FILOSOFIA NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO BRASILEIRA: ANÁLISE DE ARTIGOS CIENTÍFICOS NA BRAPCI ENTRE 1972 E 2018

 

 

Diego Salcedo[1]

Universidade Federal de Pernambuco

 salcedo.da@gmail.com

Vinicius Accioly Bezerra[2]

Universidade Federal de Pernambuco

 vviniciuscabral@gmail.com

Marcílio Cruz [3]

Universidade Federal do Ceará

 mbc_cilio@hotmail.com

 

 

 

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Resumo

Assume que o estudo da produção científica pode oferecer entendimento sobre os temas abordados, tendências da comunidade, autores mais citados, indicação de maturação da área e consolidação ou silenciamento da área. Tem como objetivo mapear como a Filosofia está contida na Ciência da Informação brasileira. Coleta os dados dos artigos científicos publicados entre 1972 e 2018 na Coleção de Publicações Brasileiras em Ciência da Informação - BRAPCI. Analisa uma amostra de 300 artigos e deriva algumas questões descritivas. Conclui que a Ciência da Informação brasileira mantém um discurso filosófico ocidental canônico com uso equilibrado de autores e principais correntes filosóficas. Não aponta ao uso de pensadores e temas periféricos. Propõe a continuidade desse tipo de pesquisa para incentivar debates sobre uma relação interdisciplinar saudável entre Ciência da Informação e Filosofia.

 

Palavras-chave: Ciência da Informação. Filosofia. Discurso.

 

 

PHILOSOPHY IN BRAZILIAN INFORMATION SCIENCE: ANALYSIS OF SCIENTIFIC ARTICLES IN BRAPCI FROM 1972 UNTIL 2018

 

Abstract

Assumes that the study of scientific production can offer an understanding of the topics covered, community tendencies, most cited authors, indication of maturation of the area and consolidation or silencing of the area. Aimes to map how Philosophy is contained in Brazilian Information Science. Collects the data of scientific articles published between 1972 and 2018 in the Brazilian Publications in Information Science Collection - BRAPCI. Analyzes a sample of 300 articles and derived some descriptive questions. Concludes that the Brazilian Information Science maintains a canonical Western philosophical discourse with balanced use of authors and main philosophical currents. It does not point to the use of thinkers and peripheral themes. Proposes the continuity of this type of research to encourage debates about a healthy interdisciplinary relationship between Information Science and Philosophy.

 

Keywords: Information Science. Philosophy. Discourse.

1 INTRODUÇÃO

 

Difícil desconsiderar que todas as questões de ordem social e econômica presentes na vida da população brasileira, como a desigualdade na distribuição da renda, a violenta degradação ambiental, o desequilíbrio econômico e as disparidades sociais entre as regiões refletem, fortemente, na educação.

Não é à toa que o ensino público, em níveis fundamental, médio e superior percebe diversas e distintas mazelas, cedendo lugar a verdadeiras empresas lucrativas em educação, privilegiando grupos privados, sob o falso argumento de “modernização”. Porém, o mais grave não é a percepção de que, no Brasil de hoje, o ponto de estrangulamento da educação é o ensino fundamental, mas a constatação de que tal crise também avança sobre as universidades.

Implantadas nos anos 30, as universidades públicas constituíram o reduto da elite nacional e produziram o melhor no conhecimento acadêmico. Em pleno século XXI, elas são reguladas por normas, não apenas de controle burocrático e orçamentário, mas, também, a partir de visões de mundo que põem em cheque sua natureza pedagógica, cultural e social.

Esse cenário acentua o seu isolamento, atinge a sua credibilidade, desagrega valor na sua imagem, particularmente, face ao distanciamento do sistema produtivo e da capacidade de iniciativa, com preocupação mínima de descobrir fontes de renda alternativas. Grosso modo, são instituições com características de repartição pública, na acepção de órgãos estáticos e inoperantes, apesar dos esforços aqui e acolá, nem sempre articulados.

Entre algumas dificuldades que constituem esse cenário identifica-se carência de recursos para equipamentos, laboratórios, bibliotecas, material permanente, incluindo os inadequados vencimentos dos servidores. Se por um lado a pesquisa científica é historicamente fortalecida, então pelo outro lado é notória a baixa produtividade no campo das ações extensionistas, movimento que tem como premissa aproximar essas instituições de grupos sociais diversos.

