Editorial

Um sonho de meio século

Há meio século, Getúlio Vargas governava o Brasil, já às voltas com a crise que o levaria, em poucos meses, ao suicídio. O presidente – ungido pelas urnas, como se dizia então havia governado, em 1951 e 1952, segurando firme as rédeas da economia. Seu ministro da Fazenda, Horácio Lafer, fiscalizava com rigor as contas públicas, gerando saldos e zerando dívidas.

Industrializar o Brasil, fazê-lo desenvolver-se, era, no entanto, idéia fixa de Vargas e não só dele. Tanto nas revoltas dos tenentes, quanto nos movimentos culturais da década de 1920 (a Semana de Arte Moderna, por exemplo), a singularidade do país e a urgência do progresso eram temas recorrentes. O grande debate político não seria o que, mas o como seja acompanhando a senda do pujante capitalismo americano, seja perseguindo o sonho de um socialismo tropical.

A década de 1930 foi marcada pela recessão mundial. Em permanente moratória, pressionado por ideologias ensandecidas, Vargas cuidou de promover o suporte humano para um programa de desenvolvimento: criou profissões e sindicatos, escolas técnicas e superiores. A guerra, já nos anos 40, dar-lhe-ia, afinal, a chance de construir os primeiros grandes empreendimentos que anunciavam o futuro: a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, e a Fábrica Nacional de Motores, em Caxias, ambas no Rio de Janeiro.

Esperava-se que os Estados Unidos, cumprindo compromissos assumidos, aplicassem no Brasil, após o conflito, US$ 500 milhões, quantia que a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, constituída então, julgara necessária para dar a partida no desenvolvimento brasileiro. Seria uma espécie de complementação do Plano Marshall, que ajudou a recuperar a economia européia, e uma forma de compensar o grande esforço do Brasil durante a II Guerra, não só enviando soldados ao front italiano, mas, principalmente, fornecendo matérias-primas que, por vezes, como no caso da Inglaterra, jamais foram pagas.

No entanto, o dinheiro americano não veio. A contínua exportação de dólares imediatamente antes de 1950 e, depois, para sempre, o déficit na balança comercial e, mais adiante, da balança de pagamentos dos Estados Unidos, a pouca importância atribuída à América Latina e até a desconfiança quanto à paixão nacionalista de Vargas secaram essa fonte.

Getúlio percebeu isso. A economia rígida de Lafer seria apenas o prefácio.

Na metade de seu governo, deu uma guinada. Lançou um adicional ao imposto de renda, raspou os cofres públicos, juntou os US$ 300 milhões minimamente necessários e começou a mudar o país a golpes de caneta: BNDE (atualmente BNDES), Petrobras, Hidrelétrica do São Francisco, novas siderúrgicas, estradas de rodagem, centros de pesquisa em diferentes campos da tecnologia.

Por isso, muitas instituições brasileiras comemoram por essa época seu cinqüentenário. Também o IBICT, nascido então como Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação. Ele surgiu como alavanca do progresso, função maior da informação, então, agora e sempre.

O Brasil e o mundo mudaram muito, nem sempre para melhor. A tecnologia impõe vertigens à História, de modo que o passado se afasta para um tempo distante em que não havia computadores nem satélites. No entanto, é preciso lembrar o quanto custou a Vargas a realização do sonho dele e da geração que o cercava, desde correligionários aos críticos mais radicais.

Porque mudam-se as formas, mas continuam os mesmos sentimentos e paixões dos homens. E essa paixão preside ainda muito do que contamos realizar, mobilizando os mais modernos recursos para que a informação trafegue, chegue aos que dela precisam e aos que a ela jamais tiveram acesso, alimentando o mesmo sonho de termos um país diferente, fraterno e livre.

 

NILSON LEMOS LAGE

Diretor do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia