MEMÓRIA E INSTITUIÇÃO

os registros da Associação de Ex-alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha (Porto Alegre-RS, Brasil)[1]

Catiele Alves de Souza[2]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

catiele.alves@ufrgs.br

 

Valdir Jose Morigi[3]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

valdir.morigi@gmail.com

______________________________

Resumo

Estudo exploratório, qualitativo, com técnica de coleta de dados através de análise documental, realizado na cidade de Porto Alegre, RS, durante o segundo semestre do ano de 2019. Analisa as narrativas registradas nos documentos da Associação de ex-alunos do Instituto Estadual de Educação General Flores da Cunha (AExAIE). Busca compreender a memória desta escola, em funcionamento desde o 1869. Através dos registros memoriais das atividades desta Associação de ex-alunos obteve-se acesso a variadas documentações, como cartas, convites, atas de reunião, livros, fotos, objetos e ao informativo periódico da Associação. Com base nesses documentos foram descobertas narrativas acerca da escola entrelaçadas com datas e itens de memória afetiva. Conclui que as ações dos associados auxiliam tanto para a preservação da memória do Instituto Gen.Flores da Cunha (IE) quanto para o fortalecimento das identidades individuais e do grupo, além de ser uma forma de relacionar-se com a cidade exercitando a cidadania.

Palavras-chave: Memória. Memória institucional. Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE). Associação de Ex-alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha (AExAIE).

MEMORY AND INSTITUTION

the records of the Alumni Association of the General Flores da Cunha Education Institute (Porto Alegre-RS, Brazil)

Abstract

Exploratory, qualitative study, with data collection technique through document analysis, carried out in the city of Porto Alegre, RS, during the second semester of 2019. It analyzes the narratives recorded in the documents of the Association of alumni of the State Institute of Education General Flores da Cunha (AExAIE). It seeks to understand the memory of this school, which has been in operation since 1869. Through the memorial records of the activities of this Association of alumni, access to various documents was obtained, such as letters, invitations, meeting minutes, books, photos, objects and the newsletter Association's periodical. Based on these documents, narratives about the school were found intertwined with dates and affective memory items. It concludes that the actions of members help both to preserve the memory of the Gen.Flores da Cunha Institute (IE) and to strengthen individual and group identities, in addition to being a way of relating to the city by exercising citizensh

Keywords: Memory. Institutional memory. Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE). Associação de Ex-alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha (AExAIE).

1  INTRODUÇÃO

Os indivíduos e as instituições possuem uma memória que pode ser recuperada e preservada. Memória e instituição estão ligadas ao conceito de sociedade, socialização e a imagem que temos de si e do outro na sua relação com as instituições. A recuperação da memória está relacionada com a imagem que uma instituição quer preservar de si mesma perante a sociedade e difere-se das memórias pessoais e de seus colaboradores, porém, é formada delas.

Estudo realizado durante o período de janeiro a dezembro de 2019, tem como objetivo analisar as narrativas presentes nos documentos produzidos pela Associação de Ex-alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha e como elas auxiliam na construção da memória institucional do Instituto. Desta forma, a pesquisa identificou quais os registros produzidos pela Associação de Ex-alunos e como eles auxiliam na preservação da memória da entidade, fortalecendo identidade do grupo. Esta pesquisa caracteriza-se por ser qualitativa, utilizando como metodologia o Estudo de caso, com uso de técnica de coleta através de análise documental. Situa-se na orientação documentalista e construtivista-social, pois encontra no tratamento dos documentos de outrora, pistas para reconstruir a história de grupos e trazer novos sentidos às memórias individuais e coletivas da educação porto-alegrense.

O Instituto de Educação Instituto General Flores da Cunha (IE) é a instituição de ensino formadora de educadores mais antiga do Brasil em funcionamento (CHAVES, 2019). Uma das escolas públicas mais tradicionais da cidade de Porto Alegre, o Instituto foi criado em 1869, durante o Império, permanecendo até 1920 como a única instituição responsável pela formação de professores primários para atuação em escolas do estado do Rio Grande do Sul.

A Associação de Ex-Alunos (AExAIE) iniciou seus trabalhos em 1960, no prédio do Instituto, situado na rua Osvaldo Aranha 527, sala 116, em Porto Alegre (RS). Com o início da reforma do prédio em 2016 as instalações foram transferidas para escolas próximas. Atualmente, a associação está localizada em uma pequena sala no colégio Dina Neri Pereira. A previsão de final das obras era maio de 2020.

2  DA MEMÓRIA À MEMÓRIA INSTITUCIONAL

Neste trabalho utilizaremos o conceito de memória como a capacidade de rememorar fatos, acontecimentos. Todavia, quando a memória humana já não suporta mais guardar a grande quantidade de informações, excedendo sua capacidade, é necessário o uso da memória artificial, que são os suportes e os dispositivos informacionais que nos facilitam a ação de recordar.

Segundo Candau (2016), a memória pode ser classificada em três tipos: a protomemória, a memória de alto nível e a metamemória. A protomemória consiste em uma memória do corpo. Uma memória que adquirimos de forma automática, uma inércia adquirida pela observação e a convivência que abarcam corpo e a mente. A memória propriamente dita ou de alto nível, consiste em uma recordação ou reconhecimento, evocação de lembranças autobiográficas ou enciclopédicas. E a metamemória é a representação que cada indivíduo faz da memória, do conhecimento que se tem dela e do outro, podendo ser chamada também de memória ostensiva.

Para Candau (2016), apenas uma metamemória pode ser pretendida para grupos, isto é, a representação que cada indivíduo faz de uma realidade, pois é algo menos exato, sendo que cada um terá uma memória da memória de determinado fato. Para o autor, no nível de grupo, a metamemória seria apenas um compartilhamento hipotético de lembranças (CANDAU, 2016). Igualmente sobre identidade, o conceito não se aplica ao grupo, apenas de forma pouco rigorosa, pois há uma disputa em ação entre várias narrativas que buscam contar os fatos e os mitos importantes daquele grupo, cada uma com seu ponto de vista. Segundo Halbwachs (2006), a estabilidade dos diversos grupos sociais se relaciona com a estabilidade dos objetos físicos, do lugar que frequentam e com a vida material.

Conforme Pierre Nora (1993) os lugares de memória, que são museus, arquivos, cemitérios, coleções, festas, monumentos, podem ser locais físicos como prédios, objetos, mas também itens de natureza imaterial, como datas comemorativas. São os lugares gravados na memória, como âncoras para rememoração de acontecimentos. Para Coser (2017, p. 234) os lugares de memória são “lugares individuais, familiares, comunitários ou nacionais, na forma de álbuns de música ou de retratos, livros, praças, monumentos ou comemorações, eles vêm substituir as memórias vivas na tentativa de que elas não se percam”.

A partir dessa abordagem, podemos incluir os registros informacionais da instituição como formas de dar continuidade à identidade do grupo. As memórias de um grupo não representam em pormenores as memórias de seus indivíduos, mas sim, um denominador comum, uma linha geral de pensamento daquela entidade que mantém o grupo coeso.

Para Candau (2011, p. 35), os ancoradouros de memória são importantes para “delimitar uma área de circulação das lembranças”. Entendemos que os registros de uma instituição, então, representam a narrativa oficial do grupo, aquela que gostariam de transmitir aos próximos membros e à sociedade. Sendo assim, os registros institucionais se constituem fontes de informação, passíveis de serem analisados, pois permitem compreender como um determinado grupo constrói a sua a identidade.

Para Thiesen (2013), o conceito de Memória Institucional e Memória organizacional se entrelaçam. A instituição se atualiza na organização, que tem uma visão economicista, e a organização precisa da burocracia da instituição para legitimar-se.

As instituições produzem memória e também necessitam resguardá-la. Memória e instituição estão ligadas ao conceito de sociedade, socialização e a imagem que temos de nós e do outro na sua relação com as instituições. A recuperação da memória está relacionada com as imagens que uma instituição almeja preservar de si mesma perante a sociedade e se difere das memórias pessoais e de seus colaboradores (THIESEN, 2013).

A instituição tem vida. É uma entidade que nasce geralmente com um documento de fundação que expressa a vontade humana e coletiva dessa intenção. Thiesen conceitua instituição como:

algo que foi fundado no início dos tempos (nesse sentido muito próximo do plano mítico) e que vem sendo reproduzido ao longo do tempo em práticas cotidianas, por mecanismo reflexos, por inércia ou até mesmo por força da tradição (THIESEN, 2013, p. 124).

Para Candau (2016) é necessário classificar e salvaguardar as coisas das quais se pretende lembrar, pois como a incompletude vem da desordem, há a necessidade de colocar o passado em ordem. “Recordar, assim como esquecer é operar uma classificação” (CANDAU, 2016, p. 84). O registro possibilita o compartilhar.

O processo de institucionalização da memória é acompanhado pelas práticas sociais. As instituições trazem embutidos os saberes e os rituais que devem ser repetidos por seus indivíduos ad infinitum com força do hábito e apoio da memória. Instituições lutam para preservar sua regularidade. O hábito é naturalmente adquirido, sendo uma forma de memória (THIESEN, 2013).

A seguir veremos como o processo de institucionalização da memória escolar auxilia na construção da identidade.

 

INSTITUIÇÃO ESCOLAR, IDENTIDADE E SEUS REGISTROS

A identidade do grupo é concebida como inseparável da memória. A identidade consiste em tornar-se um conjunto de memórias que regem a vida, os hábitos e a imagem que o indivíduo tem de si e dos outros. Para Candau (2016) identidade pode ser tanto um estado resultante de uma instância administrativa através de um documento, por exemplo, como pode ser uma representação ou uma ideia de quem a pessoa é. A identidade é formada por um mosaico de vivências, não é forjada e cristalizada em um único momento, nem algo que se perca de uma só vez.

Candau (2016) faz a distinção entre memória forte e memória fraca. A memória forte se caracteriza pela capacidade de estruturar os grupos humanos. Ela seria estruturante de identidade, capaz de organizar sentido naquilo que o autor chama de “retórica holística” (o que denominamos de “grandes narrativas”), conforme a relativa margem de manobra identitária das pessoas dentro daquele conjunto de lembranças (CANDAU, 2011, p. 125). A memória fraca ou a debilidade da memória se originaria da gradativa transformação dos grupos, segundo seus quadros sociais de memória apontados por Halbwachs (1925), que amparam as memórias fortes.

Entretanto, nada seria possível sem a extensão da memória, o que possibilitou a transferência destes signos desde as paredes das cavernas até o advento da escrita. Os livros e registros impressos foram os grandes responsáveis pela estocagem de conhecimentos ao longo do tempo, e mesmo para os iletrados, pois em épocas de baixa alfabetização, eram comuns as exortações em praça pública. Desta forma, se conseguia ter acesso aos textos mesmo sem dominar as letras.

Além disso, o livro carregava o texto orientador das memórias individuais dos que tinham acesso à leitura, funcionando como um uniformizador tendencial dos horizontes mentais. A escrita, para uma cultura que se pretende registrar, representa uma seleção de fatos e será limitada em representações, além de não refletir a possibilidade de mudanças que ocorrem com qualquer organismo vivo.

O conhecimento tem natureza plural, isto é, há muitas formas de conhecer, muitos sistemas de conhecimento. Não resumindo-se à palavra escrita, os objetos guardam conhecimento, as práticas não verbais, como tecer e cozinhar guardam visões de mundo. Para Luis Vives, humanista espanhol, “os camponeses e artesãos conhecem a natureza melhor que muitos filósofos” (BURKE, 2003). A própria área de História Oral é um sistema que valoriza outros tipos de fontes, além das impressas. Assim, o papel do conhecimento impresso em registros não é ser superior a outras formas de saber, mas sim de guardar e transmitir através da leitura, do estudo e do ensino a outras gerações e populações. A transmissão dos conhecimentos através dos registros escritos, guardados nas instituições escolares e o processo de socialização, possibilitou a expansão da memória. “Nas sociedades modernas, a transmissão de uma boa parte da memória é mediatizada” (CANDAU, 2011, p. 110).

Com o estabelecimento e a profusão de registros, temos o efeito paradoxal, que mostra ser delicado escolher quais serão as informações a serem guardadas e quais seriam esquecidas. Candau (2016) aponta que a expansão da memória pode ser um obstáculo à transmissão de recursos identitários por dispersão e rememoração banal. Segundo o autor, fotografamos muito, em uma ânsia de querer a tudo guardar, entretanto não retemos nada verdadeiramente. Estamos apoiados demasiadamente na capacidade de memória artificial dos dispositivos que, ora nos seduzem com promessas infinitas de guardar seguras nossas recordações, ora nos escravizam quando já não temos mais em nossa memória natural nem o número de telefone utilizado diariamente.             O autor tece uma crítica ao excesso de registros, o que chama de Iconorreia, onde há profusão e uma obsessão com arquivamento. Tudo é fotografado e esquecer é proibido. Talvez a falta de sacralidade e rituais nas vivências das sociedades urbanas cause um desnivelamento e uma busca por tornar tudo especial e digno de registro. Se tudo é sagrado e fotografado nas 24h do dia, então nada é sagrado. A falta de uma memória forte faz com que tornemos tudo especial e assim vamos afogando-nos no mar de mídias e cores vazios de sentido.

O registro é o vínculo entre passado e presente. Ele contribui para dar continuidade e manutenção de memórias do grupo já institucionalizadas ou serve de inspiração para a criação das novas memórias do grupo. O que o grupo decide preservar e manter diz muito sobre como ele enxerga sua posição no mundo e como se relaciona com a sociedade. Analisando os registros das instituições, como uma associação escolar, por exemplo, podemos compreender as visões de alunos e ex-alunos sobre a escola em questão, ligação das vivências com suas histórias de vida, personalidade, vestígios de práticas de épocas passadas, mudanças sociais, entre outras informações.

A escola é uma instituição e um lugar consagrado de produções de memórias e construção da identidade grupal. Durante a vida escolar os indivíduos produzem, compartilham e usam as informações, um conjunto infinito de símbolos, de signos e de mensagens, que auxiliam na constituição do acervo de memórias do grupo. Conforme Berger e Luckmann (2004) é no grupo escolar onde ocorre a chamada “socialização secundária”, em que o indivíduo passa a frequentar depois do grupo familiar (socialização primária, na primeira infância). Na socialização secundária, interagimos com pessoas de culturas diferentes, regras de convivência, os diferentes papéis, contato com a noção de hierarquia, além do binômio pai e mãe, pois há a figura de estudantes, professores, gestores, pedagogos, bibliotecários, auxiliares. Na escola o sujeito passa a ter aprendizados, o contato com colegas possibilita a formação de um ciclo de amizades que envolve a participação nas comemorações sociais, entre outros eventos de diferentes naturezas culturais.

A escola é um espaço de trocas de experiências boas e ruins em grupo. Todos passam parte significativa de suas vidas nesta instituição. Nela se entrelaça a memória coletiva pois “a memória dos indivíduos é socialmente determinada, depende da interação destes com a família, com a classe social, com a escola, com a profissão, etc. (FREITAS; GOMES, 2004, p. 2)”. O espaço escolar é palco de uma memória coletiva em vários momentos; quando alunos se despedem com juras de que jamais se esquecerão uns dos outros; quando se encontram - encontros presenciais ou virtuais e externam a maneira como conviveram; quando retornam à escola como visitantes. A escola deixa marcas em nossas vidas e em nossa personalidade, pois nela criamos nossos primeiros laços emocionais extra-familiares, formando assim a identidade do sujeito.

A identidade está ligada à memória, pois alimenta-se de nossas vivências e dos saberes comunicados pelos registros memoriais através das mídias. No caso do grupo estudado, o da Associação de ex-alunos do Instituto Flores da Cunha (AExAIE), existem guardados diversos registros da memória desta instituição, o que possibilita ao grupo, através do seu compartilhamento, relembrar o passado. Os registros escritos, icônicos ou através de objetos facilitam as recordações dos membros do grupo. Assim, através dos registros guardados pela Associação, possibilitam lembrar não somente do período escolar, mas a ligação com a escola que se reatualiza, mantendo-se viva, através do movimento da memória.

Estes registros são de diferentes naturezas e suportes, como objetos tridimensionais, vídeos, fotografias, recortes de jornais, cartas, livros, documentos e qualquer material que traga os signos e os símbolos representativos para uma comunidade. Registros de memória podem ser propositais ou apenas os documentos gerados organicamente pela instituição, mas quando analisados, possibilitam a compreensão das ações do grupo, das suas rotinas e da cultura institucional.

 

4  OS REGISTROS E A MEMÓRIA INSTITUCIONAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A ASSOCIAÇÃO DE EX-ALUNOS DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO GENERAL FLORES DA CUNHA

A Associação de Ex-Alunos iniciou seus trabalhos em 1960, no prédio do Instituto, no bairro Bom fim em Porto Alegre (RS). Com o início da reforma do prédio em 2016 as instalações foram transferidas para escolas próximas. Quando necessitam de um espaço maior, o colégio empresta uma sala de aula para as reuniões. Na ocasião da ida para o colégio Dinah Neri Pereira a Associação não dispunha de espaço para o seu arquivo, o qual foi recebido pelo grupo de pesquisa das professoras Andréia Dalcin, Elisabete Búrigo e Maria Cecília Bueno Fisher do Instituto de Matemática e Estatística (IME) e também da Faculdade de Educação (FACED), ambos da UFRGS, para estudo e salvaguarda temporária.

Atualmente a documentação está localizada no prédio do IME, possuindo cerca de 58 pastas com documentos como cartas, cadernos, relatos de viagens, convites, livros de formatos e épocas diversas, além de fotografias impressas de eventos. Os documentos analisados compreendem todo o período de existência da entidade até o presente momento, de 1960 até 2019.

O estudo sobre a preservação e transmissão das informações dos ex-alunos se mostra importante, pois evidencia que a memória da Associação possui uma outra versão da memória oficial da instituição à qual está inserida (O Colégio Instituto de Educação Gen. Flores da Cunha - IE). Os registros, a guarda e o compartilhamento da memória das instituições é uma forma também de garantir que o próprio colégio continue existindo não somente na memória, como na vida da comunidade.

O Quadro 1 abaixo identifica os diferentes registros documentais da Associação da Associação de Ex-alunos do IE e os seus conteúdos informacionais percebidos em primeira análise da documentação. Podemos perceber a presença de símbolos tradicionais como a flâmula, a comemoração de datas comemorativas e algo que percebemos com intensidade é a valorização dos jubileus e aniversários de formatura das turmas.

Quadro 1 – Os Diferentes Registros de Memória da Associação de Ex-alunos do IE.

Os Registros da Associação.

Os conteúdos informacionais.

1.      Campanha do restauro das três obras do artista Augusto Luis de Freitas

A Chegada dos Casais Açorianos, concluída por Augusto Luiz de Freitas em 1923, é a maior obra de arte do estado: mede quase sete metros de largura e seis de altura. O orçamento da reforma é de R$ 500 mil, uma luta de 20 anos da associação.

2.      Boletim Informativo

Editado de 2 a 4 vezes ao ano, inclui a divulgação das atividades e prestações de contas das direções.

3.      Flâmula

Bandeira criada pela associação com símbolos específicos da Associação (AExAIE).

4.      Projeto memória Ex-alunos

Série de livros de publicações editadas pela associação, que coletou biografias, fotos e relatos de ex-alunos e outras figuras do Instituto de Educação.

5.      Comemoração dos jubileus de diamante, ouro e prata

Comemorações, almoços, jantares frequentes dos jubileus com reuniões dos egressos.

6.      Grupo de convivência de artesanato, Grupo de convivência de coral

Grupos realizados no âmbito do Departamento de convivência humana.

7.      Representação em eventos

A associação se relaciona com outras entidades, recebendo mensalmente muitos convites para encontros e comemorações.

8.      Excursões e viagens

Organizados pelo departamento e/ou relatos e apresentações de associados que foram viajar para lugares ‘incomuns’.

9.      Divulgação de datas importantes

Datas como: aniversário do patrono do instituto, diversas datas de fundação.

10.   Concurso de Redação com os estudantes com a temática “Por que amo o Instituto de Educação? ”

Concurso realizado em 2013 com os estudantes do Instituto.

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Como verificamos no Quadro 1, a Associação é responsável pelas informações sobre as ações e as realizações das gestões e dos acontecimentos relevantes para vida da escola divulgadas nos registros. Através do seu Boletim Informativo, publicação com periodicidade variada de bimestral a semestral, as diretorias realizam o registro de fatos, que são enviados pelo correio às residências dos associados. Nos boletins são divulgadas informações sobre os eventos futuros e informações das atividades realizadas no passado. Algumas sessões da publicação do boletim são fixas, como as que trazem informações socioculturais, outras informações são de caráter transitório, como as datas das comemorações dos jubileus, dos concursos literários, dos aniversários e de campanhas diversas.

As informações divulgadas na sessão sócio-cultural possuem relevância para os associados. Nela são relatadas as inúmeras atividades realizadas todas as semanas, como almoços, jantares, entre outras atividades concretizadas pelo Departamento de Promoção Humana e o Departamento de Difusão Cultural. Os fragmentos da narrativa que segue foram extraídos dos boletins do ano de 2011 e outra parte do primeiro boletim de 2019 (ainda no prelo quando realizamos a consulta) ao qual tivemos acesso.

Do editorial abaixo (Figura 1), a transcrição de trecho do Boletim da Associação n. 3, dez. 2011.

Transcrição: “Esse é o espírito da Associação dos Ex-alunos do Instituto de Educação que busca, através de seus Departamento: -viver a fraternidade e o companheirismo, realizando ações de promoção humana; - cultivar a memória afetiva por meio de entrevistas e promoções culturais envolvendo ex-alunos; - estreitar laços de amizade por meio de encontros, para celebrar os aniversários das associadas, os jubileus, as datas significativas, dando visibilidade à Associação como espaço físico, social, afetivo, cultural e assistencial; - relacionar-se com o Instituto de Educação, promovendo ações pedagógicas e culturais e participando de ações socioeducativas coordenadas pela Escola.”

Figura 1 – Editorial / Boletim n.3, dez. 2011.

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE.

Observamos na narrativa do editorial que a concepção sobre o papel da Associação de ex-alunos se apoia no cultivo da memória afetiva e na sua relação com o lugar (a escola), os eventos e as datas comemorativas associadas a ela. Além disso, há um conjunto de livros escritos por ex-alunos da instituição (Figura 2). Estes materiais estão na escola Dina Néri, organizados de maneira provisória até a reabertura do IE e melhor arranjo da Associação. Na coleção constam títulos escritos por ex-alunos do IE que se tornaram personalidades públicas do estado e do país: Jane Tutikian (atual Vice-reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Florinda Tubino Sampaio (professora), Tatata Pimentel, (jornalista), Zoravia Bettiol (artista plástica), Nico Nicolaievski (ator e músico), Eduardo de Lima Veiga (na época Procurador Geral de Justiça do Estado).

A Figura 2, mostra-nos um trecho do Boletim n. 3 de 2011 que exemplifica o funcionamento do Projeto Memória em 2011, que buscava registrar memórias através das entrevistas e narrativas pessoais. Evidencia que há uma preocupação em preservar a memória do IE através do Projeto da Associação iniciado com a recuperação das narrativas que constam nos registros, nas entrevistas, nos depoimentos dos atores escolares. Estas informações sobre a escola foram registradas em diferentes formatos e publicados em uma série de livros que fazem parte das memórias do grupo e da instituição.

Figura 2 – Projeto Memória / Boletim n.3, dez. 2011.

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE.

O Departamento Social e de Divulgação é responsável, entre outras atividades, pelo envio dos boletins às residências dos associados, além da divulgação dos eventos, das comemorações e envio dos cartões de aniversário aos sócios (Figura 3).

Figura 3 - Envio de 306 cartões de aniversário / Boletim n.3, dez. 2011.

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE.

O fragmento da narrativa acima (Figura 3), mostra a estratégia do Departamento Social e Divulgação em manter viva a Associação na lembrança dos seus associados. Outro exemplo em que as lembranças sobre o Instituto são evidenciadas é o caso do Ex-procurador Geral do Ministério público do Estado do Rio Grande do Sul, que na ocasião de sua posse, destacou em seu discurso a importância da escola pública, em especial o Instituto, prestando homenagem às suas professoras presentes na ocasião, conforme Figura 4.

Figura 4 - Posse do procurador geral do estado/ Boletim n. 1, dez 2011.

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE.

Outro registro de recordação da Associação dos ex-alunos do IE é a flâmula (Figura 5), onde estão inscritos símbolos específicos que remetem à instituição. Ela, assim como um livro, um monumento, testamento de família, um sítio arqueológico, são lugares de memória, pois são impulsionados por uma “vontade de memória”, cuja função é bloquear o esquecimento (COSER, 2017).


Figura 5 – Flâmula / Boletim n. 3, dez. 2011.

Flâmula.jpg

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE.

A Figura 6, a seguir, nos mostra a capa do recente Boletim da associação, referente ao primeiro semestre de 2019, contendo as principais atividades desempenhadas pelo grupo e, mais uma vez, a importância de datas importantes como o Sesquicentenário do IE.

Figura 6 – Boletim 01/2019

Fonte: Acervo Associação de Ex-Alunos do IE

As datas importantes como os jubileus e aniversários de formatura são sempre comemorados com almoços e jantares realizados em restaurantes próximos ao Instituto de Educação. Percebemos que os diferentes registros da Associação de ex-alunos que trazem a qualidade das definições de memória estão relacionadas com as datas históricas. A tônica dos registros é sempre memorial. Assim, os registros se apresentam como um mosaico de memórias. Conforme a abordagem de Nora (1993), esses registros se constituem lugares de memória, locais onde a memória se cristaliza, por não haver meios de memória.

O perfil dos associados se caracteriza por possuir idade avançada, constituído na maioria por mulheres com mais de 70 anos. Elas possuem presença forte no grupo, pois participam ativamente das ações promovidas pela entidade, das reuniões semanais dos departamentos de Promoção Humana, como no Coral, planejamento das atividades do semestre e principalmente no contínuo registro através da edição do Boletim.

Nota-se que a criação e participação em associações e entidades da sociedade civil organizada, como a Associação de ex-alunos, se estabelece como uma prática de cidadania. Há, no cultivo de suas memórias, um empoderamento sobre sua história, que não é imposta de cima para baixo, mas vivida no dia a dia da Associação, a cada novo encontro, a cada nova comemoração.

Observou-se que a Associação de ex-alunos possui existência bastante autônoma em relação ao Instituto de Educação, inclusive no que tange às instalações físicas, não tendo a Associação prioridade no rearranjo de espaço, por exemplo. Da mesma forma, a entidade registrou parte importante da história do Instituto desde seu início. Ela gerou e preservou um vasto material bibliográfico e de arquivo que traz a visão de ex-alunos sobre a escola.

As narrativas demonstram que durante o período que estiveram presentes na instituição realizaram muitas atividades importantes e querem mantê-las vivas nas suas lembranças. Pretendem continuar participando de forma ativa do cotidiano da escola, através de concurso de redação com os atuais alunos, participação em eventos, entre outras programações.

Observou-se que o trabalho desenvolvido pela Associação, durante seus quase 60 anos de atuação, teve e continua desempenhando grande relevância para a memória do Instituto e da educação porto-alegrense. Os boletins relatam homenagens na câmara de vereadores e interações com universidades através de pesquisadores e também pelo projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência).

As informações que constam nos diferentes registros mostram que houve dedicação das diretorias e dos associados envolvidos. Além disso, a forma como são preservados os registros faz com que as memórias dos ex-alunos sobre a escola se mantenham vivas. Desta forma, a Associação de ex-alunos auxiliou na construção das identidades dos sujeitos, fortalecendo o sentimento de pertencimento dos ex-alunos com o lugar.

Conforme Tedesco (2004) o indivíduo necessita de um discurso que o apoie e sustente-o em seu tempo. Longe de sermos uma ilha, compartilhamos memórias, nos apropriamos de ideias e vivências uns dos outros, nos apoiamos em rede e sobrevivemos desde tempos remotos devido a isso. A associação, através dos registros, ao mesmo tempo em que mantém ativa a memória dos ex-alunos, têm lugar no fortalecimento da identidade do grupo e igualmente nas identidades individuais daqueles sujeitos. Assim, os registros desempenham um papel fundamental na reconstrução da memória institucional, evidenciando percalços, lutas, histórias, finais, recomeços e as vidas que passaram por aquela instituição e que compõem a sua história.