Mesmo diante de um contexto que indica características de subdesenvolvimento, o Brasil consegue manter uma estimada produção científica, participando com afinco nas listas mundiais de países e instituições que, por meio dos artigos científicos, disseminam essa produção no cenário internacional. Logo, mencionar periódicos científicos indica processo de comunicação científica, ação inerente aos grupos sociais que constituem o campo científico.

Assim, considera-se o artigo científico como instrumento radical do processo comunicativo. Mesmo sem um detalhamento da origem do periódico científico, sua concepção, evolução, categorização, funções, vantagens, desvantagens, sistema de avaliação, processo de editoração, de distribuição e circulação, idioma e outros elementos inerentes às duas modalidades (impresso e eletrônico) – essa seção traz um breve panorama.

A seção três descreve certa relação entre os campos científicos da Filosofia e da Ciência da Informação (CI), considerando a relevância desta época no sentido de não mais valorar certo conhecimento como absoluto, mas entender algumas características das tensões na forma de sua produção, disseminação e consumo (GARCIA GUTIERREZ, 2011).

O intuito é apontar indícios de novas interfaces e especificidades que indiquem a configuração atual da Ciência da Informação e de seus pesquisadores, permitindo a identificação de potencial renovação conceitual e investigativa, amadurecimento científico e posicionamento social (ORRICO, 2012).

A quarta seção do artigo apresenta elementos inseridos na execução da pesquisa ora relatada, cujo objetivo central é mapear a produção científica brasileira sobre a relação entre a Filosofia e a Ciência da Informação (CI) a partir da análise dos artigos recuperados no Acervo de Publicações Brasileiras em Ciência da Informação - BRAPCI, pela Internet, contemplando um escopo temporal entre 1972 e 2018.

Este trabalho foi realizado no âmbito do Grupo de Pesquisa Imago e Humanidades Digitais, vinculado ao Departamento de Ciência da Informação (DCI), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o qual tem como uma de suas linhas de ação estudar e debater de forma articulada sobre Ciência, Memória e Filosofia.

 

2 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

 

É importante tratar inicialmente o conceito de periódico científico, não deixando de perceber o fato de que existem convergências conceituais dependendo da cultura de cada país. Sendo assim, o conceito desta ferramenta de comunicação científica, no Brasil, é abordado por diversos autores em obras outrora publicadas.

Seguindo esta linha de raciocínio, destaca-se a definição de periódico científico, dada por Targino (1998, p. 98), como um “canal de comunicação formal dos resultados de estudos e pesquisas em cada área do conhecimento, tendo como principal público os cientistas, e que dispõe de mecanismos de controle e aferição de qualidade das informações veiculadas”. Três aspectos encontram-se entrelaçados nos diversos conceitos que abordam esta ferramenta de comunicação formal, a saber: é um registro público; dissemina informação e possui uma função social.

Um ponto relevante é percebido quando um pesquisador, através de uso da informação científica, divulga suas descobertas aos pares e aos que por algum motivo venham a adquirir a publicação, participando assim no processo de fluxo informacional científico.

Ainda segundo Targino (2014, p. 4):

a comunicação científica fundamenta-se na informação científica, responsável pelo conhecimento científico, o qual, por sua vez, representa acréscimo ao status quo de objetos particulares de estudo ou de especialidades ou de grandes áreas, é evidente que a pesquisa científica está no alicerce de todo o processo de comunicação científica. Consiste em elemento responsável por novos achados, advindos de trabalhos exaustivos de cientistas e pesquisadores, a quem compete não apenas a produção de novos conhecimentos, mas, também, a avaliação dos resultados advindos dos pares. É um circuito ininterrupto que se estabelece entre os pesquisadores, de tal forma que são eles, invariavelmente, consumidores de informação (para executar suas próprias pesquisas); produtores de informação (para divulgar suas próprias pesquisas); e avaliadores de informação (para validar – ou não – os achados dos demais membros da comunidade científica) básico.

 

Não obstante, situações limitantes foram se acumulando com o passar dos tempos em relação a várias questões que envolvem o periódico científico. Entre elas podem ser destacadas: proliferação de títulos; dispersão de artigos; custos altos; falta de padronização; ineficiência, logística de distribuição ineficaz; limite físico; corporativismo editorial; dificuldade de manutenção das coleções, entre outras.

 

3 FILOSOFIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

 

Formular um enunciado acerca da realidade nunca foi uma tarefa fácil, visto que a linguagem sempre se mostrou insuficiente na hora de exprimir a variedade de sensações que sentimos ao viver. Parece que existe uma distância imensurável entre o “apreender” e o “dizer aquilo que foi apreendido”, como se ambas as ações fizessem parte de mundos distintos – cada qual com seus próprios referenciais e direcionamentos. Mas não é esse o caso: falamos sobre aquilo que vemos, aquilo que ouvimos, aquilo que sentimos, aquilo que experimentamos… e queremos sempre ser precisos ao comunicar ao outro isto aí que nos afeta, que nos irrita, que nos assombra, que nos entristece e que nos alegra.

É assim que a filosofia teve seu início, como uma atividade reflexiva que objetiva comunicar de forma precisa aquilo que nos afeta. Para isso, no entanto, ela precisou formular conceitos que na verdade são termos capazes de exprimir aspectos variados da realidade. Todo conceito, portanto, deve ser objetivo e, conquanto não tão claro em um primeiro momento, capaz de apontar com facilidade aquilo que pretende designar. Se pensarmos, por exemplo, nos gregos, o povo que deu origem ao pensamento filosófico, podemos elencar uma lista de conceitos distintos que visavam exprimir uma mesma realidade – disputando entre si a capacidade de melhor comunicá-la.

A “água”, o “apeiron”, o “ar”, o “devir”, o “ser”, o “átomo”, a “ideia”, a “forma”, a “substância” são todos conceitos criados por filósofos gregos e que pretendem comunicar o que é a natureza e aquilo que faz com que ela permaneça sendo o que é, mesmo depois do fim de alguns de seus elementos. Isso porque o tempo histórico em que viviam demandava esse tipo de reflexão, uma vez que as narrativas míticas que antes promoviam as respostas para a origem e a constituição do mundo passaram a se mostrar insuficientes.

Era necessário encontrar novas respostas e, por conseguinte, novas maneiras de exprimi-las. Não foi por acaso, portanto, que a filosofia teve sua origem junto com a ciência, pois na medida em que esta procurava extrair respostas da natureza, aquela criava conceitos para comunicá-las (REALE, 1993; LONG, 2008; VERNANT, 2015).

E em todo o tempo histórico encontramos essa mesma linha de raciocínio. Por vezes, a filosofia encontrou sozinha suas respostas e criou seus próprios conceitos, mas em boa parte do tempo – principalmente a partir da Modernidade – contou com a ajuda da ciência. Uma influencia diretamente a outra, na medida em que o compreender é também comunicar. E não queremos com isso apenas apontar a necessidade de um outro no processo de apreensão, mas também indicar que o conhecimento pressupõe sempre a passagem do mundo exterior ao interior, do objetivo ao subjetivo, e isso por si só já é comunicação, sem precisar que o movimento inverso seja realizado.

A ciência, portanto, por ser um instrumento objetivo capaz de entender a realidade, é o instrumento mais influente na construção de novos conceitos. Até mesmo aqueles que já foram elaborados antes do nascimento de alguns âmbitos científicos sofreram mudanças significativas com o seu avanço. Já a filosofia, por sua vez, procura entender qual é a ligação que determinado conceito tem com o conhecimento científico e em que sentido ele contribui ou deixa de contribuir para as investigações da ciência. Ela, portanto, auxilia no desenvolvimento da ciência na medida em que repensa as maneiras como comunicamos as novas descobertas, redefinindo e criando novos conceitos que possam melhor referenciar a realidade aquilo que se quer apresentar.

Assim, cada tempo histórico tem seus próprios conceitos que os representam e é tarefa da filosofia procurar exprimi-los. Em nossos dias, alguns acontecimentos parecem nos distanciar um pouco da Modernidade. Com a Revolução Industrial e o crescente avanço tecnológico de um mundo pós-guerra, o homem sentiu a necessidade de discutir sobre a preservação, a seleção e a disseminação da informação.

O que antes se resumia a apenas alguns livros impressos por ano, hoje tomou enormes proporções, impossibilitando que tenhamos acesso a tudo aquilo que é escrito. Ademais, o digital nos trouxe experiências inéditas, alargando a própria capacidade que tínhamos de adquirir e comunicar o conhecimento. A comunicação entre máquinas extrapola a relação entre mim e o mundo, trazendo um terceiro elemento para além das correspondências “sujeito-objeto” e “objeto-sujeito”.

