O PAPEL DA INFORMAÇÃO E AS VERTENTES DO PODER: UM BREVE MANIFESTO A FAVOR DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA

 

Tatiely Mayara de Oliveira Neves[1]

UFBA

tatielymon@hotmail.com

Hildenise Ferreira Novo[2]

UFBA

denisenovo@gmail.com

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Resumo

A informação e o poder exercem influência na sociedade, pois um retroalimenta o outro, visto que ambos fazem parte do desenvolvimento das sociedades. No decorrer da história brasileira, avanços e retrocessos motivados por esses dois aspectos, agregados à precarização da educação pública, transformaram a realidade do país. O objetivo deste estudo é discutir sobre a relevância dos pesquisadores que se dedicam em prol do desenvolvimento científico e tecnológico, que resistem às estratégias econômicas governamentais, especialmente quando os investimentos em Ciência e Educação são precários ou priorizam privilegiar apenas algumas áreas do conhecimento. Logo, este trabalho se configura como um ensaio dialógico, a partir da revisão de literatura, se propõe a: fomentar discussões a fim proporcionar possibilidades para a Ciência da Informação, aliada a uma perspectiva mais social; atuar por meio do diálogo entre informação e poder; e, por fim, compreender os reflexos na sociedade contemporânea, assim como as repercussões nos rumos da Educação, da Ciência e do progresso em geral do país.

 

Palavras-chave: Informação e Poder. Ciência. Educação Pública. Política.

 

 

THE ROLE OF INFORMATION AND STRENGTHS OF POWER: A BRIEF MANIFEST IN FAVOR OF EDUCATION AND SCIENCE

 

Abstract

Information and power exert influence in society, since one feedback the other, since both are part of the development of societies. In the course of Brazilian history, advances and setbacks motivated by these two aspects, aggregated to the precariousness of public education, transformed the reality of the country. The objective of this study is to discuss the relevance of researchers who are dedicated to the scientific and technological development, which resist government economic strategies, especially when investments in science and education are precarious or prioritize only a few areas of knowledge. Therefore, this work is configured as a dialogic assay, from the literature review, proposes to: foster discussions in order to provide possibilities for the science of information, combined with a more social perspective; Act through the dialogue between information and power; And finally, understand the reflexes in contemporary society, as well as the repercussions on the directions of education, science and progress in the country.

 

Keywords: Information and power. Science. Public education. Policy.

 

1 INTRODUÇÃO

 

No momento político vivido desde o ano de 2019, testemunhamos o descaso governamental com as universidades públicas e sentimos, direta e indiretamente, como isso afetou não somente a educação, mas também o desenvolvimento científico do Brasil, o que vem nos causando preocupação e evidencia um alerta à área da Ciência da Informação (CI). Isso porque para a CI há ainda o imperativo da responsabilidade social, isto é, a informação como um objeto social é historicamente construída por meio de paradigmas socioculturais e políticos. Desse modo, este texto se caracteriza como um ensaio no qual se pretende fomentar discussões acerca das perspectivas sociais que enlaçam a informação e o poder, demonstrando como isso pode impactar o progresso no âmbito social do Brasil atual.  

A predileção pelo governo para com as “ciências duras” e a iniciativa privada e ainda a desqualificação para com as ciências humanas, somada às medidas que descentralizam verbas para pesquisas, comprometem a continuidade do desenvolvimento de pesquisas e pessoas no campo científico. Além disso, constituem uma ameaça real à gratuidade do ensino no País, confirmando, assim, de certa forma, o projeto de elitização do conhecimento. Esse processo pode ser observado por meio de reflexões pertinentes sobre as percepções do poder na educação, as quais são discutidas por Bourdieu (2003). Sendo assim, nos questionamos: o que acontece quando se negligencia a educação? Como aliar desenvolvimento científico e tecnológico quando o investimento em pesquisa é precário ou privilegia somente algumas áreas do conhecimento?

