ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DA ABORDAGEM EVOLUTIVA PARA O CAMPO DE ESTUDOS DO COMPORTAMENTO INFORMACIONAL

 

José Claudio Morelli Matos [1]

Universidade do Estado de Santa Catarina

doutortodd@gmail.com

Eliana Maria Santos Bahia Jacintho [2]

Universidade Federal do Estado de Santa Catarina

elianambahia@gmail.com

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Resumo

Este artigo tem como objetico examinar a abordagem evolutiva do comportamento informacional e refletir acerca de algumas consequências trazidas por esta abordagem para as bases epistemológicas da biblioteconomia e ciência da informação (BCI) nos trabalhos de Amanda Spink e Armando Malheiro da Silva. Incorpora uma crítica de modelos de busca de conhecimento como o de Nicholas Belkin, por causa de seu resíduo tecnicista. Metodologia: Pesquisa bibliográfica e posterior análise das fontes recuperadas. Análise realizada através do exame argumentativo e conceitual de textos considerados referenciais para cada parte do argumento. Resultados: Ressalta a distinção entre interpretações divergentes do termo “evolução”. Reconhece a exigência inevitável de uma atitude holística ou interdisciplinar para a compreensão do comportamento informacional. Destaca a valorização dos comportamentos humanos de caráter informal e lúdico em relação à informação.

Palavras-chave: Comportamento Informacional. Ciência da Informação. Evolução.

SOME CONSEQUENCES OF THE EVOLUTIONARY APPROACH TO THE FIELD OF STUDIES OF THE INFORMATIONAL BEHAVIOR

 

Abstract

This paper aims to examine the evolutionary approach of the information behavior and to reflect about some consequences brought by this approach to the discussions of librarianship and information science (LIC) in the works of Amanda Spink and Armando Malheiro da Silva. It incorporates a criticism of models of pursuit of knowledge such as Belkin’s ASK model, because of its technicist residue. Methodology: bibliographical research and subsequent analysis of the retrieved sources. Analysis is conducted by argumentative and conceptual survey of the texts considered relevant for each part of the argument. Results: Emphasizes the distinction between divergent interpretations of the term “evolution”, as regards information behavior. Recognizes the inevitable requirement of a holistic or interdisciplinary attitude for understanding the information human behavior. Highlights the human behaviors of informal and playful character in relation to information, as fundamental to the field of study.

Keywords: Information Behavior. Information Science. Evolution.

1  INTRODUÇÃO

Este trabalho se ocupa do campo de estudos do comportamento informacional, tal como vem se desenvolvendo na biblioteconomia e ciência da informação (BCI) desde as décadas finais do século XX até a atualidade. Mais precisamente, trata-se de examinar a abordagem evolutiva do comportamento informacional, tal como é proposta por Amanda Spink e Charles Cole (2006a, 2006b) e por Armando Malheiro da Silva (2013), e de refletir acerca de algumas consequências trazidas por esta abordagem para as bases epistemológicas da BCI. Nestes termos, o objetivo do estudo pode ser formulado como sendo: Analisar a abordagem evolutiva do comportamento informacional, a fim de formular criticamente algumas de suas principais consequências teóricas nas pesquisas e iniciativas relativas a tal abordagem.

A fim de que tal objetivo possa ser alcançado, o argumento será fundamentado em certa caracterização do comportamento informacional como campo de pesquisas da BCI. Em seguida, se destaca a originalidade e a relevância da abordagem evolutiva do comportamento informacional. Defende-se que uma das motivações intelectuais em seu favor é a tomada de uma posição profundamente interdisciplinar e integradora nas discussões acerca dos problemas estudados. Procura-se, também, ressaltar a distinção entre interpretações divergentes do termo “evolução” dentro do próprio campo do comportamento informacional, de forma a evitar mal-entendidos na interpretação de suas teorias.

Admitindo a possibilidade de uma concepção do comportamento informacional que seja compatível com a teoria de que o ser humano é um produto da evolução por seleção natural, o estudo fornece justificativas para a inferência de ao menos duas consequências teoricamente relevantes para a BCI:

1. A exigência inevitável de uma atitude holística ou interdisciplinar para a compreensão do comportamento informacional humano. Ou, em outras palavras, a parcialidade ou insuficiência de qualquer disciplina tradicional, na tarefa de explicar – sozinha - toda a complexidade do comportamento informacional humano.

2. A valorização dos comportamentos humanos de caráter informal, lúdico ou desprovido de objetivos determinados, como legítimos representantes do comportamento informacional e cognitivo humano. Em outras palavras, esta segunda consequência implica na ruptura com certa distinção hierárquica que enaltece o aspecto formal em detrimento do informal na busca das pessoas por informação.

 

2  Metodologia e justificativa

O presente estudo foi conduzido segundo uma abordagem qualitativa, uma vez que se trata de uma discussão de conceitos, muito mais do que de dados empíricos. Sua natureza é exploratória, na medida em que faz o duplo movimento de estabelecer a compreensão do assunto a fim de, em seguida, formular algumas conclusões originais – pelo menos em nível conceitual e especulativo.

A escolha metodológica é pela pesquisa bibliográfica, seleção e posterior análise das fontes recuperadas. Parte das fontes que são chamadas ao diálogo neste trabalho é proveniente de obras consideradas ‘clássicas’ como referência nos assuntos discutidos. Por isso se observa o recurso aos livros, cujos autores são reconhecidos como autoridades nos assuntos que discutem. Outra parte das fontes resulta da busca por termos em bases digitais de publicações científicas especializadas: Journal Store (Jstor) e a Base Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI).

Foi realizada, em particular, uma busca na BRAPCI a fim de sondar o volume das pesquisas em torno do tema do comportamento informacional e da abordagem evolutiva. Usando o descritor “comportamento informacional” isoladamente, foram recuperados 164 trabalhos. Contudo, usando os descritores “comportamento informacional” e “evolução”, unidos pelo operador booleano de conjunção, somente 5 trabalhos foram recuperados. Uma leitura inspecional destes 5 artigos mostrou que apenas 3 deles guardavam alguma relação com o tema do presente estudo. Foi possível inferir, a partir da aplicação deste procedimento, que a abordagem evolutiva do comportamento informacional é uma problemática pouco difundida nas pesquisas do campo da BCI em língua portuguesa.

A análise dos textos envolvidos neste estudo é realizada através da leitura crítica e do exame argumentativo daqueles trabalhos considerados relevantes para cada parte do argumento. Por via da interpretação e reflexão crítica sobre os conceitos e noções apresentadas nessa base textual, se espera fundamentar os resultados obtidos por este percurso investigativo.

Conforme o recorte inicialmente previsto espera-se combinar a profundidade na análise com a generalidade na exposição, de modo a resultar numa contribuição adequada, coerente e dotada de alguma relevância. A justificativa principal que se pode oferecer é a apresentação da abordagem evolutiva e suas consequências, ao campo de estudos do comportamento informacional no Brasil e na comunidade da BCI de língua portuguesa em geral.

 

3  O campo do comportamento informacional

Uma obra que atingiu grande popularidade sobre o tema do comportamento informacional é o livro Looking for information: a survey of research on information seekin, needs, and behavior (CASE & GIVEN, 2016). Lançado inicialmente em 2002, a obra se apresenta como um livro texto, para ser usado em cursos de graduação e pós-graduação na formação de pesquisadores e profissionais da informação. Seus autores caracterizam os estudos do comportamento informacional como aqueles que investigam “os modos como os indivíduos percebem, buscam, compreendem e usam informação em vários contextos da vida” (CASE & GIVEN, 2016, p. 3). Esta concepção envolve uma importante mudança de atenção nos estudos da BCI, que originalmente dirigia-se aos sistemas de informação e aos artefatos informacionais tais como livros, bibliotecas e bases documentais.

A abordagem do comportamento informacional, por sua vez, presta atenção principalmente às pessoas e suas formas comportamentais. Segundo os autores: “Estas incluem o encontro acidental, necessitar, achar, escolher, usar e algumas vezes evitar a informação” (CASE & GIVEN, 2016, p. 4).

Portanto, a inovação trazida pelo comportamento informacional para a BCI é a incorporação de um discurso sobre os sujeitos, que os caracterize em diversas situações de sua vida individual e social ou em “contextos” diversos. Segundo Case e Given, para o estudioso do comportamento informacional não são os documentos, registros ou sistemas de informação que determinam quais problemas ou evidências são relevantes, mas sim o exame do comportamento das pessoas que interagem com tais artefatos.

Araújo e Paula (2017), em seu artigo “Comportamento informacional: introdução de perspectivas simbólicas e afetivas em investigações sobre usuários de informação”, reforçam esta opção teórica do campo do comportamento informacional. Os autores reconhecem a “ausência de uma perspectiva que considera o comportamento de busca da informação (e seus desdobramentos) como um processo experimental e contingencial, consciente ou inconscientemente marcado pelos campos psíquico, cultural, histórico e social” (ARAÚJO e PAULA, 2017, p. 50).

Esta afirmação confirma a necessidade de dar maior atenção a comportamentos que não sejam vinculados apenas a tarefas e procedimentos formais, para o entendimento profundo do comportamento informacional.

Esta abordagem, portanto, rompe com a visão centrada no sistema, em direção ao uma visão centrada na pessoa. Como resultado, dá abertura, também, a uma consideração da relevância de comportamentos que não estejam centrados em tarefas específicas, tais como o trabalho ou a pesquisa científica. Entram neste campo, em igualdade de importância, os comportamentos humanos em relação à informação que, na abordagem anterior, centrada nos sistemas, eram todos relegados ao segundo plano como comportamentos informais, espontâneos e de menor relevância.

Ao discutir os mitos mantidos pela BCI em relação ao comportamento informacional, Case & Given discorrem sobre as “necessidades informacionais do dia a dia, não no contexto de necessidades altamente específicas, orientadas por tarefas, como de dados científicos ou de negócios para tomada de decisão” (CASE & GIVEN, 2016, p. 12). Claro que não é o caso de tentar aqui reformular comportamentos espontâneos e cotidianos em termos mais formais. Formalizar ou racionalizar a vida mental cotidiana elimina a variedade de significados da experiência humana, incluindo a relação com a informação. Na base desta atitude, o campo do comportamento informacional evita estabelecer hierarquias nos diversos comportamentos, assim como procura perceber de forma holística a relação entre os diversos comportamentos no contexto ambiental em que as pessoas se situam.

Pode-se dizer que a descrição do ser humano feita pelo campo do comportamento informacional é mais abrangente e inclusiva do que o modelo paradigmático da própria BCI levaria a supor. Ao considerar a relevância de modos diversos de comportamento, ultrapassa a visão de um agente racional imbuído de uma tarefa ou necessidade específica e claramente formulada, que está em busca de documentos em um sistema ou unidade de informação. A visão evolutiva, de um sujeito que se relaciona com o ambiente informacional, e que é dotado de predisposições, hábitos, reações emocionais e mesmo de instintos enriquece, portanto, esta abordagem centrada na pessoa. As ocasiões da vida em que uma pessoa manifesta comportamento informacional, neste sentido, são ampliadas em volume e complexidade.

Perceba-se o quanto esta abordagem pode parecer subversiva e impertinente, sob a ótica da BCI paradigmática. Muitos comportamentos considerados como “busca de informação no dia a dia” (CASE & GIVEN, 2016, p. 13), não são passíveis de registro, documentação, nem são facilmente classificáveis. A subjetividade é constituinte do próprio artefato ou registro, de modo que estudar comportamento informacional envolve abordar um sentido de “informação” que tem escapado ao olhar da BCI, por estar do lado de fora da escolha paradigmática pelo documento, o registro e o sistema.

A saída para a BCI, segundo esta linha de discurso, seria a adoção do que pode ser chamado “entendimento multidisciplinar do conceito de comportamento informacional” (CASE & GIVEN, 2016, p. 16). Tanto no tocante aos métodos de pesquisa quanto aos conceitos, modelos e teorias incorporados neste campo, a sugestão seguida pelos autores interessados no comportamento informacional envolve levar às últimas consequências o respeito à natureza interdisciplinar da BCI, defendida pelos seus mais respeitados teóricos. Psicologia, história, sociologia, antropologia, linguística, computação, inteligência artificial, filosofia, educação são algumas das áreas que, ultrapassando a demarcação de fronteiras, podem contribuir para a compreensão dos fenômenos relacionados ao comportamento informacional.

Uma referência importante acerca do comportamento informacional, entre as publicações em língua portuguesa sobre o tema, é o artigo de Armando Malheiro da Silva, “Ciência da Informação e comportamento informacional - Enquadramento epistemológico do estudo das necessidades de busca, seleção e uso” (SILVA, 2013). O autor considera o campo do comportamento informacional como a realização mais evidente de uma tendência interdisciplinar na BCI. Seu argumento é o de que a BCI exige uma fundamentação epistemológica capaz de satisfazer suas demandas. Sugere Silva que a ciência da informação siga o que ele chama de “perspectiva evolutiva”. É importante esclarecer o que o autor deseja significar com esta terminologia, a fim de evitar que sua proposta de uma perspectiva “evolutiva” como fundamentação epistemológica da BCI não seja confundida com a abordagem evolutiva do comportamento informacional humano, defendida por estudos como o de Spink e Cole (2006a, 2006b).

Para Silva, o comportamento informacional é um dos três grandes campos da BCI, interpretada sob sua perspectiva evolutiva. Ressalte-se que o termo “evolutiva” para falar da perspectiva epistemológica da BCI é usado de maneira bem diferente do que faz Spink por exemplo, quando fala de uma abordagem interdisciplinar e evolutiva para o comportamento informacional. Pois Spink está – mantido o foco na pessoa e não no sistema - procurando entender a emergência evolutiva de certas formas de comportamento humano, especificamente o informacional. Esta é uma admissão de que a evolução da nossa espécie na natureza deu condições de emergência de certas estruturas de comportamento informacional em detrimento de outras menos adaptativas.

No caso de Silva, este termo não está sendo empregado em nenhum sentido relacionado ao processo de variação cega e retenção seletiva de entidades replicadoras, como o faz Spink e Cole e, aliás, toda a tradição desde Darwin. Silva fala da evolução na forma de conceber a BCI e suas pesquisas. Evolução, para Silva, é o processo de desenvolvimento do campo científico que estuda problemas da informação. O autor propõe que o desenvolvimento desta ciência mostra a passagem de um paradigma custodial e centrado no sistema e no documento para um paradigma:

[...] em que o foco das abordagens (com aceitáveis diferenças entre elas) passe a ser a informação e não apenas o documento, o acesso e não a preservação ou guarda e a produção de um efetivo conhecimento científico próprio e não a aplicação acrítica e rotineira de normas e de standards descritivos e classificativos dos documentos. Esta segunda perspetiva pode ser denominada de evolutiva, ou ainda trans-interdisciplinar, na medida em que a CI passa a corresponder a um novo estádio (SILVA, 2013, p. 14).

Não se refere exatamente a uma teoria evolutiva dos hábitos ou comportamentos, ao longo da história da vida natural e social, mas sim a um processo de ajuste e diferenciação da própria BCI. Gasque e Costa, em seu artigo “Evolução teórico-metodológica dos estudos de comportamento informacional de usuários” (2010), empregam o termo neste mesmo sentido (GASQUE e COSTA, 2010). Tratam as autoras, de reconstruir o processo de desenvolvimento do campo de estudos do comportamento informacional. Em nenhum momento chegam a mencionar o termo “evolução” em seu sentido específico: da teoria evolutiva das espécies vivas.

É preciso demarcar bem o sentido comum e o sentido específico do termo “evolução”, para não haver confusão sobre a forma como ele esteja sendo empregado. No artigo “Comportamento infocomunicacional: perspectivas sobre definição, práticas e modelos de estudos” (COSTA e RAMALHO, 2019) as autoras empregam algumas vezes o termo “evolução”, mas em nenhum dos casos estão se referindo ao processo de modificação dos seres vivos – incluindo o ser humano – pelo mecanismo de seleção adaptativa. Em seu trabalho, as autoras falam sobre a “adjetivação infocomunicacional ao termo comportamento, como uma extensão/evolução conceitual do comportamento informacional” (COSTA e RAMALHO, 2019, p. 139). Sua discussão propõe a formulação de um campo de estudos, por elas denominado “comportamento infocomunicacional”, pelo qual se incluem os comportamentos relacionados com a comunicação, além dos comportamentos relacionados com a informação. Sua hipótese afirma que este acréscimo resulta do que elas chamam de ‘evolução’ nas tecnologias de informação e comunicação (TIC), e na perspectiva teórica. Assim como no caso do estudo de Armando Malheiro da Silva, Costa e Ramalho aludem a um sentido amplo de “evolução” da BCI e de suas abordagens, que é sinônimo de desenvolvimento e crescimento.

Este sentido mais amplo, mais leve e comum da palavra, é bem diferente do sentido técnico usado por Spink e Cole, assim como pelos cientistas evolucionistas, aos quais fazem referência em seu texto. Mesmo assim, é importante dar atenção ao que diz Silva (2013), em vista de sua crítica bastante pertinente contra os modelos hierárquicos do comportamento informacional que dão prioridade à busca da informação centrada em tarefas e em sistemas. Assim como é importante reconhecer a contribuição de Costa e Ramalho (2019), ao afirmarem que “todo indivíduo desenvolve certos comportamentos na interação com a informação” (COSTA e RAMALHO, 2019, p. 133). Mesmo assim, não é possível confundir as diferentes acepções em torno do termo “evolução”, para não misturar projetos muito distintos de trabalho intelectual.

 

4  A abordagem evolutiva do comportamento informacional

Amanda Spink e Charles Cole, organizadores do livro New Directions in Human Information Behavior (2006a), pretendem contribuir para a pesquisa do comportamento informacional humano com a proposta de uma abordagem que incorpore os conhecimentos tributários da teoria evolutiva. Deve-se ressaltar que isso implica em um compromisso com a teoria de que os seres vivos estão sujeitos a um processo de mudança evolucionária que integra todos os seres vivos em uma rede de relações adaptativas com o meio ambiente. Portanto, implica em admitir que a informação é parte vital de todo tipo de ambiente que vem condicionando e sendo condicionado pela evolução da espécie humana, moldando suas formas comportamentais.

Esta plataforma de explicações científicas tem sua origem na obra de Charles Darwin, que publicou em 1859 A Origem das Espécies e, em 1871, A Origem do Homem (DARWIN, 1952). Neste tratado, Darwin reuniu um vasto montante de evidências para provar que todos os seres vivos estão submetidos a um mecanismo de diferenciação seletiva, em função da adaptabilidade maior ou menor de suas características hereditárias. O ambiente, portanto, favorece ou dificulta a vida, a reprodução e a disseminação daquelas linhagens de indivíduos que sejam mais ou menos adaptados ao ambiente em que vivem. Disso resulta, em vastas porções de tempo, a ação da mudança evolutiva em todos os seres vivos, incluindo inevitavelmente o ser humano e seus produtos. Por exemplo: aquilo que até o século XX a ciência designava pelo nome de “instinto”, representa as diversas funções comportamentais desenvolvidas por evolução e transmitidas pela hereditariedade. O sentido geral desta noção é o de que a ciência precisa levar em consideração o lugar do ser humano no mundo natural, e a forma como seus comportamentos diversos são influenciados pelo mecanismo da evolução por seleção natural.

A abordagem evolutiva ultrapassou os limites da biologia, em direção à psicologia, à antropologia, à linguística e, mais precisamente, ao próprio comportamento informacional, entendido como uma subárea da BCI. A propósito deste último, o que se poderia afirmar é que as diversas relações entre os seres humanos e a informação têm origem na história evolutiva da nossa espécie. Além disso, diferenças adaptativas necessariamente condicionam o sucesso ou o fracasso relativo de determinados comportamentos informacionais, conforme o caso. Neste horizonte, Spink e Cole preparam terreno para sua apresentação delineando o cenário da seguinte forma:

A emergente exploração evolutiva do comportamento informacional humano está ampliando o escopo do campo do comportamento informacional, particularmente dentro da BCI, criando interdisciplinaridade entre campos relacionados, usando a abordagem evolutiva, e começando um mapeamento inicial do comportamento informacional humano ao longo do vasto período da existência humana (SPINK & COLE, 2006, p. 13).

Perceba-se que há grande diferença entre as duas operações descritas por Spink e Cole: Lançar mão da abordagem evolutiva para estudar o comportamento informacional é algo evidentemente mais fundamental, mais amplo e geral, enquanto a realização do mapeamento do comportamento informacional no grande intervalo de tempo da história evolutiva do Homo Sapiens é já uma operação bem mais específica e bem demarcada. Poder-se-ia aqui interpretar estas duas operações como sendo respectivamente o aspecto teórico e o aspecto empírico da pesquisa evolutiva do comportamento informacional.

Além disso, os autores reconhecem o enriquecimento que a abordagem evolutiva representa para os estudos da BCI, assim como insistem na necessidade das pesquisas progredirem em uma matriz holística e interdisciplinar, que permita mais efetivo diálogo entre comunidades científicas que possuem em comum, tanto a abordagem evolutiva como a busca por explicações da relação das pessoas com a informação, em sentido mais amplo e geral. A respeito da interdisciplinaridade, propriamente, Spink e Cole defendem que a natureza do problema estudado determina o envolvimento de mais disciplinas em integração com a BCI. Para eles, a questão do comportamento informacional:

[...] traça o campo de pesquisa do [comportamento informacional humano] CIH mais próximo do reino teórico mais amplo das ciências sociais, tanto que podemos utilizar teorias e modelos da sociologia, psicologia, comunicação e antropologia no estudo da condição informacional humana (SPINK & COLE, 2006, p. 4).

Seria preciso acrescentar inevitavelmente a esta lista a biologia, sem a qual não haveria compreensão suficiente dos processos de mudança hereditária e da delicada interação entre organismo e ambiente. E bem a propósito, as ciências cognitivas, cuja relação com a BCI é reconhecida por diversos especialistas (SARACEVIC, 1996), e cuja matriz envolvente, holística e interdisciplinar é a própria essência de seus modelos explicativos.

Esta ampliação do campo de discussão satisfaz a necessidade de explorar um fundamento conceitual a partir do qual as teorias da BCI podem vir a ser relacionadas com níveis de abstração mais elementares, a partir dos quais descrever a mente humana e suas capacidades, bem como os processos envolvidos na origem e na estrutura do comportamento informacional. A teoria evolutiva, argumentam Spink e Cole, satisfaz plenamente tal demanda por fundamentos, além de trazer uma vasta tradição de colaboração interdisciplinar cujos efeitos metodológicos e teóricos são bastante consolidados.

A BCI, entretanto, considerando sua característica de ciência jovem, tem manifestado desde o seu nascimento uma trajetória de colaboração interdisciplinar, com áreas como a comunicação, a computação, a história, e muitas outras. Afirmam Spink e Cole: “Uma abordagem mais interdisciplinar para o CIH é também vital para prover um fundamento para a obtenção de conceitos teóricos viáveis como “informação” (SPINK & COLE, 2006, p. 16). O próprio termo “informação”, essencial como é à natureza da BCI, vem tendo seu significado aprofundado e remanufaturado conforme a evolução das pesquisas, com a contribuição de outras disciplinas.

Uma hipótese que facilmente encontraria defensores é esta acima mencionada, de que a matriz interdisciplinar mais interessante para fornecer fundamentos para o campo do comportamento informacional parece ser a das ciências cognitivas, sendo estas interdisciplinares por sua própria natureza. Howard Gardner, em seu livro A nova ciência da mente (1996), apresenta as linhas gerais desta ciência relativamente nova, inspirada pelas realizações da computação digital, da teoria evolutiva e das teorias da linguagem. Contudo, embora nova, para a área das ciências cognitivas é definida como:

[...] um esforço contemporâneo, com fundamentação empírica, para responder questões epistemológicas de longa data – principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego (GARDNER, 1996, p. 19).

No caso presente da abordagem evolutiva do campo do comportamento informacional, vem a propósito recordar que existe uma linhagem evolutiva das ciências cognitivas, concentrada nos desenvolvimentos adaptativos da mente, que pode se aproximar bastante daquilo que Spink e Cole estão propondo. Uma contribuição relevante para esta discussão é, por exemplo, Como a Mente Funciona (How Mind Works), de Steven Pinker (publicada inicialmente em 1997).

Assim como Pinker, muitos outros filósofos, psicólogos e antropólogos evolutivos falam de processamento da informação, ou de coleta de informação (information gathering) a fim de explicar o que é a mente e como ela faz o que faz. Diz ele que “a mente é um sistema de órgãos de computação que a seleção natural projetou para resolver os problemas enfrentados por nossos ancestrais evolutivos” (PINKER, 2009, p. 10). Esta afirmação expressa uma concepção da mente como um conjunto de diversas funções integradas, cujo principal trabalho é o processamento de informação.

Spink e Cole, em um artigo intitulado “Human Information Behavior: Integrating Diverse Approaches and Information Use” (SPINK e COLE, 2006b) referem-se a esta descrição da mente como “arquitetura cognitiva modular humana” (SPINK e COLE, 2006b, p. 29). Aliás, a obra de Pinker é mencionada ali pelos autores do artigo. A ideia é que a evolução teria causado o desenvolvimento da mente humana como um conjunto de módulos especializados no processamento e na transformação da informação, incluindo a capacidade para a linguagem e a comunicação. Por isso, sendo assumida a perspectiva evolutiva, o campo do comportamento informacional se compromete com uma teoria de “como humanos usam informação transformando esta informação, que vimos e procuramos no ambiente, em um comportamento adaptativo” (SPINK e COLE, 2006b, p. 29). Mas aqui seria o momento de perguntar se o significado da palavra “informação”, no uso que Pinker faz do termo, pode ser identificado com o uso corrente na BCI. Se tal identificação for possível, então o acesso que liga o campo do comportamento informacional, com a teoria evolutiva da mente, fica assegurado.

Pinker explica seu sentido de “informação” dizendo que: “Uma porção de matéria que contenha informações sobre algum estado de coisas pode ser considerada um símbolo; ela pode ‘representar’ esse estado de coisas” (PINKER, 2009, p. 77). Com base nessa descrição da informação como um significado comunicado através de algum meio físico ou suporte, Pinker é capaz de fornecer um fundamento para a aproximação entre o campo do comportamento informacional e a teoria evolutiva da mente. Basta recordar o detalhado argumento de Capurro e Hjorland em seu artigo “O conceito de informação” (2007), a fim de desenvolver um conceito de informação que satisfaça as exigências sociais e teóricas da ciência da informação. Os autores discutem em detalhe diversas acepções do termo “informação” para, ao fim, propor a adoção do “moderno conceito de informação como comunicação do conhecimento” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 173), ao que acrescentam que este conceito é interessante justamente por representar a possibilidade de diálogo da BCI com outras áreas de estudo. Na presente interpretação, a noção de Pinker, de informação como representação de um estado de coisas inscrita em um veículo, pode ser compatibilizada com a noção de ‘conhecimento comunicado’, a ponto de permitir uma aproximação frutífera dos campos de onde ambas as noções provêm.

A implicação contida nesta perspectiva teórica é a de que a mente funciona como um sistema de processamento e recuperação de informação, no sentido acima descrito. Pinker explora esta concepção informacional da mente ao fazer afirmações como: “O que significa um sistema de recuperação de informações ter um design ótimo? Ele deve fornecer informação com maior probabilidade de ser útil no momento da solicitação” (PINKER, 2009, p. 155). Esta regra se aplica a qualquer sistema de recuperação de informações, desde as fichas catalográficas de uma biblioteca, até um algoritmo de busca no meio digital. No caso especial que interessa aqui, a regra se aplica ao design projetado pela seleção natural - via evolução – da própria mente humana, que afinal é o mais complexo e eficiente sistema de recuperação de informações já observado.

 

5  A busca por informação e os comportamentos lúdicos ou informais

Um modelo de busca da informação que se tornou referência para os estudos da BCI é o de Nicholas Belkin. Seu modelo se baseia na proposta do chamado estado anômalo de conhecimento (EAC), no original em inglês Anomalous State of Knowledge (ASK). Em seu artigo “Anomalous States of Knowledge as a Basis for Information Retrieval” (1980), Belkin pretende assumir o “ponto de vista cognitivo, que considera a situação da Recuperação da Informação (RI) como um sistema de comunicação” (BELKIN, 1980, p. 133). Sua abordagem pretende ultrapassar visões tecnicistas, demasiadamente centradas nos sistemas, e abrir espaço para uma consideração dos sujeitos participantes de processos de busca da informação. Neste sentido, Belkin justifica seu “foco inicial nos estados de conhecimento e problemas, objetivos e intenções dos participantes” (BELKIN, 1980, p. 133). Esta atitude encaminha a investigação para uma inclusão de temáticas relacionadas ao conhecimento e à vida mental dos usuários dos sistemas de informação incorporando, inevitavelmente, novos elementos para a pesquisa, advindos das ciências cognitivas, da psicologia, e dos estudos da cultura e da sociedade.

Contudo, no modelo de Belkin, a necessidade de informação surge de uma tomada de consciência por parte do usuário, da insuficiência de seu conhecimento em relação a suas necessidades de informação. Segundo Belkin, “o usuário percebe que há uma anomalia neste seu estado de conhecimento com respeito ao problema enfrentado” (BELKIN, 1980, p. 135). E esta anomalia leva ao reconhecimento de uma necessidade, que resultará na conduta de acesso a um sistema de RI. Ou seja, o “reconhecido estado anômalo de conhecimento (EAC)” (BELKIN, 1980, p. 135), dá origem a uma busca pela informação necessária, registrada num sistema de RI.

Com base na compreensão do comportamento informacional humano tornada possível pela abordagem evolutiva, é possível perceber certa limitação teórica do modelo de Belkin, baseado no EAC. Primeiro porque a própria formulação do estado anômalo só é possível na relação entre um sujeito e um sistema de informação previamente estruturado, o que nem sempre é o caso na vida real. O comportamento informacional pode se manifestar na relação do sujeito com o ambiente social e cultural, em inúmeras situações nas quais a descrição da informação em termos de um sistema de recuperação não seria adequada.

Além disso, a constatação do estado anômalo exige uma autoconsciência de que a necessidade do sujeito é de informação. Esta manifestação de awareness (consciência) da informação necessária, não é o estado comportamental da maioria das pessoas em diversas situações de sua vida mental. A consciência da necessidade da informação é o ápice de um desenvolvimento cognitivo, comunicativo e social que admite vários graus intermediários que o modelo de Belkin não poderia contemplar de forma adequada.

Finalmente, o significado de “anomalia” não parece representar corretamente a dinâmica existente no comportamento informacional da espécie humana. A oscilação entre a certeza e a incerteza, entre a crença e a dúvida, é parte do movimento da mente em relação ao conhecimento e a informação. Sobre este ponto, o clássico artigo “A fixação da Crença” de Charles Peirce, é bastante esclarecedor ao afirmar que:

[..] tanto a dúvida como a crença, têm efeitos positivos em nós, ainda que muito diferentes. A crença não nos faz agir de uma vez, mas nos põe em tal condição que nos comportaremos de determinada forma, quando a ocasião surgir. A dúvida não tem o mesmo efeito ativo desta espécie, mas nos estimula à ação até que é destruída (PEIRCE, 1980, p. 99).

O modelo de Belkin faz parecer que a certeza ou saciedade de informação é o estado natural e satisfatório, enquanto a dúvida ou incerteza é um estado ‘anômalo’ e insatisfatório. Mas o que a leitura de Peirce leva a concluir é que não existe anomalia nenhuma em perceber a insuficiência de nosso estoque de informação, e sentir incerteza e dúvida. Esta situação é um aspecto natural, e mesmo necessário, da relação saudável de qualquer agente conhecedor com o mundo à sua volta.

Silva (2013), ao analisar as bases epistemológicas que fundamentam o desenvolvimento da CI, e o lugar ocupado pelos estudos do comportamento informacional neste desenvolvimento, comenta sobre o modelo de Belkin o seguinte:

A ingenuidade deste postulado persiste, mas já é tempo de ser denunciada... Não é anómalo não “saber tudo”, ou seja, ter falta contínua de informação; anómalo é “saber tudo”, ou nascer com a informação toda que se precisará ao longo da vida!!!... (SILVA, 2013, p. 36).

Se a abordagem evolutiva for admitida como válida, ela não pode, como se espera ter mostrado acima, vir separada de seus fundamentos, que são: a visão holística e interdisciplinar dos problemas, e a consideração integral e intelectualmente imparcial do ser humano em seu contexto. Por causa disso, não seria possível considerar como anomalias uma série de processos cognitivos que, além de não serem dirigidos a sistemas informacionais construídos intencionalmente, também não são claramente conscientes ou formulados, e que também não são indesejáveis, mesmo que incorporem incerteza e lacunas na cobertura cognitiva.

Seria, portanto, uma demanda muito interessante para o campo do comportamento informacional dentro da BCI, a demanda por um modelo da situação informacional dos sujeitos, que se diferencie do modelo de Belkin justamente por estes aspectos:

1. Primeiro, que elimine os vestígios de uma abordagem centrada no documento, ou no sistema de informação. Mesmo pendendo para a abordagem cognitiva, este é o caso do modelo do EAC, pois seu berço e sua razão de ser sempre foram elucidar questões teóricas do campo da RI.

2. Segundo, que represente com igual clareza as situações formais e informais, de busca intencional e aleatória, e até de encontro fortuito ou casual com a informação. Especialmente, que inclua a conjectura, a dúvida, a incerteza e a exploração lúdica como comportamentos informacionais tão importantes quanto a busca e a pesquisa sistemáticas.

Konrad Lorenz é um dos principais autores do campo da teoria evolutiva do comportamento e da cultura humana. Em sua obra A demolição do homem (inicialmente publicada em 1983), ele compara a brincadeira e o jogo com:

[...] os processos que se desenrolam no interior do cérebro humano e – ao nível coletivo e social – no espírito humano. Isto porque, num sentido bem particular, os processos criativos que se passam no homem, e somente no homem, constituem um jogo, uma brincadeira (LORENZ, 1986, p. 63).

Esta comparação é uma chave interpretativa importante para a teoria evolutiva do comportamento informacional. O ser humano aprende a reconhecer, selecionar, buscar e utilizar de forma bem sucedida a informação, conforme a visão de Lorenz porque, em termos evolutivos, desenvolveu uma função lúdica, espontânea e exploratória dos aspectos significativos do ambiente em que se encontra. Se este ambiente é caracterizado pela existência de registros, artefatos, mensagens e documentos; é inevitável que a tendência lúdica se aplique ao comportamento informacional, e que tal situação tenha raízes e consequências na situação adaptativa do ser humano a seu ambiente.

A visão de que toda busca informacional relevante seja descritível em termos de uma tarefa a cumprir, ou do reconhecimento de certo ‘estado anômalo’ é considerada estreita e incompleta, na medida em que se puder dar razão a Lorenz. Diz ele que:

A grande atração exercida por um objetivo definido inibe a capacidade de ‘brincar à vontade’ com fatores diversos, de cuja combinação poderia surgir uma solução para o problema dado (LORENZ, 1986, p. 64).

Isto implica em que, sem tirar das tarefas e do reconhecimento expresso de necessidades a sua importância, o estudo do comportamento informacional em termos evolutivos lança luz sobre a importância da busca indeterminada, da exploração livre, e até mesmo do encontro fortuito com a informação.

Esta ideia inaugura problemas científicos de tal fecundidade e de tal complexidade que, na medida em que esta discussão é trazida para a agenda da BCI, pode abrir novas direções de pesquisa e de atividade que anteriormente vinham sendo tratadas em segundo plano. Lorenz finaliza seu argumento indicando que até mesmo a ciência, a despeito de toda a sua formalidade, é impulsionada por modalidades comportamentais informais e espontâneas. Segundo ele:

A partir do comportamento explorador ou curioso, tanto filogeneticamente quanto ontogeneticamente se desenvolve no homem a ciência. Em sua essência esta é tão proximamente aparentada com a arte como o é o comportamento curioso com o jogo. O que a ciência e a arte têm em comum é uma condição prévia e essencial para que possam realizar suas respectivas funções [...] ‘um campo livre de tensões’ (LORENZ, 1983, p. 65).

Isto significa, para a presente discussão, que um campo livre de tensões é essencial para o desenvolvimento e manifestação de todo comportamento cognitivo e informacional que tenha resultado adaptativo bem sucedido, seja em um indivíduo ou em um grupo social. Por isso, em termos evolutivos, qualquer comportamento informacional é relevante, não podendo se sustentar uma hierarquia racionalista, formalista e nem centrada nos sistemas.

 

6  A primazia dos registros simbólicos

Segue-se abaixo uma série de reflexões mais abstratas e controversas, que podem ser interpretadas como uma agenda de problemas inaugurados pela abordagem evolutiva do comportamento informacional, na forma como está sendo discutida aqui. Um tratamento mais pormenorizado destes problemas exigiria um investimento que ultrapassa os limites da presente discussão. Mesmo assim, sua formulação tem alguma relevância para a compreensão do alcance da abordagem evolutiva, conforme o objetivo principal deste artigo.

O tipo de comportamento informacional de que tratam as pesquisas na BCI envolve especificamente a atitude de um agente, em interação com a informação na forma de artefatos, especialmente os que incorporam mensagens, ou registros específicos para serem decifrados. Ou seja, é inegável que:

Humanos têm visto, organizado e usado informação por milênios enquanto evoluíam e aprendiam padrões de comportamentos informacionais humanos (CIH) a fim de ajudar a resolver seus problemas humanos e continuar a sobreviver (SPINK & COLE, 2006, p. 3).

Mas de que tipo de objeto, de que tipo de evento se está falando aqui quando se usa a palavra “informação”? Uma nuvem é informativa de chuva, por exemplo? Em caso positivo, em que se distingue o comportamento informacional da simples aprendizagem por experiência?

Não é de qualquer comportamento cognitivo ou de qualquer aprendizado que trata a abordagem evolutiva do comportamento informacional na BCI. Trata-se, especificamente, de como agentes lidam com mensagens ou documentos, constituídos em alguma linguagem, que se referem a algum significado e, especialmente, que foram projetados por seres humanos para transmitir informação. A mera busca de sugestões, ou evidências para dirigir condutas, em que estejam envolvidas cognição e memória seletiva, não caracteriza especificamente comportamento informacional. Comportamento informacional, portanto, sempre supõe a produção prévia de informação, mediante a existência ou a construção social de significado.

Spink e Cole concordam em que o comportamento informacional não é mera cognição e nem mera aprendizagem. A diferença reside em que buscar “informação”, tal como a BCI entende o termo, é buscar pelo documento, pelo registro em linguagem de certo significado ou mensagem. Estes autores admitem que os registros informacionais mais remotos da espécie humana envolvem os primeiros artefatos fabricados, especialmente inscrições e gravuras. Assim sendo, do ponto de vista do material empírico para a pesquisa do comportamento informacional em etapas anteriores da história evolutiva da espécie, a pesquisa segue uma linha mais interpretativa, baseada em analogias e conjecturas, como os próprios autores admitem:

A falta de máquinas do tempo não impediu historiadores e outros cientistas de estudar o passado e fazer ‘suposições educadas’, sugestões informadas e conclusões razoáveis fundadas em métodos científicos e princípios da lógica, experiência analítica e evidência (SPINK & COLE, 2006, p. 21).

Para um estudo evolutivo do comportamento informacional, esta delimitação com base em informação registrada fornece uma direção e uma indicação metodológica importante, a fim de que o campo não se dissolva em contato com realizações teóricas já existentes. No diálogo com as demais ciências, com suas terminologias, teorias e realizações exemplares, próprias de cada comunidade de pesquisas, a prioridade dos registros garante certa segurança no foco da pesquisa, na consideração apropriada das evidências e na diferenciação em relação a discussões aparentadas, mas distintas, como as da psicologia evolutiva ou das ciências cognitivas.

