ÉTICA EM ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:

CATEGORIZAÇÃO DE TERMOS FRONTEIRIÇOS EM RELAÇÃO A GÊNERO E SEXUALIDADE

 

 

Fabio Assis Pinho [1]

Universidade Federal de Pernambuco

 fabiopinho@ufpe.br

Suellen Oliveira Milani [2]

Universidade Federal Fluminense

 suellenmilani@id.uff.br

 

 

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Resumo

Trata-se de uma pesquisa exploratória e documental sobre ética na organização do conhecimento que utiliza como escopo empírico um conjunto de termos considerados fronteiriços em relação a gênero e sexualidade. Para tanto, o objetivo foi categorizar termos considerados fronteiriços na questão de gênero e sexualidade, no intuito de formar uma base léxica para averiguar suas condições de organização do conhecimento, particularmente por ser uma reflexão ética. Dessa forma, os corpora investigativos foram 35 termos fronteiriços em relação a gênero e sexualidade encontrados nos artigos científicos publicados na Journal of Homosexuality, Sexualities e Journal of Gay & Lesbian Mental Health, entre os anos de 2010 a 2019. Esses termos fronteiriços foram classificados utilizando o PMEST e o metafiltro. Os resultados demonstraram que o percurso metodológico foi promissor para classificação ética de termos considerados fronteiriços, promovendo um adequado resultado a partir dos aspectos epistêmicos de seus conceitos.

 

Palavras-chave: Organização do Conhecimento. Ética. PMEST. Metafiltro. Gênero. Sexualidade.

 

 

ETHICS IN KNOWLEDGE ORGANIZATION:

CATEGORIZATION OF BORDER TERMS IN RELATION TO GENDER AND SEXUALITY

 

Abstract

This paper adresses an exploratory and documentary research on ethics in knowledge organization including a set of borderline terms related to gender and sexuality as its empirical scope. The proposal is to categorize terms related to gender and sexuality, which are considered borderline, with the aim to investigate their attributes for knowledge organization. For that, a lexical structure was constructed considering its ethical dimension. The corpora were compound by 35 borderline terms about gender and sexuality extracted from scientific papers published in the Journal of Homosexuality, Sexualities, and Journal of Gay & Lesbian Mental Health between 2010 and 2019. These borderline terms were classified according to the PMEST’s facets and the metafilter steps. Results highlight that this methodological approach is a promising guideline for ethical classification of terms considered borderline, and promote a reliable discussion regarding the epistemic aspects of the analysed concepts.

 

Keywords: Knowledge Organization. Ethics. PMEST. Metafilter. Gender. Sexuality.

1 INTRODUÇÃO

 

Considerando que a ética profissional figura como a ética de um grupo e que os bibliotecários são, por natureza, colaboradores, eles configuram-se como excelentes parâmetros para questões éticas, afinal “[...] ninguém consegue assobiar uma sinfonia, mas um grupo pode criar uma orquestra de pensamentos e experiências que poderiam definir nossas respostas éticas aos desafios da nossa profissão” (SHOEMAKER, 2015, p. 353).

As reflexões sobre a ética têm caráter interdisciplinar com muitas tradições de pesquisa envolvendo os mais variados posicionamentos epistêmicos. O seu conceito é polissêmico, mas em geral, a ética é entendida como a reflexão das normas e princípios que envolvem o ser humano, ou seja, um cidadão pertencente a um determinado espaço, tempo e sociedade.

A ética é um ramo da Filosofia[3] que consiste em um

[...] espaço para refletir a partir de uma postura de distanciamento, quer dizer, um olhar menos afetado possível por emoções, pelo ego, desejos e/ou padrões de pensamento, buscando um equilíbrio entre o que ele próprio pensa e sente, entre o que a sociedade propõe que seja feito, a partir de ideias disseminadas, das instituições, das normas e leis, das convenções e da possibilidade de refletir, se expressar, sobretudo participar de modo consciente da vida em sociedade (RASCHE, 2014, p. 28-29).

 

Na história, poderíamos dividir a ética da seguinte maneira:

Na primeira fase – que abarca a Antigüidade clássica e a Idade Média – agrupamos as éticas que tiveram como base última de sustentação a pergunta pelo “ser”, isto é, pela verdadeira realidade das coisas, incluindo as coisas humanas, como a moralidade. Em uma segunda fase – que abarca o período habitualmente conhecido como “a filosofia moderna”, isto é, desde Descartes até princípios do século XX – colocamos as éticas que nasceram na esteira da reflexão em torno da noção de “consciência” como novo ponto de partida filosófico. Por último agrupamos em uma terceira fase as éticas que se fizeram eco da “virada linguística” própria da filosofia contemporânea, ou seja, as que tomam como ponto de partida filosófico a existência da linguagem e da argumentação como fenômenos que mostram uma exigência de sentido (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 52).

 

A ética reflete sobre o fenômeno da moralidade e, de acordo com o enfoque que lhe é atribuído, a moral pode assumir as seguintes características:

a.    A moralidade é o âmbito da realização da vida boa, da vida feliz, tanto se a felicidade é entendida como prazer (hedonismo) como se é entendida como autorrealização (eudemonismo).

b.    A moralidade é o ajustamento a normas especificamente humanas.

c.    A moralidade é a aptidão para a solução pacífica de conflitos, quer em grupos reduzidos, quer em grandes grupos, como o país em que se vive ou o todo o planeta.

d.    A moralidade é a assunção das virtudes próprias da comunidade a que se pertence, assim como a aptidão para ser solidário com os membros de tal comunidade (comunitarismo).

e.    A moralidade é a assunção de alguns princípios universais que nos permitem avaliar criticamente as concepções morais dos outros e também da própria comunidade (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 31).

             

Dentro da complexidade da moralidade de cada pessoa, as profissões são espaços importantes para a vivência das experiências humanas tanto por envolverem sonhos, expectativas, habilidades e investimentos, quanto por dedicarmos tempo a elas e termos o nosso sustento financeiro proveniente delas. Na Biblioteconomia, os compromissos éticos materializam-se nas relações com o usuário, com a organização, com a informação, com a profissão e consigo mesmo (GUIMARÃES, 2000).

Nesse contexto, Guimarães, Pinho e Milani (2016) identificam duas dimensões: a dimensão axiológica cujo foco está nos valores inerentes a um determinado setor profissional, e a dimensão deontológica representada pelas orientações de boas práticas que uma classe profissional estabelece para regular a profissão.

A deontologia consiste em um “[...] conjunto de preceitos, de ideias, um elenco de determinações objetivas, instruções operacionais a serem seguidos pelos membros de uma categoria profissional visando garantir a uniformidade na realização de um trabalho e ação de grupo” (RASCHE, 2005, p. 24) e colaboraria para a formação de uma identidade dos bibliotecários.

Esse conjunto de preceitos, ideias e instruções podem ser materializados nos códigos de ética profissionais. Bair (2005, p. 22) pontua que um código de ética “[...] deve ser desejado e suficiente para abranger qualquer dilema ético enfrentado por catalogadores [, classificadores e indexadores], deve discutir condutas e ações específicas, de modo a servir como um guia útil nas situações atuais[4]”.

Boas práticas seriam as atividades que levam a uma maior rentabilidade resultante do emprego de um conhecimento científico e especializado por um profissional. Ocorre que há, de acordo com Souza (2014), um distanciamento do ser humano quando se pensam em boas práticas havendo, então, a valorização da aplicação de fórmulas durante o trabalho. Assim, o foco “[...] se desloca indiscutivelmente para o maior ganho proporcionado pela ação realizada, em uma clara resposta utilitarista. A avaliação praticada pelo ser humano, conforme esse olhar abstrai desse atributo de valor” (SOUZA, 2014, p. 13).

Em um contexto deontológico, o valor seria atribuído ao autor da ação; hoje, “[...] a qualidade do ser bom ou de atingir o bem (felicidade) buscado tende a se deslocar das pessoas que desenvolvem as ações, pessoas que então perdem essa sua dimensão, pois o que está em jogo é somente o papel social implicado, isto é, a ‘máscara’ que ela aciona nessa ação” (SOUZA, 2014, p. 13). Apesar de possivelmente eficientes na atuação profissional, o autor alerta que a o caráter humano não pode ser perdido ao incorporarmos diretrizes de boas práticas, pois isso se tornaria um problema de moralidade.

Tanto nos códigos de ética quanto em um código de conduta, haveria a presença de valores éticos enquanto princípios eleitos por uma sociedade a partir de suas raízes culturais. Esses valores são julgados moralmente e a partir dessa chancela social são aceitos e respeitados por seus cidadãos. Apenas as ações humanas conscientes e voluntárias possuem valores que são construídos ao longo da história de cada indivíduo, em suas diferentes etapas de desenvolvimento. Os valores não funcionam como universais, mas podem possuir uma extensão global.

As discussões sobre esses valores e as ações por eles impulsionadas poderiam ser apresentadas de forma que os bibliotecários tivessem acesso à discussão e se apropriassem dela para que, então, ela passasse a respaldar tomadas de decisões éticas visando evitar danos aos usuários da biblioteca.

[...] aparentemente, o dano ocorre quando nos desviamos de um conjunto de preceitos acordados que descrevem o que seria ético. Se concordarmos que haja preceitos específicos ao campo da organização do conhecimento, podemos decidir, enquanto comunidade, o que seria ético e o que poderia ser interpretado como causador de dano (ADLER; TENNIS, 2013, p.268)

 

Dessa maneira, perguntamo-nos: como seria a organização do conhecimento ético de termos fronteiriços em relação a gênero e sexualidade?

Assim, o foco desta pesquisa está voltado para o controle terminológico, uma vez que essa vertente do Tratamento Temático da Informação encontra respaldo como uma etapa do processo de Análise Documentária (se adotada a corrente teórica francesa), da Indexação (corrente inglesa) ou da Catalogação de Assunto (corrente norte-americana), que é a fase da representação.

Em um recorte para mais claramente identificar tal questão, têm-se os universos temáticos do gênero e da sexualidade, cuja produção científica ainda padece de representação adequada devido à ausência de um vocabulário controlado (produto documentário) que seja voltado para esses domínios; tampouco existe, no momento, uma normalização vocabular que propicie uma satisfatória indexação de documentos relativos aos temas. Nesse caso, o uso de uma linguagem normalizada facilitará a busca e recuperação da informação realizada pelo usuário e também permitirá uma maior precisão em seu resultado.

As questões de gênero e sexualidade constituem um domínio do conhecimento que se materializa por meio de uma terminologia científica. Esse recorte leva em consideração a análise de domínio proposta por Hjørland e Albrechtsen (1995) e Hjørland (2002) que versa sobre o entendimento do objeto de estudo da Ciência da Informação – a informação registrada e socializada – por meio da análise dos domínios do conhecimento como um todo ou de comunidades discursivas, destacando como uma das abordagens os estudos terminológicos. Também leva em consideração a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) de Cabré (2005), uma vez que a Terminologia se dedica à observação do comportamento dos termos e sua relação com o conhecimento científico e, dessa maneira, aponta elementos teóricos e princípios práticos capazes de nortear a busca, a seleção e a ordenação de termos de um domínio do conhecimento.

Dessa maneira, o objetivo dessa pesquisa foi categorizar termos considerados fronteiriços na questão de gênero e sexualidade com o intuito de formar uma base léxica. Para tanto, os atributos dessa base léxica e sua dimensão ética foram estudados no âmbito da organização do conhecimento.

 

2 VALORES ÉTICOS NA ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

 

De acordo com Froehlich (2011), nós temos uma melhor noção de ética no momento em que valores éticos são violados ou quando nos deparamos com uma situação problemática. Sendo assim, o bibliotecário teria um comportamento antiético quando, por exemplo:

−     na biblioteca pública, oferece uma sugestão de leitura a um usuário baseando-se em recomendações específicas referentes a outro usuário,

−     prejudica a tentativa de um colega de obter uma posição melhor na instituição,

−     rotula um documento com uma advertência sobre o seu conteúdo ou representa um livro de forma não defensável de modo a não ser encontrado pelos usuários,

−     não inclui determinados documentos na coleção devido aos seus valores pessoais

−     busca informações de forma ineficiente,

−     seu empregador lhe diz para cobrar um usuário pelas buscas online causando um conflito interno entre a boa prática profissional e a preservação do seu emprego.

 

O autor comenta ainda que outras questões relacionadas à privacidade e confidencialidade dos usuários sobre os seus hábitos de leitura ou comportamentos de busca de informação também abrigam dilemas éticos, mas os bibliotecários já entenderam que esses preceitos são invioláveis.

Percebemos que o acesso e a apropriação da informação continuam atuando como supravalores, conforme atestam Guimarães, Milani e Evangelista (2015), na medida em que todos os demais valores concorrem para a sua consecução. No tocante aos valores que amparam a organização do conhecimento especificamente, todos podem ser abarcados por um valor maior – respeito à diversidade.

O acesso à informação seria

[...] um valor ético comum na cultura ocidental, talvez melhor articulado por Immanuel Kant que demonstra que todo ser humano tem mérito moral e merece respeito. No trabalho de informação, isso implicaria em, citando Ranganathan, oferecer “a cada leitor o seu livro” – que significa que devemos adquirir materiais para satisfazer as necessidades dos indivíduos e não apenas do coletivo. Baseado nesse princípio, um desenvolvedor de coleções deveria comprar materiais que seriam úteis a poucos usuários ou até mesmo para indivíduos, tais como trabalhos impopulares sobre posições políticas, práticas sexuais e crenças religiosas. A inclusão de tais materiais pode causar indisposição com a maioria dos usuários da biblioteca, mas mesmo assim satisfaria as demandas de alguns indivíduos (FROEHLICH, 2011).

 

Outro valor ético comum diz respeito a proporcionar a maior felicidade para o maior número de pessoas, evocando assim, um princípio utilitarista; por exemplo, quando o bibliotecário adquire os livros mais vendidos de determinado ranking ou vídeos e coleções musicais populares, ele está valendo-se de valores utilitaristas. Os bibliotecários podem oscilar entre o valor ético de acesso à informação kantiano e o valor ético utilitarista ao desenvolver coleções, ou mesmo nos processos de organização do conhecimento, e essa oscilação, geralmente, não é um processo consciente (FROEHLICH, 2011).

Ao realizar uma revisão da literatura internacional sobre organização do conhecimento, Guimarães, Milani e Evangelista (2015) afirmam que, atualmente, os valores que mais vêm sendo discutidos são garantia cultural[5], privacidade, precisão, direitos autorais e diversidade informacional. Quando comparados aos resultados de pesquisas anteriores (GUIMARÃES et al., 2008), percebemos apenas uma alteração: o valor exaustividade deu lugar à diversidade informacional.

Pensaremos sobre esses valores sob a lente da ética. Entendemos que a identificação e reflexão sobre um conjunto de valores requer uma explicação sobre quais atributos estão associados a determinado valor, para quem tal valor é importante e por que (BUDD, 2006), sendo assim observemos o exercício de caracterização dos cinco valores a seguir.

Garantia cultural: atributos: apresentação de diferentes tipos de informação e construção de diferentes caminhos para uma mesma informação; para quem é importante: todas as comunidades de usuários, principalmente aquelas que não pertencem ao contexto dominante; porque diferentes usuários têm diferentes identidades e necessidades informacionais específicas, as quais devem ser respeitadas.

Privacidade: atributos: sigilo sobre as informações relacionadas aos usuários, bem como ao seu histórico com a instituição (buscas, empréstimos, opiniões, problemas etc.); para quem é importante: todos os usuários da instituição; porque apesar de a biblioteca geralmente configurar-se como um espaço público, a sua relação com o usuário deve ser privada uma vez que o seu comportamento informacional pode revelar características de sua identidade que ele não deseja compartilhar com outras pessoas.

Precisão: atributos: seleção de termos especializados durante a etapa de análise de assunto e cuidado em manter essa especificidade na negociação com o sistema de organização do conhecimento na etapa de representação ou tradução; para quem é importante: usuários que buscam uma recuperação da informação rápida e especializada; porque quanto maior for a especificidade na representação de assunto de um documento, maior será a precisão na recuperação da informação.

Direitos autorais: atributos: respeito aos direitos dos autores ou editores de uma determinada obra intelectual; para quem é importante: autores, editores e instituições; porque lhes é assegurado por lei que a autoria de sua obra seja mencionada durante a citação do seu conteúdo (direito moral), e um valor estipulado seja pago por sua cópia ou venda (direito patrimonial).

Diversidade informacional: atributos: seleção de diferentes tipos de materiais sobre um mesmo assunto para compor um acervo e representação de um mesmo material por meio de termos exaustivos ou precisos dependendo da política de indexação da instituição; para quem é importante: comunidades de usuários, principalmente as especializadas; porque para se construir um argumento ou um juízo há de se ter acesso aos diferentes pontos de vista, fundamentações teóricas e exemplos práticos sobre um determinado tópico de assunto. Uma vez que seja estipulado, por meio de políticas, que um acervo abarcará apenas um ponto de vista perante determinados assuntos, isso deve ser informado aos usuários.

Por outro lado, os problemas éticos percebidos por Guimarães, Milani e Evangelista (2015) foram: má representação/incompletude, falta de garantia cultural, negligência, vigilância e direcionamento informacional. Na comparação com o cenário anterior apresentado por Guimarães et al. (2008), percebemos mudanças significativas uma vez que o foco passou dos aspectos tecnológicos para, atualmente, a diversidade cultural. Vejamos as explicações a seguir.

Má representação/incompletude: falha na representação temática ou descritiva de um documento ocasionada por aplicação inapropriada dos sistemas de organização do conhecimento ou materialização de um preconceito do bibliotecário. Nesse caso, não houve uma preocupação ou cuidado com as necessidades dos usuários, o que resultaria em ruídos na recuperação da informação, recuperação da informação imprecisa ou, ainda, em impactos negativos na autoimagem dos usuários.

Falta de garantia cultural: negação da informação ou ausência de pontos de acesso culturalmente apropriados. Nesse caso, serão exigidos dos usuários maiores esforços para encontrarem o que precisam sem ferir sua dignidade.

Negligência: ao lidar com pessoas, a falta de respeito com as necessidades informacionais, a discriminação ou descuido ao construir as pontes entre as necessidades informacionais das comunidades de usuários da biblioteca e o acervo poderiam se configurar como negligência.

Vigilância: ações que violariam a privacidade do usuário devem ser evitadas a menos que questões judiciais fundamentadas se apresentem. Caso haja qualquer registro ou filtro que exporia a identidade do usuário em suas atividades na biblioteca, o mesmo deve ser informado.

Direcionamento informacional: pode configurar-se como uma ferramenta para que um perfil de busca baseado no comportamento informacional do usuário seja traçado de forma a enviar-lhe referências de documentos que poderiam ser compatíveis com os seus interesses, mas deve ser autorizada pelo usuário mencionando, inclusive, quais dados seus serão armazenados e de que maneira esse armazenamento e utilização dos dados ocorrerão.

Diferentemente dos estudos descritivos ou que examinam situações reais, Fox e Reece (2012) apresentam seis modelos epistemológicos que poderiam oferecer subsídios para o embasamento de decisões éticas do bibliotecário:

-     Modelo utilitarista: somente as consequências importam ao determinar o valor moral de uma ação, e o bem comum do coletivo é o foco. Se uma ação serve ao bem comum, mas se vale de mentiras ou violência, a ação mantém o seu valor moral. Na organização do conhecimento, a bondade pode equiparar-se à promoção de acesso; lembrando que esse processo é realizado por profissionais especializados. Por exemplo, na Classificação Decimal de Dewey, a classe 200 – Religião – foca no Cristianismo, e se for demonstrado que a maioria dos usuários beneficia-se desse arranjo, respondendo ao princípio de utilidade, esse rótulo será aceito. O utilitarismo parece ser o modelo em uso na organização do conhecimento, embora o bem comum acabe amparando a cultura dominante. Nesse contexto utilitarista, o bibliotecário pode julgar os sistemas de organização do conhecimento a partir de seu próprio conhecimento além de poder aplicar as políticas locais para adaptá-los aos seus usuários.

-      Modelo deontológico de Kant: para considerar uma ação correta, considera-se mais do que as suas consequências. Para ser considerada ética, a ação deve ser realizada como um dever, ou seja, seguindo os imperativos categóricos que são valores absolutos, universais, incondicionais e cujo cumprimento compõe a moralidade que conduz ao bem moral. A limitação desse modelo inclui a presença de regras sem exceção e o poder ilimitado dado à imaginação dos bibliotecários. Por exemplo, ao deparar-se com um recurso que julgue ofensivo, o bibliotecário pode, deliberadamente, classificá-lo de forma errônea e, caso alguém não veja contradição nessa ação, ela se torna lícita.

-      Modelo de Rawls – justiça ética. Para Rawls, a principal questão da ética seria decidir o que é justo. Assim como a deontologia de Kant, percebe-se que a neutralidade deveria regular o campo por meio dos padrões e, assim, os dilemas éticos seriam vistos sob a égide das normas do campo e não a partir do contexto. A normatividade determinaria por meio de regras qual decisão deverá ser tomada e os detalhes individuais seriam desconsiderados. Na organização do conhecimento, sob essa perspectiva, os usuários deveriam adaptar-se aos sistemas e às regras, as quais os bibliotecários deveriam seguir uma vez que são universais.

-      Ética feminista – ética do cuidado: ética do cuidado não implica afeto, mas uma estratégia que visa incluir colaboração, relacionamentos e contexto ao processo de tomada de decisão ética analisando os dilemas em seus contextos específicos e acomodando as exceções. Na organização do conhecimento, considerar ou conhecer todos os aspectos de um indivíduo em particular que poderia realizar uma busca por assunto é inviável, mas as pesquisas vêm buscando maneiras criativas de acomodar o contexto dos usuários mantendo o controle bibliográfico necessário; esse parece ser o paradigma atual da organização do conhecimento.

-      Ética de Derrida: evoca o direito à diferença que permitiria ao outro permanecer como outro e não ser reduzido ao “mesmo” por um sistema; todo outro seria bem-vindo ao sistema ou categoria e, já que os limites são inevitáveis, as bordas entre uma categoria e outra devem ser porosas para acomodá-los. Na organização do conhecimento, a estrutura de Derrida fomentaria sistemas hospitaleiros ao extremo incluindo todos os pontos de vistas e terminologias similares aos ambientes de social tagging onde os bibliotecários seriam vistos como restrições e caberia ao usuário julgar a informação que precisa.

-      Ética pragmática de John Dewey: várias ações e consequências e todas as possibilidades lógicas que pertencem ao contexto da ação devem ser consideradas, testando-as com o auxílio de uma comunidade definida levando em conta sua vida moral. Não há uma realidade universal e o significado é criado socialmente. Na organização do conhecimento, as decisões do bibliotecário devem considerar as possíveis consequências para os usuários e serão julgadas socialmente de modo a verificar a sua razoabilidade.

Como cada modelo epistemológico apresenta prós e contras, Fox e Reece (2012) constroem uma estrutura ética para a organização do conhecimento: Dever do cuidado; Hospitalidade com suavizações; Direcionamento à consequência com ênfase na melhoria da prática; Tratamento das pessoas como fins com direitos e responsabilidades; e, Estabelecimento do “no action we are certain” está errado.

É importante registrarmos uma declaração de que entendemos que todas as teorias e crenças são ações políticas e morais, e com questões relacionadas à ética não é diferente. Budd (2006) diz que o grande desafio seria criarmos uma Ética institucionalizada com um conjunto de objetivos específicos a partir de noções de direitos e deveres. É claro que quando lidamos com dilemas previstos em lei temos subsídios mais concretos para tomarmos uma decisão, mas isso não garante que não entraremos em conflito quando um valor inviabilizar outro valor.

Os métodos que usados para discutir questões que envolvem dilemas éticos também influenciam o nosso olhar perante o objeto de pesquisa, sendo assim, o nosso posicionamento ontológico e epistemológico se faz necessário nessas discussões. Assim como Hope Olson, nós nos posicionamos como pós-estruturalistas subjetivos, cuja “[...] premissa ontológica consiste na existência de múltiplas realidades e o posicionamento epistemológico tenta revelar as premissas subjacentes a essas realidades” (MARTÍNEZ-ÁVILA; BEAK, 2016, p. 360). Nesse sentido, passamos a relatar os procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa.

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

Este estudo foi caracterizado como uma pesquisa exploratória e documental, uma vez que possui o intuito de buscar familiaridade com o objeto estudado e, por isso, possui características qualitativas e indutivas.

Os corpora investigativos foram os termos fronteiriços em relação a gênero e sexualidade encontrados nos artigos científicos publicados na Journal of Homosexuality, Sexualities e Journal of Gay & Lesbian Mental Health, entre os anos de 2010 e 2019. Essas revistas foram selecionadas por representarem três grandes áreas do conhecimento que estudam a temática, ou seja, a própria área da homossexualidade, a psicologia e a medicina, respectivamente. A escolha por revistas internacionais não significa que não existam artigos científicos nacionais, o fato é que eles não se encontram direcionados em uma revista específica, mas pulverizados em revistas de caráter mais genérico de uma área, o que dificulta a seleção.

No levantamento dessa base léxica foram encontrados 1.962 termos, levando em consideração aqueles que tiveram sua incidência igual ou superior a 10 vezes de repetição. Após esse procedimento, foram encontrados 12 termos metafóricos e 35 termos fronteiriços em relação a gênero e sexualidade, todos oriundos da literatura científica.

Os termos considerados fronteiriços em relação a gênero e sexualidade encontrados foram 35 e que são corpora desta pesquisa, a saber: agender, aliagender, ambigender, androgine, bigender, (female-male), butch non-binary, cristaline, demigender, denboy, demigirl, efemere, femme non-binary, genderfluid (female-male), genderflux, genderfuck, genderpivot, genderqueer non-binary, graygender, malenon-binary, intergender ou intersex, female non-binary, nan0gender, nan0boy, nan0girl, nan0-menine, negative, neutrois, pangender, poligender, positive, third gender, transfemale ou male to female, transmale ou female to male, travestite non-binary e trigender.

A primeira etapa consistiu na realização de revisão dos termos selecionados, seus conceitos e traduções por meio de pesquisas em dicionários, livros, artigos e revistas acessados pelo Portal da CAPES.

Logo em seguida, esses foram classificados de acordo com as categorias de Ranganathan (Personalidade (P), Matéria (M), Energia (E), Espaço (S), Tempo (T) - PMEST), que consiste em facetas, que segundo Campos, Gomes e Oliveira (2013, p. 2) “[...] permitem mapear uma área de assunto independentemente de como este se encontra estruturado na literatura”. Por fim, foi realizada uma adequação a essa categorização com o metafiltro (essência, função e modo), para realização do controle terminológico dos termos fronteiriços.

 

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS

 

Os termos fronteiriços e seus conceitos (presentes no quadro 1) foram submetidos a categorizações do PMEST e do metafiltro com sucesso; entretanto, as categorias Espaço (S) e Tempo (T) da classificação de Ranganathan não foram utilizadas para o resultado final, pois não se adequaram às terminologias e ao metafiltro (essência, função e modo).

Dessa forma, as categorias do PMEST de Ranganathan e as etapas do metafiltro permitiram elencar características da base léxica formada pelos 35 termos fronteiriços, de forma a possibilitar identificar características comuns e distintas para fins de criação de macrocategorias para a organização do conhecimento, conforme descrito na quarta coluna do quadro 1.

Para apresentação dos resultados da pesquisa, foi elaborado um quadro onde foram inseridos os 35 termos fronteiriços selecionados anteriormente para constituir o vocabulário, que se encontram ordenados alfabeticamente, a seguir:

 

Quadro 1: Termos fronteiriços categorizados de acordo com o PMEST e metafiltro.

TERMO

RANGANATHAN

METAFILTRO

RESULTADO

Agênero

Agender

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que não se considera pertencente a nenhum gênero.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Ignora os conceitos de gênero.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se identificando com nenhum gênero.

Ambigênero Closet

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que se identifica simultaneamente com os gêneros feminino e masculino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Identifica-se simultaneamente com os gêneros feminino e masculino.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Se reconhecendo como mulher e homem simultaneamente.

Andrógeno

Closet

 

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que tem características físicas dos sexos femininos e masculinos, ou possui sexo indeterminado.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui características físicas dos sexos femininos e masculinos, ou possui sexo indeterminado.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Apresentando características físicas dos sexos femininos e masculinos, ou possui sexo indeterminado.

 

Bigênero Feminino-Masculino

Closet

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo cuja identidade de gênero engloba tanto o gênero feminino quanto o masculino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Reconhece-se com o gênero biológico e também com o gênero oposto dentro da divisão binária.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Reconhecendo sua identidade de gênero como a sua biológica e também a oposta dentro da divisão binária.

Cristal

Cristaline

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo cujo gênero se quebra em vários gêneros diferentes.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Identifica-se com diversos gêneros de maneira fluida, aleatória e fragmentada.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Identificando-se com diversos gêneros de maneira fluida, aleatória e fragmentada.

Demigênero Demigender

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui uma conexão parcial com sua identidade de gênero.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Sentem-se representadas apenas em parte por um gênero específico.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Sentindo-se representadas apenas parcialmente por um gênero específico.

Demimenino Denboy “Demiboy”

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que se identifica parcialmente com o gênero masculino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Reconhece-se como pertencente ao gênero masculino, entretanto apenas parcialmente.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Reconhecendo-se como pertencente ao gênero masculino, entretanto apenas parcialmente.

Demimenina Demigirl

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que se identifica parcialmente com o gênero feminino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Reconhece-se como pertencente ao gênero feminino, entretanto apenas parcialmente.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Reconhecendo-se como pertencente ao gênero feminino, entretanto apenas parcialmente.

Entre gênero Aliagender

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui forte ligação com seu gênero, mas transcende qualquer gênero.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não se identifica com nenhum dos gêneros, mas possuem forte ligação com sua própria identidade de gênero.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo forte ligação com sua identidade de gênero, entretanto não se identifica com nenhuma característica de nenhum gênero.

Efêmero

Efemer

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que tem sua orientação sexual transitória.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui orientação sexual transitória, temporária, passageira.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Transitando entre gêneros.

Feminina não binária

Femme non-binary

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que tem características e comportamentos predominantemente femininos, mas não se identifica com a divisão binária de gênero e sexualidade.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não se identifica com a divisão binária de gêneros, mas tem comportamentos predominantemente femininos.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo características e comportamentos predominantemente femininos, mas não acreditam na divisão binária de gênero.

Gênero fluido feminino-masculino Genderfluid Female-male

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que não possui identidade de gênero fixa.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Muda a identidade de gênero, entre a divisão binária.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Mudando a sua identidade de gênero entre a divisão binária, sendo um de cada vez.

 

Gênero fluxo Genderflux

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que muda a intensidade do gênero (seja ele binário ou não) que se identifica de um momento para o outro.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Muda a intensidade do gênero que se identifica de um momento para o outro.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Mudando a intensidade do gênero que se identifica de um momento para o outro.

“Quebra de Gênero” Genderfuck

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que propositalmente desafia as normas de gênero.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Transgridem as “normas” de comportamento e apresentação dos gêneros feminino e masculino, fazendo combinações inesperadas características dos dois gêneros.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Apresentando combinações inesperadas de comportamentos e características dos gêneros masculino e feminino.

 

Gênero Pivô Genderpivot

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Modo ou Condição

Indivíduo que ao mesmo tempo se identifica de forma fixa como bigênero e de forma mutável como gênero fluido.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Essência

 

Reconhecem seu gênero pela divisão binária e tem esse mesmo como fixo, além de ser gênero fluido, provocando mudanças de gênero nesse aspecto.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Função

 

Reconhecendo seu gênero pela divisão binária e tem esse mesmo como fixo, além de ser gênero fluido, provocando mudanças de gênero nesse aspecto.

Gênero distinto não binário Genderqueer non-binary

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

 

Indivíduo que não se encaixa nas distinções convencionais de gênero, além de não se identificar com a divisão binária.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

 

Não se consideram pertencentes ao gênero feminino ou masculino.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não apresentando características das distinções convencionais da divisão binária de gênero.

Gênero cinza Graygender

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui fraca ligação com sua identidade de gênero.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não possui forte ligação com o gênero que se reconhece.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo o sentimento de ligação fraca com o gênero que se reconhece.

Homem não binário

Male non-binary

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

 

Indivíduo que possui características e comportamentos tradicionalmente masculinos, mas que não se identifica com a divisão binária de gênero e sexualidade.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

 

Função

 

Possui características e comportamentos tradicionalmente masculinos, mas que não se identifica com a divisão binária de gênero e sexualidade.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se identificando com a divisão binária de gênero e sexualidade, mesmo possuindo características e comportamentos tradicionalmente masculinos.

Intergênero ou Intersexo Intergender Intersex

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui ambos os órgãos sexuais ou características sexuais femininas e masculinas.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Apresenta características femininas e masculinas, incluindo os dois órgãos sexuais.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo as características e órgãos sexuais masculinos e femininos.

Mulher não binária

Female non-binary

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui características e comportamentos tradicionalmente femininos, mas não se identifica com a divisão binária de gênero e sexualidade.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui características e comportamentos tradicionalmente femininos, mas não se identifica com a divisão binária de gênero e sexualidade.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se identificando com a divisão binária de gênero e sexualidade, mesmo possuindo características e comportamentos tradicionalmente femininos.

Nano Gênero  / “Pequeno gênero” Nanogender

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui leve identificação com o conceito de gênero ou com alguma identidade de gênero não binária.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui leve identificação com alguma identidade de gênero, e simultaneamente, com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta de forma predominante.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo leve identificação com alguma identidade de gênero, e simultaneamente, com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta de forma predominante.

Nano Menino / “Pequeno garoto” Nanoboy

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui leve identificação com o gênero masculino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui leve identificação com o gênero masculino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo leve identificação com o gênero masculino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Nano menina /  “Pequena menina”

Nanogirl

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui leve identificação com o gênero feminino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui leve identificação com o gênero feminino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo leve identificação com o gênero feminino e simultaneamente com alguma outra identidade de gênero não-binária, sendo esta predominante.

Nano-Menine

Nanomenine é um termo utilizado com o mesmo significado de Nano gênero.

Negativo

Negative

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que não se sente parte de um gênero específico.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não possui identidade relacionada às outras construções de gênero ou tem apenas uma vivência distante.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se identificando como as construções de gênero, ou possuindo apenas uma vivência distante.

Neutro

Neutrois

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que tem sua identidade caracterizada pela sensação de neutralidade ou balanceamento.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não pertence especificamente ao gênero feminino ou masculino, ou a qualquer outro, mas uma parte de todos.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se sentindo pertencente especificamente ao gênero feminino ou masculino, ou a qualquer outro, mas uma parte de todos.

Pangênero Pangender

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que pode possuir multiplicidade de gêneros e se identificar com infinitos gêneros, incluindo aqueles ainda não reconhecidos.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Identifica-se com infinitos gêneros, incluindo gêneros ainda não reconhecidos.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Identificando-se com infinitos gêneros, incluindo gêneros ainda não reconhecidos, podendo ser simultaneamente todos, ou não.

Poligênero Poligender

 

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui muitos gêneros.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui vários gêneros, esses podendo ser binários e não-binários.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo vários gêneros, que podem se apresentar simultaneamente ou não. Estes podem ser binários ou não-binários.

Positivo

Positive

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que não tem sua identidade relacionada às construções de gêneros, mas que se sente parte de um gênero específico.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não possui identidade relacionada às outras construções de gêneros, mas se sente parte de um gênero específico.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não possuindo identidade relacionada às outras construções de gêneros, se sente parte de um gênero específico.

“Sapatão não binário”

Butch non-binary

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo do sexo feminino que apresenta características tradicionalmente masculinas, mas que não se identifica com a divisão binária de gêneros e sexualidade.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não se identifica com a divisão binária de gêneros e sexualidade mesmo possuindo características tradicionalmente masculinas, e sendo originalmente do sexo feminino.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se identificando com a divisão binária de gêneros e sexualidade mesmo possuindo características tradicionalmente masculinas, e sendo originalmente do sexo feminino.

Terceiro Gênero Third gender

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que não se identifica com gênero específico algum.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Não se reconhece pelos gêneros binários, nem pela junção de outros gêneros não-binários.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Não se reconhecendo pelos gêneros binários, nem pela junção de outros gêneros não-binários.

Mulher trans Transfemale / Male to female

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo nascido no sexo masculino, mas que se identifica com o gênero feminino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Reconhece-se como pertencente ao gênero feminino, mesmo nascendo do sexo masculino.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Reconhece-se como pertencente ao gênero feminino, mesmo nascendo do sexo masculino, podendo ter feito cirurgia de transição ou não.

Homem Trans Transmale / Female to male

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo nascido no sexo feminino, mas que se identifica com o gênero masculino.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Reconhece-se como pertencente ao gênero masculino, mesmo nascendo do sexo feminino.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Reconhece-se como pertencente ao gênero masculino, mesmo nascendo do sexo feminino, podendo ter feito cirurgia de transição ou não.