A mercantilização da educação reflete-se no Brasil atualmente reforçada por técnicas de manipulação da informação que asseguram o poder estatal, o qual é defendido por estratégias econômicas em detrimento do desenvolvimento científico e tecnológico. Diante disso, este texto pretende-se valer das contribuições de Silveira (2000), Araújo (2018a, 2018b) e dos autores Bezerra, Schneider e Saldanha (2019) compreendidas pelo entendimento de mercadoria de Marx ([1867?]).

A informação científica é configurada neste estudo como um objeto valioso, produto da força do trabalho intelectual humano especializado de profissionais que não são muito conhecidos pela população em geral, como é o caso dos (as) cientistas e pesquisadores que muitos colaboram para o desenvolvimento do país.

O contexto recente da história brasileira, expresso por dados sobre expansão na produção industrial, as despesas quanto à Pesquisa & Desenvolvimento sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e os contingenciamentos das despesas orçamentárias da União, aliados às informações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), auxiliam na compreensão de um debate que tem, por um lado, o foco na estratégica econômica e, por outro, a luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

São direitos previstos na Constituição Federal de 1988 o direito à educação e o acesso à informação. No entanto, apesar de constarem como direitos fundamentais na Carta Magna, não são cumpridos na prática. O desmonte à educação tem afetado a produção da Ciência, que luta para sobreviver em um período de negacionismo e obscurantismo propagados por ações desconexas realizadas pelo Ministério da Educação brasileiro. Essas ações têm revelado uma gestão governamental caótica, o que pode ocasionar, a médio e longo prazo, um grave apagamento científico. Assim, se antes vivíamos um momento de expansão nas universidades e em cursos de graduação, mestrado e doutorado, hoje temos apenas o regresso em todos os níveis e o entendimento de consequências severas nada favoráveis para o futuro. Esse cenário pode causar uma desaceleração de pesquisas e, consequentemente, a depreciação de Programas e cursos no âmbito da Ciência da Informação.

Com essa preocupação, este texto encontra-se metodologicamente caracterizado por um ensaio e visa discutir aspectos fundamentais sobre informação e poder e seus reflexos na sociedade contemporânea. Em suma, objetiva uma discussão pautada em autores seminais e contemporâneos que vivenciaram, em suas trajetórias acadêmicas, momentos fundamentais que embasam o entendimento da atual situação do país, a qual reverbera nos rumos da Educação e da Ciência.

 

2 INFORMAÇÃO E PODER:  A TRANSFORMAÇÃO MANIPULADA DA REALIDADE

A díade formada por informação e poder ilustra vários episódios da história, não apenas aqueles que empoderam pessoas, constroem e desconstroem mártires, impulsionam revoluções e promovem desigualdades que parecem congênitas. Nos últimos anos, assistimos atentos à manipulação da informação em busca de poder, a qual pode até forjar eleições inventando suas próprias “verdades”. Os conteúdos mentirosos criados e replicados afetaram vários setores da sociedade de consumo a curto, médio e longo prazo, com consequências sem tamanho.

Brisola e Romeiro (2018) ilustram que, quando o poder econômico e o Estatal juntam-se ao poder das mídias e a outros propagadores de informação, há o favorecimento da aceitação de um modelo sistêmico e hegemônico imposto por essa mesma sociedade. Dessa maneira, a informação pode ser entendida como uma mercadoria valiosa. Concepção semelhante é encontrada no pensamento de Silveira (2000, p. 82), a respeito da concretização do exercício continuado do poder.

 

[...] faz-se fundamental dispor de meios de comunicação de massa comprometidos com a manutenção do ‘sistema’ e de um sistema educacional que perpetue o pensamento dominante, de forma que o condicionamento seja cada vez mais implícito que explícito [...]. (SILVEIRA, 2000, p. 82).

