BALBÚRDIA, O TROPEL DOS SERES INFORMES
Vinícios Souza de Menezes [1]
IBICT/UFRJ
menezes.vinicios@gmail.com
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Resumo
Tem como
contexto o Brasil atual, em seus circuitos helênicos e disposições modernas. O Brasil
dos fluxos da máquina antropológica ocidental. Entretanto, é também uma
escritura a contrapelo, de um Brasil contemporâneo inatual, rodeado por
existências virtuais que habitam a orla marginal das falas essenciais. Fora do
sentido e da univocidade de um conservadorismo colonial travestido nas roupas
do Estado, o inatual é não-oficial (aquele que diz “preferiria não” à ordem),
um acidente que irrompe em veredas multivocais nos sulcos escriturais do ofício
e, em contingentes toares, aquebrantam as barreiras da língua universal. Este
inatual é o ruidoso Brasil dos seres informes e das palavras selvagens, o
tropel dos doces bárbaros que avançam através dos grossos portões
simbólico-materiais da antiga pólis e seus modernos aparelhos de Estado em
busca dos festins da linguagem, dos seus jogos germinantes de alteridade, das
suas balbúrdias gramaticais que fertilizam vidas impertinentes ao sentido
único. Por esta maneira, este texto é con–temporâneo, ao mesmo tempo, inatual,
antigo, moderno e atual. Simultaneamente, carnaval.
Palavras-chave: Informe. Seres informes. Marginalização.
Universidade.
BALBUDIA, THE TROPEL OF
INFORM BEINGS
Abstract
It has as
context the current Brazil, in its Hellenic circuits and modern dispositions.
Brazil from the flows of the western anthropological machine. However, it is
also a counter-script, of an unpublished contemporary Brazil, surrounded by
virtual existences that inhabit the marginal edge of the essential lines. Out
of the meaning and univocity of a colonial conservatism dressed up in state
clothing, the unnatural is unofficial (the one that says “would rather not”
than order), an accident that erupts in multivocal paths in the scriptural
grooves of the office and, in contingents toars, they break down the barriers of
the universal language. This unusual is the noisy Brazil of shapeless beings
and wild words, the throng of sweet barbarians advancing through the thick
material-symbolic gates of the ancient polis and their modern state apparatus
in search of the feasts of language, their burgeoning games of otherness. ,
from their grammatical shambles that fertilize impertinent lives in the one
way. In this way, this text is contemporary, at the same time, ineffective,
ancient, modern, and present. Simultaneously, carnival.
Keywords: Report it Be informed. Marginalization.
University.
1 O FESTIM DOS DOCES BÁRBAROS
Com amor no coração
Preparamos a invasão
Cheios de felicidade
Entramos na cidade amada
[...] Avançando através dos grossos portões
Nossos planos são muito bons.
[...] Tudo ainda é tal e qual
E no entanto nada igual
Nós cantamos de verdade
E é sempre outra cidade velha
Os Mais Doces Bárbaros – Caetano Veloso (1976)
Este texto é uma
escritura brasileira con-temporânea. Trata do Brasil contemporâneo, suas
dinâmicas de segmentação discursiva e dos avanços da fala unidimensional sob as
veste do discurso oficial, desprovido de consistência argumentativa perante a
negação da alteridade que constitui não só o pilar comunicativo da esfera
pública democrática, mas, a condição de humanidade do mundo. A estratégia de
instrumentalização do debate público brasileiro apresenta-se através de
elementos clássicos de depreciação e expurgo das personagens dissonantes, desde
indivíduos até coletivos. Desde a Antiguidade Clássica Ocidental até a
Modernidade certos critérios normativos da linguagem serviram por meio dos seus
usos para alijar do logeion (lugar
dos discursos) os seres informes (aneu
logon / alogon pragma), aqueles
desprovidos da harmonia fônica que em uníssono ecoa a Voz (phoné) da Forma (eidos).
Os atuais governantes do Estado Brasileiro, filhos do Ocidente e seus
dispositivos colonizadores, tentam emular o poder distinto da voz in-formada da
autoridade que estigmatizou as operações de governo e ordenamento do mundo
Ocidental. Este texto tem por objetivo mostrar como a insígnia da “balbúrdia”
proferida pelo atual Ministro da Educação para designar a “escória da
educação”, a universidade pública, é um dos símbolos ocidentais de
representação do “Outro” enquanto o inimigo bárbaro, ao qual os sujeitos
“antropocêntricos” deveriam se dirigir com a violência da exceção, sacando suas
falas, violando seus corpos.
Períodos históricos distintos,
contextos dessemelhantes, formas de vida díspares, reiteram certas práticas
políticas, alçando-as ao cânone da opressão. Cessar a fala alheia ou reduzi-la
em vitalidade e humanidade é certamente um dos mais típicos artifícios da
gramática da identidade. Contudo, como diz a letra da música que epigrafa este
tópico introdutório, “Tudo ainda é tal e qual / E no entanto nada igual”. Ou
seja, apesar da força ontológica dominante seguidamente tentar impor seu
princípio fundamental de identidade – grafado logicamente na fórmula A=A –,
para os olhos turvos violados pelo léxico paradoxal do horror e da alegria, da
diáspora e das matas, do racismo e do drible, dos algozes e dos xamãs, nenhum A
é igual – cada marca, cada grafo habita um ponto de vista no corpo da linguagem
(différance).
Este texto aborda
temas que envolvem associações adversativas sobre a alteridade. Hospedar no
corpo da linguagem uma humanidade disseminada – “os mais doces bárbaros” – é,
em princípio, cessar com o princípio separatista da ontologia ocidental e seus
espectros dicotômicos, para assim, i) zelar por aqueles que fazem morada na
diferença, ii) cuidar da salubridade e do exercício desimpedido das vozes
multinaturais num plano de imanência selvagem,
sertanejo (não logocêntrico, nem antropocêntrico) (MENEZES, 2018) e iii)
combater os processos de assujeitamento dos sujeitos humanos e não-humanos que
configuram as constelações cósmicas de nossas malocas, sejam elas da
pessoa-indivíduo ou da pessoa-coletivo (CESARINO, 2010). Esta é, sob a mirada
do corpo informe, uma tarefa con-temporânea (neoprimitiva).
De partida fica a
pergunta fundamental para o texto: o que é ser contemporâneo?
Giorgio Agamben (2009,
p. 56-73), em um dos seus seminários sobre o tema da contemporaneidade,
indica-nos algumas possibilidades do que quer dizer ser contemporâneo.
Inicialmente, ser contemporâneo não está numa relação direta com o atual, nem
coincide com este, tão pouco está adequado às pretensões da atualidade. O atual
ou a atualidade – “os dias de hoje” ou “aquilo que se faz presente” – é um
resíduo temporal que se particularizou nos planos de possibilidade do tempo,
sendo contemporâneo somente na medida em que partilha das tramas do tempo. Em resumo, o contemporâneo é um ser cuja
relação com o tempo é inatual.