A Ciência da Informação surge, portanto, para estudar alguns desses novos aspectos da realidade contemporânea. Floridi (2010, p. 39) propõe que o seu objeto de pesquisa é a “informação”, em um sentido fraco do termo, com a especificidade de que ela esteja registrada em alguma interface, documento. O desenvolvimento da pesquisa sobre a Filosofia da Informação no Brasil, particularmente, articulada ao campo da Ciência da Informação, é uma proposta teórica que ainda busca por validações e refutações pelo corpo de pesquisadores, assunto ignorado ou não considerado relevantes desde 2002, a partir da publicação do artigo “What is the Philosophy of Information?” (FLORIDI, 2002).

Conforme Tomic (2010, on-line):

philosophy of information may function as the underlying meta-theory of some sub-domains. In a similar manner, philosophical theories of critical thinking may fruitfully be related to analyses of the sub-domain of information literacy. That aspect of philosophy of information figures therefore as another dimension of the underlying meta-theory.

 

Em outro sentido, Robredo (2007), seguindo a linha interpretativa já apontada por Deleuze e Guattari (1992), argumenta que a CI pode ser entendida como uma filosofia, na medida em que “criou” e trabalha com o conceito “Informação”. Desse modo, seus campos de estudos, ao discutirem aspectos variados deste e de outros conceitos, necessitam manter um diálogo constante com a filosofia, buscando a melhor forma de exprimir tudo aquilo que vivenciamos nos dias de hoje.

Por exemplo, Saldanha (2012, p. 92):

Como resultado desta dificuldade, atentamos para uma eminente necessidade de refletir sobre o humano na epistemologia da CI. Para o empreendimento proposto, duas são as arenas filosóficas que merecem uma visitação obrigatória: a filosofia da natureza e a filosofia da tecnologia. Como declarado, mais sucinta, nossa proposta neste trabalho é discutir algumas problemáticas que giram em torno dos conceitos de humano, humanidade, humanismo, inumano, ora explicitados, ora implícitos na discussão informacional. Todos, porém, merecem relevância em um contexto de grandes mutações sócio-técnicas, principalmente hoje, diante da profundidade das análises retiradas da filosofia da linguagem constituída no século XX.

 

E o retorno a filósofos de outros tempos deve ser entendido como uma prática indispensável, pois os conceitos que eles criaram são sempre uma fonte inesgotável de representação. Com eles, podemos entender não apenas os acontecimentos históricos do seu tempo (que, por vezes, se tornam até atemporais), mas também nos munir com os instrumentos necessários para elaborar novas maneiras de entender a nossa própria realidade.

Afinal, como destaca Hardy-Vallée (2013), as principais funções de um conceito – metafísica e epistemologicamente – vão determinar a natureza de algo e apontar a maneira como os agentes cognitivos (seja de modo individual ou coletivo) o conhecem. Mas será que essa relação está sendo realmente trabalhada pelos estudiosos da CI? A seguir, buscaremos apresentar um breve mapeamento da produção científica brasileira sobre a correspondência entre Filosofia e Ciência da Informação.

 

4 METODOLOGIA E ANÁLISE

 

A fundamentação teórica do trabalho foi realizada por meio de uma revisão bibliográfica, tanto da área da Filosofia, quanto do campo da Ciência da Informação. De acordo com Marconi e Lakatos (2010) esse tipo de pesquisa tem como objetivo colocar o pesquisador em contato direto com o que foi abordado sobre determinado assunto, caracterizado por um caráter exploratório.

Se por um lado o caráter exploratório da pesquisa teve o intuito de “aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”, conforme Gil (2009, p. 41), pelo outro, o caráter descritivo teve como objetivo descrever as características da amostra buscando estabelecer relações entre as áreas contempladas.