 

Nesse aspecto, um dos grandes meios de comunicação de massa, a internet, é movida por interesses, sobretudo, econômicos, os quais podem organizar essa “mercadoria”, disponibilizando aos usuários a seu favor, ou melhor, a serviço dos seus investidores, oferecendo mais visibilidade e recuperação garantida para a necessidade informacional que lhe é conveniente, como é bem colocado pelo teórico e professor Araújo (2018a). É um ponto interessante para ser refletido pela competência crítica da informação[3], embora não seja a pretensão de se debruçar com maiores detalhes neste texto. Entretanto, entendemos que a informação, quando qualificada, agrega poder com proporções econômicas, políticas e sociais.

 

[...] Assim, como os operários nas fábricas se deram conta da exploração que sofriam e se mobilizaram, já no início da revolução industrial, o cidadão comum, percebendo-se em sua realidade, a partir da Competência Crítica em Informação, se automobiliza e promove ou participa de mobilizações enquanto cidadão. (BRISOLA; ROMEIRO, 2018, p. 78).

 

Para Marx ([1867?]), o entendimento de mercadoria tem um caráter duplo, isto é, assume tanto a compreensão de valor-de-uso, como de valor-de-troca, ao ser assimilado pela conveniência de interesses provenientes de espaços com potencial democrático. A internet, por esse aspecto, encontra um campo de possibilidades diversas. Uma vez que a informação em sua utilidade torna-se um objeto, pode ser encarada como um produto do trabalho de seres humanos, pois existe de alguma forma uma força de trabalho em sua construção. A extensão do seu valor é respaldada na sua validade social, ou seja, se o valor é o resultado do trabalho, a sua extensão depende da qualidade do trabalho envolvido em sua produção. Isso posto, o tempo de trabalho socialmente necessário faz movimentar a engrenagem do sistema opressor, tal como já conhecemos.

Nesse aspecto, pode-se considerar também que:

 

Trata-se, afinal, de uma sociedade humana e humanos têm necessidades, muitas e plásticas, qualitativamente diferenciadas, enquanto o capital, essa lógica sistêmica totalitária de produção e realização da mais valia embutida em dado valor de troca na forma de lucro monetário, só tem uma: crescer. As necessidades humanas, sob tal regra em si implacável, devem ser satisfeitas somente na medida em que sua satisfação atenda ao imperativo último do sistema capitalista: a reprodução ampliada do capital. Restrições a esse imperativo serão políticas, culturais ou estéticas, mas não propriamente econômicas, nos termos estritos da lógica sistêmica em questão. (BEZERRA; SCHNEIDER, SALDANHA, 2019, p. 16).

 

Sob a perspectiva da argumentação dos autores, a ânsia por crescimento movimenta o terreno das necessidades despertadas no cenário do sistema capitalista. Conforme Bezerra, Schneider e Saldanha (2019), ao esmiuçarem o pensamento marxista, o significado de capital vai além da lógica sistêmica dominante que move as relações sociais sob o prisma do capitalismo, porque é um processo histórico sistêmico concreto e inconsciente que afeta as relações culturais e sociais como um todo e já tem demonstrado problemas em persistir na atual conjuntura mundial. O ponto que nos interessa para esta discussão diz respeito à manipulação do poder que gerencia a ciência produzida no país e às consequências advindas do seu desmonte, repercutindo na nossa realidade. Voltemos a nossa atenção ao ponto político dentro dessa lógica:

 

[...] O grau de autonomia de um campo tem por indicador principal seu poder de refração, de retradução. Inversamente, a heteronomia de um campo manifesta-se, essencialmente, pelo fato de que os problemas exteriores, em especial os problemas políticos, aí se exprimem diretamente. Isso significa que a ‘politização’ de uma disciplina não é indício de uma grande autonomia, e uma das maiores dificuldades encontradas pelas ciências sociais para chegarem à autonomia é o fato de que pessoas pouco competentes, do ponto de vista de normas específicas, possam sempre intervir em nome de princípios heterônomos sem serem imediatamente desqualificadas. (BOURDIEU, 2003, p. 22).