Pertence
verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não
coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é,
portanto, nesse sentido inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através
desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de
perceber e apreender o seu tempo. [...] contemporâneo é aquele que mantém fixo
o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro [...]
contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz
de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. [...] quem não se deixa
cegar pelas luzes do século. [...] ser contemporâneo significa ser capaz não
apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de perceber nesse
escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. Ou
ainda: ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar (AGAMBEN,
2009, p. 55-76).
Dentro da notação do
contemporâneo habita a palavra do tempo. Contemporâneo é aquele que é e não é o
seu presente. Sua ocupação é inatual. Num tempo múltiplo, o contemporâneo é o
jogador que observa, participa e mobiliza, com seus lances, as camadas
obstruídas da história (tempo humano). Neste jogo gramatical, o contemporâneo
espia a escuridão dos séculos para perceber nas trevas do presente o “devir
negro do mundo” (MBEMBE, 2014, p. 9-22) e mergulhar nesta tinta negra da
história sua pena, untando de “negros grammas”
as escrituras do agora (Jetzt-Zeit). Sob esta perspectiva, a contemporaneidade delineia os curvos
contornos de um tempo, não homogêneo, descontínuo, que atravessa incólume
nossos corpos contemporâneos e além, mas que resiste inatual, enquanto memória
do que não foi, ao passo que passa e oblitera deixando marcas do não-dito nas
transações do atual (quase sempre a narrativa dos vencedores).
A mirada do tempo: ser
contemporâneo. Entre um “não mais” pretérito e um “ainda não” futuro, o
contemporâneo mantém uma relação especial entre os planos temporais, capaz de
“reatualizar qualquer momento do passado” reconstruindo-o e/ou pondo “em
relação aquilo que inexoravelmente dividiu”, ou ainda, “rechamar, re-evocar e
revitalizar aquilo que tinha até mesmo declarado morto” (AGAMBEN, 2009, p.
68-69). Neste sentido, diz-nos Agamben (2009, p. 70), ser contemporâneo é estar
na iminência crítica e reconstrutiva de “voltar a um presente em que jamais
estivemos” para ler de modo outro a história que se fez inatual, como, por
exemplo, a história dos desvalidos – os “sem validade” oficial.
Figura 1: Contemporâneo, ou, O resíduo diferencial do jogo entre
diacronia e sincronia
Fonte: Giorgio Agamben (2005, p. 93).
A contemporaneidade é
como se o “tempo-agora” (Jetzt-Zeit)
da décima quinta tese sobre o conceito de história de Walter Benjamin (1987, p.
230), o “almanaque” que opera como ponto de quebra (- - -) no ciclo serial do
livro de ponto (horologium) [2] do
tempo cronológico (–––). Residual, o contemporâneo é o que urge dentro deste
tempo-atual e o transforma: “essa urgência é a intempestividade, o anacronismo
que nos permite apreender o nosso tempo” (AGAMBEN, 2009, p. 65-66). Neste
sentido, a condição de ser contemporâneo alia-se ao arcaísmo da história, pois
“somente quem percebe no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do
arcaico pode dele ser contemporâneo” (AGAMBEN, 2009, p. 65-66), como o embrião
que continua a agir nos tecidos do organismo adulto. O índice histórico contido
nas imagens do passado, desdobradas no presente e lançadas no crepúsculo em
direção às outras auroras é o que faz do con-temporâneo um intempestivo.
Apresentado num personagem conceitual, o filólogo nietzschiano, o contemporâneo
age de “maneira intempestiva – ou seja, contra o tempo, e com isso, no tempo e,
esperemos, em favor de um tempo vindouro (NIETZSCHE, 2003, p. 7). Esta é a
assinatura que atravessa este texto num intempestivo Brasil à espera de outras
auroras e que tem na palavra “balbúrdia” um índice contemporâneo em favor “do
amanhã que veio ontem” (SIMAS; RUFINO, 2018). A balbúrdia é o evento que dá voz
escritural aos seres informes sufocados nas rasuras do sentido e seus fantasmas
não-contraditórios.
No contemporâneo,
entre os refolhos do esquecimento e as entraduras da memória, vive a palavra do
tempo. Neste cortejo extemporâneo da contemporaneidade brasileira, o festim
deste texto se dá. Seguimos o método de leitura da letra (gramma) benjaminiana, base da história menor (estória): “O método
histórico é um método filológico, no qual o livro da vida está na base. ‘Ler o
que nunca foi escrito’ é afirmado em Hoffmannsthal” (apud SELIGMANN-SILVA, 2005, p.195-196), nos diz Walter Benjamin.
Ler o que nunca foi escrito pelos ofícios fonocêntricos do sentido é ler o
livro da vida informe, das existências mínimas (LAPOUJADE, 2017), das
humanidades subalternizadas (SPIVAK, 2010). Em termos benjaminianos, trata-se
de ler multissensorialmente os “documentos de cultura” produzidos pela
“empática história dos vencedores” a partir da urgência dos “documentos de
barbárie” sistematicamente sufocados pela narrativa “informacional” do ofício e
seus dominadores. Esta é a balbúrdia da “tarefa” da sétima tese sobre o
conceito de história: “escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1987, p.
225). Esta é “a maneira contemporânea” de ler a história: na escuridão e no
grande frio onde soam os lamentos da humanidade despojada, conforme a epígrafe
de Bertolt Brecht que abre a sétima tese.
Nas rasuras
gramaticais das línguas menores (DELEUZE; GUATTARI, 1977), sob a tábula do
palimpsesto vital, germina a ocupação do filólogo intempestivo: ler nos corpos
e escrever na alma o “quinhão de todas as humanidades subalternas” (MBEMBE,
2014, p. 16). Ao inventariar as vidas informes, o contemporâneo relata o que
não acontece no sentido e suas grandes narrativas. Fora-do-sentido (CASSIN,
2017), o gesto contemporâneo encontra-se destinado a “subtrair o único da
multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.
21). Voz significante nos planos imanentes da vida, o contemporâneo, em tom
menor, alia-se à crítica, “está antes do lado do informe, ou do inacabamento”,
e os usos da sua gramática “é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via
de fazer-se”. Portanto, ao invés de afirmar a informação enquanto o “dar a
forma a algo” (informo)
hermeneuticamente legado pelo pensamento do cânone platônico-aristotélico
ocidental, seguimos a linha filológica do informar no tempo do abandono, como
“o sem forma” (informis), o fora do
sentido sem existência discursiva. Na versão aristotélica, ser informe é
possuir um “logos de planta”, “não sustentar nenhum discurso”, ou seja, segundo
Aristóteles (2002, IV, §1006a-1006b, p.145-147), é “não significar uma única
coisa [...] pois não se pode pensar em nada sem pensar em algo único”. Nesta
desclassificada classe dos pensadores do múltiplo estão os marginais, os sem
discurso (aneu logon): mulheres,
crianças, estrangeiros, bárbaros, monstros, escravos, animais, sofistas...
seres informes desvinculados da unicidade do mundo e da uniformidade do sentido.
