DOCUMENTOS, ARQUIVO E PRÁTICAS ARQUIVÍSTICAS

bases necessárias à memória no ambiente organizacional

Rayan Aramís de Brito Feitoza[1]

Universidade Federal da Paraíba

rayanbritof@gmail.com

Emeide Nóbrega Duarte[2]

Universidade Federal da Paraíba

emeide@hotmail.com

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Resumo

Os documentos, o arquivo e as práticas arquivísticas são categorias conceituais estudados pela Arquivologia e Ciência da Informação e servem, também, como elementos emergentes na formação da memória no contexto organizacional. Objetiva discutir as noções de documentos, o arquivo e as práticas arquivísticas como bases necessárias à memória das organizações. Metodologicamente, possui abordagem qualitativa, é uma pesquisa descritiva e de cunho teórico, por meio da revisão da literatura e da discussão baseada em teóricos do tema. Situa a memória organizacional e a memória institucional como as possibilidades de formação de memórias no ambiente organizacional e contempla discussões referentes aos documentos dotados de informações orgânicas e não orgânicas, os arquivos e suas práticas na gestão e preservação de acervos memorialísticos. Conclui que os documentos dotados de informações orgânicas e não orgânicas, juntamente com o arquivo e suas práticas, corroboram com a valorização de todo conhecimento criado ou produzido, com as histórias, com os legados, com os fatos e acontecimentos.

Palavras-chave: Documentos. Arquivos. Práticas Arquivísticas. Memória no ambiente organizacional.

DOCUMENTS, ARCHIVE AND ARCHIVIST PRACTICES

bases needed to memory in the organizational environment

Abstract

Documents, archives and archival practices are conceptual categories studied by Archivology and Information Science and also serve as emerging elements in the formation of memory in the organizational context. It aims to discuss the notions of documents, the archive and archival practices as necessary bases for the organizations' memory. Methodologically, it has a qualitative approach, it is a descriptive and theoretical research, through literature review and discussion based on theorists of the theme. It places organizational memory and institutional memory as the possibilities for forming memories in the organizational environment and contemplates discussions regarding documents with organic and non-organic information, archives and their practices in the management and preservation of memorial collections. It concludes that the documents with organic and non-organic information, together with the archive and its practices, corroborate the valorization of all knowledge created or produced, with the stories, with the legacies, with the facts and events.

Keywords: Documents. Files. Archival Practices. Memory in the organizational environment.

1  INTRODUÇÃO

Neste estudo, apresentamos reflexões sobre os conceitos de documento e arquivo, e também atividades ou práticas arquivísticas, em uma perspectiva voltada para a administração e a memória nos espaços e ambientes empresariais, compreendendo que os documentos e o setor dos arquivos têm papel fundamental na rotina de trabalho das organizações, no processo de tomada de decisão de seus usuários, na cultura e na história organizacional.

Diariamente as ações humanas e suas necessidades burocráticas, as funções que as instituições ou as organizações desempenham em suas rotinas e as demandas dos diversificados setores sociais impulsionam a criação e produção de documentos que evidenciam fatos e acontecimentos relacionados a um contexto específico. Nesse sentido, apresentamos as instituições e/ou organizações como órgãos produtores (pessoas jurídicas) de documentos que possuem políticas de gestão e que viabilizam o tratamento, a organização e a preservação desses registros, das informações e dos conhecimentos.

As noções de documento aqui apresentadas se dão nas perspectivas dos registros de informações e de conhecimentos explicitados, das informações produzidas por agentes ou sujeitos informacionais, como também àqueles documentos objetos da Arquivologia e que possuem vínculo e respeita a ordem original dos fundos, ou seja, o princípio da proveniência. Além disso, pensamos o papel do arquivo e das suas práticas no desenrolar das rotinas organizacionais e suas contribuições à memória no ambiente das organizações.

Pensar a memória no âmbito das organizações na Ciência da Informação é refletir sobre duas disciplinas que são tendências de pesquisa nessa área, a Arquivologia e a Gestão da Informação e do Conhecimento (ARAÚJO, 2014; 2018).

Do ponto de vista da Arquivologia é necessária a preocupação com a organização de arquivos e a preservação de produção de documentos de valor permanente, que desenvolvam e apliquem uma política de gestão de documentos e se preocupem com as informações que serviram para os centros de memória e preservem a cultura da instituição e, no contexto da Ciência da Informação “[...] o conceito de memória, quando aplicado às organizações, enfoca o conhecimento explícito, representado pela informação registrada em documentos, e o conhecimento tácito, representado pela memória dos participantes da organização.” (PAZIN VITORIANO, 2019, p. 89). Essa última, está ligada aos processos da gestão da informação orgânica (gestão documental) e não orgânica e, do conhecimento (tácito ou não registrado).

A partir dessas possibilidades, partimos do questionamento: como os documentos, os arquivos e suas práticas arquivísticas podem contribuir com o pensamento e com a prática da formação da memória das organizações? Nessa perspectiva, este estudo busca discutir as noções de documento, o arquivo e as práticas arquivísticas como bases necessárias à memória nos ambientes organizacionais.

No que se refere ao parâmetro metodológico, esta discussão foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa. Quanto ao objetivo, é descritiva e de cunho teórico, por meio de revisão da literatura e da discussão baseada em pressupostos teóricos clássicos e contemporâneos acerca da temática.

Salientamos que essa discussão teórica é fruto dos estudos sobre o tema e das pesquisas realizadas durante o desenvolvimento e a execução da pesquisa de dissertação de mestrado que buscou analisar a memória organizacional a partir de processos de gestão do conhecimento associados às práticas arquivísticas, no ano de 2019. Nesse sentido, abordamos as possibilidades e/ou os conceitos de memória nas organizações e as noções de documento, de arquivos e das práticas arquivísticas, na busca no desenvolver uma narrativa em direção ao nosso objetivo geral pretendido.

