Política e gestão da informação: novos rumos
Maria Nelida Gonzalez de Gómez
O tema deste número da ciência da informação foi proposto pelo Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), do Departamento de Ensino e Pesquisa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência Tecnologia (DEP/IBICT), em convênio com a Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). A idéia surgiu com a criação de uma área de concentração em política e gestão da informação e de uma nova linha de pesquisa em gestão da informação.
Uma área de concentração é um recorte convencional em um campo de conhecimento formalmente reconhecido, indicando uma direção preferencial do aporte institucional no campo. Como recorte decisional e seletivo, orienta o planejamento de atividades de ensino e pesquisa, as relações interinstitucionais, as parcerias, enfim, as estratégias de futuro. Projetos de pesquisa, pelo contrário, resultam de ações singulares e datadas de um ou mais pesquisadores e sua equipe, estando ancorados em um tempo real e em um espaço intelectual específicos. Possuem começo, meio e fim. Para consolidar a pesquisa institucional, é necessário desenvolver diferentes meios de articulação entre os projetos, a memória epistemológica do campo científico e as estruturas técnico-administrativas que permitam a gestão organizacional daquelas complexas e onerosas atividades de produção e transferência de conhecimentos. As linhas de pesquisa são uma dessas formas desenvolvidas para vincular pesquisadores, projetos de pesquisa e as estruturas e metas de desenvolvimento informacional.
A linha de pesquisa só existe, de fato, se consegue vincular propostas e competências dos pesquisadores, à memória da pesquisa organizacional e do campo e as demandas de inovação resultante dos compromissos sociais e institucionais constituídos.
O tema Políticas e Gestão da Informação resulta, assim, de uma orientação prospectiva de pesquisa do PPGCI, ao mesmo tempo em que procura projetar sobre novas questões a memória da pesquisa brasileira nessa área de assunto. Nesse quadro, solicitaram-se artigos por meio da Lista de Discussão da Ancib e fizeram-se outros contatos pontuais com pesquisadores de renome nessa temática. Não foram colocadas questões específicas, para permitir manifestações aos novos tópicos e às abordagens emergentes.
Os artigos recebidos e agora publicados podem agregar-se em torno de algumas idéias principais. Em primeiro lugar, temos aqueles textos que tematizam as grandes mudanças no cenário político contemporâneo, junto a alguns dos principais discursos que assumem sua interpretação na década do 90: a globalização, que teria como referente a "estruturação concreta do mundo como um todo" (Robertson, citado por Aguiar), e a sociedade da informação, reformulando “o modo de viver e trabalhar” (AUN). Sem coincidir nas referências, escopo e abrangência de suas descrições, os autores vão enumerando os novos desenhos do público e do privado, do trabalho e do lazer, da desativação dos princípios que já mobilizam a formação de identidades (AUN; Elhajji; Costa). A globalização e as mudanças sociotécnicas que lhe são associadas, mudariam os parâmetros da experiência e a sociabilidade, assim como as instituições e seus recursos materiais e simbólicos (Elhajji; Costa).
Conceitos fundadores da estruturação do estado nacional e da inserção dos sujeitos modernos na esfera dos direitos e da cidadania, como o de soberania, requerem hoje uma nova precisão jurídico-conceitual, quando as fronteiras físicas são perpassadas e alongadas por espaços intangíveis e reticulares, mapeados por satélites e perfurados por fibras óticas. Mudam também outros papéis do estado, como macrocodificador de informações, tendendo a assumir novas figuras de coordenação e regulamentação (Senra).
A comunicação ganha um caráter estrutural e aparece como direção de convergência de todas as mudanças. Em um movimento compensatório, as novas malhas regionais, transnacionais ou globais se contrapõem à emergência de novos pólos de construção de identidades comunitárias. A transição a novas formas de vinculação organizacional e tecnológica pode ser vista como a oportunidade de assumir o papel de atores de propostas alternativas e não de receptores de um único modelo determinístico (Costa; AUN, Elhajji).