Esta primazia da linguagem e do registro informacional produzido pelo ser humano possui declarações a seu favor, mesmo no pensamento do próprio Darwin. Em Descent of Man (inicialmente publicado em 1871), ele dedicou um capítulo à defesa das origens evolutivas da razão e das faculdades morais. Mas, o que mais interessa no presente caso é sua teoria sobre a ancestralidade da linguagem. Somente mediante o uso da linguagem, materializada em um suporte ou registro, a informação passou a compor o ambiente em que o ser humano vivia, mesmo em tempos remotos. A evolução do comportamento informacional, portanto, se encontra desde sua origem ligada de forma inseparável às origens da linguagem e da manufatura de artefatos que carregassem informação. Talvez se possa acrescentar até que a origem evolucionária do comportamento informacional seja simultânea com a origem das condições materiais da própria cultura tipicamente humana.

 

7  A coevolução entre comportamento e artefato

Deve estar claro que a construção de artefatos pelos organismos muda o seu meio ambiente e que, em vista disso, o ser humano é definido uma espécie fundamentalmente técnica. Portanto, seu modo de vida envolve criar e compartilhar objetos e processos que atuam sobre os recursos do ambiente e o modificam. Em Filosofia da Tecnologia: um Convite, Alberto Cupani esclarece este ponto ao afirmar que:

Tanto a produção quanto a utilização de artefatos supõem a aquisição de habilidades. De resto, produzir e viver tecnicamente se apresenta como uma capacidade natural do ser humano, evoluída a partir dos esboços da mesma capacidade que podem ser percebidos nos comportamentos de alguns animais (CUPANI, 2017, p. 14).

Aqui aparece um princípio central na visão evolutiva: o parentesco entre espécies. A ideia de parentesco é admitida pelo professor Cupani e, se o leitor recordar, também por Spink e Cole, que insistem em se referir ao comportamento informacional humano, para marcar a possibilidade do parentesco. Voltando ao tema principal, recorde-se que o ambiente é profundamente afetado pela ação humana, no que diz respeito às manifestações de determinado comportamento.

Por isso, se poderia falar de coevolução entre o comportamento informacional nos seres humanos e os próprios artefatos ou sistemas informacionais. Tecnologias como a escrita, a imprensa, o livro teriam evoluído em interação com a evolução dos comportamentos a elas relacionados, num processo de diferenciação seletiva de linhagens adaptadas ao ambiente humano. A admissão desta coevolução entre comportamentos e artefatos traz importantes consequências para o estudo do campo do comportamento informacional:

1. A variação é um importante elemento na evolução criativa, por isso o papel importante das atividades exploratórias acima mencionadas. O aspecto lúdico do comportamento informacional fica, portanto, valorizado. Isto significa a valorização do reconhecimento de informações interessantes, sem que haja um problema específico a ser resolvido. Estes comportamentos exploratórios que podem ser descritos como conjecturais, erráticos ou lúdicos, são a matéria prima que origina novas variações na interação entre a pessoa e o ambiente informacional.

2. A evolução da informação e da cultura é muito mais acelerada que a evolução biológica. Então, um cérebro (ou mente, ou complexo de hábitos) desenvolvido há cerca de 500 mil anos atrás, está procurando pela adaptação ativa a um ambiente que, sob o aspecto da cultura impressa, tem cerca de 570 anos, e do ponto de vista da cultura digital, tem cerca de 60 anos. Os grandes problemas para um estudo científico do comportamento informacional em termos evolutivos envolvem essa diferença entre a velocidade da mudança evolutiva da espécie Homo Sapiens e a velocidade da mudança evolutiva do ambiente cultural e dos artefatos e sistemas informacionais que são seus habitantes.

3. Mesmo que se faça a crítica de modelos como o de Nicholas Belkin, por causa de seu resíduo tecnicista, é preciso reafirmar o importante papel da information awareness, ou seja, a consciência ou clareza acerca do nosso próprio comportamento informacional. A fim de garantir um ambiente que satisfaça objetivos, estabelecidos de forma consciente e comunicada, a intervenção neste ambiente precisa permitir a replicação e disseminação das variedades (de hábitos no sujeito e de formas e conteúdos nos sistemas informacionais) que componham complexos de entidades que deem suporte a estes objetivos.

 

8  Considerações finais

Este estudo perseguiu o objetivo de explorar algumas consequências da adoção da abordagem evolutiva no estudo do comportamento informacional na BCI. A partir do diálogo com alguns autores representantes deste campo, e do exame de algumas produções relevantes de diversos momentos da teoria evolutiva, o argumento apontou para a vocação interdisciplinar e holística da abordagem evolutiva do comportamento informacional. Esta abertura das fronteiras da discussão se manifesta - pelo menos - na consideração de teorias, metodologias e conceitos que se obtêm do diálogo com outras áreas, a exemplo das ciências cognitivas.

Além disso, como um primeiro resultado desta visão integrada, formula-se como uma segunda importante consequência da abordagem evolutiva, a aceitação de uma série de comportamentos informais e até mesmo lúdicos, como formas legítimas de comportamento informacional. Assim sendo, a tradicional atitude de considerar a busca consciente de informação como o topo de uma escala ou hierarquia foi aqui criticada. A abordagem centrada nos sistemas de informação, assim como a valorização do recurso intencional a sistemas organizados de informação são, nesta abordagem, substituídas pela atenção à pessoa (mais precisamente: ao organismo em seu ambiente), e pela valorização dos comportamentos exploratórios ou lúdicos.

Finalmente, abrem-se como possibilidades para a pesquisa rigorosa, na base destas consequências principais, as questões relativas à função adaptativa dos documentos ou artefatos e sua adequada interpretação em termos do comportamento informacional. E como sugestão ao leitor, em caráter de provocação para ulteriores discussões e pesquisas, apresenta-se o intrigante tema da coevolução entre o ser humano e seus artefatos informacionais. Assim, como já sugerido em outra ocasião (MATOS, 2016), a ideia formidável e altamente confirmada cientificamente de que o ser humano evolui, inaugura para a BCI a possibilidade de que a própria informação enquanto entidade replicadora, dotada de função e significado, evolui também.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Professor de filosofia da educação do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado de Santa Catarina

[2] Doutora pela Universidad Carlos III - Madrid (2016). Professora do departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.