 

2  POSSIBILIDADES DE MEMÓRIA NO CONTEXTO DAS ORGANIZAÇÕES

Discorrer e refletir sobre a memória é uma atividade complexa, pois os seus conceitos, suas dimensões e suas aplicações podem ser interpretadas de diferentes e diversificadas áreas de conhecimento, como a História, a Psicologia, a Neurociência, a Arqueologia, a área de Sistemas de Informação, a Computação, a Comunicação, a Administração e a Ciência da Informação.

À luz teórica da Ciência da Informação, a memória já foi e continua sendo objeto de estudo, na perspectiva das fontes de informação, do arquivo, do documento, do patrimônio cultural, das instituições, de repositórios da web, das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e nos contextos organizacionais/empresariais/administrativos.

De acordo com Pazin Vitoriano (2019) tratar da memória na perspectiva das ciências humanas e sociais é abrangente, como também na história. A autora elenca a necessidade de criação de teorias e conceitos próprios de memória por parte de algumas áreas de conhecimento como as Ciências Sociais Aplicadas, como: os teóricos da psicologia organizacional ao relacionarem alguns elementos de interesse e que têm relação direta com o conceito de memória; a área de comunicação organizacional que perceberam a memória como um forte indício para fortalecer a imagem e reputação institucional; e, além desses, também apresenta a Gestão do Conhecimento como um campo que tem demonstrado a importância da memória no processo de criação de conhecimento organizacional.

É a partir das discussões da gestão do conhecimento que transcendem a abordagem de dois tipos de conhecimentos nas organizações: o tácito e o explícito. Takeuchi e Nonaka (2008) relatam que o conhecimento tanto pode estar presente nas pessoas (conhecimento tácito) quanto embutidos em produtos, processos, serviços e ferramentas ou registrado em documentos (conhecimento explícito), gerando ou construindo a memória organizacional, como ocorre nas comunidades de prática quando o conhecimento é compartilhado.

Como dito anteriormente, esse processo de valorização da memória no ambiente organizacional no contexto da Ciência da Informação e das organizações, está relacionado com a subárea da Gestão da Informação e do Conhecimento, ao abordar o conhecimento explícito que se configuram como informações registradas nos documentos, como também o conhecimento tácito do sujeito. Aqui, se situa a primeira possibilidade ou conceito de memória nos ambientes organizacionais, a Memória Organizacional (MO).

A memória organizacional pode ser definida como a habilidade das organizações para salvar, reter e fazer uso de informações do passado nas atividades atuais, enquanto que o conhecimento, quando compartilhado, pode ampliar as possibilidades de crescimento das organizações.

Menezes (2006), em sua tese, apresenta o conceito de MO como um acervo de informação, agregando conhecimento e práticas que podem ser retidos pela organização no decorrer do tempo, dando subsídios às atividades, aos processos decisórios, preservando o capital intelectual e dando potência a gestão do conhecimento. Ao elaborar um conceito de memória para administração, Pazin Vitoriano (2013, p. 922) afirma que a memória de uma organização se constitui como uma “[...] representação, ou o conjunto de representações, que o grupo faz do passado dessa organização, a partir dos elementos disponíveis para isso.”

Nessa perspectiva, para que a organização tenha a intenção de ressignificar o passado em um futuro próximo e de formar sua memória organizacional é preciso que os conhecimentos, as experiências, as habilidades e os conhecimentos de colaboradores sejam registrados, conservados e preservados (ATKINSON, 1997). Percebe-se que a MO está relacionada essencialmente ao conhecimento organizacional conforme aponta o estudo de Feitoza, et al. (2019) ao fazerem um levantamento da produção científica nos periódicos de Ciência da Informação no Brasil por meio da Base de Dados de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI) sobre a memória organizacional e suas relações com o conhecimento criado no âmbito das organizações.

O registro ou documentos desses conhecimentos carregam fatos, acontecimentos e conhecimentos de cunho individual ou coletivo, muitas vezes que foi explicitado e que antes, pertencia às memórias pessoais, aos conhecimentos tácitos. Assim, a MO lida com documentos das mais variadas formas e suas informações não é, necessariamente, orgânica, nem originada pelo órgão produtor, especificamente.

Em um parâmetro Arquivístico, apresentamos a memória como aquela que se relaciona com a informação orgânica registrada, assim, o documento arquivístico também contribui com a formação da memória nos ambientes organizacionais.

 Nesse entendimento, numa abordagem documental, Nascimento et al. (2016) afirma que a memória está presente no acervo de experiências dos indivíduos, pois o produtor de documentos é um mediador ativamente responsável e comprometido, colaborando com a manutenção e expansão da memória coletiva organizacional, mediante a gestão documental ou do arquivo. Além disso, para Nascimento e Pazin Vitoriano (2017) os estudos de produção documental são essenciais para preservar a MO e apontam essa atividade como fundamental para o seu desenvolvimento.

Outra possibilidade de pensar a memória nas organizações é quando se fala sobre a Memória Institucional (MI) que, “[...] na perspectiva do tempo, seria o retorno reelaborado de tudo aquilo que contabilizamos na história como conquistas, legados, acontecimentos, mas também vicissitudes, servidões, escuridão.” (THIESEN, 2013, p. 285). A MI possibilita uma visão ampla e social da organização, retratando em contexto maior, como um lugar inserido na sociedade, representando uma entidade, um grupo de colaboradores, uma vivência institucional.

É preciso compreender que mesmo com diferentes objetivos, a MO e a MI são complementares e, essa última, é mais abrangente. Conforme Thiesen (2013, p. 31) “[...] do nosso ponto de vista, a memória institucional abrange a memória organizacional, mas não se limita a ela. São as relações de forças que determinam o plano institucional que, por sua vez, define a organização. A questão da instituição é a legitimidade.”