 

Alicerçada na discussão sobre a “politização” de áreas de conhecimento, a diversidade de campos científicos não pode se dissociar da sua importância como um potencial conhecimento para o indivíduo que dedica força de trabalho ao seu estudo. Contudo, a sua autonomia como campo, como assegurou Bourdieu (2003), muitas vezes, corre o risco de ser questionada a partir do seu retorno econômico para o país.

Um ponto que lembra a redução de investimentos em faculdades de ciências humanas diz respeito à fala do atual presidente do Brasil, quando afirmou que essas faculdades não geram “retorno tão imediato ao contribuinte, como as de veterinária, engenharia e medicina”, declaração feita por meio de um tuíte, em 2019. Todavia, a cientista política Danielle Allen, em uma entrevista à BBC News Brasil, rebateu a afirmação do presidente dizendo que “a capacidade de uma sociedade de alcançar uma boa governança depende de ciências humanas como ciência social e filosofia, ‘porque são estas disciplinas que fazem esse tipo de trabalho’”. (BARIFOUSE, 2019). Além disso, a cientista e professora da Universidade Harvard acredita que “[...] boas leis, instituições estáveis e estruturas de governança produtivas aumentam a riqueza de uma sociedade. Todos estes de conhecimentos têm resultados mensuráveis, nós apenas nos esquecemos de medi-los”. (BARIFOUSE, 2019).

Em contrapartida, as declarações do presidente e a postura do ex-ministro da Educação de seu governo evidenciam um plano de embranquecimento das universidades federais, ao privilegiarem somente alguns cursos e ignorarem outros da área das ciências humanas. “O acesso que as pessoas têm hoje a cursos como física, engenharia e medicina não é democrático e universal, porque são cursos com nota de corte alta e alto custo de manutenção durante o processo de formação”. (PASSARINHO, 2019).

Em matéria da BBC News Brasil, a diversidade racial de cursos é ressaltada diante dos dados do Censo Nacional do Ensino Superior de 2017, oriundo do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep). A matéria informa que “[...] os cursos de sociologia e filosofia têm 1 negro para cada 3 e 4 brancos respectivamente”, enquanto que “[...] áreas que devem receber recursos por trazerem ‘retornos imediatos à sociedade’, têm uma proporção de um negro para cada 16 brancos”. (PASSARINHO, 2019). Considerando que grande parte da população negra estudante é originária de escola pública, a trajetória escolar dessas pessoas é ilustrada não somente pelo recorte racial, mas também pelo de classe. No mesmo artigo, é também entrevistada a professora e diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Andreza de Souza Santos, que faz a seguinte alegação: “Uma redução de recursos na área de humanas, sem levar em conta o processo educativo desde a base, nas escolas públicas, terá como efeito elitizar o conhecimento a curto prazo, reduzindo negros e pobres nas universidades”. (PASSARINHO, 2019).

Assim, retomamos a discussão sobre os campos das ciências sociais, como o das ciências humanas, que é muito afetado dentro desse panorama de análise, pois, diferentemente de outras áreas do conhecimento, o retorno (econômico, cultural e intelectual) desse campo para o progresso do país não é imediato, apesar de ser mensurável. Lembrando que “[...] o campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações etc., que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve [...]” (BOURDIEU, 2003, p. 21).

No que se refere ao ponto político, por exemplo, na condição de ponto agregador de crise, a falência do neoliberalismo não é apenas um fato isolado. É fundamental pensar que o poder pode ter diversas fases com diferentes consequências para o mundo social. Sobre isso, as pensadoras feministas marxistas Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019, p. 47) pontuam que é: “[...] um momento de despertar político e uma oportunidade de transformação social. Em tempos de crise, as massas críticas da população retiram seu apoio a quem detém o poder. Rejeitando a política conservadora, buscam novas ideias, organizações e alianças [...]”. Isso revela que quando pessoas pouco competentes assumem cargos de poder podem auxiliar na potencialização de crises, mas as “massas críticas” estão atentas e anseiam por mudanças urgentes!