O corpus analisado foi constituído pelos artigos científicos recuperados na BRAPCI, considerando o período de 1972 até 2018, por meio de seu endereço eletrônico (Internet). Os nomes recuperados foram comparados com aqueles contemplados em alguns dos principais manuais de Filosofia, encontrados e publicados no cenário editorial brasileiro: a) o manual de Introdução à Filosofia de Thomas Giles, publicado pela EDUSP em 1979; b) os três volumes do História da Filosofia redigidos por Giovanni Reale e Dario Antiseri, publicados pela editora Paulus no ano de 1990 e republicado até os dias atuais; c) os três volumes de História da Filosofia Antiga de Theodor Gomperz, publicados pela editora Ícone em 2011, 2013 e 2014, respectivamente; e d) os manuais de História da Filosofia Moderna e Contemporânea de Sofía Rovighi, publicados pela editora Loyola em 1999 e que continuam sendo republicados.

Nesse sentido, nomes como Platão, Aristóteles, Descartes e Kant, que trouxeram mudanças significativas para a Filosofia, foram contemplados, enquanto outros (como Malebranche ou Montaigne, por exemplo), que não possuíram um pensamento tão influente quanto os anteriores, acabaram sendo deixados de lado.

Outro ponto que também merece destaque é a presença de alguns pensadores que não fazem parte (stricto sensu) do pensamento filosófico. As pesquisas que realizaram em suas respectivas áreas de estudos acabaram por influenciar de modo tão decisivo a maneira como a filosofia pensa certos aspectos da realidade que seria um grande equívoco não os contemplarmos aqui em nossa pesquisa. É por isso que o leitor encontrará nomes como Michel Foucault, Karl Marx e Pierre Bourdieu que, conquanto não sejam exatamente filósofos, produziram contribuições significativas e até mesmo inéditas a toda a filosofia posterior.

Destarte, segue a lista dos 52 nomes de filósofos e seus respectivos lugares de origem recuperados na BRAPCI entre 1972 e 2018, no Quadro 1:

 

Quadro 1 – Nomes dos filósofos e sua origem geopolítica

NOME

LUGAR DE ORIGEM

Tales

Mileto (Grécia)

Heráclito

Éfeso (Grécia)

Parmênides

Eléia (Grécia)

Sofistas

Diversos lugares (Grécia)

Sócrates

Atenas (Grécia)

Platão

Atenas (Grécia)

Aristóteles

Macedônia (Grécia)

Agostinho

Hipona (Argélia)

Pedro Abelardo

Le Pallet (França)

Tomás de Aquino

Roccasecca (Sicília)

René Descartes

La Haye en Touraine (França)

Francis Bacon

Strand, Londres (Reino Unido)

John Locke

Wrington (Reino Unido)

David Hume

Edimburgo (Reino Unido)

George Berkeley

Condado de Kilkenny (Irlanda)

Thomas Hobbes

Westport (Reino Unido)

Nicolau Maquiavel

Florença (Itália)

Montesquieu

Brède (França)

Gottfried Leibniz

Leipzig (Alemanha)

Blaise Pascal

Clermont-Ferrand (França)

Baruch de Spinoza

Amsterdã (Países Baixos)

Immanuel Kant          

Königsberg (Alemanha)

Voltaire

Paris (França)

Jean-Jacques Rousseau

Genebra (Suíça)

Denis Diderot

Langres (França)

Hans-Georg Gadamer

Marburgo (Alemanha)

Johann Fichte

Rammenau (Alemanha)

Friedrich Schelling

Leonberg (Alemanha)

Georg Hegel

Estugarda (Alemanha)

Arthur Schopenhauer

Gdansk (Polônia)

Friedrich Nietzsche

Röcken (Alemanha)

Søren Kierkegaard

Copenhague (Dinamarca)

Ludwig Feuerbach

Landshut (Alemanha)

Martin Heidegger

Meßkirch (Alemanha)

Hannah Arendt

Hanôver (Alemanha)

Karl Marx

Tréveris (Alemanha)

Jean-Paul Sartre

Paris (França)

Edmund Husserl

Prostějov (República Checa)

Michel Foucault

Poitiers (França)

Gilles Deleuze

Paris (França)

Jacques Derrida

El-Biar (Argélia)

Henri Bergson

Paris (França)

Ludwig Wittgenstein

Viena (Áustria)

Saul Kripke

Nova Iorque (EUA)

Jean Baudrillard

Reims (França)

Hans Jonas

Mönchengladbach (Alemanha)

John Rawls

Baltimore (EUA)

Ernst Cassirer

Breslávia (Polônia)

Pierre Bourdieu

Denguin (França)

Cornelius Castoriadis

Istanbul (Turquia)

Jean Alembert

Paris (França)