Travesti não binário

Travestite non-binary

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo geralmente do sexo masculino que sente prazer em usar trajes associadas ao gênero oposto.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Usa trajes/vestimentas associados ao gênero oposto do masculino, por prazer.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Usando trajes/vestimentas associados ao gênero oposto do masculino, por prazer.

Trigênero Trigender

Personalidade (Enuncia o discurso – quem é)

Essência

Indivíduo que possui três identidades de gênero, simultaneamente ou não, sendo elas: feminina, masculina e qualquer outra.

Matéria (Conseguir o produto final – o que faz)

Função

Possui três identidades de gênero, simultaneamente ou não, sendo elas: feminina, masculina e qualquer outra.

Energia (Manifesta nas atividades – como faz)

Modo ou Condição

Possuindo três identidades de gênero, simultaneamente ou não, sendo elas: feminina, masculina e qualquer outra.

Fonte: Os autores.

 

Observamos que as questões éticas que envolvem a organização do conhecimento relativa aos termos fronteiriços em relação a gênero e sexualidade são pontuadas especialmente nos aspectos epistêmicos oriundos de seus conceitos.

Nessa tarefa não devemos contar com o bom senso, pois

[...] cada um de nós tem a sua própria visão de mundo. Tendemos a esquecer isso e a agir como se as pessoas com as quais interagimos compartilhassem das nossas perspectivas ou até mesmo das nossas opiniões. No entanto, quando indexamos [ou classificamos], precisamos estar conscientes de que a maneira como percebemos o mundo pode ser muito diferente daquela de um autor em particular e, certamente, das maneiras como determinados usuários percebem o mundo. A única solução real consiste em estar o mais consciente possível das nossas próprias presunções quando encontrarmos [tais disparidades] no documento (JACOBS, 2007, p.163)

 

Em relação à documentação, a terminologia é um elemento-chave para representar tematicamente os documentos e para acessá-los. Nesse caso, o uso de uma linguagem normalizada (produto documentário) proporciona uma ponte temática entre o documento e o usuário, facilitando a busca e recuperação da informação realizada e também permitirá uma maior precisão em seu resultado.

No que se refere aos universos temáticos do gênero e da sexualidade, podemos notar que estudos relativos ao tema vêm sofrendo maior atenção dos pesquisadores. Em contraponto, essa produção científica ainda padece de representação documentária adequada, assim como uma normalização vocabular que proporcione uma satisfatória indexação de documentos relativos ao tema.

A ausência desses produtos documentários acaba reduzindo a preservação específica do seu conteúdo por dificuldades na recuperação, pois, nesse caso, tende-se a utilizar termo(s) genérico(s) no ato da indexação dos documentos.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As contribuições advindas da Linguística, Terminologia e das Teorias críticas são imprescindíveis para reforçar que a neutralidade não existe na organização do conhecimento e que, para abrigarmos as diferenças, devemos explorar os limites dos sistemas de organização do conhecimento e justificar as nossas decisões.

Nesse sentido, estudos aplicados sobre as estruturas e orientações para tomada de decisão ética na organização do conhecimento são imprescindíveis.   

Percebemos que a aplicação das categorias do PMEST de Ranganathan aliadas ao metafiltro foi promissora para uma decisão eticamente aceitável em relação à organização de termos considerados fronteiriços em relação a gênero e sexualidade.

Por fim, uma reflexão ética no interior do nosso próprio domínio da organização do conhecimento também se faz necessária, isto é, devemos pensar sobre as presunções que vêm sido tomadas como verdades no contexto da organização do conhecimento, afinal os valores éticos que permeiam a atuação do bibliotecário no tocante à organização do conhecimento moverão as suas atitudes.


 

REFERENCIAS

 

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[1] Doutor e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP. Bacharel em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela UFSCar. Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (Mestrado e Doutorado Acadêmicos) da Universidade Federal de Pernambuco.

[2] Doutora e Mestra em Ciência da Informação pela UNESP, onde também realizou estágio pós-doutoral. Bacharel em Biblioteconomia pela UNESP. Professora do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense.

[3] Muitos pensadores e filósofos debruçaram-se sobre a ética e, ao longo da história, Sánchez Vásquez (1975) percebeu quatro doutrinas: Ética grega: sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles, estóicos e epicuristas; Ética Cristã Medieval: ética religiosa, ética cristã filosófica; Ética Moderna: ética antropocêntrica no mundo moderno, ética de Kant; Ética Contemporânea: de Kierkegaard ao existencialismo, pragmatismo, psicanálise e ética, marxismo, neopositivismo e filosofia analítica.

[4] Bair (2005) propõe um código de ética destinado aos catalogadores, classificadores e indexadores enquanto profissionais que reconhecem e aceitam o privilégio e a responsabilidade de promover o acesso justo e equitativo à informação relevante, apropriada, precisa e sem censura em tempo ideal e livre de preconceitos pessoais e culturais. A nosso ver, esse código funcionaria como ações de boa conduta pois não oferece orientações diretas para casos concretos além de não abrir espaços para a subjetividade e as inclinações inerentes às pessoas.

[5] Beghtol (2002, p. 511) ensina que: “Garantia cultural significa que qualquer tipo de sistema de organização e/ou representação do conhecimento pode ser sumamente apropriado e útil para os indivíduos de uma cultura somente se for baseado nas premissas, valores e predisposições daquela mesma cultura.” Por essa razão, sistemas de organização do conhecimento podem ser considerados artefatos culturais.