Desta maneira,
anunciamos a nossa balbúrdia textual, o festim dos doces bárbaros que nomeia
esta abertura. Giorgio Agamben (2005, p. 79-107) no começo do texto “O país dos brinquedos: reflexões sobre a
história e o jogo”, dedicado à Claude Lévi-Strauss, fala da “invasão da
vida pelo jogo” e de como a incorporação do jogo, do “pandemônio”, da
“algazarra”, da “baderna endiabrada” causa “uma mudança e uma aceleração do
tempo”, alterando-o e destruindo as pretensões de estabilidade, dilatando-o
numa “utópica república” que subverte as ordens sociais, suspendendo a sucessão
dos dias, fazendo das horas, lampejos, num efeito paralisante assemelhado com o
do brincar e da festa. Este é o efeito da balbúrdia, ao qual amaldiçoa o
Ministro da Educação.
Agamben cita alguns
exemplos dessa cooptação da vida pelo jogo e seu caractere festivo, todavia,
ponho em relevo o que retira do Ramo de
Ouro de James Frazer (1931, p. 411). O Calluinn
era uma antiga festa escocesa, realizada no último dia do ano, em que
rapazes vozeantes e vestidos com peles de animais, provavelmente vacas,
imitavam o curso do Sol, ao voltearem as casas, com a finalidade de afastar os
infortúnios e assegurar a regeneração do tempo. Este dia representa o
significante instável do tempo (con-temporâneo). Entre a continuação do passado
e advento do futuro, os antepassados mortos e os adultos vivos, o Calluinn ou Challuinn, que pode representar Ano Novo (Hogmanay, passagem de ano escocês), mas também quer dizer em
gaélico escocês “informe”, “desforme” ou “deformado”, é o simbólico dia festivo
das larvas e das crianças, em que
entre o último dia de dezembro e o primeiro de janeiro, se estabelece um limiar
entre as marcações do tempo, o amanhã e o ontem, onde “brincando, o homem
desprende-se do tempo sagrado e o ‘esquece’ no tempo humano”, faz-se história.
Este dia informe (Calluinn) não é
“nada mais que jogo”, um dia qualquer no “país dos brinquedos”, como nos
apresenta Carlo Collodi (2014, p. 190-191) no capítulo 31 das Aventuras de Pinóquio replicado por
Agamben (2005, p. 81).
O país não se parecia
com nenhum outro do mundo. A população era formada apenas de crianças. O mais
velho deles tinha catorze anos e o mais jovem não chegava a oito. Pelas ruas
uma alegria, um alvoroço, um alarido de endoidecer! Bandos de moleques por toda
parte: aqui se jogava birosca, ali malha, mais além bola; alguns andavam de
velocípede, outros de cavalinho de pau; uns brincavam de cabra-cega, outros de
esconde-esconde; uns, vestidos de palhaços, brincavam de engolir fogo; outros
recitavam, cantavam, davam saltos-mortais; aqui se divertia em andar com as
mãos no chão e com as pernas para o ar; ou se rodava arco, passeava-se vestido
de general com um elmo de papel e o espadão de cartolina; aqui se ria, ali se
gritava, além se chamava, batiam-se palmas, assoviava-se, imitava-se o som da
galinha botando ovo: em suma um tal pandemônio, um tal vozerio, uma tal
balbúrdia endiabrada de se meter algodões nos ouvidos para não se ficar surdo.
Em todas as praças, teatrinhos de lona, repletos de meninos da manhã à noite, e
em todos os muros das casas viam-se escritas a carvão coisas belíssimas como
estas: “queremo us brinquedo”, “abacho a escola”, “xega de deveris” e outras
pérolas do gênero.
Num dia informe, como
o Calluinn, brota o festim dos doces
bárbaros. Na festa, signo das transformações estruturais, das misturas dos
papéis sociais, da instauração da história ao avesso, eclodem os Doces Bárbaros, paradoxal ligadura entre
a docilidade dos “corpos disciplinados” pela fala articulada dos portadores do logos e a algaravia dos barbarismos da
fala marginal e informe. Nesta deglutição antropofágica o que nasce é uma fala
híbrida, nem singelamente manipulável e dócil – “é dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2011, p. 132) –, nem ininteligível e inapta como a fala selvagem. A
fala híbrida é maculada pela palavra selvagem, provocadora do alongamento
significativo dos planos de imanência da vida. Os Doces Bárbaros transitam no
descompasso do mundo ordeiro, no balbucio inarticulado da fala civilizada. Como
diz a música da epígrafe, atravessando os grossos portões invadem a cidade
amada e acessam a “cidade velha” do logos.
Na antiga pólis, já, desde então
diversa (“outra cidade velha”), os doces bárbaros – contemporâneos das auroras
do ontem – ao dulcificarem sua barbárie com o tempero da fala, jogaram “com
amor no coração” e “cheios de felicidade” a pólis
amarga e séria (spoudé) do sentido
único (logos-phoné) nas balbúrdias
dos múltiplos significados das ruas, becos, guetos e vielas que gaguejam soluçantes o tropel
linguístico dos seres informes. A pulular humanidades nas cirandas de exceção
da história, “os mais doces bárbaros” furam a norma da pólis, tingem seu espírito político e, como é típico aos bárbaros e
comensais informes, maculam o logeion disposto
para a fala plena ao, num ato de desobediência civil, falarem, emitirem um
discurso (um outro sentido) que convulsiona a língua daqueles outrora
privilegiados com o poder da fala, borrando assim os limites da humanidade e
seus etéreos dilemas entre natureza e cultura.
Figura 2: “Nossos planos são muito bons”.
Fonte: Barbara Cassin (2017, p. 166).
2 PÁSSAROS PROIBIDOS
Solto está o pássaro proibido
Perigo, cuidado, sinal
nas ruas
[...] Pássaro proibido de sonhar
O canto macio, olhos molhados
Sem medo do erro maldito
De ser um pássaro proibido
Mas com o poder de voar
[...] Eu canto o sonho na cama
Do jeito doce e moreno
Eu canto
Voar até a mais alta árvore
Sem medo, tranquilo, iluminado
Cantando o que quer dizer
Perguntando o que quer dizer
O que quer dizer meu cantar.
Pássaro proibido – Maria Bethânia e Caetano Veloso (1976)
Os “pássaros
proibidos” são uma metáfora dos seres informes – soltos, com o poder de voar e
a capacidade de sonhar, distantes do erro maldito, libertos no cantar. Em
termos de contexto, essa escritura baseia-se em alguns pensadores, uns mais
escolares, outros mais transgressivos, contudo, os personagens convocados ao
debate estão sob a constelação estético-musical dos Doces Bárbaros, a saber, em ordem alfabética: Caetano Veloso, Gal
Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Os Doces
Bárbaros além do significado simbólico já expresso, foi/é um grupo de
brasileiros, nascidos na Bahia, que se juntaram em 1976 para uma espécie de Calluinn, uma aventura coletiva para a
celebração de trajetórias individuais. As circunstâncias para esta formação são
exemplares para o propósito deste texto – o modus
operandi da cultura de exceção – e
suas relações com a balbúrdia e o tropel dos seres informes configuram uma
linha de ação fértil para os avanços sistêmicos do governo brasileiro contra a
educação, emoldura sob o signo da balbúrdia.
Os Doces Bárbaros nascem em um Brasil
governado pelo regime militar, orientado pela violência e a repressão às vozes
dissidentes ao governo, que anos antes à formação tinha mandado ao exílio dois
dos quatro componentes (Caetano Veloso e Gilberto Gil). Os quatro seres elementais
dos Doces Bárbaros são vinculados ao
desbunde da possibilidade possuída por todos de tornar-se outro. Eram
associados às vanguardas artísticas, à antropofagia, à contracultura, ao
tropicalismo, à bossa nova, ao cinema novo, ao movimento Hippie e outras
efervescências da década de 1960 que tinham nos anos 1970 seus desdobramentos e
inovações sob o signo da liberdade. Toda uma tropelia de movimentos
transgressivos encontrava-se associada aos Doces
Bárbaros, seres informes em busca do “que quer dizer” os múltiplos modos de
“dizeres” – cantado, falado, discursivo, poético etc. Na contramão da
repressão, os Doces Bárbaros foram
insistentemente fustigados e coibidos pelos “seres informados” que ditavam o
“capital cultural” brasileiro, espécie derivada do meta-capital informacional
do Estado (BOURDIEU, 2008). Entretanto foi o jornal satírico O Pasquim que reservou aos baianos a
alcunha da barbárie (BENJAMIN, 1987). É desta última manifestação que nasce o
motivo da nomeação do grupo como Doces
Bárbaros.
O Pasquim foi um semanário alternativo e sucesso
editorial surgido em 1969, de resistência ao regime militar e viés
satírico-subversivo, com figuras importantes do movimento intelectual
brasileiro de oposição à ditadura. Em 1971, com a mudança de editoria e a ascensão
de Millôr Fernandes ao cargo de chefia na redação, O Pasquim abriu uma campanha de estigmatização contra os baianos,
em especial, Caetano Veloso e Gilberto Gil – sendo desde então chamados de
“baihunos” (NUNES, 2016, p. 113).
Na edição número 141
de 14 de março de 1972, uma charge de Ziraldo, sob o título “Ziraldo e a
invasão”, mostrava as areias da praia de Ipanema absolutamente preenchidas de
gente, sem um único espaço vazio. Um dos personagens diz: “Essa praia era uma
beleza antes da invasão dos baihunos” (ZIRALDO, 1972, p. 10). Ao fundo do
desenho, uma grande armação de ferro e madeira que avançava mar adentro,
assinalava a construção de um emissário submarino – obra que durou de
1970-1973. Este local da representação bárbara de Ziraldo foi ponto de encontro
para surfistas, artistas e “desbundados” em geral (CASTRO, 1999, p. 296-297). A
ágora da “esquerda festiva” da Zona
Sul do Rio de Janeiro fora invadida pelos bárbaros e cabeludos da esquerda
libertina da Bahia; a “patota” ipanemense queixava-se da ocupação e nomeava a
“horda” forasteira – conforme representação de Ziraldo – de “baihunos”.
Contudo, Ziraldo somente tornou público o repúdio compartilhado por membros da
redação d’O Pasquim e fez do
neologismo cunhado por Millôr Fernandes o termo de ataque, como relatado por
Jaguar quando diz: “Do Rio pra cima e do Rio pra baixo, ele [Millôr] era
totalmente intolerante e comprou uma briga séria com o pessoal do Norte. Ele
falou uma vez, numa crônica: ‘Essa gente nordestina’...” (NUNES, 2016, p. 120).
Figura 3: Ziraldo e a invasão
Fonte: Ziraldo (1972, p. 10).
Jorge Mautner, um dos
mais atacados por Millôr Fernandes, classificou como “totalmente racismo” os
ataques promovidos pelo chefe d’O Pasquim
(NUNES, 2016, p. 123).
[…] como o sentimento
do Millôr era muito conservador, muito reacionário, ele odiava a contracultura,
o tropicalismo, todas essas manifestações juvenis e libertárias da época. Ele
detestava e contaminava os outros com esse ponto de vista. Ele foi o responsável
pela cisão que houve, porque ele respeitava que os outros escrevessem tudo,
menos aquela ‘merda’, como ele disse uma vez, de maciéis, caetanos e jorge
mautners e não sei o quê. Ele detestava isso tudo. Achava um bando de débeis
mentais, maluquinhos, maluquetes. Então, aí os outros embarcaram na canoa dele.
Baihunos foi uma ideia do Ziraldo, mas do Ziraldo já enfeitiçado pelo Millôr
(MACIEL apud NUNES, 2016, p. 116).
Em seu livro Geração em transe: memórias do tempo do
tropicalismo, o jornalista e filósofo Luiz Carlos Maciel (1996),
ex-colaborador d’O Pasquim, atribuiu
a criação do termo “baihunos” ao humorista Millôr Fernandes. Segundo Maciel
(1996, p. 240), o objetivo era “comparar os cabeludos a bárbaros de algum
tipo”. Logo, associou a palavra baiano à palavra “hunos”, um conjunto de tribos
nômades euroasiáticas, que se moveram para a Europa Ocidental por volta do
século IV depois do Cristo e que travaram no século V sucessivas batalhas que
selaram o declínio do Império Romano do Ocidente. Simbolicamente, os Hunos
legaram para o imaginário civilizacional eurocêntrico greco-latino o estatuto
por excelência de “bárbaros”. A título de exemplo, a Encyclopedia of First World War apresenta como o termo “hunos” foi
utilizado pela propaganda da Aliança, em especial pelos britânicos e
estadunidenses, para designar os inimigos alemães. Durante a Segunda Guerra
Mundial este uso voltou a ser atribuído aos inimigos.
Figura 4: Propagandas da Aliança durante a 1ª Guerra Mundial contra os
“hunos” (alemães).
Fonte: Michael Duffy (2009).
Perante este clássico
“outro” – inimigo e bárbaro –, o poder midiático de nomeação d’O Pasquim cunhou o termo “baihunos” com
a função de designar os baianos como “bárbaros”, “invasores” do reduto carioca
da Zona Sul – território classificado por muitos moradores como “umbigo do
mundo”. Jorge Mautner, que também teve seus embates com O Pasquim e conviveu com os “baihunos” no exílio, conta em
entrevista (NUNES, 2016, p. 177), que às vésperas da união dos quatro baianos
para a turnê em 1976, ele sugeriu satirizar paradoxalmente a alcunha racista de
“baihunos” ao propor o oximoro: “doces bárbaros”. De acordo com Mautner, ele
disse para os baianos: “ah, mas vocês ficam impressionados? Jesus não era um
‘doce bárbaro’? Daí que fizeram o nome ‘doces bárbaros’.” Pássaro proibido,
Jesus, agente espiritual subversivo, foi essa figura ambivalente, ambígua, equívoca,
a um só tempo, mundano e extra-mundano, sagrado e profano, doce e bárbaro,
portador de uma fala libertária, todavia forasteira, mas que em sua blateração
bárbara subverteu docemente corações imperiais.
Os Doces Bárbaros são pássaros proibidos.
Em seus voos transpõem as barreiras das Formas (eidos), trespassam os limites do Mesmo, as fronteiras da
consciência. Signo movente, o pássaro é um símbolo do interdito em governos
autoritários, afeiçoados às sopas (alegoria latino-americana dos regimes
militares). Como a origem latina da palavra expressa, “pássaro” vem de passer(e), “pardal”, cuja raiz vem de passus e do verbo transitivo pando(ere). Passus significa passar, atravessar, transpor; na retórica
clássica, simboliza o impróprio uso da linguagem, a metáfora (NIETZSCHE, 2000).
Em sentido coletivo, passus significa
“aquilo” que se espalha, se estende, aqui e ali, de todos os lados, em todas as
direções, sem distinção, hibridamente. Passare
é, por exemplo, o canto dos estorninhos, que “voam em bando, enchendo o céu
de estridos e de rumores”, como metaforizou Galileu Galilei em O ensaiador (MARICONDA; LACEY, 2001, p.
52). Enquanto particípio de pandere, passus denomina o ato de (des)dobrar,
perfurar, trespassar, transfixar, abrir afastando, como, por exemplo, na
sentença latina que muito nos diz: moenia
urbis pandere – “fazer uma brecha nas muralhas da cidade”[3]. Na
variação pangere, que possui também o
sentido de fixar, espetar, passus
pode ser lido como o ato de gravar na cera, de compor e escrever. Todavia,
trata-se de uma fixação alada, móvel, como no sentido de volucer, a ave marcada pela inconstância, pelo voo fugidio,
efêmero, enfim, pelo signo da abertura e da passagem.
Ainda sobre o signo do
pássaro, Claude Lévi-Strauss em suas Mitológicas, em especial A oleira ciumenta (1986), livro chave
para a paisagem do pensamento ameríndio e a interpretação da “fórmula canônica
do mito” (ALMEIDA, 2008), assinala, a partir de um mito Jivaro, o papel dos
pássaros Engolevento (Bacurau, dentre outros nomes) e João-de-Barro na
formulação mítica Jivaro; estes pássaros estão diretamente relacionados aos
temas “informes/amorfos” da cerâmica e do ciúme (LÉVI-STRAUSS, 1986, p. 28-29),
questões fundamentais de formação e ordenamento de sentido no mundo da família
linguística Jivaro. Leo-Strauss através da simbolização narrativa dos pássaros
aponta para estes como símbolos imprescindíveis para a “dupla torção”
interpretativa dos mitos em seus saltos descontínuos e suas transformações sucessivas
e abertas. Os pássaros da fórmula mítica Jivaro marcam um dos caracteres mais
peculiares do pensamento ameríndio: a transformação/metamorfose, ou, o
“desequilíbrio perpétuo” que define a transformação estrutural por excelência
nas sociedades ameríndias. Marcados pela “inconstância da alma selvagem” (CASTRO, 2002), os “pássaros proibidos” são a
insígnia do bárbaro, do selvagem amorfo cuja força “consiste em poder transpor
as fronteiras da experiência sensível e se projetar rumo ao desconhecido”
(ALMEIDA, 2008, p. 178).
Os Doces Bárbaros são pássaros selvagens,
bardos de um cântico proibido à fixidez das estruturas civilizacionais.
Festivos e brincantes, trovam o Calluinn
ante o “perigo, o cuidado e o sinal nas ruas”. O pássaro proibido é a metáfora
dos seres informes, privados da fala luminosa carregada de sentido.
Contrapostos à consciência da razão esclarecida, sonham de um “jeito doce e
moreno” o inconsciente questionador e decisivo do “que quer dizer” a sua
expressão. A barbárie que os Doces
Bárbaros evocam urge dos guetos como alternativa contracultural
(“documentos de barbárie”) à cultura ditatorial instaurada da censura da fala,
do calar-se do adverso, da mudez do estranho estrangeiro (apátrida). Ao
dulcificarem a bárbara fala, os Doces
Bárbaros fissuram as muralhas da cidade e voam poeticamente para fora dos
flancos da fala única entalhados na “máquina antropológica” do pensamento
ocidental (AGAMBEN, 2011). Humanizam-se. A balbúrdia desse ato poético “é voar
fora da asa” (BARROS, 2013, p. 302).
3 BALBÚRDIA, A SELVAGEM
PALAVRA QUE GAGUEJA A LÍNGUA
Achava que a partir de ser inseto o homem poderia
entender melhor a metafísica. Eu precisava de ficar pregado nas coisas
vegetalmente e achar o que não procurava. [...] Caminhei sobre grotas e lajes
de urubus. Vi outonos mantidos por cigarras. Vi lamas fascinando borboletas. E
aquelas permanências nos relentos faziam-me alcançar os deslimites do Ser. Meu
verbo adquiriu espessura de gosma. Fui adotado em lodo. Já se viam vestígios de
mim nos lagartos. Todas as minhas palavras já estavam consagradas de pedras.
Dobravam-se lírios para os meus tropos. Penso que essa viagem me socorreu a
pássaros. Não era mais a denúncia das palavras que me importava mas a parte
selvagem delas, os seus refolhos, as suas entraduras. Foi então que comecei a
lecionar andorinhas.
Manoel de Barros (2013, p. 323-324),
O livro das ignorãças, IIIª parte: Mundo Pequeno
“Balbúrdia” é a
palavra-classificadora utilizada pelo atual Ministro da Educação, em 30 de
abril de 2019, para significar o desprezo pela atividade universitária brasileira.
O ministro fundamenta a universidade pública como antro de balbúrdia e baseia
nesta acusação a decisão para os primeiros grandes cortes orçamentários da
educação superior brasileira, como dito em entrevista ao jornal Estado de São
Paulo (AGOSTINI, 2019): “MEC cortará verba de universidade por balbúrdia”. Por
balbúrdia, o Ministro refere-se à “bagunça, evento ridículo, festa, arruaça,
seminários absurdos” e baixo “desempenho acadêmico”. Como exemplo de “bagunça”
diz: “sem-terra e gente pelada dentro do campus”. Vale lembrar que Jair
Bolsonaro, atual Presidente da República, em 18 de setembro de 2015, quando
exercia a função de deputado federal, em entrevista ao Jornal Opção (VITOR,
2015) afirmou que caso as Forças Armadas brasileiras diminuíssem o efetivo
seria “menos gente nas ruas para fazer frente aos marginais do MST, dos
haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo que, agora,
está chegando os sírios também. A escória do mundo está chegando ao Brasil”. O
que a fala do atual Presidente tem em comum com a fala do então Ministro da
Educação é o racismo. Na última Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos
Estudantes de Graduação das Universidades Federais, publicada em 2018 pela
Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior), os dados apontam uma realidade indigesta para o espírito
etnocêntrico do atual governo: a “escória do mundo”, ou seja, alunos negros, de
baixa renda, que estudaram em escola pública, com renda familiar de até um
salário mínimo e meio e que tem pais que não fizeram faculdade são maioria nas
universidades públicas e federais brasileiras.
