INTERFERÊNCIAS E INTENCIONALIDADES NA RELAÇÃO HOMEM OBJETO EM SEU TERRITÓRIO: UMA ANÁLISE TRANSDISCIPLINAR

 

 

Lizandra Caon Bittencourt [1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 lizandracaon@gmail.com

 

 

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Resumo

São muitas as formas em que o ser humano se relaciona com o mundo e uma delas é a relação homem e objeto. A forma como esta relação irá ocorrer quando um objeto tem potencialidade para ser musealizado, tem grande influência na história da construção de informação para a humanidade. Este artigo tem por objetivo propor um olhar transdiciplinar a respeito desta relação apresentando duas novas formas de perspectivas. Estas novas formas de divisão são: a relação homem objeto pela interferência e a relação homem objeto pela intencionalidade. Através da junção de conceitos pesquisados em bibliografias da Psicologia, Antropologia, Sociologia e Museologia. Novos paradigmas são apresentados para serem discutidos e pesquisados mais profundamente.

 

Palavras-chave: Museologia. Homem. Objeto. Interferência. Intencionalidade.

 

 

INTERFERENCES AND INTENTIONALITIES IN THE RELATIONSHIP OF OBJECT AND MEN IN THEIR TERRITORY: A TRANSDISCIPLINARY ANALYSIS

 

Abstract

There are many ways in which the human being relates to the world and one of them is the relation man and object. How this relationship will occur, when an object has the potential to be musealized, has a great influence on the history of the construction of information for humanity. This article aims at proposing a transdisciplinary look at this relationship by presenting two new perspectives. These new forms of division are: the relation man object by the interference and the relation man object by the intentionality. With the combination of the concepts’s that was researched of the psychology, the anthropology, the sociology and the museology. New paradigms are presented to be discussed and researched more deeply.

 

Keywords: Museology. Man. Object. Interference. Intentionality.

 


 

1 INTRODUÇÃO

 

Quando entramos em um museu nos deparamos com inúmeros objetos que estão cheios de significados. A forma como o objeto é exposto pode contar uma história, mas antes deste objeto entrar em uma exposição ele foi achado ou escolhido, levado ao museu e para ser institucionalizado é avaliado para se tornar museália.  

O profissional que escolhe o objeto a ser institucionalizado é antes de tudo um ser humano e vê o mundo de uma maneira muito particular, portanto é possível dizer que há interferências que podem definir esta escolha. Esta interferência pode levar a uma intencionalidade sentenciando a representação do objeto.

Não quero me deter à tipologia do museu ou a sua missão, quero sim pensar sobre a leitura musealizada de um objeto e nas relações existentes na ação de transformá-lo em museália.

Neste artigo quero propor um estudo sobre como ocorre esta escolha, sob a ótica transdisciplinar de conceitos pesquisados em bibliografias da Psicologia, Antropologia, Sociologia e Museologia. Este debate será escrito sob a perspectiva de dois tipos de relações do homem com objeto.  O primeiro tipo de relação homem –objeto, vou chamar de relação de  interferência onde usufruo dos conceitos de Memória, Interpretação, Verdade e Realidade.

A segunda relação será chamada de relação de intencionalidade, onde trabalharei sob a ótica da fenomenologia da percepção, o conceito de objeto e seu poder simbólico; também a função da informação dentro dos museus e finalmente. E algumas considerações sobre a construção de tradições inventadas. A partir destes novos paradigmas apresentados quero abrir uma brecha para futuramente serem discutidos e pesquisados mais profundamente. Kant já definia que a faculdade de julgamento está ligada ao sujeito de forma subjetiva e restringe-se ao fenômeno não sendo possível o acessar coisa/objeto em si.

Já Husserl (1989 apud VERÍSSIMO, 2015), escreve que é preciso compreender analiticamente a percepção externa, para perceber a intencionalidade da constituição de objetos-coisas que lhe é própria.

Juntamente com os conceitos acima irei pontuar uma breve ideia sobre o homem, sob o ponto de vista filosófico e o objeto sob o ponto de vista museológico.


 

2 DESENVOLVIMENTO

 

2.1 HOMEM

 

No prefácio do livro “Fotografia e Memória: a criação de passados” (OLIVEIRA, 2014), Edson Faria aborda David Hume no seu “Tratado da Natureza Humana”: “[...] a impressão das imagens está retida na mente por obra conjunta da imaginação e da memória”. 

[...] Assim, afirma o autor, a concatenação de ideias em uma lembrança representa o modo mesmo como às impressões nos chegam, e desse modo, permitem conjecturas mais precisas. Mas, adverte ele que, a sintonia somente é possível com a intervenção da imaginação. Faculdade mental dotada da liberdade para rearticular ordenamentos, alterar posições, mesmo inventar objetos; logo a imaginação viabiliza a relação entre as ideias, compondo tais conexões. (OLIVEIRA, 2014).

 

Em a Crítica da razão pura, Kant (2001), escreve que o conhecimento começa com a experiência, porque estimula os nossos sentidos produzindo representações, e comparações entre elaborando impressões sensíveis construindo um conhecimento das coisas, através da experiência.

Então, pensemos que a natureza do homem é de ver, interpretar, relativizar a verdade e guardar a informação na memória. Sendo que neste caminho a influência de sua vivência estará constantemente adicionando ou subtraindo informações.

Podemos dizer que a relação homem – objeto está intimamente centrada na percepção individual desta relação.

Segundo Flogel (2014), o que parece de início, é que pedra, a cada vez, é ou dá-se em uma relação — a relação homem-pedra. Relação ou perspectiva. Ou, ainda, interesse. E, de cara, tudo indica perspectiva, interesse, ponto de vista — tudo isso é coisa de, do homem, isto é, coisa da vontade, da subjetividade humana. Pedra, assim, a cada vez, seria, sim, obra, resultado, consequência ou produto da vontade, da subjetividade humana. Enfim, do homem, pura e simplesmente.

 

2.2 OBJETO

 

Vamos então desvendar as várias faces do objeto através de Foucault em ‘As palavras e as coisas’, que chama o objeto de signo e que este pode ter duas posições: ou faz parte, a título de elemento, daquilo que ele serve para designar; ou é dele real e atualmente separado.

Baudrillard (1993), faz acréscimo a esta ideia no seu ‘Sistema de objetos’ escrevendo que: “O objeto puro, desnudo de função ou desprovido de seu uso, adquire estatuto estritamente subjetivo: ele se torna objeto de coleção”.

Em Maroevic (1997), iremos nos deparar sobre a ideia da singularidade dos objetos quando ressalta que: “nesse sentido, um objeto qualquer, ainda que fabricado em série, será sempre único, pois seus atributos biográficos o distinguem dos demais. [...]”. Essa questão pode também ser examinada à luz da Teoria do Conceito de Ingetraut Dahlberg (1978), que distingue objetos gerais e individuais. A luneta de Galileu é um objeto individual, luneta é um objeto geral. Os objetos individuais “estão aqui e agora”, e “não sabemos, ou não temos experiência de, como podem existir seres individuais fora do tempo e do espaço” (DAHLBERG, 1978, p. 101)”.

Menezes (1994), irá completar todo este raciocínio classificando estes objetos individuais em:

Objeto fetiche: deslocamento de atributos do nível das relações entre os homens, apresentando-os como derivados dos objetos, autonomamente, portanto naturalmente; sistemas classificatórios mais flexíveis, como os de natureza geográfica, cronológica, funcional, etc., quando exclusivos, também absorvem os efeitos desfiguradores da fetichização. Uma forma sutil de fetichizar é a estetização do objeto: ela remete a uma humanidade imanente em geral para escapar ao pesadelo da história.

Objeto metonímico: com a metonímia, o objeto perde seu valor documental, transmuta-se num ícone cultural, de valor, agora, puramente emblemático. E o que ocorre quando objetos (no caso da História, também os eventos reificados) são mobilizados para afirmação ou reforço de identidades.

Objeto metafórico: o uso metafórico do objeto, numa mera relação substitutiva de sentido, reduzir a exposição o uma exibição de objetos que apenas ilustram sentidos, conceitos, ideias, problemas que não foram deles extraídos, mas de outras fontes externas, independentes daquilo que se está apresentando.

Então, temos o conceito de que se o objeto é retirado da sua função ele acaba pertencendo a uma coleção, mas ainda fará parte de um grupo de objetos gerais. E ao ser avaliado como objeto individual será classificado como: objeto fetiche, metonímico ou metafórico. Mas ao se ter intenção de colocar o objeto em um museu ele obterá outros conceitos para sua avaliação.

Soares (2015), quando um objeto entra em um museu ele para de pertencer ao “mundo real” e perde suas funções originais.

Para falar sobre objeto de museu em específico irei me beneficiar dos conceitos desenvolvidos por Maroevic (1987), onde ele apresenta o pensamento sobre musealidade, musealização, museografia e museália.

Musealidade é a característica de um objeto material que, inserido numa realidade, documenta outra realidade: no tempo presente é um documento do passado, no museu é um documento do mundo real, dentro de um espaço é um documento de outras relações espaciais. (MAROEVIC, 1987).

 

Musealização é o processo que permite aos objetos viver dentro de um contexto museológico. A partir do desenvolvimento dos conceitos de musealidade e musealização Maroevic (1987), irá chamar o objeto de museu de museália e o conceituará como uma ‘soma de significados’. O objeto acaba transformando-se em documento da sua realidade primeira. (MAROEVIC, 1986, p. 183).

Desvalleés (2015), vai somar ainda o conceito de museografia como a forma e intenção que o objeto é inserido na musealidade e vai se valer do conceito de Mac Luhan, que a abordagem se aproxima desta afirmação: “A mensagem é meio”.

Sendo todos estes conceitos apresentados podemos iniciar o pensamento sobre sua relação com o homem de diversas maneiras.

Podemos iniciar este pensamento a partir de Gonçalves (2004),  quando escreve que:

[...] o sistema da arte é um conjunto de indivíduos e instituições responsáveis pela produção, difusão e consumo de objetos e eventos por eles mesmos rotulados como artísticos e responsáveis também pela definição dos padrões e limites da arte para toda uma sociedade, ao longo de um período histórico. (GONÇALVES, 2004).

 

Então se substituirmos “sistema da arte” por sistema de escolhas de objetos para se tornarem museália poderíamos concluir que são conjuntos de indivíduos e instituições responsáveis pelo consumo de objetos que por eles mesmos são rotulados de museália ao longo do período histórico mantendo um conjunto de crenças que mantém seu status quo.

Ainda citando Gonçalves (2004), estes “sistema de crenças tem uma perspectiva desmascaradora e dessacralizante” assim funcionando a criação da magia e do valor objetos para se tornarem museália. Esta estrutura é estabelecida pelo poder que legitima aquele que tem o poder da escolha sendo ocultada aos que estão excluídos.

Para que possamos entender como todo este sistema de crenças funciona, o assunto pesquisado será dividido sob duas óticas: a relação de interferência e a relação de intencionalidade.


 

3 RELAÇÃO DE INTERFERÊNCIA

 

O homem ao ser exposto visualmente a um objeto acessa uma projeção do que este objeto é para ele e não o objeto em si. Ou seja, só vemos e guardamos aquilo que emocionalmente nos envolve. Vou considerar as variáveis das relações de interferência àquelas que se apresentam de forma automática, que são inerentes ao pensamento humano.

 

3.1 RELAÇÃO DO HOMEM COM OBJETO ATRAVÉS DA MEMÓRIA:

 

Com a quantidade de informações que somos expostos hoje, o homem a todo o momento é incitado a acionar a sua memória, segundo Rodrigo Pavão (Laboratório de Neurociências e Comportamento), pode ser definida como a capacidade de um organismo alterar seu comportamento em decorrência de experiências prévias. 

Vamos nos deter a memória pura, pois é ela, que segundo Bergson (2006), é uma lembrança, uma imagem. Esta memória está associada à representação do passado que é reconhecido pelo indivíduo como passado. Passa a ser contemplativa e teórica, é gratuita. (OLIVEIRA, 2014. p. 26)

Mas Deleuze (2006), vai considerá-la em processo permanente de atualização, pois um objeto do passado visto no presente será lido com sensações igualmente presentes. (OLIVEIRA, 2014. p. 36)

O objeto que não pertence ao agora/atual é deslocado para o afeto ou a lembrança. E se houve deslocamento Hume irá comparar a memória com a imaginação e afirma que: “esta é uma característica humana e que é dúbia devido à propensão do livre curso da fantasia inventando qualquer cena passada.” (OLIVEIRA, 2014. p. 24).

Então podemos dizer que a memória pode ser uma percepção daquilo que é através da minha experiência passada e que muda a cada nova captação de experiências. Segundo Oliveira (2014), a distância entre presença e representação parece medir o intervalo entre a própria matéria e a percepção consciente que temos dela.

Temos que analisar também a interferência da ação direta das memórias individuais sobre as memórias coletivas, mas estas memórias coletivas também interferem nas formas de viver, de ser e estar no mundo dos homens. (SÁ, 2007. p. 129).

Quando se faz necessária uma leitura musealizada de um objeto na intenção de transformá-lo em museália tem que ter em mente que junção da memória individual e da memória coletiva, nos possibilita estabelecer uma relação com o passado e, simultaneamente, nos manter no presente. É necessariamente “indireta, imperfeita, incerta” (POMIAN, 2000, p, 509), já que o passado é reconstruído a partir de vestígios, e jamais restituído integralmente. 

Em Soares (2012), é afirmado que a performance museal não está desprovida de consequências éticas. Então o mais lógico a pensar que na relação homem objeto, através da memória, há profundas interferências ao escolher um objeto a ser musealizado. Interferências relacionadas a memórias e percepções individuais que podem comprometer tanto para bem ou para o mal as informações apresentadas pelo museu. 

Podemos então definir que a memória pura da relação do homem com o objeto pode interferir e gerar conflitos de interesse no momento da escolha da musealização de um objeto.

Mas sabemos que a memória pura está repleta de interpretações e de acordo com Deleuze (2006 apud OLIVEIRA, 2014), mergulhar no passado é condição essencial para um jogo de interpretação.

Podemos então definir que a memória pura da relação do homem com o objeto pode interferir e gerar conflitos de interesse no momento da escolha da musealização de um objeto.

Mas sabemos que a memória pura está repleta de interpretações e de acordo com Deleuze (2006)  mergulhar no passado é condição essencial para um jogo de interpretação. (OLIVEIRA, 2014. p. 36).

 

3.2 RELAÇÃO DO HOMEM COM OBJETO ATRAVÉS DA INTERPRETAÇÃO:

 

Segundo Oliveira (2014), experiências prévias é que fazem o homem um ser que interpreta e a interpretação nada mais é do que toda e qualquer verdade encontrada. Mas não consideremos o homem o seu autor e sim destinatário, enquanto depositário de todo e qualquer sentido, um resignificador. O fenômeno que é a interpretação está relacionado aos valores que o homem constrói ao longo do tempo e irão interferir tem em sua relação com o objeto.

Guillermit (1986) em L’Élucidation Critiquedu jugement de Goût selon Kant  

Por mais original que possa ser a especificidade de um juízo de gosto, ele não permanece menos um juízo quanto à sua forma, pois, referir a representação ao objeto por meio do entendimento como faz o juízo na lógica, ou referi-la ao sujeito por maio da imaginação, é sempre referir, e este por em relação constitui a forma do juízo, tomado em seu sentido mais amplo. (FRACALOSSI, 2008).

 

A postura Deleuziana (2006) , diz que: “A interpretação que se faz não é, portanto, contida por sua vivência, mas por uma vontade apontada pelas vivências próprias”. (OLIVEIRA, 2014. p. 15).


 

O homem que é provido de memória e experiências irá realizar uma interpretação do objeto de forma individual, apesar do seu conhecimento sempre terá como uma intervenção em sua avaliação o juízo de gosto ou de valor.

Em Soares (2012), fica claro quando vemos a afirmação a partir de Turner que uma avaliação pode envolver a interpretação de uma verdade. Creio que esta verdade que Turner cita é aquela que se procura ser verdade e acaba sendo somente uma das muitas interpretações da verdade.

 

3.3 RELAÇÃO DO HOMEM COM OBJETO ATRAVÉS DA VERDADE

 

Assim, "a verdade" pode significar o que é real ou possivelmente real dentro de um sistema de valores. Esta qualificação implica o imaginário, a realidade e a ficção, questões centrais tanto em antropologia cultural, artes, filosofia e a própria razão.

A memória, entretanto, é compreendida metaforicamente, uma vez que apenas seres humanos são capazes de “reconstruir uma situação mais ou menos análoga à já verificada no momento em que o ser ou o objeto, agora presente sob a forma de resíduo, possuía ainda toda a sua completude originária. (POMIAN, 2000, p. 508).

Turner apud Soares (2012, p. 194), conceitua que:

[...] as performances culturais não são simples espelhos [...] são capazes de exagerar, inverter, reformatar, maximizar, minimizar e até falsificar os eventos cronológicos de que se tem notícia. Por esta razão a performance museal não é desprovida de consequências éticas. Ela envolve não apenas a verdade, mas aquilo que se pensa da verdade.

 

A partir disso podemos ver que, o museu e as pessoas responsáveis por sua manutenção têm autoridade e poder de escolha, que pode ser baseados em fatos e interpretados como verdade, mas nas suas escolhas, principalmente de objetos a ser musealizados, a possibilidade de manipulação de verdade é muito grande.

Menezes (1994, p. 30), nos apresenta o seguinte conceito: “O que se tem que evitar é confundir tais reconstituições com contexto”. Esta suposição de que o dado empírico (o registro documental) pode ser tomado como informação, ou, pior ainda, como conhecimento ou síntese cognitiva, é responsável por alguns dos piores entraves ao conhecimento histórico em exposições museológicas, além de abrir espaço à ideologia, como apontam Shanks & Tilley (1987).

Então, como vemos nesta citação de Menezes é possível que a relação do homem com o objeto através da verdade seja repleta de variáveis individuais que podem comprometer uma escolha de um objeto a ser musealizado.

A possibilidade de uma ‘verdade’ virar uma realidade no sistema de poder na ciência da informação constrói histórias tanto para o bem como para o mal.

 

3.4 RELAÇÃO DO HOMEM COM OBJETO ATRAVÉS DA REALIDADE

 

O significado da palavra realidade vem do real e qualifica o que é dado, o que existe efetivamente. Indica, assim, o modo de ser das coisas existentes fora da mente humana ou independentemente dela. Consequentemente opõe-se por um lado ao que é aparente e ilusório, e, por outro lado, ao que é abstrato.

A realidade está segundo Bourdier (1989, p. 9), relacionada ao poder simbólico, um poder que a constrói e estabelece uma ordem onde o sentido imediato do mundo seja o que Durkheim supõe ser o conformismo lógico, uma concepção homogenia do tempo e espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências.

Na semiologia se estabelece a mediação de ordem existencial e Pomian (1977 apud MENEZES, 1994), escreve que esta mediação é estabelecida entre o visível e o invisível, em outros espaços de tempo, em outras faixas de realidade.

Como vemos os objetos assim como as imagens, segundo Loureiro (2018), são sempre parciais, limitando-se a mostrar fragmentos da realidade sob uma perspectiva única, selecionados a partir de critérios que nos são estranhos.

Os objetos em si existem estão ali, a sua realidade é que muda, conforme muda a concepção do homem sobre ele.

Em Menezes (1994), esta concepção fica clara quando ele escreve:

Assim também, não bastaram a manifestação volitiva e a inserção física num museu, para que o mictório de Duchamp tivesse transfigurada sua natureza original. Esta inserção define um quadro dialógico de motivações, expectativas e as respectivas estratégias. 

 

Então podemos concluir a partir do conceito de Soares (2012), que, “a musealização é um processo reflexivo: como em um verbo, ela instaura o modo subjuntivo na realidade, e ela brinca com as coisas do real”. Ou seja, o outro lugar no espelho não é a realidade, mas a realidade no presente.

Mas não podemos ignorar segundo Adorno (1998, p. 6), que: “O espírito, que percebe a realidade não se iguala a ele em tudo, mas está sujeito a uma dinâmica inconscinete e fatal de ir contra sua própria vontade, para além da apologia”.

É através da dialética que refletimos sobre a realidade, sendo um processo de diálogo como prevê Platão e o que complemente este diálogo é o raciocínio lógico, sendo um movimento contraditório e incessante que acontece com o pensamento humano.

 

4 RELAÇÃO DE INTENCIONALIDADE

 

Se o conceito de interferência é a distorção produzida na recepção destes sinais. A intencionalidade, segundo a fenomenologia, é o caráter da consciência de tender para um objeto e de lhe dar um sentido.

Então, para a relação de intencionalidade, vou direcionar meu ponto de vista para as ações que sucedem as relações de interferência. São elas: pretextos para as escolhas, produção de informação e tradições inventadas.

 Vou me valer da fenomenologia da percepção para argumentar sobre a que pretextos o ser humano escolhe um objeto.

Segundo Merleau-Ponty (1996 apud BERVIQUE et.al., 2015), a fenomenologia da percepção é uma visão fenomenológica do homem, do mundo e seus acontecimentos, sendo aberto para os fatores existenciais e, assim ter a compreensão do que possa devir pelos vários aspectos apresentados.

Para compreender o mundo o homem se comunica e se relaciona com ele, mas tendo em mente sempre que esta relação se apresenta a partir do que o homem é.

A relação do homem com objeto se faz através da percepção deste sobre sua existência no meio em que ele vive e se relaciona, sendo totalmente intencional diferente da relação com o conhecimento.

É sabido que a visão tradicional (hoje ultrapassada) sobre a percepção é explicada por uma abordagem intelectualista, onde a consciência está no sujeito e o sentido no objeto, a visão fenomenológica, ao contrário, é cheia de intencionalidade e que o sentido surge da relação entre o homem e o objeto. 

Ainda para ele, o conhecimento está na capacidade de perceber o que nos cerca, o que implica também o processo de dar significado ao que foi assimilado pelos sentidos, para que se possam realizar as necessárias conexões entre os objetos perceptíveis, tornando-os possível em vê-los como um todo. (BERVIQUE et.al., 2015 p. 5).

 

Podemos identificar este conceito através de Sá (2007), que escreve: “ambas as perspectivas, a emergência de novos interesses e a acentuação circunstancial de diferentes sentimentos são responsáveis pelo conteúdo que a memória social (memória de grupo) exibe em um ou outro momento e em um ou outro lugar”.

E para Machado (2015), o nosso olhar está carregado de intenção o mundo visível não nos é dado como algo absoluto e total, mas como matéria que a percepção seleciona, amplia ou ignora, opera e modifica de acordo com a intencionalidade do olhar.

Os pretextos para as escolhas de um objeto musealizável está diretamente relacionado à percepção do indivíduo tanto como profissional responsável quanto como homem inserido em uma sociedade.

 Segundo Banheza (2014), os museus estão inseridos nos referenciais da Ciência da Informação e ele entende:

[...] por informação (humana e social) o conjunto estruturado de representações mentais codificadas( símbolos e significantes) socialmente contextualizadas e passíveis de serem registradas num qualquer suporte material (papel, filme, disco magnético, óptico, etc) e /ou comunicadas em tempos e espaços diferentes. Fenômeno e processo.

 

Um sistema de informação pode ser definido como todo o sistema usado para prover informação, qualquer que seja o efeito desta informação.

Anteriormente, segundo Araújo (2013), a Ciência da Informação desenhava-se basicamente como uma ciência da transferência da informação, isto é, dedicada ao estudo e desenvolvimento de processos e serviços para garantir com eficácia e eficiência o transporte do “conteúdo objetivo” dos documentos de um emissor a um receptor. Mas o sujeito sentiu a necessidade de deixar de ser um mero receptáculo de informação passando a ser sujeito ativo nesta relação.

Segundo Soares (2011), entende-se que os museus elaboram novas informações com base no estudo de seus acervos, desenvolvem distintos procedimentos técnicos para a preservação, salvaguarda e comunicação dos suportes da informação e, partindo de sua historicidade, geram novos indicadores documentais que, por sua vez, também se constituem em meios de informação.

Então na Museologia, a informação é o eixo central das ações museológicas, ou seja, não necessariamente somente dos museus. 

Maroević (1997 apud SOARES, 2015), na prática dos processos de musealização, a perspectiva implica em perceber a informação cultural não como ligada à classe de informação científica. Mas, entendendo a informação como demasiadamente variável, ela aparece e desaparece de acordo com o sistema de valores ao qual está vinculada. 

Então Soares (2015), conclui que:

[...] como consequência desse olhar livre sobre o objeto que é devir, hoje cabe à museologia não apenas se voltar aos objetos e à informação atribuída a eles (seja ela artística, histórica, etnográfica ou científica), mas dedicar parte da pesquisa museológica ao estudo dos sistemas culturais em que os sistemas de informação estão inseridos.

 

Nestes sistemas culturais é importante ressaltar que, existe uma variável que deve ser analisada, as chamadas ‘tradições inventadas’.

Said (2003 apud KHALID, 2011, p. 2), escreve que a tradição inventada é aquilo que parece ser uma verdade, mas que foi construído em cima de algo que contradiz tal verdade. Essa tradição inventada pode ser intencional ou não. A história “escapa completamente da linguagem, da atenção e da memória”. Tendo para Khalid (2011), como resultado a criação de uma tradição de acordo com o novo contexto.

No mesmo texto Khalid (2011), escreve que:

A invenção da tradição, para Hobsbawm (2000), é ideológica e não uma técnica. Portanto, ela não deve ser confundida com as ações de costumes ou de rotina. Ela representa uma reação a um contexto para relacioná-lo com o passado, ou para inventar seu próprio passado através da repetição.

 

Então Khalid (2011), nos apresenta o seguinte exemplo: “o nacionalismo faz parte de tradição inventada porque ele ultrapassa a questão administrativa ou burocrática para ser uma nova ideologia”. “Logo, a invenção da tradição, no caso do nacionalismo, pode apresentar um alerta quando sua narrativa define o conceito de cidadão de acordo com certa etnia, religião ou raça”.

Levando-nos a pensar as escolhas de objetos muselizáveis, Sá (2007), nos faz pensar:

Como registrar os bens imateriais escolhendo apenas alguns bens simbólicos a eles associados, sem engessar seus conteúdos, as sensações, os sentimentos e emoções tão necessários à preservação dessa cultura imaterial e sem fazer com que esses ‘costumes tradições’, formas de fazer e saber se fixem e percam o potencial de reconstrução no presente? É possível dar continuidade a um fazer, um saber ou um modo de viver sem cair no erro de se impor sobre a dinâmica própria que essas comunidades ou grupos possuem quanto à continuidade, manutenção e preservação de suas tradições e costumes? (SÁ, 2007).

 

Para todas estas indagações me valho das palavras de Soares (2012), que responde:

Museus não lidam com o passado, mas com aquilo que é possível fazer dele. Neste sentido, a história não é o que aconteceu, mas é codificado e transmitido. A performance não é meramente uma seleção de dados arrumados e interpretados; ela é o próprio comportamento “e carrega nela mesma conteúdos oficiais, fazendo deles objeto para interpretações mais profundas, a fonte do estudo mais fundo. (SOARES, 2012. p. 200).

 

Então para finalizar, o objeto do passado a ser escolhido para ser musealizado, mesmo na tradição fabricada irá ser adquirido ou avaliado no presente e irá se transformar em museália também no presente oferecendo dados mais dados de informação do presente do que propriamente do seu passado, através da intencionalidade do sujeito envolvido na escolha. 

 

5 CONCLUSÃO

 

A relação homem e objeto acontecem quando respondemos de forma fisiológica e emocional a visão deste. Sendo muito complicado, por não termos controle desta ação. Não se pode direcionar uma pesquisa sobre o poder de impacto do objeto em um museu, e sim sobre o poder deste objeto de gerar informação e de que forma esta informação pode ser recebida e até transformada. Isto é, uma visão fenomenológica da percepção que pode ser repleta de variáveis intervenientes e de intencionalidades do sujeito.

Concordo com Menezes (1994), quando ele escreve: “É muita ingenuidade dos profissionais museólogos acharem que as exposições museológicas podem expressar significação de determinado grupo ou cultura, de um ‘povo’, de uma nação ou segmento social”.

O resultado da relação homem objeto em que este sujeito está repleto de memória, é um desenvolvimento de uma percepção deslocada para o afeto ou lembrança a acaba se tornando uma característica humana dúbia devido à propensão do livre curso da fantasia. Então é possível concluir que a escolha de um objeto a ser musealizado e ou a se tornar musealia sofre interferência da memória do sujeito envolvido.

Já a interferência que ocorre na escolha, sob a perspectiva da interpretação deste sujeito, ao se deparar com o objeto, é resultado de seus conhecimentos e experiências prévias. 

 No que diz respeito ao desenvolvimento da percepção da verdade podemos pensar que seu resultado esteja relacionado com seu potencial de se tornar realidade. Sendo a realidade construída pelo sujeito através de sua vivência em seu território.

Podemos pensar no seguinte exemplo:

Um jovem vai a um museu histórico, ele próprio já vem com conhecimentos e experiências de seu próprio território. No museu temos o profissional que vai montar uma exposição com alguma intenção esta que já está impregnada com a sua própria vivencia na sociedade.

É a relação que estas duas pessoas tem com o seu território que vai resultar na relação que será construída no museu através da exposição. Duas relações diferentes que produzirá na saída do museu uma nova relação com o seu próprio território.

Mas existe também por conta de todas estas intervenções, um resultado. E a este resultado podemos chamar de intenções. As intenções sempre tem o objetivo de dar sentido às coisas ou aos objetos e podem estar cheias de pretextos, que nada mais são que uma forma de argumentar/explicar a escolha. Estes argumentos que se formam podem interferir diretamente nas informações apresentadas. Informações estas que podem ou não estar comprometidas com a ética e que podem vir a formar conflitos de interesses.

O olhar é livre e a consequência disto pode ser as chamadas ‘tradições inventadas’, que são resultado de uma reação a um contexto para relacioná-lo com o passado. Podendo ser um alerta de uma narrativa ideológica ou somente a transmissão de códigos do passado decodificados e resultantes de informações somente do presente. Estes novos paradigmas são apresentados para serem discutidos e pesquisados mais profundamente.


 

REFERENCIAS

 

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BANHEZA, Hawiza. Sistemas de Informação Aplicado à Museologia. Prezi. 25 set. 2014. Disponível em: https://prezi.com/yspl0bltjqhv/sistemas-de-informacaoaplicado-a-museologia/. Acesso em: 06 jun. 2019.

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[1] Graduanda em Museologia – UFRGS. Aluna especial no pós graduação Museologia e Patrimônio – UFRGS.