 Fonte: dados da pesquisa (2018)

 

Todavia, apesar dessa lista ser relativamente longa e contemplar pensadores de quase todas as fases filosóficas constantes nos manuais de Filosofia, em outros termos, considerando a própria fragmentação didática para o Ensino da Filosofia no Brasil, alguns nomes nunca foram citados pela CI. Ainda, alguns nomes tiveram um número reduzido de citações. O resultado pode ser visto nas ilustrações 2 e 3:

 

Gráfico 1 – Nomes e quantidade de citações de cada filósofo na amostra

Fonte: dados da pesquisa (2018)

 


 

Gráfico 2 – Percentual de citações na amostra por filósofo

            Fonte: dados da pesquisa (2018)

 

De acordo com o contraste entre a lista de filósofos analisados e o resultado final de nossa pesquisa, podemos perceber alguns pontos importantes. Os primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos ou pensadores naturalistas, quase não foram citados. Com exceção de Heráclito que apareceu em apenas um artigo, nenhum outro pensamento que deu origem a filosofia na Grécia foi contemplado pelos estudiosos da CI. Nem mesmo Parmênides que, com seu poema, deu origem a ontologia e a lógica ocidental.

Os Sofistas e Sócrates tiveram a mesma sorte: os primeiros tiveram apenas uma citação, enquanto que o segundo, fundador da ética como campo de investigação humana, foi encontrado em apenas dois artigos em todos esses anos. Já Platão e Aristóteles, os principais fundadores do pensamento filosófico grego e ocidental, tiveram um número maior de citações. O filósofo da academia e sua hipótese das ideias inteligíveis, por exemplo, foi encontrado em 14 artigos, enquanto que o estagirita, fundador de uma “ciência grega” e o principal sistematizador da lógica ocidental, apareceu em 13. 

A filosofia medieval, por seu turno, originada com os primeiros padres da igreja cristã nos séculos II-IV d.C. e finalizada apenas com o movimento renascentista no século XV d.C., a reforma protestante no século XVI d.C. e a revolução científica nos séculos XVI-XVII, não teve espaço nas investigações propostas pela CI. Pensadores tais como Agostinho, Pedro Abelardo, Tomás de Aquino e até mesmo Guilherme de Ockham, que procuraram discutir problemas ligados a importância da fé, ao problema do mal, ao destino dos homens e a existência de Deus, não foram citados.

Descartes e Bacon, os pensadores que deram origem a filosofia moderna, também tiveram um número baixo de citações. O primeiro, responsável pela mudança da pesquisa filosófica do âmbito da ontologia (a busca pelo princípio dos entes) para a epistemologia (a tentativa de descobrir como entendemos o mundo), foi citado em apenas quatro artigos. Por sua vez, Francis Bacon, considerado fundador da ciência moderna, foi encontrado em apenas um. Dos seguidores da corrente racionalista, apenas Baruch de Spinoza e Leibniz foram citados – o primeiro em dois artigos e o segundo em sete. Por sua vez, dos da corrente empirista, apenas David Hume foi citado – duas vezes.

Dos filósofos que pensaram a política na modernidade, tanto Thomas Hobbes com seu Leviatã quanto Montesquieu com seu tratado sobre as leis não foram encontrados. Mas Maquiavel esteve presente em cinco artigos e Rousseau, principal fundador do romantismo francês, foi encontrado em seis. Seguindo com os franceses, Voltaire, com seus contos sarcásticos e iconoclastas, e Diderot, pioneiro no enciclopedismo que vai dar origem posteriormente aos códigos de representação da Biblioteconomia, também foram citados, ambos na mesma quantidade de vezes, a saber, quatro.

Mas foi Immanuel Kant que ganhou o prêmio do filósofo da modernidade mais citado. O chinês de Königsberg, como ficou conhecido, foi o responsável por nos esclarecer, afinal, o modo como conhecemos o mundo. Apresentando uma teoria que resguardava aspectos tanto do racionalismo quanto do empirismo, o filósofo alemão elaborou a Crítica da Razão Pura e demonstrou, de maneira argumentativa, a impossibilidade de conhecermos a essência dos seres.