 

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos em uma sociedade complexa, um período de intenso compartilhamento de informações. Na era da internet as informações digitais são facilmente acessadas em alta velocidade por vários grupos. Entretanto, os registros impressos não perderam a sua importância e validade. As informações neles contidas nos ajudam a compreender como as instituições e suas memórias permanecem no decorrer do tempo. Assim, o passado auxilia a compreender o presente e a esculpir o futuro.

​ A memória institucional não pode ser vista como um aglomerado de informações históricas sobre a instituição, mas deve servir como instrumento de divulgação e reflexão do papel social, da responsabilidade social e sustentabilidade. As instituições fazem parte sociedade e, como tal, salvaguardar sua memória significa também preservar a cultura da sociedade.

Como resultado da pesquisa foram encontrados diferentes formatos de registros produzidos pelos membros da Associação de Ex-alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha. Esses registros compõem as narrativas dos ex-alunos, responsáveis pela produção e transmissão da memória institucional do Instituto, da Associação de ex-alunos que auxiliam na construção da identidade de seus membros.

 Os principais registros encontrados são: Boletim periódico com informações atualizadas sobre a escola, datas comemorativas e agenda de eventos para membros da associação, convites para eventos, itens do Projeto Memória que realizava entrevistas com os associados, fotos, cadernos de anotações, entre outros materiais que merecem ser estudados a fim de aprofundar o conhecimento sobre as memórias deste grupo, da instituição e da educação porto-alegrense. Deste modo, os registros preservados desempenham um papel fundamental na reconstrução da memória institucional, evidenciando que, no transcorrer da história da instituição, houve percalços, lutas, finais, recomeços e as vidas que passaram por esse lugar continuam fazendo parte de sua história.

Conclui que as ações dos associados auxiliam tanto para a preservação da memória do Instituto General Flores da Cunha (IE) quanto para o fortalecimento das identidades individuais e do grupo, além de ser uma forma de relacionar-se com a cidade exercitando a cidadania.

REFERÊNCIAS

BERGER, Peter L., LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 35. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

BURKE, P. Uma história social do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CANDAU, J. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011.

CANDAU, J. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2016.

CHAVES, Ricardo. Instituto de educação criado em Porto Alegre no século 19 completa 150 anos nesta sexta-feira. Zero Hora, Porto Alegre, 4 abr. 2019. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/almanaque/noticia/2019/04/instituto-de-educacao-criado-em-porto-alegre-no-seculo-19-completa-150-anos-nesta-sexta-feira-cju31wykx00w001mwms83ry0f.html. Acesso em: 31 jul. 2019.

COSER, Stelamares. Lugares de memória. In: GONZÁLEZ, Elena C. P.; COSER, Stelamares. Em torno da memória: conceitos e relações. Porto Alegre: Editora Letra1, 2017.

FREITAS, Lídia Silva; GOMES, Sandra Lúcia Rebel. Quem decide o que é memorável?: A memória de setores populares e os profissionais da informação. In: FORO SOCIAL DE INFORMAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, BIBLIOTECONOMIA, Buenos Aires, 2004. Anais [...]. Buenos Aires, 26‑28 ago. 2004. 11 p. Disponível em: http://www.ufpb.br/evento/index.php/enancib2016/enancib2016/paper/view/3967/2298. Acesso em: 20 jun. 2019.

HALBWACHS, M. Lescadressociaux de lamémoire. Paris: PressesUniversitaires de France, 1925.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez, 1993.

TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo: UPF; Caxias do Sul: UCS, 2004. Cap.8 p. 91-109.

THIESEN, Icléia. Memória institucional. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.



[1] Agradecimentos - A pesquisa obteve o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

[2] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCIN) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Bibliotecária no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

[3] Professor titular do Departamento de Ciências da Informação e docente permanente Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCIN) e de Museologia e Patrimônio (PPGMUSPA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pós-doutor em Memória social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).