Nesse cenário, a busca de uma reformulação da cidadania informacional (Fonseca; Aguiar; Araújo) ora objetiva aprofundar o campo de relações democráticas entre o governo e a cidadania, ora se propõe a inovar as estruturas de articulação e reformular a distribuição de responsabilidades. Ao tema do acesso à informação gerada pelo estado como condição de transparência e prestação de contas de suas ações (Fonseca) agrega-se agora a procura de definição de estruturas organizacionais de gestão social da informação como redes cidadãs de monitoramento do desempenho de políticas públicas ou como estratégias promotoras do desenvolvimento coletivo (Aguiar; Araújo).
Em um macronível, a experiência da Comunidade Européia (AUN) pode antecipar algumas possibilidades e empecilhos encontrado pelos países que aspiram à constituição de uma sociedade da informação: o desafio da salvaguarda da cultura local, pela equação entre a facilidade de consumo e as dificuldades e custos de produzir conteúdos culturais nas atuais condições tecnológicas e de mercado; o desafío de superar as assimetrias e segmentações que hoje esgarçam o tecido social para mover-se em direção a uma sociedade informacional; o desafio das novas relações entre o Estado e os mercados, recolocando o Estado como órgão regulador das novas redes e meios comunicacionais e informacionais.
Um outro grupo de textos é construído em torno dos conceitos de inteligência competitiva (Vieira; Wanderley; Battaglia) e gestão do conhecimento (Araújo). Em todas essas abordagens, os ciclos longos da gestão da informação, responsáveis por processos de seleção, coleta, armazenagem, organização, recuperação e disseminação de informação são apresentados como mediação lógica e imprescindível do uso decisório e estratégico da informação no contexto das políticas governamentais, bem como outras organizações econômico-empresariais e sociais.
O monitoramento informacional dos contextos de ação, imediatos e remotos, conforme lógicas concorrentes ou cooperativas, utiliza diferentes ferramentas tecnológicas e modelos de análise informacional. As novas abordagens se utilizam de metodologias estatísticas, matemáticas e infométricas, sem reproduzir o paradigma de uma metaciência; a informação sobre a informação, elo entre os novos e antigos modelos e paradigmas, é agora o subsídio de um conhecimento sobre o conhecimento situado, ancorado no tempo e no espaço singular das organizações e traçará mapas contingenciado pela seletividade da leitura e a natureza corporativa dos objetivos estratégicos.
Outro grupo de textos analisa as condições de produção de unidades, fontes e produtos de informação, visando à otimização da qualidade da informação e seu poder de transformação em conhecimento, ora desde o ponto de vista técnico-metodológico (Pereira), ora do ponto de vista cognitivo e comunicacional, “estético” (Barreto; Pereira). É, na realização dessas condições intrínsecas e qualitativas da informação e seus produtos, que a oferta e gestão da informação poderão atender às demandas de acesso e de monitoramento científico, tecnológico e social.
Em uma arena ainda não claramente definida, entre a política de informação e o programa de ação, a sociedade da informação, explícita ou tacitamente presente como novo princípio organizador de questões, estrutura um novo campo temático agregador de redes de informações outrora dispersas ou setorializadas, dando nova visibilidade e suas interseções e semelhanças. Se a definição da política de informação sempre foi difícil, parece ser ainda mais complexa e difícil sua definição nas novas circunstâncias. Bernd Frohmann* oferece um interessante conceito de regime de informação, que definiria como "o conjunto mais ou menos estável de redes formais e informais nas quais as informações são geradas, organizadas e transferidas de diferentes produtores, através de muitos e diversos meios, canais e organizações, a diferentes destinatários ou receptores de informação".
A sociedade da informação poderia ser entendida como aquela em que o regime de informação carateriza e condiciona todos os outros regimes sociais, econômicos, culturais, das comunidades e do estado. Nesse sentido, a centralidade da comunicação e da informação produziria a maior dispersão das questões políticas da informação, perpassada e interceptada por todas as outras políticas: as públicas e as informais, as tácitas e as explícitas, as diretas ou indiretas.
Nessa direção, parece, seriam retomados os estudos e reflexões sobre a relação entre política, gestão e informação.