Os documentos arquivísticos, por exemplo, e que servem como dispositivos da MI, são os de valor permanente e que dizem respeito a compreensão e a representação social de um Estado, de uma comunidade discursiva, de uma entidade, de um contexto específico. Para tanto, se faz necessário um planejamento e implementação de política de gestão de documentos ou política pública de arquivos que viabilizem e assegurem a preservação da memória.

Nesse contexto, Bellotto (2004) apresenta um conceito de memória, na perspectiva Arquivística, que podem se perpetuar como memória organizacional como também, por memória institucional. Para a autora, a memória

É um conjunto de informações e/ou documentos, orgânicos ou não, representativos da organização, referenciados sem que haja necessidade de reunir física ou materialmente as fontes, apenas captando as informações, identificando-as e aos objetos que as contêm, para que estejam disponíveis ao pesquisador, de maneira coerente e integrada (BELLOTTO, 2004, p. 274).

A partir desse conceito, apresentamos elementos que circundam um debate sobre o documento e o arquivo e, posteriormente, as práticas arquivísticas. Pensamos e trazemos à tona a perspectiva da memória no ambiente das organizações pelo o olhar da Arquivologia, levando em consideração as informações ou documentos orgânicos e não orgânicos.

 

3  O DOCUMENTO E O ARQUIVO: ELEMENTOS EMERGENTES NA FORMAÇÃO DA MEMÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES

A necessidade de realizar um debate ou trazer à tona reflexões sobre ‘documento’ serve para compreendermos os registros que compõem a(s) memória(s) nos espaços das organizações, bem como os elementos que fazem parte do universo e das relações da organização com suas informações externas com documentos provenientes de fundos terceiros ou de seu próprio fundo arquivístico.

Assim, apresentamos duas perspectivas sobre documentos que fazem parte das rotinas organizacionais e apontamos reflexões sobre os arquivos, na tentativa de elencar elementos que contribuem com a formação da memória com a rotina e práticas organizacionais.

 

3.1  O DOCUMENTO NA PERSPECTIVA NÃO ORGÂNICA

Trazer a noção de documento é também remeter à materialidade da informação que é elemento essencial da memória. Loureiro (2016) traz a concepção de Frohmann (2008) por refletir o documento e a informação pela dimensão material e social, e propõe o conceito de enunciados estudado por Foucault. Lembrar-se disso é compreender que o documento pode ser caracterizado como um material de enunciados realizados pelas ações humanas e práticas individuais e coletivas nas organizações. Partindo deste mesmo entendimento Lima e Álvares (2018, p. 115) explicam que

O caráter social e público do conhecimento foi avaliado por Frohmann (2008), que atribuiu à documentação um papel maior que a simples comunicação da informação, de modo que ela seria responsável pela transmissão de poder gerativo e formativo por meio de indivíduos inclusive aqueles constituídos de modo institucional. As características explicitadas por Frohmann se coadunam com os objetivos da gestão do conhecimento.

Sem a materialidade da informação, grande parte das considerações sociais, culturais, políticas e éticas, que são importantes para o estudo da Ciência da Informação, podem se perder (FROHMANN, 2006). Dito isto, percebe-se a importância da memória em um contexto não só organizacional, mas também no contexto científico, tornando-se essencial na organização e preservação dos conhecimentos explícitos (informação materializada).

O documento nomeia a materialidade da informação e é importante para o entendimento dos aspectos públicos e sociais que possuem esse conhecimento explícito. Nesse interim, quando se adota a materialidade da informação pela materialidade dos enunciados, Frohmann (2006), ao se basear nos pensamentos de Foucault, faz um deslocamento da materialidade dos enunciados aos estudos de documentos.

Se a materialidade dos enunciados pode ser compreendida pela perspectiva dos documentos, conforme aponta Frohmann (2006), salienta-se que o que está sendo anunciado seria para ele a informação num sentido imaterial, presente numa mente humana que, numa perspectiva da gestão, seria o conhecimento tácito socializado.

Sob essa visão acredita-se que o documento é dotado de experiências individuais, conhecimentos e histórias pertencentes a um determinado grupo, seja pessoa física ou pelo coletivo dentro de uma organização, tais como as melhores práticas organizacionais. A informação e o conhecimento desempenham um papel importante frente ao documento, sendo que este último está sempre envolvido com as atividades intelectuais do ser humano (PÉREZ-MONTORO-GUTIÉRREZ, 2008).

Pérez-Montoro-Gutiérrez (2008) vai além e apresenta uma articulação entre o documento e o conhecimento, ratificando que este último se encontra na cabeça das pessoas e é compreendido como os estados mentais do indivíduo construídos a partir da assimilação de informações que se originam nas ações do próprio sujeito. Por uma compreensão física e com a capacidade de transportar a informação, o documento cumpre um papel muito importante:

[…] aparece como ese objeto material donde se pueden representar y materializar esos estados mentales que residem exclusivamente em la cabeza das personas. Y, al igual que pasaba em el caso de la información, esta representación permite explicar la transmisión y el almacenamientro do conocimiento (explícito) a partir de la transmisión y almacenamiento de documentos (PÉREZ-MONTORO-GUTIÉRREZ, 2008, p. 46, grifo nosso).

Na concepção do autor, a representação da informação agregada ao documento permite explicar a transmissão e o armazenamento do conhecimento explícito a partir da transmissão e armazenamento de documentos. Partindo desse pressuposto, para Pérez-Montoro-Gutiérrez (2008) o documento é dotado do conhecimento que a priori faz parte de cada indivíduo e a partir da sua socialização, externalizado do tácito para o explícito e é registrado em algum suporte. Ainda para o autor, a partir do armazenamento, o conhecimento pode ser recuperado a qualquer momento de forma adequada.

A partir da compreensão de que o documento carrega certos elementos, Loureiro (2016) mostra que Buckland apresenta alguns autores que puderam contribuir com a ampliação do conceito de documento. A autora exemplificou como “qualquer base material para ampliar nosso conhecimento e que esteja disponível para estudo e comparação”, de Walter Schumeyer; ou “qualquer fonte de informação, em fonte material, capaz de ser usada como referência ou estudo ou como uma autoridade. Ex.: manuscritos, material impresso, ilustrações, diagramas, espécimes de museus, etc.” (BUCKLAND, 1997, p. 805).

 

3.2  O DOCUMENTO NA PERSPECTIVA DA INFORMAÇÃO ORGÂNICA E OS ARQUIVOS

Bruno Delmas, ao publicar o seu livro “Arquivos para quê?” em 2010, apresenta a noção de documento de arquivo pela definição oficial dada pela legislação da França, no ano de 1979. A referida legislação define o documento de arquivo como aquele que independentemente da natureza do suporte, data, forma e localização de preservação é produzido por qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, em sua rotina de atividade, sendo acumulado e organizado para o exercício dessas mesmas atividades e conservado para o futuro.

O conceito apresentado pela legislação francesa demonstra que o documento de arquivo, quando essencialmente produzido pela ação humana, contribui para os trabalhos administrativos, como também pode ganhar valor histórico com o passar dos tempos.

No entanto, para que o documento faça seu percurso natural de vida, da administração à história, isto é, da produção e tramitação administrativa à utilização científica e cultural, suas potencialidades devem ser reveladas. Cabe ao arquivista identificar, descrever, resumir e indexar. O historiador saberá selecionar, interpretar e “explicar”. Entretanto, para que isso se realize, faz-se necessário que o fluxo não seja interrompido (BELLOTTO, 2006, p. 26).

Uma característica essencial na organização dos documentos de arquivo ou documento arquivístico para a memória é saber selecionar os documentos que possuem valor futuro, contendo informações valiosas que são oriundas da ação dos colaboradores, distinguindo-os dos documentos que podem ser descartados pela organização. Essa atividade pode ser entendida como a fase de avaliação, seleção e atualização da memória.

Cabe ao arquivista a execução dessas atividades de modo a assegurar a conservação dos documentos essenciais para o historiador futuro, ou indo mais além, para as pessoas que necessitarão desses documentos para construção de conhecimentos. Marilena Leite Paes conceitua, em sua abordagem sobre a terminologia arquivística, que os documentos são aqueles que além de serem produzidos/recebidos em exercício de suas atividades por organizações públicas ou privadas, constituam valor de prova ou de informação (PAES, 2004).

Além de ser a fonte registrada que representa a memória da organização, os documentos preservados nos arquivos dialogam com o tempo e espaço em que essa unidade informacional está inserida, possibilitando que sua memória institucional e/ou organizacional seja ressignificada quando recuperada, acessada e utilizada.

Após apresentar como se configuram os documentos a partir da noção da informação não orgânica e de informação orgânica e/ou conhecimento arquivístico, entende-se que o conjunto desses registros quando estão organizados e preservados, constituem-se os arquivos de organizações públicas e privadas.

A origem do termo arquivo, conforme Paes (2004) surgiu na antiga Grécia, com a denominação de arché, sendo atribuída ao palácio dos magistrados, desde então, evoluiu para archeion por ser conhecido como o local de guarda de documentos e outras denominações terminológicas, como também vêm da origem latina, o termo archivum, se referindo ao lugar de guarda de documentos e outros títulos. Para Rhoads (1989),

La palabra "archivos", además de significar un conjunto de documentos no corrientes de valor permanente, se aplica también al lugar en que se conservan o al edifício dedicado a su cuidado y utilización, y también a la organización u organismo responsable de su administración (RHOADS, 1989, p. 3).

A legislação de arquivos no Brasil, a Lei 8.159/1991 define os arquivos como o conjunto de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos ou privados, em consequência do exercício de suas atividades específicas, por pessoas físicas ou jurídicas, independente do suporte de informação e da natureza dos documentos.

O arquivo, “[…] compreende os documentos gerados e/ou recolhidos por uma entidade pública ou privada que são necessários à sua criação, ao seu funcionamento e ao exercício de atividades que justificam sua existencia.” (BELLOTTO, 2006, p. 28). Partindo de uma perspectiva do conhecimento organizacional nos ambientes organizacionais para tomada de decisão, pode-se dizer que,

Os arquivos constituem-se em um centro ativo de informações e precisam estar devidamente organizados e estruturados para atingirem seus objetivos, que são atender à administração, evitar erros e repetições desnecessárias, produzir conhecimento para assessorar as tomadas de decisão e dar continuidade aos trabalhos das instituições (CARVALHO; LONGO, 2002, p. 115, grifo nosso).

Nessa conjuntura, a referida unidade informacional faz parte da cadeia de produções de conhecimento das rotinas e atividades dos ambientes organizacionais, com a função de tornar disponíveis as informações orgânicas contidas nos documentos que estão sob sua guarda e “[…] tendo por finalidade servir à administração, e no decorrer do tempo, constituindo-se de base de conhecimento para história.” (PAES, 2004, p. 20).

Quanto à sua finalidade, observa-se que o arquivo, por meio de seus documentos pode ser considerado ao longo dos anos, um acervo de documentos que constituem uma memória da organização, por servir como a base das instituições e sempre manter a organização e atualização dos conhecimentos disponíveis, bem como pode colaborar para as atividades clássicas da Administração – prever, organizar, comandar, coordenar e controlar (BELLOTTO, 2006).

Os arquivos seriam, portanto, fruto de uma formação progressiva e natural conhecida como acumulação, sendo resultado do “[…] conjunto, rotineira e necessariamente alimentado ao sabor das demandas e dos ritmos de funcionamento da entidade produtora.” (CAMARGO; GOULART, 2015, p. 25).

