MEDIAÇÃO VIA REPRESENTAÇÃO TEMÁTICA DA INFORMAÇÃO

Uma leitura pela Teoria do Agir Comunicativo

Gerson Moreira Ramos Junior[1]

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

g.ramosjunior@gmail.com

Meri Nadia Marques Gerlin[2]

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

meri.gerlin@ufes.br

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Resumo

Objetivo: O presente artigo visa apresentar o processo de Representação Temática da Informação como via mediadora da informação. Intenta-se demonstrar confluências entre a pragmática biblioteconômica e os conceitos que fundamentam a Teoria do Agir Comunicativo, numa perspectiva de reorientação das ações de mediação da informação a partir da ação comunicativa orientada para o consenso linguístico para a superação da colonização do mundo da vida. Método: Construímos esse caminho por meio de uma pesquisa bibliográfica, buscando em bases de dados da área da Ciência da Informação produções que discorrem sobre tais conceitos, aproximando as discussões sobre representação temática, enquanto elemento de mediação da informação, e a referencialidade teórica habermasiana como possibilidade para a construção de uma abordagem crítica que possibilite aos indivíduos interagirem com a informação, por um processo mediador da informação reorientado por uma razão comunicativa, instada num consenso linguístico aceito por uma comunidade de usuários. Resultado: Apresentamos a representação temática da informação como via pela qual se perfaz a mediação da informação, associando o processo técnico da representação temática da informação à Teoria do Agir Comunicativo. Vislumbra-se, desta maneira, propor uma mediação da informação que busque o consenso linguístico e a interação, via agir comunicativo, em oposição à razão instrumentalizada pelo capital, reorientando as ações para uma tomada de consciência que leve os atores envolvidos nos processos informativos à superação da visão hegemônica do capital, por meio do uso da razão comunicativa, a partir da qual o consenso estabelecesse por uma linguagem que visa o entendimento comum no ambiente sistêmico das bibliotecas.

Palavras-chave: Agir comunicativo. Mediação da informação. Consenso linguístico. Representação temática.

MEDIATION THROUGH THEMATIC REPRESENTATION OF INFORMATION

A Reading by the Theory of Communicative Acting

Abstract

Objective: This article aims to present the technical process of the Thematic Representation of Information as a mediator of information. The intention is to demonstrate confluences between the pragmatic librarianship and the concepts that underlie the theory of communicative action, in a perspective of reorienting the actions of mediation of information from the communicative action oriented to the linguistic consensus to overcome the colonization of the world of life. Method: We built this path through a bibliographic search, searching in databases in the Information Science area productions that discuss these concepts, bringing discussions about thematic representation as an element of information mediation and the Habermasian theoretical referentiality as a possibility for the construction of a critical approach that allows individuals to interact with information through a mediating process of information reoriented for a communicative reason, urged on a linguistic consensus accepted by a community of users. Result: We present the thematic representation of information as the way in which information mediation takes place, associating the technical process of thematic representation of information to the theory of communicative action. It is envisaged, in this way, to propose mediation of information that seeks linguistic consensus and interaction via communicative action as opposed to reason instrumentalized by capital. Reorienting actions via information mediation to raise awareness that lead the actors involved in the information processes to overcome the hegemonic view of capital, through the use of communicative reason, where the consensus established through a language that aims at common understanding in the systemic environment of the information units.

Keywords: Communicative action. Infotmation Mediation. Linguistic Consensus. Thematic Representation.

1  INTRODUÇÃO

Este artigo aborda o conceito de mediação da informação em Biblioteconomia via representação temática da informação, aqui percebida como a etapa do tratamento documentário com características que a permite mediar a informação no processamento técnico desenvolvido pelo profissional bibliotecário. O intuito é discorrer sobre a função mediadora da informação, presente nas ações de representação temática da informação, evidenciando no trabalho técnico do profissional bibliotecário a possibilidade de transmissão, mobilidade e interatividade com a informação, pensando assim o ato de mediar também por meio das regras e dos procedimentos técnicos que incidem no tratamento documental / informacional. Redigolo e Silva (2017) definem o tratamento documentário como “[...] a fase intermediária no ciclo informacional, visto que as operações fundamentais são: a produção, o tratamento ou organização, a recuperação, a disseminação e o uso da informação que por sua vez, poderá gerar uma nova produção” (REDIGOLO; SILVA, 2017, p. 52).

No âmbito da Ciência da Informação (CI) e, em especial, no campo da Biblioteconomia, vislumbramos que nas atividades da fase intermediária do ciclo informacional o componente linguístico representa uma possibilidade de compreensão da processualidade técnica biblioteconômica, orientada pela razão comunicativa com vistas a identificar confluências com a Teoria do Agir Comunicativo[3] (TAC), do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas.  Para tanto, realizamos pesquisa bibliográfica em bases de dados especializadas da CI, para análise dos conceitos de mediação da informação e sua aplicação nos processos de representação temática[4] e de quais contribuições a Teoria do Agir Comunicativo pode trazer ao conceito de mediação da informação em CI e Biblioteconomia.

Intentamos apresentar essas discussões de forma sumária, porém, destacando os principais elementos que ajudam a consubstanciar as formulações desenvolvidas, buscando os pontos de interseção entre o campo da representação temática da informação e o conceito de mediação da informação, na intenção de confluir tais conceitos com a TAC, associando-os pela via linguística. Esse objetivo é possível a partir do entendimento de que a TAC almeja que as ações comunicativas se erijam com pretensão de validade via consenso linguístico.

 

Nessa condição, a representação temática da informação se estabelece como mediadora da informação no campo da Biblioteconomia. Vislumbramos confluências entre a CI e a TAC pela constituição de uma via comunicativa com pretensão de validade entre o usuário, com necessidade informacional, e o conhecimento organizado pelos variados tipos de bibliotecas presentes em nossa sociedade. Nesse sentido, a biblioteca se estabelece como um lugar onde o conhecimento produzido e o sujeito com necessidade de informação buscam estabelecer consenso a partir da comunicação linguística, com pretensão de validade que se manifesta pela satisfação da demanda informacional do sujeito / usuário.

Sendo assim, as bibliotecas e os procedimentos técnicos biblioteconômicos podem incidir sobre as realidades a fim de transformá-las, pela autonomia que sua inter-relação com a informação lhes conferem. Por essa razão, entendemos que pelo processo de representação temática da informação essa potência mediadora é demonstrada, ficando evidente que nos saberes e fazeres da área biblioteconômica reside uma capacidade de agir comunicativo, singular.

 

2 MEDIAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO: ASSOCIAÇÕES COM A TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

 

Nessa seção abordamos os conceitos de mediação da informação no âmbito da CI associados à referencialidade teórica habermasiana, buscando evidenciar elementos presentes na representação temática da informação, como via técnica em que conflui TAC e os conceitos de mediação da informação aplicados à CI e mais detidamente à Biblioteconomia.

Para tanto, empreendemos pesquisa na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (Brapci) e no Repositório Institucional Digital do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (RIDI do IBICT). A intenção foi levantar as produções que trabalham com o conceito de mediação da informação e com a Teoria do Agir Comunicativo no âmbito da CI.

 Utilizamos na busca os descritores “mediação”, “informação”, “agir comunicativo” e “representação temática”. Na Brapci, nos campos título, palavras-chave e resumo, foram recuperados três itens num intervalo temporal que abarcou os anos de 2015 a 2017 ao relacionarmos tais descritores. No RIDI com os mesmos descritores e campos, foram recuperados um quantitativo de 24 resultados num intervalo temporal de 1993 a 2019. Interessa esclarecer que o intervalo temporal mencionado observa o resultado que foi recuperado na incursão nas bases de dados citadas. Após essa primeira busca, foi utilizado o critério de análise dos resumos e das palavras-chave, no intuito de identificar a presença dos conceitos de mediação da informação e de agir comunicativo de maneira aditiva e combinada. Foram selecionados dois artigos que atenderam ao critério estabelecido, são eles:  (In) formação como instrumento de mediação no âmbito do orçamento participativo, de Freitas e Melo (2015); e O agir comunicativo de Habermas em bibliotecas comunitárias: uma análise reflexiva sob a luz da mediação, de Cavalcante, Silva e Lopes (2017).

Percebe-se, por essa pesquisa nas bases de dados, que os estudos com foco em mediação da informação, associados à referencialidade teórica habermasiana são ainda pouco exploradas na CI, convertendo-se em campo profícuo para pesquisas orientadas pela TAC. Zattar e Montenegro de Lima (2013) afirmam que a escolha pela TAC propõe o entendimento a partir da relação discursiva com o outro e na perspectiva do mundo da vida, tendo em vista que as “[...] estruturas simbólicas de todo mundo da vida reproduzem-se sob as formas de tradição cultural, da integração social e da socialização – e esses processos só podem efetuar-se por meio do agir orientado para o entendimento mútuo” (ZATTAR; MONTENEGRO DE LIMA, 2013, p. 168).

Fundamentamos nossa perspectiva de mediação da informação em Almeida Júnior (2004). O autor nos diz que:

[...] mais do que a informação, o bibliotecário deve estar preocupado com a mediação dessa informação. Hoje, nossa reflexão aponta para a mediação – muito mais do que a informação – como o objeto principal da biblioteconomia e, portanto, do fazer do bibliotecário. Tendo a mediação como diretriz, como norte, como objeto, o bibliotecário pode alterar, pode transformar sua ação social, não a ideal, mas a real (ALMEIDA JUNIOR, 2004, p. 86).

 

Adotar a mediação como um norte ou como objetivo protagonista do bibliotecário não configura, entretanto, nenhuma quebra de paradigma ou ideia vanguardista na area. Antes, porém, configura uma aproximação com os saberes e com os fazeres próprios do campo biblioteconômico e com a TAC a partir do entendimento de que pelas linguagens e pelos vocabulários, nos interpretamos e explicitamos nossos sentimentos morais e estes não devem ser dogmáticos de tal forma a encerrarem os sujeitos apenas nessas realidades.

Desde a perspectiva conceitual da ação orientada ao entendimento, a racionalização aparece, antes de tudo, como uma reestruturação do MV, como um processo que atua sobre a comunicação cotidiana através da diferenciação do sistema de saber, afetando assim as formas de reprodução cultural, interação social e socialização (HABERMAS, 1987, p. 435).

 

Nesse sentido, a associação com a TAC contribui para a fundamentação da ideia de mediar a informação em CI, via representação temática. Habermas (1987) sugere em sua teoria que “[...] o mundo da vida acumula o trabalho de interpretação realizado por gerações passadas; é o contrapeso conservador contra o risco de desacordo que comporta todo processo de entendimento” (HABERMAS, 1987, p. 104). Assim, a TAC intenta uma interação entre os partícipes da ação comunicativa em que se pacifiquem motivações do plano individual e busquem, no fim, consensos linguísticos. Tais consensos ocorrem a partir de atos de fala, nos quais os falantes manifestam suas pretensões de validade suscetíveis a críticas, ou seja, suscetíveis ao contra-argumento e a contestação para, finalmente, chegar ao entendimento.

Aproxima-se a TAC da representação temática da informação dado a esse interesse de, pela via comunicativa, buscar construir uma definição comum e estabelecer um consenso para um determinado assunto. No processo de representação temática, o bibliotecário intenta extrair de um determinado documento os termos que melhor caracterizam o conteúdo ali expressado e, definida a seleção dos termos, se efetiva por meio de palavras-chave, descritores e resumos. Logo, o bibliotecário, por meio de sua pragmática busca estabelecer-se como um elo facilitador do consenso entre o autor e o sujeito com necessidade informacional, atuando assim na mediação da informação a partir de consenso linguístico, trazendo para a biblioteca a perspectiva de converte-se numa esfera pública[5] na qual:

Sob o aspecto funcional do entendimento, a ação comunicativa serve à tradição e à renovação do saber cultural; sob o aspecto de coordenação da ação, serve à integração social e à criação de solidariedade; sob o aspecto da socialização, finalmente, serve à formação de identidades pessoais (HABERMAS, 1987, p. 196).

 

Assim, a associação da pragmática biblioteconômica, por meio da representação temática e da mediação da informação, e da TAC abre ao campo da CI e Biblioteconomia a possibilidade de discutir o lugar das bibliotecas na construção de uma sociabilidade não subordinada aos meios: dinheiro e poder.[6]

A relação entre comunicação, ação e sistema em Habermas (1987, 1989, 2012) traz possibilidades teóricas e metodológicas, especialmente no que se refere à administração discursiva de organizações sistêmicas (aqui exemplificadas pela biblioteca) a serem exploradas pela CI, numa perspectiva de emancipação das consciências para as formas de racionalização do mundo da vida, como teoriza o autor.

 

3 LEITURAS DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

 

Partindo para análise dos artigos recuperados, verifica-se que em (In) formação como instrumento de mediação no âmbito do orçamento participativo (FREITAS; MELO, 2016), os autores intentam apresentar a informação, enquanto elemento da linguagem, como parte fundamental de mediação e como ação orientada pelo agir comunicativo para as práticas democráticas participativas, fundamentando a informação nas noções dos princípios da emancipação segundo Habermas (1989), quando se reporta à razão ética e à razão moral da ação comunicativa. “A informação como instrumento de mediação corrobora para a formação de uma consciência crítica que leva os atores sociais a reconhecerem a necessidade do estar e agir no mundo (eu e o mundo)”. (FREITAS; MELO 2016, p. 188).

Os autores compreendem que a informação, tanto pode ser percebida como o próprio elemento mediador “[...] ao se constituir em elemento de mediação (vetor) que contribui para a formação de uma consciência cidadã [...]”, como também ser pela linguagem “[...] capaz de corroborar para reproduzir práticas de comunicação e informação não condizentes com os princípios da democracia [...]” (FREITAS; MELO 2016, p. 188). Ao passo em que os indivíduos orientam suas ações para uma interação social consensual pela ação comunicativa,

[...] a informação só adquire validade (fundamento) para o processo de aprendizagem (formação de novos padrões de mediação) quando passa a comportar elementos de um sistema de signo (linguagem), que por meio de uma racionalidade (procedimental) estabelece um ambiente propício para o compartilhamento intersubjetivo da informação, que retorna na forma de significação (conhecimento) para os atores sociais que participam do processo informacional (FREITAS; MELO 2016, p. 189).

 

Ao propor uma proximidade com a referencialidade teórica habermasiana, buscam os autores

[...] uma abordagem teórica válida para a informação constituir um instrumento que subsidia a mediação, enquanto ‘discurso’, entre o Estado ↔ cidadão ↔ sociedade, isto é, refere-se à proposta de construção de um ”contexto informacional” propício (ideal) para que ocorra a razão comunicativa [...] (FREITAS; MELO 2016, p. 189).

 

Compreendem ser pela via da representação da informação, que se estabelece essa ambiência propícia para o compartilhamento intersubjetivo da informação, na perspectiva de mediação perpassada pela organização sistêmica. Freitas e Melo (2016) abordaram, embora sem citar os saberes e fazeres biblioteconômicos de forma explícita, um conceito de mediação que seja suportada pela informação num contexto informacional, orientado pela razão comunicativa.

 Já os autores Cavalcante, Silva e Lopes (2017), propõem uma leitura da Teoria da Ação Comunicativa orientada para o consenso entre os atores sociais de determinada comunidade. A consensualidade ocorrerá pela busca de um processo comunicativo sem ruídos e interpelações, produzindo igualdade de condições informacionais, o que resultará num processo de envolvimento entre o indivíduo e o conhecimento, sendo esse o produto da comunicação em si. A partir das ações de mediação da informação desenvolvidas pelo profissional bibliotecário esse processo é possibilitado dentro do contexto da biblioteca comunitária, objeto estudado nos limites do artigo apresentado pelos autores.

Nessa perspectiva, a ação comunicativa deve alicerçar as construções sociais orientadas para o entendimento mútuo entre os diversos atores sociais, por meio de uma racionalidade comunicativa. No entanto, essa racionalidade comunicativa não pode ser explicitada via pragmática biblioteconômica, por meio do tratamento documentário e do processo de representação da informação, orientando-as para o entendimento recíproco.

Embora os autores não explicitem que tratarão da representação temática da informação, apresentam a indexação como forma de mediação no campo biblioteconômico, ao trabalharem a noção de exaustividade fazem ecoar entendimento de Wiener (1991) lido em Pignatari (2003):

Não é a quantidade de informação emitida que é importante para a ação, mas antes a quantidade de informação capaz de penetrar o suficiente num dispositivo de armazenamento e comunicação, de modo a servir como gatilho para a ação (WIENER, 1991, apud PIGNATARI, 2003, p. 14).

 

Afirmam que pela exaustividade, apenas, não se pode garantir eficácia na revocação dos resultados obtidos em uma busca. Para entender de que forma se qualifica o conteúdo recuperado, é necessário compreender a máquina administrativa da instituição para traçar requisitos de avaliação posterior. Portanto, é fundamental que a biblioteca disponha de quadro técnico qualificado para correta aplicação da pragmática biblioteconômica. O que os autores não reconhecem é que na área biblioteconômica os princípios da classificação não são absolutos. Lancaster (2004) afirma que nos fatores que influenciam uma política de recuperação da informação,

A principal decisão política diz respeito à exaustividade da indexação, a qual corresponde, grosso modo, ao número de termos atribuídos em média.  A indexação exaustiva implica emprego de termos em número suficiente para abranger o conteúdo temático do documento de modo bastante completo. [...] As decisões de política, no que se refere à exaustividade, não devem assumir a forma de limites absolutos à quantidade de termos atribuídos. [...] ademais, indexação exaustiva redundará em menor precisão das buscas (LANCASTER, 2004, p. 27).

 

Cavalcante, Silva e Lopes (2017) afirmam que a simples existência de um maneirismo sistêmico e tecnicista dentro da biblioteca não significa que a máquina administrativa funcione corretamente, pois no “[...] resultado do trabalho, será sempre o fator humano que imperará na entrega dos serviços” (CAVALCANTE; SILVA; LOPES, 2017, p. 538). Assim, apenas o tratamento da informação por meio da sua representação temática não constitui mediação da informação, posto que, deve-se considerar o fator humano como elemento imponderável no processo de interação social. 

Os autores seguem a argumentação afirmando a primazia do bibliotecário no universo da biblioteca comunitária, na mediação da informação servindo como “[...] intermediário entre o interagente e a sua necessidade informacional” (CAVALCANTE; SILVA; LOPES, 2017, p. 539).

Contudo, deve-se levar em conta que uma biblioteca comunitária não exerce apenas sua função austera de disseminar informação, mas, por pressuposto, expande sua atuação para atividades de promoção cultural, incentivo à leitura, acesso à tecnologia, difusão da ludicidade, entre outras.  Diante disso, o mediador agrega um caráter propulsor ao funcionamento da máquina administrativa da organização (CAVALCANTE; SILVA; LOPES, 2017, p. 539-540).

 

Intentam Cavalcante, Silva e Lopes (2017), distinguir o conceito de mediação da informação orientada pela razão comunicativa dos saberes e fazeres biblioteconômicos aplicados às bibliotecas comunitárias que necessitam na perspectiva dos autores “[...] passar por algumas reflexões acerca do fazer biblioteconômico. Os procedimentos mecanicistas existem para automatizar os serviços, mas é imprescindível que se questione até que ponto a sistematização é obrigatória” (CAVALCANTE; SILVA; LOPES, 2017, p. 540).

A argumentação prossegue no sentido de atribuir à representação temática da informação, aspectos tecnicistas na tentativa de afastá-la do conceito de mediação da informação orientada pela ação comunicativa:

O mediador deve ser capaz de identificar este tipo de particularidade, e, então, trabalhar para atender as demandas da biblioteca. A ação comunicativa de Habermas, doravante, reflete-se no consenso social de que a linguagem natural é mais acessível que a linguagem documentária no universo de uma comunidade plural. As metamorfoses empregadas no trabalho de mediação terão resultados a longo prazo, quando, enfim, a biblioteca comunitária passar, factualmente, a contribuir para a emancipação de seus interagentes (CAVALCANTE; SILVA; LOPES, 2017, p. 540).

 

A aproximação da TAC com conceito de mediação da informação não supõe deslocar do eixo central das discussões da CI e Biblioteconomia os processos de organização da informação e elaboração de sistemas de organização da informação, ao contrário, a aproximação deve propiciar melhor entendimento das questões inerentes a linguagem e às suas apropriações pela via comunicativa no entendimento coletivo:

O processo de “colonização do mundo da vida” implica na substituição da regulação social mediada pela interação linguística, pela regulação do poder e do dinheiro, do Estado e da economia. Em função da centralidade da interação linguística na práxis social, a ação comunicativa é um constructo que integra múltiplas visões de mundo e de indivíduos, e essa multiplicidade é relevante para a compreensão do fenômeno organizacional (ZATTAR; MONTENEGRO DE LIMA, 2013, p. 167).

 

Atribuir às diferenças socioeconômicas, maior importância que as discussões lingüísticas presentes no processo de representação temática da informação, contribuem antes, para o processo de racionalização do mundo da vida pelos meios, dinheiro e poder, que para a superação dessa racionalidade como modelo hegemônico. Para Habermas (1989) o agir comunicativo é uma atividade racional e intersubjetiva e são os símbolos de linguagem que atuam na mediação orientando-as, necessariamente, por normas numa definição de expectativas recíprocas de comportamento que são tidas como válidas. E tais normas devem ser reconhecidas, por pelo menos dois atores desse processo comunicativo.

Habermas (1989) propõe uma reorientação da racionalidade imposta pelos meios, dinheiro e poder, sobre o mundo da vida para uma racionalidade comunicativa que objetiva, coordenar suas ações pela via do entendimento comunicativo, possibilitando consenso entre os atores sociais, por meio do conjunto de regras já existentes.  

Para Guimarães (2008), a organização da informação constitui-se em mediação da informação à medida que, propicia a interlocução entre os variados contextos de produção, uso e disseminação da informação. Assim a ideia de ação comunicativa trabalhada pelos autores dos artigos recuperados com base nos critérios de busca descritos acima, pode ser definida como uma ação para a produção de consenso dos diversos atores sociais por meio de uma racionalidade lingüística, todavia, há divergência quanto ao entendimento de que pela pragmática biblioteconômica possa se estabelecer ações de mediação via o consenso lingüístico. 

 

4 REPRESENTAÇÃO TEMÁTICA DA INFORMAÇÃO COMO MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO

 

A representação temática da informação é um processo técnico da biblioteconomia e, nos limites desse artigo, defendemos que a mediação da informação se perfaz pela pragmática biblioteconômica. Associá-la a uma perspectiva orientada pela ação comunicativa propicia aos atores sociais envolvidos com as trocas comunicativas e informativas o desenvolvimento crítico das consciências.

Percebendo o conceito de mediação da informação na perspectiva dos autores Almeida Junior e Bortolin (2008), como toda ação de interferência realizada pelo profissional da informação. Complementando essa idéia, Almeida Júnior (2008) afirma que a Mediação da Informação

[...] não está restrita apenas às atividades relacionadas diretamente ao público atendido, mas em todas as ações do profissional bibliotecário, em todo o fazer desse profissional. A mediação estaria presente, de maneira não explicita, na seleção, na escolha dos materiais que farão parte do acervo da biblioteca, em todo o trabalho de processamento técnico, nas atividades de desenvolvimento de coleções e, também, no serviço de referência e informação. (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 46).

 

A capacidade mediadora dos profissionais da informação se faz necessária considerando os complexos movimentos de conectividade dos indivíduos, sendo necessário solidificar os acessos às bases de conhecimento local e às demais fontes de informação e conhecimento disseminadas na sociedade contemporânea.  Na perspectiva de Bicheri (2008), a mediação da informação incide a todo o momento, em diferentes lugares e situações, abarcando diferentes objetos e sujeitos.

A mediação envolve a ação de alguém que interfere por algo ou por um outro; implicando em vários caminhos, opções e escolhas. Constatamos que na mediação alguém está entre duas ou mais pessoas/coisas, facilita uma relação, serve de intermediário, sugere algo, sem agir pela pessoa ou lhe impor alguma coisa (BICHERI, 2008, p. 93).

 

A CI e a Biblioteconomia se ocupam e se preocupam, conforme definição de Smit e Barreto (2002) “[...] com os princípios e práticas da criação, organização e distribuição da informação desde sua criação até sua utilização, e sua transferência ao receptor em uma variedade de formas, por meio de uma variedade de canais” (SMIT; BARRETO, 2002, p. 17-18). Portanto, organizar de forma plural e abrangente e disseminar de forma eficiência o conhecimento registrado é uma das razões pelas quais se estuda cientificamente a informação.

No âmbito da indexação em ambientes sistêmicos, como uma biblioteca, Lancaster (2004) afirma que “[...] o indexador descreve seu conteúdo ao empregar um ou vários termos de indexação, comumente selecionados de algum tipo de vocabulário controlado [...]” (LANCASTER, 2004, p. 6). Pela pragmática biblioteconômica de representar tematicamente a informação, propõe-se uma forma de organização, armazenamento, disseminação, acesso e recuperação da informação e esse processo propicia uma forma de mediação da informação pela busca de um consenso lingüístico entre os atores atuantes nesse ambiente sistêmico. O uso dessas linguagens, enquanto instrumento de representação e recuperação da informação, permite a comunicação entre o documento, a informação e o usuário (JESUS, 2002, p. 4)

 O processo de representar o conteúdo tematicamente e, por meio, de uma linguagem controlada buscar a recuperação da informação, não se constitui em via pela qual desigualdades são reforçadas, ao contrário, ocupa-se de uma sistematização capaz de prover melhor organização e usabilidade das informações.

[...] o conjunto de termos estruturados numa linguagem particular pós coordenada em sua forma e conteúdo, é que permitirá gerar novos termos e/ou alterar significados já existentes, que garanta ao pesquisador no processo de busca e seleção da informação e do documento, encontrar a resposta de que necessita numa linguagem padronizada e de qualidade. (JESUS, 2002, p. 4)

 

Essa relação que almeja a organização e usabilidade da informação é que compreendemos como consenso lingüístico alcançado pela mediação expressa na pragmática biblioteconômica via representação temática da informação. Sendo possível estabelecer, restabelecer, atribuir sentidos a informação, a partir, de uma metalinguagem, compreendida e construída por todos os participantes num processo de consenso pelo agir comunicativo, formando um sistema de informação, logicamente ordenado, para atender às necessidades de informação em dada comunidade

Nesse sentido, representar tematicamente a informação propicia uma abordagem generalista e distintiva, simultaneamente, fruto de uma ação comunicativa desenvolvida pelos atores imbricados nesse processo de organização, disseminação e uso da informação, sendo a associação com Habermas (1989) frutífera nesse momento, pois, a partir do agir comunicativo, podemos pensar a representação temática da informação por um paradigma intersubjetivo e comunicacional e com potencial para reorientar as percepções sobre a função das bibliotecas na sociedade contemporânea.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Propor a representação temática da informação como via mediadora da informação não se trata, necessariamente, de uma novidade em CI. Classificar, representar e organizar a informação são, essencialmente, ações desenvolvidas pelo profissional bibliotecário para mediar a informação. Desde sua produção passando pela organização, disseminação e uso da informação. Todavia, não há consenso quanto à capacidade de pela pragmática biblioteconômica – neste artigo, destacadamente pelo processo de representação temática da informação – se estabelecer como mediadora da informação.

Há leituras que consideram a tecnicidade da CI um impedimento para a mediação da informação, uma vez que usam uma linguagem controlada e um sistema de organização da informação pouco atentos as pujantes formas de interação com a informação no meio natural, o que torna as trocas comunicativas circunscritas em uma ambiência que condiciona aos atores interagentes a necessidade de conhecimento prévio da linguagem utilizada nesse ambiente sistêmico. Como vimos em Cavalcante, Silva e Lopes (2017), evocando a teoria do agir comunicativo, afirmam que o tratamento técnico da informação não constituiu mediação, uma vez que desconsidera o relacionamento humano como elemento imprescindível no processo de interação social.

Todavia, uma leitura atenta da teoria habermasiana demonstra um esforço para que as interações se estabeleçam por uma relação de paridade possibilitada pelo consenso comunicativo. Permite-se, desta forma, pensar a mediação da informação instada por uma atividade racional e intersubjetiva que pelos símbolos de linguagem, orientam num ambiente sistêmico as normas comunicativas, numa definição de expectativas recíprocas de comportamento que são tidas como válidas e devem ser reconhecidas por uma comunidade de usuários.

Nessa perspectiva, apresenta-se a possibilidade de troca informativa reorientada no ambiente sistêmico – nos limites desse artigo evidenciado pela ambiência da biblioteca, contudo, tal troca também ocorre em arquivos, museus, e outras unidades de informação - por uma razão menos ocupada com o imposto pela racionalidade capitalista, que coloniza o mundo da vida[7] com imperativos que contribuem para uma relação de consumo da informação que esvazia as potencialidades transformadoras das interações informacionais, enquanto força motriz do conhecimento, ao transformá-la em mero produto de consumo pelo processo de reificação, presente nas relações colonizadas pelos meios, dinheiro e poder. 

Intentamos demonstrar, ao contrário, que a representação temática da informação ao se orientar segundo a TAC tem potencial de incidir sobre os atores envolvidos nos processos informacionais proporcionando um uso da informação reorientado pelo paradigma intersubjetivo e comunicacional, por meio da linguagem, apresentando-se como alternativa contra a racionalização do mundo da vida, numa busca por consensos lingüísticos mediados pela atuação do profissional bibliotecário.

 

REFERÊNCIAS

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BICHERI, A. L. A. O. A mediação do bibliotecário na pesquisa escolar face a crescente virtualização da informação. 2008. 197 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008.

 

CAVALCANTE, Katia Viana; SILVA DA, André Luiz Avelino; LOPES, Felipe Vlaxio. O Agir Comunicativo de Habermas em Bibliotecas Comunitárias: uma análise reflexiva sob a luz da mediação. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, ano 2017, v. 22, n. 3, p. 534-547, 2017. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1365. Acesso em: 30.10.2019.

 

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[1] Especialista em Oratória Transversalidade e Didática da Fala na Formação de Professores. Mestrando em Ciência da Informação e Graduando em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

[2] Doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Brasília. Professora do Departamento de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Espírito Santo.

[3] Desenvolvida a partir das premissas Teoria do Agir Comunicativo, Consciência Moral e Agir Comunicativo de Jürgen Habermas. Juntas concebem o cerne da Teoria Comunicativa como um paradigma da comunicação, da intersubjetividade, da ação comunicativa, contraposta ao sistema (dinheiro e poder).

[4] Ao referirmo-nos aos processos de representação temática, tomamos como base o Encontro de diretores de escolas de Biblioteconomia e Ciência da Informação (ENCONTRO, 2002). Nesse encontro os conteúdos relativos à representação do conhecimento obedecem a seguinte sistematização:  processos  (análise, representação e condensação); produtos (índices e resumos) e instrumentos (classificações, listas de cabeçalhos de assunto, tesauros, terminologias e ontologias).

[5] Esfera Pública como uma esfera social, da qual podem emergir práticas discursivas da opinião pública e da vontade política. É na Esfera Pública que as redes entre o sistema político e os setores privados do Mundo da Vida, se apresentam em uma rede “[...] supercomplexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas” (HABERMAS, 2012, p. 108)

[6] Componentes da esfera sistêmica da sociedade, considerados inférteis do ponto de vista da interação da vida autônoma, que por sua vez permite ao sujeito, senhor de si, experimentar o outro numa simbiose propiciada unicamente pelo livre exercício da interação por meio da linguagem.

[7] Esfera do mundo onde as relações humanas acontecem por meio unicamente da interação comunicativa dos cidadãos.