Sem fundamentação,
registro fidedigno ou qualquer tipo de pesquisa comprobatória, que por ora
dizem o contrário, com as universidades públicas brasileiras aparecendo entre
as melhores ranqueadas na América Latina e no Mundo – como reporta a própria
matéria citando o ranque Times Higher
Education (THE) –, o Ministro acessa o imaginário discriminatório da
máquina antropológica do pensamento ocidental, e frente aos interesses da
agenda conservadora do governo em curso, classifica seus adversários/inimigos
como promotores de “balbúrdia”, isto é, bárbaros, espécime social do homo alalus (humano sem fala).
Perguntado sobre se tal ato não se assemelhava com uma “lei da mordaça”, o
então Ministro afirma que “todos têm logicamente o direito de se expressar,
desde que o desempenho acadêmico esteja bom”. Segundo o ministro, sem nenhum
critério ou pesquisa de fundamento, está “ruim”. Logo, nestes termos, aos olhos
do ministro, a comunidade acadêmica não deve se expressar, deve calar-se frente
o suposto mau desempenho, que mais parece fruto do desejo de extermínio do
ministro, do que propriamente o que ocorre segundo os indicadores nacionais e
internacionais de avaliação da produção acadêmico-científica.
Após o primeiro
anúncio de cortes vieram outros cortes disfarçados de “contingenciamentos”,
atualmente contabilizados em mais ou menos 2,2 bilhões de reais. Desses
bilhões, um total de 926 milhões de reais foram destinados, segundo o próprio
Ministro da Educação, para “pagar emendas” aos parlamentares que votaram com o
governo pela aprovação da Reforma da Previdência, conforme reportagem do dia 16
de agosto de 2019 da Folha de São Paulo (SALDAÑA, 2019). Em outras palavras,
sob o signo da balbúrdia, o investimento público na Educação brasileira foi
interrompido e destinado para a “compra de votos” de parlamentares,
aparentemente incapazes de exercerem suas funções públicas e julgarem
politicamente, por meio do interesse público e do bem comum a todos, se uma
pauta qualquer, como o caso da Reforma da Previdência, é positiva ou não para o
povo que representa.
Deste modo, a temática
da balbúrdia linguisticamente se insere neste texto. Uma urdidura que se inicia
como uma fala contemporânea acerca do Brasil. Sendo teoricamente posto i) o que
significa, para nós, “ser contemporâneo”, ii) como a contemporaneidade, a
partir dos seus resíduos diferenciais e suas transformações estruturais,
deixa-nos próximos interpretativamente de significantes instáveis, que, por sua
vez, que conectam-se iii) aos conjuntos profanos dos jogos que rearranjam e
alteram as configurações sociais e feito “um virar de pedras”, onde acessamos e
somos acessados por um mundo ao avesso, de “povos menores” que se escondem por
debaixo delas (insetos, larvas, vermes, mulheres, crianças, estrangeiros,
homossexuais, etc.). Ao revelar o humo das vidas soterradas, o menor faz nosso “verbo adquirir espessura de gosma”, “nossas palavras
consagrar-se de pedras”, “nossos tropos dobrar-se em lírios”. Por uma balbúrdia
qualquer, vidas informes brotam num dia amorfo, pulsam no avesso do tempo.
Sob a perspectiva dos
“povos menores” (DELEUZE, 1997, p. 14), este mundo bárbaro tem na travessia
profana da composição semântica dos Doces
Bárbaros sua expressão exemplificada na facticidade discriminatória da
alcunha de “baihunos” e na metáfora propositiva do pássaro proibido. Os Doces Bárbaros é o exemplo adotado por
ter a característica ambivalente de agregar sob um mesmo espectro
significativo, o símbolo civilizacional do controle da ordem social, da polidez
das maneiras, da aquietação dos ânimos do “corpo dulcificado” e o selo
inconstante das variações do “corpo selvagem”. A balbúrdia é o evento que
talvez torne possível essa “síntese disruptiva” (DELEUZE; GUATTARI, 1992,
p.82), o despertar da parte selvagem da linguagem que gagueja a língua e faz-se
discurso. Balbúrdia é o acontecimento (calluinn)
onde os seres informes, em seu tropel, confundem os limites do humano e balbuciam
a humanidade por meio dos seus pontos de vista. A pólis passa a ser qualquer lugar onde a vida encante – um “lugar
não-onde”, segundo Guimarães Rosa (2006, p. 38), ou como designado por Platão
no Timeu (1992, §51a), um lugar
informe onde se hospedam os discursos (pandekhês),
ao que e para quem o informe dá lugar, faz falar.
Portanto, a balbúrdia
é um vozerio que marca a condição passageira e incondicionada dos seres
informes na linguagem. É incondicionada pela abertura da palavra à uma
humanidade disseminada. Arrebatados pela palavra, arrebentam as barreiras do
discurso, não para conformar-se com o “sentido normativo” da não-contradição,
nem para reproduzir impondo a fala estrangeira, porém para destinar um espaço
às “outras palavras” não-acontecidas no mundo antropocêntrico.
Balbúrdia é uma
palavra que advém da contração de balbus com
a terminação pejorativa de origem popular e obscura -úrdia. Balbus é aquele
que fala obscura e confusamente, de modo inarticulado ou com hesitação,
balbuciando. A rigor, trata-se do gago (balbus),
mas também do barbarus, isto é, de
todos os povos, salvo os gregos e romanos. Barbarus
são os povos incultos, selvagens (não-gregos, não-latinos). Os Balbus, à maneira dos estrangeiros,
falam com erros e rudeza (barbare loqui).
Como assinalado por Bittencourt e Lopes (2008, p. 97), balbus é possivelmente “a raiz etimológica de bárbaro”, onde, “balbus, em latim, é gago e a lógica da
relação dominados/dominantes no que se refere à questão linguística é
exatamente esta: o outro é inferior porque não sabe falar, gagueja sons
inarticulados, sem sentido claro.” Como é recorrente, na tradição ocidental, o
“próprio do homem”, o que o desarticula do animal é a linguagem. Ser humano é
falar articuladamente. Logo, o antropos é
a condição de poder falar a língua dominante (grego ou latim, no mundo
clássico) e ascender à humanidade. O que está para além ou aquém deste limite é
inumano.
O mecanismo de
exclusão etnocêntrica traduz a “fala” para os seres desprovidos de linguagem por
meio de palavras como “gritar”, “urrar”, “cantar”, “soprar” e mesmo “gaguejar”.
São estas sinonímias de balbus e, por
sua vez, de barbarus. Derrida (2013,
p. 152) argumenta que nas línguas mais antigas do indo-europeu, as palavras que
servem para designar a alteridade e os povos estrangeiros provêm de duas
fontes: ou dos verbos que significam “gaguejar”, “balbuciar”, ou das palavras
que remetem à “mudez” e ao sem-voz (in-fans
– infância). Barbara Cassin (2018, p. 288) no Dicionário dos intraduzíveis: um
vocabulário das filosofias, que coordena, em certa altura do texto faz uma
pergunta chave para nós: “que é um ‘bárbaro’ para um grego?” Cassin, a bárbara,
diz que héllen (grego) e barbarus são antônimos assimétricos;
enquanto hellenízein constitui um
cabeçalho que agrega os sentidos de “falar grego” e “falar corretamente”, cujo corpus histórico-político implica uma
questão de gênero, ou seja, helenizar-se significa “se comportar como homem
livre, civilizado e culto – numa palavra: como homem” (CASSIN, 2018, p. 287),
por outro lado, a onomatopeia barbarízein
designa uma conjunção de traços linguísticos, antropológicos e políticos que
fazem do bárbaro um héteros, um
“inteiramente outro de si, ininteligível, e cuja humanidade mesma poder ser
posta em questão” (CASSIN, 2018, p. 288). No campo retórico-gramatical, o
barbarismo, tecnicamente um desdobramento de uma balbúrdia linguística (barbarolexis), designa um efeito de
ininteligibilidade, declinado dos usos de expressões estrangeiras. Perante o
afastamento do sentido próprio e do uso corrente da linguagem, os barbarismos
são associados à linguagem figurada e às metáforas, pois embaralham os
significados, causam interferências nos significantes e frente aos empréstimos
linguísticos, fazem da linguagem um enigma, conforme diz Aristóteles na Poética (2008, §1458a, 18-31). O
problema para o mundo grego, que persiste até os dias atuais, é determinar se a
barbárie é um fato de natureza ou de cultura. Este problema é categorizado por
Aristóteles como uma querela política fundada na insígnia da escravidão,
clamada pelos bárbaros, que segundo o Estagirita, anseiam pelo despotismo: “os
bárbaros são por natureza mais escravos que os gregos” (1998, §1285a, 20). Sob
este ponto de vista sigético, da supressão da voz, os bárbaros murmuram com a
boca fechada (*mu) a máquina
antropológica ocidental que “transforma a linguagem humana em língua
pré-babélica, a história em natureza” (AGAMBEN, 2005, p. 76).
Perante este tecido de
significados de balbus, resta-nos
analisar a terminação de origem popular -úrdia,
que associados geram a palavra balbúrdia. Cabe dizer que a composição de -úrdia à palavra balbus é quase um pleonasmo. Poucas palavras na língua portuguesa
possuem tal terminação, todavia, às que possuem, estão todas relacionadas à
mácula negativa de significação de balbus.
Estapafúrdio, estúrdio, palúrdio, balúrdio e balbúrdia são as palavras da
língua portuguesa terminadas na partícula -úrdia.
Estapafúrdio significa algo bizarro, excêntrico, pessoa disparatada, não lógica
(fora dos princípios de não-contradição), incoerente. Estúrdio quer dizer algo
similar, pessoa desajuizada, pândega, que leva uma vida leviana. Palúrdio é o
tolo, sem inteligência e incapaz de discernir. Por fim, balúrdio é uma palavra
usada na linguagem de delinquentes para a falsificação de dinheiro; balúrdio é
também conhecido como paco, palavra advinda das gírias dos subúrbios de Buenos
Aires, muito usada pelos tipos marginalizados e pelos tangos. A palavra paco
vem de um exemplo de barbarismo que se emancipou e adquiriu vida própria –
força de uso. Paco é uma palavra lunfarda, dialeto praticado na Argentina e no
Uruguai, originado da miscigenação entre as línguas locais, inclusive as
diaspóricas, com as línguas dos imigrantes europeus, em especial os italianos,
que se fixaram nas periferias de Buenos Aires. A própria palavra “Lunfardo”
aparece como uma possível corruptela etimológica de Lombardo e supõe-se que
surgiu como um tentativa de ocultação de significado criada pelos prisioneiros
para não serem entendidos pelos carcereiros. Uma das características do
Lunfardo é a inversão da linguagem através da alteração da ordem das sílabas
das palavras. Este falar ao avesso é encontrado em letras de tango (gotán, em Lunfardo), sendo muitas vezes
empregados no despertar da ambivalência e do duplo sentido das letras, em
geral, vinculado às temáticas marginais: sexo, drogas, submundo, criminalidade.
O Lunfardo é empregado pelo falante para demarcar a oposição do seu lugar de
fala ao falar genérico, culto e normativo.
Desta maneira, o
Lunfardo guarda consigo a memória de uma balbúrdia linguística, o balbus ou barbarus como personagens conceituais da alteridade dissidente que
ingressam no balbuciar da infância (infans)
de modo inverso ao silêncio obliterante da tradição helênica: “a infância é
precisamente a máquina contrária, que transforma a pura língua pré-babélica em
discurso humano, a natureza em história” (AGAMBEN, 2005, p. 76). A balbúrdia é
o evento infantil de passagem da mudez natural à cultura multinatural: “por esta
razão, enquanto o homem, no conto de fadas, emudece, os animais saem da pura
língua da natureza e falam” (AGAMBEN, 2005, p. 78).
Os personagens
conceituais aqui acionados, frente a balbúrdia, não mais gaguejam numa língua,
“gaguejam toda a linguagem”; movem-se por entre os planos de imanência da vida,
povos menores, andarilhos que em seus levantes provocam um tropel, fazendo “da
gagueira o traço do próprio pensamento enquanto linguagem” (DELEUZE; GUATTARI,
1992, p. 84). Doces Bárbaros, “a lecionar andorinhas”.
O escritor se serve de
palavras, mas criando uma sintaxe que as introduz na sensação, e que faz
gaguejar a língua corrente, ou tremer, ou gritar, ou mesmo cantar: é o estilo,
o ‘tom’, a linguagem das sensações ou a língua estrangeira na língua, a que
solicita um povo por vir, oh! gente do velho Catawba, oh! gente de
Yoknapatawpha! O escritor torce a linguagem, fá-la vibrar, abraça-a, fende-a,
para arrancar o percepto das percepções, o afecto das afecções, a sensação da
opinião — visando, esperamos, esse povo que ainda não existe. ‘Minha memória
não é amor, mas hostilidade, e ela trabalha não para reproduzir, mas para
descartar o passado... Que queria dizer minha família? eu não sei. Ela era gagá
de nascença e contudo tinha algo para dizer. Sobre mim, e sobre muitos de meus
contemporâneos, pesa a gagueira de nascença. Aprendemos, não a falar, mas a
balbuciar, e é só ouvindo o ruído crescente do século, e uma vez lavados pela
espuma de sua onda mais alta, que nós adquirimos uma língua’. (DELEUZE; GUATTARI,
1992, p. 208).
4 OUTRAS PALAVRAS
Nada dessa cica de
palavra triste em mim na boca
Travo trava mãe e papai,
alma buena dicha loca
Neca desse sono de nunca
jamais nem never more
Sim, dizer que sim pra
Cilu, pra Dedé pra Dadi e Dó
Crista do desejo o
destino deslinda-se em beleza:
Outras palavras
Tudo seu azul tudo céu
tudo azul e furtacor
Tudo meu amor tudo mel
tudo amor e ouro e sol
Na televisão na palavra
no átimo no chão
Quero essa mulher
solamente pra mim mas muito mais
Rima pra que faz tanto
mas tudo dor amor e gozo:
Outras palavras
Nem vem que não tem vem
que tem coração tamanho trem
Como na palavra palavra
a palavra estou em mim
E fora de mim quando
você parece que não dá
Você diz que diz em
silêncio o que eu não desejo ouvir
Tem me feito muito
infeliz mas agora minha filha:
Outras palavras
Quase João Gil Ben muito
bem mas barroco como eu
Cérebro máquina palavras
sentidos corações
Hiperestesia Buarque
voilá tu sais de cor
Tinjo-me romântico mas
sou vadio computador
Só que sofri tanto que
grita porém daqui pra a frente:
Outras palavras
Parafins gatins alphaluz
sexonhei la guerrapaz
Ouraxé palávoras driz
okê cris espacial
Projeitinho imanso
ciumortevida vivavid
Lambetelho frúturo
orgasmaravalha-me Logun
Homenina nel paraís de
felicidadania:
Outras palavras
Outras Palavras, Caetano Veloso (1981)
Neste texto as vidas marginais balbuciam um
“discurso filosófico impuro, ameaçado, bastardo, híbrido” (DERRIDA, 1996, p.70)
e “tomam para si todos os perigos que esta [filosofia] deve enfrentar, todas as
condenações, perseguições e denegações que ela sofre” (DELEUZE; GUATTARI, 1992,
p. 57). Poderíamos chamar essa filosofia de informe. A partir da interpretação
filológica da palavra informação e suas estórias menores, o informe se
apresenta como um elemento de articulação para se pensar a questão da balbúrdia
e da linguagem. A balbúrdia entra em pauta devido ao uso pejorativo do Ministro
da Educação brasileiro, alçando esta palavra e seus significados negativos à
critério normativo, para desqualificar a atividade universitária.
Como comumente utilizado pelo discurso
civilizatório, a balbúrdia é o signo festivo dos bárbaros. Todavia, buscamos
abordar esta palavra por meio da perspectiva do informe. Retirando o que há de
naturalizado na interpretação canônica, colocando em jogo elementos práticos e
exemplificando a partir de atores do mundo cultural, buscamos enxergar
panoramicamente como a linguagem e a balbúrdia se relacionam através da máquina
antropológica ocidental e seus dispositivos de exceção. Esta linha de abordagem
assinala para o discurso antropocêntrico, etnocêntrico e logocêntrico que o
atual discurso oficial promove contra a Universidade Pública e seus atores.
Entretanto, com o propósito de modificar as condições de interpretação da
balbúrdia, desenvolvemos uma indicação furtiva de uma máquina contrária, onde a
balbúrdia anuncia o tropel dos seres informes, povos menores tomados por um
devir-revolucionário, sempre em devir, sempre inacabado. Este povo informe mira
a subversão e a transformação estrutural das camadas interpretativas dos
saberes, gaguejando a linguagem, hesitando-a num delírio para além dos próprios
sulcos. À espera dos bárbaros, outras palavras escrevemos por esse povo por
vir.
À espera dos bárbaros
- Que esperamos, reunidos na ágora?
É que hoje os bárbaros chegam.
- Por que tanta abulia no Senado?
Por que assentam os Senadores? Por que não ditam normas?
Porque os bárbaros chegam hoje.
Que normas vão editar os Senadores?
Quando chegarem, os bárbaros ditarão as normas.
- Por que o Autocrátor levantou-se tão cedo
E está sentado frente à Porta Nobre da cidade
Posto em seu trono, portando insígnias e coroa?
Porque os bárbaros chegam hoje.
E o Autocrátor espera receber
O seu chefe. Mais do que isto, predispôs
Para ele o dom de um pergaminho. Ali
Fez inscrever profusos títulos e nomes sonoros.
- Por que nossos dois cônsules e os pretores saíram
Esta manhã com togas rubras, com finos bordados de agulha?
Por que essas braçadeiras que portam, pesadas de ametistas,
E os anéis dactílicos lampejando reflexos de esmeralda?
Por que ostentam hoje os cetros preciosos,
Esplêndido lavor de cinzel, amálgama de ouro e prata?
Porque os bárbaros chegam hoje
E toda essa parafernália deslumbra os bárbaros.
- Por que nossos bravos tribunos não acodem
Como sempre, a blasonar seu verbo, a perorar seus temas?
Porque os bárbaros chegam hoje,
E eles desprezam a oratória e a logorreia.
Por que de repente essa angústia,
Esse atropelo? (Todos os rostos de súbito sérios!)
Por que rápidas se esvaziam ruas e praças
E os antes reunidos retornam atônitos às casas?
Porque a noite chegou e os bárbaros não vieram.
E pessoas recém-vindas da zona fronteiriça
Murmuram que não mais bárbaros.
E nós, como vamos passar sem os bárbaros?
Essa gente não rimava conosco, mas já era uma solução.
Konstantinos Kaváfis
(1984)
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[1] Doutor em
Ciência da Informação IBICT/UFRJ
[2] “Horologium
é o nome que, na tradição oriental, designa significativamente o livro que
contém a ordem dos ofícios canônicos segundo as horas do dia e da noite. Em
sua forma originária, remonta à ascese monástica palestina e siríaca dos
séculos VII e VIII. Os ofícios da oração
e da salmodia aparecem aí ordenados como um ‘relógio’, marcando o ritmo da
oração da madrugada (orthros), da
manhã (prima, terça, sexta e noa), das vésperas (lychnikon) e da meia-noite (que, em certas ocasiões, durava a noite
inteira: pannychis). Esse cuidado em escandir a vida segundo as
horas, em constituir a existência do monge como um horologium vitae [ecce liber, ecce homo], é ainda mais
surpreendente quando se considera não apenas o primitivismo dos instrumentos de
que eles dispunham, mas também o caráter aproximativo e variável da própria
divisão das horas. O dia e a noite eram divididos em doze partes (horae), desde o ocaso do sol até o
alvorecer. As horas não tinham,
portanto, como acontece hoje, uma duração fixa de sessenta minutos, mas,
com exceção dos equinócios, variavam de acordo com as estações, e as horas diurnas eram mais longas no verão
(solstício, chegavam a oitenta minutos) e mais curtas no inverno. Assim, a jornada de oração e trabalho no
verão era o dobro daquela do inverno. Além
disso, os relógios solares, que são a regra na época, funcionam apenas durante
o dia e com céu claro, para o resto do tempo o quadrante é ‘cego’. Tanto mais o
monge deverá ater-se indefectivelmente à execução de seu ofício” (AGAMBEN,
2014, p. 30-31, grifo nosso).
[3] Pandana era como se chamava uma das
portas, sempre aberta, da antiga Roma.