Pode-se levar em consideração as contribuições que o arquivo pode dar na formação e preservação da memória e isso nos faz lembrar as ideias de Joan Schwartz e Terry Cook ao publicar o artigo “Arquivos, documentos e poder: a criação da memória moderna”, afirmando que

A memória, assim como a história, está enraizada nos arquivos. Sem estes, a memória falha, o conhecimento sobre os feitos esvai-se, o orgulho de uma experiência compartilhada se dissipa. O arquivo é o antídoto para todas as perdas. O arquivo contém prova do que se passou antes, e isso caracteriza especialmente o mundo moderno. Com o desaparecimento da vida rural tradicional e da família estendida, não é mais possível se ter uma memória baseada em narrativas pessoais compartilhadas. O arquivo mantém-se como uma das bases do conhecimento histórico, o arquivo valida nossas experiências, nossas percepções, nossas narrativas, nossas estórias. Os arquivos são nossas memórias. (SCHWARTZ; COOK, 2002 apud HEDSTROM, 2016, p. 2511-252).

Essas ideias ratificam as funções que os arquivos podem realizar e contribuir para preservação da memória do âmbito organizacional, fazendo parte do seu processo de construção, e tomando como um dos seus mais importantes papéis, a preservação daquilo que é passado e do que pode ser ressignificado, transformado, construído e decidido.

No Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, “os arquivos são considerados arquivos correntes, intermediários ou permanentes, de acordo com a frequência de uso por suas entidades produtoras e a identificação de seus valores primário e secundário”.[3] (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 160).

Na perspectiva anglo-saxônica os arquivos são classificados em três fases, cuja visão está voltada a entender que os documentos fazem parte do ciclo de vida ou ciclo vital dos documentos, classificando-se em correntes, intermediários e permanente. Llansó Sanjuan define estas fases como:

A fase corrente ou a primeira idade como a “[...] circulação e tramitação dos assuntos iniciados. A documentação é parte dos arquivos de gestão e é de uso frequente”. Na fase intermediária, segunda idade do ciclo de vida dos documentos como [...] documento ou o expediente referente a um assunto que deve ser conservado, sendo objeto de consulta ou de uso de maneira pouco frequente. A fase do arquivo intermediário, “no qual o valor diminui na mesma proporção que aumenta o valor secundário” e por fim, a terceira idade e última fase, o documento “[...] adquire valor permanente, de maneira que seu uso será unicamente por seu valor cultural ou de pesquisa. Sua conservação será definitiva” (LLANSÓ SANJUAN, 1992, p. 34, tradução nossa).

Dentre essa classificação e tipos de arquivos, as atividades que as norteiam são consideradas como Gestão de Documentos (GD) que de acordo com a Lei 8.159/1991, é o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente.

A Norma UNE ISO 15489:1 (2016, não paginado, tradução nossa) define a GD como o “[...] controle eficaz e sistemático da criação, recepção, armazenamento, uso e a disposição de documentos de arquivo, incluindo os processos para capturar e manter a evidência e a informação sobre as atividades e operações da organização em formato de documentos”.

A gestão de documentos em uma organização incorpora as práticas arquivísticas, equivalendo a cada etapa desse processo. Apresentamos a seguir, conceitos de práticas arquivísticas baseada em autores clássicos e contemporâneos.

 

4  PRÁTICAS ARQUIVÍSTICAS: ELEMENTOS NECESSÁRIOS À GESTÃO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

As atividades ou práticas exercidas nos arquivos, por meio do arquivista e sua equipe, estão inseridas nas especificações de cada fase dos arquivos. As funções arquivísticas adotadas nas fases corrente e intermediária são realizadas pelos procedimentos da gestão de documentos. Nos arquivos permanentes são realizadas medidas de preservação, conservação, tratamento do documento para sua armazenagem e, atualização e ressignificação contínua.

Rhoads (1989, p. 3, tradução nossa) considera que a gestão de documentos inclui todas as atividades em que o documento passa no “[…] ciclo de vida, isto é, desde o nascimento, perpassando a vida produtiva como uma maneira de efetivar as funções organizacionais, até sua morte ou destruição, entretanto, aqueles que merecem ser conservados permanentemente ganham a reencarnação”.

As palavras do autor afirmam que os documentos passam por um processo de atividades desde o momento em que é produzido até sua guarda provisória ou permanente, por meios de quatro fases que contemplam o ciclo de vida dos documentos (Quadro 1).

Quadro 1 – Fases e práticas do ciclo de vida dos documentos.

Produção de documentos

Abarca os seguintes elementos: desenho e gestão de formulários, preparação e gestão de correspondência, gestão de informes e diretrizes, fomento de sistemas de gestão da informação e aplicação de tecnologia moderna a esses processos.

Utilização e conservação dos documentos

Contempla os seguintes aspectos: criação e melhoria dos sistemas de arquivos e de recuperação de dados, a gestão de registros, análise de sistemas de produção e a manutenção de programas de documentos vitais, o funcionamento de centros de documentação e a automação dos processos.

Disponibilização do documento

Abrange a identificação e descrição das séries de documentos, o estabelecimento de programas de retenção e disponibilização, a avaliação e eliminação de documentos e a transferência de documentos de valor permanente aos arquivos.

Administração de arquivos/Gestão de documentos permanentes

Envolve o desenho e equipamento dos depósitos, os métodos e processos de conservação e preservação dos arquivos, o planejamento de políticas de acesso aos arquivos, os procedimentos dos serviços de referência, a criação de novos arquivos e a informação sobre eles.

Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Rhoads (1989, p. 2, tradução nossa).

Conforme o Quadro 1, as práticas realizadas pelos profissionais dos arquivos vão desde a produção de documentos, levando esses à utilização e conservação para sua possível disponibilização até a sua manutenção em arquivos permanentes.

Ao apresentar as funções arquivísticas, Rousseau e Couture (1998) advertem que é necessário estabelecer distinções entre os arquivos correntes, intermediários e permanentes, de modo que essas funções devem ser abordadas no intuito de cumprir o conjunto dos princípios, métodos e operações que se aplicam à organização e ao tratamento dos arquivos. As funções abordadas pelos autores como: criação, avaliação, aquisição, conservação, classificação, descrição e difusão, estão representadas na Figura 1.

Figura 1 – Funções Arquivísticas

Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Rousseau e Coutoure (1998).

A Criação refere-se ao processo de produção dos documentos de acordo com as atividades específicas de um determinado órgão, atendendo aos cumprimentos dos objetivos que competem à organização; a Avaliação é o momento em que os documentos são analisados quanto ao seu prazo de guarda nos arquivos correntes, intermediários e permanentes; a Aquisição diz respeito à entrada dos documentos nas três fases dos arquivos (correntes, intermediários e permanentes); a Conservação é uma atividade que busca tratar os documentos para estender a sua integridade em longo prazo; a Classificação tem a função de unir hierarquicamente um conjunto de documentos por meio de classes, conforme o princípio da proveniência e a ordem original; a Descrição considera os elementos e/ou conteúdos contidos nos documentos, para que sejam criados os instrumentos de pesquisas, como: guia, inventário, catálogos, índices, dentre outros; e a Difusão, contempla os meios que o arquivo proporciona para alcançar os seus usuários por meio e ações culturais, editoriais e educativas.

Ao enfocar a teoria e a prática nos arquivos, Paes (2004) elenca as atividades realizadas em arquivos correntes e intermediários por meio da gestão de documentos e outras práticas realizadas nos arquivos permanentes. Para a autora, as funções que contemplam a gestão de documentos são classificadas em três fases, a saber: Produção, Utilização e Avaliação e destinação de documentos nas duas primeiras idades (corrente e intermediária) do documento, de acordo com o Quadro 2:

Quadro 2 – Fases básicas da gestão de documentos em arquivos correntes e intermediários.

PRODUÇÃO

Refere-se à elaboração dos documentos em decorrência das atividades de um órgão ou setor. Nesta fase, o arquivista deve contribuir para que sejam criados apenas documentos essenciais à administração da instituição e evitadas duplicações e emissão de vias desnecessárias. Deve propor consolidação de atos normativos alterados ou atualizados com certa frequência; sugerir criação ou extinção de modelos e formulários; apresentar estudos sobre adequação e o melhor aproveitamento de recursos reprográficos e informáticos; contribuir para a difusão de normas e informações necessárias ao bom desempenho institucional; opinar sobre escolha de materiais equipamentos; participar da seleção de recursos humanos que deverão desempenhar tarefas arquivísticas e afins.

UTILIZAÇÃO

Inclui atividades de protocolo (recebimento, classificação, registro, distribuição, tramitação), de expedição, de organização e arquivamento de documentos em fase corrente e intermediária, bem como a elaboração de normas de acesso à documentação (empréstimo e consulta) e à recuperação de informações, indispensáveis ao desenvolvimento de funções administrativas, técnicas ou científicas das instituições.

AVALIAÇÃO E DESTINAÇÃO

Desenvolve-se mediante a análise e avaliação dos documentos acumulados nos arquivos, com vistas a estabelecer seus prazos de guarda, determinando quais serão objeto de arquivamento permanente e quais deverão ser eliminados por terem perdido seu valor de prova e de informações para a instituição.

Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em PAES (2004, p. 54).

Quanto às práticas realizadas nos arquivos permanentes, estas se efetivam por meio de suas principais funções que é reunir, conservar, arranjar, descrever e facilitar a consulta dos documentos oficiais, de uso não corrente, ou seja, concentrar sob sua custódia, conservar e disponibilizar de maneira acessível os documentos não correntes, que podem ser úteis tanto para a administração, quanto para pesquisas históricas e afins. As atividades dos arquivos permanentes nas organizações são classificadas em quatro grupos, conforme descrito no Quadro 3:

Quadro 3: Atividades realizadas em arquivos permanentes.

Arranjo

Reunião e ordenação adequada dos documentos.

Descrição e publicação

Acesso aos documentos para consulta e divulgação do acervo.

Conservação

Medida de proteção aos documentos e, consequentemente do local de sua guarda, visando impedir a sua destruição.

Referência

Política de acesso e uso dos documentos.

Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Paes (2004, p. 54).

Desta maneira, as práticas arquivísticas desde a produção, organização, utilização e conservação dos documentos tem a finalidade de levar ao usuário o conhecimento explícito necessário para tomada de decisão, independente da fase em que o documento se encontra. No entanto, é sabido que os documentos que formam a memória das organizações têm suas especificidades tratadas nos arquivos permanentes por terem passado pelo conjunto de atividades realizadas, ganhando valor informativo, histórico e preservação do conhecimento.

Negreiros e Dias (2008) ao publicar o artigo intitulado “A prática arquivística: os métodos da disciplina e os documentos tradicionais e contemporâneos” apresentaram os métodos e procedimentos realizados nos arquivos, procurando mostrar as diferenças entre o trabalho de organização realizado em documentos arquivísticos tradicionais e em documentos eletrônicos. Os autores destacaram dez práticas com base nas principais definições de Paes (2004), do Arquivo Nacional (2005), de Bellotto (2006), dentre outros que podem ser abordados nesse contexto. São elas:

Identificação: ocorre na fase corrente dos documentos, identificando a tipologia e a função do documento. “Cabe à identificação conferir a unicidade ao documento. Ou seja, mesmo que haja cópias, o documento é único do conjunto ao qual (fundo, série, dossiê) pertence”. Tanto para documentos produzidos em meio eletrônico quanto para os tradicionais, a identificação objetiva a determinação de quais atividades e funções o originaram (NEGREIROS; DIAS, 2008, p. 7).

Classificação: Independe do formato do documento arquivístico, sendo extremamente ligada ao contexto, à estrutura e ao conteúdo do documento. Pode ocorrer tanto na fase corrente (sequência de identificação), como na permanente. Pode ser realizado através dos instrumentos de planos de classificação, código de classificação e quadro de arranjo. Pelo ato de analisar e identificar o conteúdo, ou pela forma de atribuir o documento, de acordo com as suas informações contidas.

Avaliação: é o processo de análise de documentos que estabelece os prazos de guarda e eliminação dos documentos, conforme os valores que lhe são atribuídos. “Aborda-se também a seleção dos documentos de valor permanente daqueles passíveis de eliminação, respeitando critérios previamente estabelecidos”.

Tabela de Temporalidade: Importante instrumento para decidir o ciclo de vida dos documentos, visando reduzir ao máximo a interferência da subjetividade humana no processo de retenção ou eliminação (NEGREIROS; DIAS, 2008, p. 10).

Arranjo: Refere-se ao estudo das funções, atividades e estruturas das organizações que produzirão um esquema chamado de quadro de arranjo para auxiliar nas atividades intelectuais e físicas de arranjo exercidas na fase permanente, estando intimamente ligada à manutenção da proveniência do documento. Arranjá-lo significa ordená-lo de acordo com as funções e atividades que o geraram (NEGREIROS; DIAS, 2008).

Descrição: Segundo os autores, o Arquivo Nacional (2005) define descrição como um conjunto de procedimentos que leva em conta os processos formais e de conteúdos de documentos para a elaboração de instrumentos de pesquisa.

Preservação: Busca guardar e proteger os documentos visando o seu acesso e uso ao máximo, até que seu valor primário seja superado e seu valor secundário seja utilizado em pesquisas ou em outras atividades de tomada de decisão. Essa atividade consiste na organização e preservação de documentos para evitar danos e deterioração para prorrogar o tempo de existência das informações contidas no documento.

Transferência e recolhimento: É o processo de transferência dos documentos em arquivo corrente para o intermediário, e como processo de recolhimento, a passagem dos documentos do intermediário para o permanente (PAES, 2004; ARQUIVO NACIONAL, 2005).

Arquivamento: Visa à organização e a guarda ordenada dos documentos, nos arquivos correntes e intermediários, enquanto aguardam destinação de longo prazo ou definitiva nos arquivos permanentes. É uma ação dada pela autoridade, ao determinar a guarda do documento, cessada a sua tramitação (ARQUIVO NACIONAL, 2005).

Atividades de referência ou disseminação da informação: são descritas como atividades dos arquivos permanentes, no entanto, as atividades de referência compreendem todos os processos de acesso e uso de documentos.

Santos (2013) apresenta algumas práticas arquivísticas ao abordar o papel do arquivista na sociedade da informação e do conhecimento.

As atividades elencadas pelo autor são: Diagnóstico da situação documental (antecede qualquer função arquivística e permite conhecer a situação da organização em todos os aspectos relacionados às suas atividades); a História Oral (refere-se a realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre fatos, acontecimentos, conjunturas, com o viés predominantemente para criação de fontes relacionadas aos arquivos permanentes); Taxonomias e Planos de Classificação (a primeira se relaciona a classificação sistemática e hierárquica, sendo fundamental para a preservação da memória organizacional, a segunda é a distribuição de documentos em classes, de acordo com o método de arquivamento) e Difusão ou Acesso e Descrição (caracteriza-se pelo nível de recuperação que depende da qualidade e do nível de descrição dos documentos e informações). Quanto à difusão, há metodologias para divulgação interna (e-mail, informativos, resumos), quanto à descrição existem instrumentos para sua melhor eficiência.

A seguir, destacam-se no Quadro 4, as práticas essenciais das atividades competentes aos arquivos baseadas nos autores Rhoads (1989) Rousseau e Coutoure (1998); Paes (2004); Arquivo Nacional (2005); Bellotto (2006); Negreiros e Dias (2008) e Santos (2013).

Quadro 4 - Principais práticas arquivísticas.

PRÁTICA ARQUIVÍSTICA

CONCEITOS/FUNÇÃO

Criação/Produção

Corresponde à elaboração dos documentos em decorrência das atividades de um órgão ou setor; propõe consolidação de atos normativos alterados ou atualizados com certa frequência; sugere criação ou extinção de modelos e formulários; apresenta estudos sobre adequação e o melhor aproveitamento de recursos reprográficos e informáticos.

Diagnóstico

Busca analisar a situação da organização em todos os aspectos relacionados às suas atividades.

Aquisição

Corresponde ao fluxo contínuo de entrada de documentos nos arquivos.

Identificação

Objetiva compreender a tipologia do documento, identificando a determinação de quais atividades e funções se originaram e sua unicidade.

Taxonomia

Relaciona a classificação sistemática e hierárquica de documentos por meio de assuntos, conteúdos, estrutura e funcionalidades, como também de agrupamentos e sistemas.

Classificação

Une hierarquicamente um conjunto de documentos por meio de classes, conforme o princípio da proveniência e a ordem original; realizado através dos instrumentos de planos de classificação, código de classificação e quadro de arranjo. É também um ato de analisar e identificar o conteúdo, ou pela forma de atribuir o documento, de acordo com as suas informações contidas.

Avaliação

Busca analisar os documentos acumulados nos arquivos, quanto ao seu prazo de guarda nos arquivos correntes e intermediários. Os documentos deste último em especial, podem ser passíveis de eliminação ou recolhidos para o arquivo permanente, devendo respeitar os critérios previamente estabelecidos.

Descrição

Um conjunto de procedimentos que levam em conta os processos formais e de conteúdos de documentos para a elaboração de instrumentos de pesquisa, como: guia, inventário, catálogos, índices, dentre outros.

Arranjo

É uma sequência de operações intelectuais e físicas que visam à organização de documentos de um arquivo ou coleção, utilizando-se diferentes métodos, de acordo com um plano ou um quadro previamente estabelecido.

Arquivamento

É uma ação dada pela autoridade, ao determinar a guarda do documento, cessada a sua tramitação. Envolvem os métodos e processos de conservação e preservação dos arquivos, o planejamento de políticas de acesso aos arquivos, os procedimentos dos serviços de referência, a criação de novos arquivos e a informação sobre eles.

Conservação/Preservação

Medida de proteção e tratamento dos documentos para estender a sua periodicidade em longo prazo e, consequentemente do local de sua guarda, visando a impedir sua destruição. Cria e Melhora os sistemas de arquivos e de recuperação de dados, a gestão de registros, análise de sistemas de produção e a manutenção de programas de documentos vitais, o funcionamento de centros de documentação e a automação dos processos.

Difusão/
Atividades de Referência/
Disseminação da Informação

É uma política de acesso e uso dos documentos; cria metodologias para divulgação interna e externa. Busca alcançar os seus usuários por meio e ações culturais, editoriais e educativas. Muitas vezes são descritas como atividades dos arquivos permanentes, no entanto, as atividades de referência compreendem todos os processos de acesso e uso de documentos.

Fonte: Elaborado pelos autores, baseado em Rhoads (1989) Rousseau e Coutoure (1998); Paes (2004); Arquivo Nacional (2005); Bellotto (2006); Negreiros e Dias (2008) e Santos (2013).

As práticas arquivísticas representadas no Quadro 4 podem contribuir com a memória das organizações, tendo em vista que o corpus documental que compõe a MO e a MI precisa de determinadas ações que viabilizem o processo de organização e preservação de documentos de valor permanente, mesmo levando em consideração de que todas essas práticas voltadas à gestão de documentos em fases corrente e intermediária são essenciais no trâmite ou fluxo da informação orgânica.

No entanto, acentua-se a necessidade de esclarecer que, levando em consideração os conceitos, atribuições e a práxis das áreas, a organização e a preservação desses documentos por meio de funções e práticas arquivísticas se dão naqueles que são dotados de informações orgânicas, enquanto que os não orgânicos são potencializados e preservados a partir de processos de gestão de informação e do conhecimento.

Conforme Pazin Vitoriano (2019) uma das funções ou prática arquivística mais relevante no processo da racionalização e preservação dos documentos arquivísticos (informação orgânica) para a memória dos espaços organizacionais é a avaliação documental. Segundo a autora deve-se realizar, nos documentos com informação não orgânicas, uma análise da relevância da informação à instituição. “A constituição da memória institucional e da memória organizacional envolve questões como a seleção de documentos que passarão a compor o acervo destinado à preservação.” (PAZIN VITORIANO, 2019, p. 93).

 Várias são as práticas arquivísticas que podem subsidiar com a gestão e preservação da memória nos espaços organizacionais e podemos destacar a história oral, a descrição, o arranjo, a taxonomia, a conservação, a preservação, a difusão e a disseminação e a avalição, como citada anteriormente. Essas funções lidam diretamente com os arquivos permanentes e potencializam a formação da memória no contexto organizacional.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma reflexão sobre a memória a partir da Ciência da Informação, da Gestão e da Arquivologia, este estudo buscou discutir as noções de documentos, de arquivo e das práticas arquivísticas como bases necessárias à memória nos ambientes organizacionais, sejam elas públicas ou privadas.

Foi possível apresentar a Memória Organizacional e a Memória Institucional como possibilidades de serem formadas e desenvolvidas nas organizações, compreendendo suas abordagens e diferenças. Enquanto a primeira (MO) é caracterizada como um instrumento e técnica que busca registrar os conhecimento criados por colaboradores e pela própria organização, buscando a eficiência e eficácia dos trabalhos, a segunda (MI) é mais abrangente e também agrega a memória organizacional em seu escopo, objetivando resguardar e difundir a história, a cultura, a identidade e o papel social em seu lugar no mundo, apresentado seus legados e conquistas, como derrotas e fracassos.

Ao abordarmos a memória na seara organizacional também podemos levar em consideração os registros que foram produzidos no passado, como também os que são criados no presente e no futuro. Assim, os documentos dotados de informações orgânicas e não orgânicas, juntamente com o acervo arquivístico ou o arquivo, corroboram com a valorização de todo conhecimento criado, com as histórias, com os legados, com os fatos e acontecimentos.

Isso é possível a partir de políticas de gestão organizacional e de arquivos que envolvam as práticas arquivísticas de avaliação, seleção e análise de documentos definidas pelas organizações, bem como a possibilidade de criar centro de memória que abranja todo tipo de informação e conhecimento produzido dentro e fora do contexto organizacional.

Contudo, levando em consideração as discussões aqui apresentadas, existem duas abordagens de memória a serem discutidas no escopo da Ciência da Informação quando se pensa esse fenômeno no âmbito das organizações empresariais ou públicas e que os documentos, os arquivos e as práticas arquivísticas potencializam essas memórias. Além disso, concordamos com a Pazin Vitoriano (2019) sobre necessidade de fomentar centros de memória nas instituições, por ser abrangente e por agregar documentos com informações orgânicas e não orgânicas, os arquivos, as práticas arquivísticas, além de outras atividades fora do escopo da arquivística.

 

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[1] Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharel em Arquivologia pela UFPB.

[2] Doutora em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre e Bacharel em Biblioteconomia pela UFPB. Professora Titular do Departamento de Ciência da Informação (DCI) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da UFPB.

[3] O valor primário refere-se aos arquivos de ordem administrativa, considerando os correntes e intermediários, enquanto o valor secundário refere-se aos documentos permanentes.