 

3 AS VERTENTES DO PODER E OS REFLEXOS NA SOCIEDADE

 

De fato, o terreno que atravessa as relações de poder se faz presente nas interações humanas em sociedades que priorizam o capital. Marcadores sociais estão visíveis para tipificar elementos que distinguem posições e experiências dos diversos tipos dos sujeitos sociais. Isso, no entanto, possibilita a abertura de espaços que podem oportunizar as dissimulações e a alienação para a manutenção das forças de quem está à frente nos holofotes do comando, e eles trabalham para manter o silêncio das “massas críticas”, especialmente as descontentes com a situação política.

 

Na sociedade moderna, em que há um condicionamento social para a crença nos valores democráticos e da livre iniciativa, sobram casos de manipulação do ‘mercado’ e de influências políticas por parte de grandes empresas. Apesar dessas restrições, admite-se que a prática do poder proporciona uma certa ‘organicidade’ à vida social, sendo encontrada em todos os tipos de sociedade. A simbiose entre o Estado e o poder, então, não é apenas inevitável, como também socialmente necessária, desde que o governo seja ‘legítimo e democrático’, mesmo com a prevalência das desigualdades no exercício do poder. (SILVEIRA, 2000, p. 80).

 

No atual momento, após passados mais de vinte anos, a assertiva de Silveira (2000) reflete totalmente a realidade. Presenciamos que a manipulação de informações ergueu governos de ilegítimos a fascistas. Apesar disso, a ligação entre “Estado e poder”, posta como inevitável e socialmente necessária, é da mesma forma perigosa. Sobre isso, a filósofa Tiburi (2019), aponta que há um perigo contido em discursos exteriorizados, especialmente, pela linguagem manifestada em planos simbólicos, pois isso acaba por tornar potente informações que podem ser condicionadas para que de certa maneira colaborem ao que a autora denomina de “delírios”. Como ela afirma, “[...] é algo que temos em comum que partilhamos, sob a qual sofremos juntos, e que também sustentamos juntos. No delírio coletivo em que vivemos atualmente. Falam a mesma língua, mas lhes falta uma dimensão”. (TIBURI, 2019, p. 39).

A mesma filósofa complementa a sua ideia ao discorrer que o poder é uma forma de delírio, pois submete o mundo à sua vontade. De igual modo, o delírio é uma vertente do poder, por ser de caráter fechado, suscetível a fazer o mundo girar em torno dele (TIBURI, 2019). Em compensação, de outro ponto de vista, totalmente diferente do exposto, há um esforço para um discurso bem articulado em fragmentar a ciência produzida em sua maioria em universidades públicas de ensino justificado pelo visível desmonte que acomete a educação pública brasileira.

 

[...] conhece relações de força, fenômenos de concentração do capital e do poder ou mesmo de monopólio, relações sociais de dominação que implicam uma apropriação dos meios de produção e de reprodução conhece também lutas que, em parte, têm por móvel o controle dos meios de produção e reprodução específicos, próprios do subuniverso considerado. [...] (BOURDIEU, 2003, p. 34).

 

Nessa linha de pensamento, é importante recordarmos o que Bourdieu (2003) esclarece sobre capital e poder. Para ele, o capital científico se distingue por dois tipos: o político, institucionalizado, que é aquele atado à ocupação notável em intuições científicas que detêm influência sobre meios de produção e reprodução específica em seus campos de atuação, capazes de angariar cargos e carreiras; e o prestígio individual, consagrado de acordo com o seu campo ou instituição, o qual independe do precedente e se expressa como um reconhecimento entre seus pares. Toda essa distinção certifica que a articulação do poder transposto no discurso do Estado, concretizado em medidas que comprometem a produção científica em prol da valorização da economia nacional, apenas colaboram para a fuga dos cérebros[4] dentro do território nacional.