Com relação à ética e à moral, o filósofo também trouxe grandes contribuições: colocando o homem como o único responsável por suas ações, Kant afirmou que somos nós os criadores de nossos valores morais. Por essas e outras contribuições é que encontramos o filósofo sendo citado 17 vezes. O mesmo não acontece com o idealismo alemão originado a partir do seu pensamento: apenas Hegel foi citado em um total de cinco vezes, enquanto que Fichte e Schelling não tiveram seus nomes mencionados. Já Schopenhauer, também herdeiro direto do pensamento e inimigo declarado de Hegel, teve apenas uma citação, enquanto que Nietzsche, por realizar uma das críticas mais contundentes ao transcendentalismo filosófico, teve 18 citações, quatro a mais que Platão e uma a mais que Kant. Da corrente existencialista temos os seguintes números: Kierkegaard, seu fundador, foi citado apenas uma vez. Martin Heidegger e Hannah Arendt, expoentes de um certo existencialismo fenomenológico, tiveram respectivamente seis e quatro citações. Já Sartre, talvez o maior nome dessa corrente filosófica, teve dez.

Apesar de não fazerem parte da filosofia stricto sensu, Karl Marx, Pierre Bourdieu e Michel Foucault foram os mais citados. Fundador do materialismo dialético e líder da corrente política da esquerda hegeliana, Marx foi citado 23 vezes. Já Bourdieu, sociólogo e fundador do construtivismo estruturalista, pode ser encontrado em 42 artigos. Mas foi Foucault, com suas importantes críticas à Psicologia do século XIX, que se apresentou como o pensador mais citado: em um total de 115 vezes, o pensamento do historiador demonstrou ter um grande impacto sobre a Ciência da Informação no período analisado.

Dos filósofos contemporâneos, aqueles dedicados ao uso e a produção da linguagem não foram citados. Hans Jonas e John Rawls também não. Husserl, fundador da corrente fenomenológica, pôde ser encontrado apenas quatro vezes. Outros como Baudrillard e Bergson tiveram cinco citações cada um e Castoriadis e Alembert tiveram apenas três. Mas foram Deleuze e Derrida que chamaram atenção: o primeiro foi citado 53 vezes, enquanto que o segundo 11.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O campo da Ciência da Informação no Brasil está em constante maturação de seu objeto de estudo. Nesse sentido é promissor estudar como esse campo mantém certa articulação com outros saberes científicos, a exemplo da Filosofia. Como indicado neste estudo, em que pese a necessidade de pesquisas, por exemplo, na literatura cinzenta (dissertações e teses), um conjunto de respostas é extraído das análises dos dados. Por outro lado, fica patente como estão colocadas as fronteiras entre esses dois saberes.

É relevante perceber que as correntes filosóficas e os pensadores que ali podem ser situados criam condições de debates conceituais apropriados pelo campo da Ciência da Informação, por exemplo: o estudo e aplicação das teorias propostas por Floridi para uma Filosofia da Informação estruturada nos alicerces conceituais, no campo da Filosofia, ganhou espaço na Ciência da Informação, mesmo causando certo desconforto.

Os estudos na Ciência da Informação não podem, unicamente, citar conceitos filosóficos como termos descontextualizados do campo da Filosofia. Não basta uma perspectiva de revisão bibliográfica de apropriação unilateral dos conceitos filosóficos. É necessário, em contrapartida, contemplar como a teoria da CI articula esses conceitos desde certa epistemologia, ética e contexto tecnológico.

Desde o surgimento da Ciência da Informação no Brasil o discurso filosófico ocidental é preponderantemente o canônico com uso equilibrado de autores e principais correntes filosóficas (em que pese essa antiquada divisão geopolítica do planeta). Logo, os dados até aqui coletados não indicam a utilização de pensadores e temas periféricos. Por fim, é proposta a continuidade desse tipo de pesquisa para incentivar debates sobre uma relação interdisciplinar saudável entre Ciência da Informação e Filosofia.


 

REFERENCIAS

 

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ROBREDO, J. Filosofia da Ciência da Informação ou Ciência da Informação e Filosofia? In: TOUTAIN, L. M. B. B. (Ed.). Para Entender a Ciência da Informação. Salvador: EDUFBA, p. 35-74, 2007.

 

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VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2015.

 



[1] Professor no Departamento de Ciência da Informação e no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenador do Grupo de Pesquisa Imago e Humanidades Digitais.

[2] Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação na Universidade Federal de Pernambuco.

[3] Doutorando em Filosofia no Programa de Pós-Graudação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará.