptura com o modelo de comunicação aperfeiçoado ao longo de mais de trezentos anos.
É, entretanto, um momento crucial. Todo o processo de comunicação científica e seus agentes são afetados, do autor ao leitor. Não é, portanto, um momento solitário do editor ou do publicador científico. Nem tampouco, de omissão ou de espera dos demais atores. Muito menos é um momento de assalto dos detentores de recursos das tecnologias de informação. Não existem soluções mágicas, não se trata de importar pura e simplesmente alguma solução do exterior; além disso, as iniciativas isoladas ou voluntariosas tendem a perecer.
O momento é, sim, de articulação entre os diferentes agentes para posicionar, o mais rapidamente possível, a comunicação científica brasileira no movimento internacional da publicação eletrônica.
Mudialmente, o panorama da área tem sido marcado por um intenso debate sobre a “nova” comunicação científica que emergirá do uso intensivo de tecnologias de informação. Desse debate, participam todos os atores, alimentados por velhas e novas demandas. Em um ambiente dominado progressivamente pela iniciativa do leitor, os avanços têm sido modelados pelas ações de diferentes interesses, destacando-se, por um lado, as forças e propostas ligadas à academia, com a participação especial dos serviços de bibliotecas e, por outro lado, as editoras comerciais, que lutam por soluções que mantenham e melhorem os ganhos financeiros. Entre elas, o esforço dos agentes intermediários para reposicionar os seus produtos e serviços, destacando-se as organizações com ou sem fins lucrativos dedicadas à indexação, integração, publicação e operação de bases de dados bibliográficos.
No Brasil, esse cenário tem características próprias que condicionam fortemente a inserção do país no mundo da publicação eletrônica. Limitações como as sérias dificuldades de publicação e disseminação dos resultados de pesquisa, intrínsecas à comunicação científica nacional, devem ser combatidas e superadas, como parte do processo de transição rumo à publicação eletrônica.
Em primeiro lugar, o conjunto da literatura científica produzida no Brasil requer maior visibilidade e acessibilidade, no país e no exterior. Atualmente, apenas uma pequena parcela dessa literatura está referenciada em bases de dados internacionais. Da mesma forma, apenas algumas áreas da ciência brasileira contam com bases de dados nacionais que promovem, de modo sistemático, o controle bibliográfico e a disseminação da literatura publicada. Portanto, a publicação de periódicos científicos na Internet proporciona, por si só e de imediato, um aumento extraordinário da sua acessibilidade e da sua exposição universal. Contudo, para assegurar esse amplo acesso e visibilidade, a publicação na Internet deve ser complementada e certificada por índices ou bases de dados que as referenciem e qualifiquem. Outro elemento fundamental para o aumento da visibilidade da literatura brasileira é a conexão de textos eletrônicos nacionais entre si e com textos e bases de dados bibliográficos internacionais.
Em segundo lugar, a literatura científica nacional, em seu conjunto, requer mecanismos e instrumentos de avaliação do seu uso, da sua qualidade e do seu impacto. Hoje, somente a literatura publicada nos periódicos incluídos nos relatórios de citação do Institute for Scientific Information pode ser sistemática e completamente avaliada. Essa possibilidade deve estender-se ao conjunto relevante dos periódicos científicos nacionais. Neste momento, a solução consiste em promover a publicação eletrônica brasileira por meio de mecanismos integrados de controle de qualidade e de avaliação. Ao mesmo tempo, essa solução abre uma perspectiva para o desenvolvimento de indicadores complementares aos do ISI que venham enriquecer o processo de avaliação da produção científica nacional.
Por último, esse processo de transição para a publicação eletrônica, assentado nos novos e viáveis aportes das tecnologias de informação, deve ser orientado para a promoção de um ambiente que induza à melhoria crescente da qualidade da produção científica brasileira, ao desenvolvimento de um modelo econômico apropriado e à profissionalização da função de editor científico.
Nenhum segmento da comunicação científica tem condições de superar essas limitações isoladamente. O Projeto SciELO é a concretização de um esforço para a construção de uma resposta articulada. Produto de uma parceria entre Fapesp, Bireme e editores científicos de diferentes áreas, o projeto desenvolveu, em 1997 e no primeiro semestre de 1998, uma metodologia para publicação eletrônica com mecanismos integrados para possibilitar a edição e a distribuição eletrônicas da produção científica, seu controle bibliográfico automatizado e sua avaliação, visando à superação das limitações da comunicação científica brasileira. A SciELO tem recebido um alto grau de aprovação por parte de diferentes atores da área de informação científica. O melhor exemplo é o convite da Direção do IBICT para que organizássemos este número especial da Ciência da Informação, dedicado à publicação eletrônica. Tendo como eixo central o Seminário sobre Avaliação da Produção Científica, realizado em São Paulo em março de 1998 e organizado no contexto do desenvolvimento do Projeto SciELO, o presente número publica as contribuições de especialistas nacionais e internacionais apresentadas nesse evento, visando a ampliar as discussões e oferecer contribuições para programas de avaliação da produção científica, em particular, os temas bibliometria, informetria e cienciometria, seus métodos e sua problemática, suas aplicações e seus indicadores.
Com a finalidade de subsidiar o debate sobre a inserção da comunicação científica brasileira no cenário internacional da publicação eletrônica, este número traz, também, contribuições de autores especialmente convidados para abordar temas como a comunicação científica e a questão do direito autoral em face dos meios eletrônicos, os aspectos econômicos da produção de revistas eletrônicas, as novas tecnologias e sua ação na sociedade contemporânea, além da apresentação do Projeto SciELO, seus objetivos, princípios e produtos.
Estendemos aos leitores da Ciência da Informação o convite para debater ativamente os temas aqui propostos, sugerir outros pontos de interesse e participar do movimento rumo à publicação eletrônica.