 

4 INVESTIMENTOS EM CIÊNCIA: SÃO LUCRATIVOS?

 

A pesquisadora Maria Lídia Dias (2019) concedeu por e-mail entrevista on-line à Patrícia Facchin, através do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) sobre a sua experiência no Grupo de Automação Elétrica em Sistemas Industriais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (GAESI/EPUSP) com ênfase na Revolução 4.0, ou como preferirem chamar, na quarta revolução industrial na atualidade. Essa mesma pesquisadora faz uma análise dos dados de 2018 referente ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Um dos trechos que nos chama atenção é a afirmação de que:

 

Nossas exportações são compostas por atividades econômicas 41,08% não industriais, 23,3% de baixa tecnologia, 15,16% de média-baixa tecnologia, 16,23% de média-alta tecnologia e 4,24% de alta tecnologia. [...] Assim, com base nesses dados, podemos dizer que hoje as nossas exportações são de grande parte não industriais e compostas principalmente por atividades que apresentam um baixo coeficiente de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento - P&D. (DIAS, 2019).

 

Para autores e a autora como Marques, Roselino e Mascarine (2019), quando setores compartilham uma base comum com a ciência, as inovações que vierem a acontecer são respaldadas também na criação de novos paradigmas, e esses procesos, por fim, tornam-se também viáveis por propiciar avanços técnico-científicos para o país. As trajetórias tecnológicas são diferentes para os países em desenvolvimento, mas, de uma maneira geral, percebe-se que o esforço tecnológico requer uma interação com outros setores da economia a favor do desenvolvimento de um bem maior e coletivo para a sociedade.

No caso do Brasil, dados recentes do IBGE mostram que houve uma expansão na produção industrial de 7,0%, em maio de 2020, a mais elevada desde junho de 2018 (12,9%), reflexo do crescimento do ritmo produtivo depois das paralisações do movimento de isolamento social em função da pandemia de COVID-19. Por outro lado,

 

[...] mesmo com o desempenho positivo mais acentuado em maio, o total da indústria ainda se encontra 34,1% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011. Ainda na série com ajuste sazonal, permanece o comportamento de queda do índice de média móvel trimestral, com o total da indústria registrando recuo de 8,0% em maio de 2020 frente ao nível do mês anterior, mantendo a trajetória predominantemente descendente iniciada em outubro de 2019. (ESTATÍSTICAS..., 2020).

 

Também devido à pandemia o papel dos periódicos científicos tem sido de extrema relevância para o compartilhamento de estudos e formulação de estratégias para o controle da doença. A ciência e todas as etapas do desenvolvimento científico ganharam importância e popularidade para a população em geral, mesmo havendo um esforço para descredibilizar cientistas. Entretanto, o progresso esbarra principalmente nas decisões políticas.

 

Além das dimensões histórica, cultural, política e econômica, existe também uma dimensão científica. Existem hoje debates e discussões sobre os modos de produção, divulgação e avaliação da atividade científica, e uma das questões que se destacam é a da maneira como as diferentes partes do planeta atuam, se beneficiam e/ou são prejudicadas pelas práticas e protocolos atualmente existentes. [...]. (ARAÚJO, 2018b).

 

Sabine Riguetti, pesquisadora da Unicamp, colunista da Folha de S. Paulo e coordenadora da Agência Bori, em uma das mesas promovidas pelo Congresso Virtual da UFBA 2020[5], relatou que antes de ocorrer a pandemia o Brasil passava “por um momento anticiência em que cientistas tinham que vir a público falar que a terra não é plana e que vacinas são importantes”. A baixa formação científica da população, somada à pouca familiaridade dos cientistas de se comunicarem com pessoas que não são os seus pares, alavancou o papel da imprensa, principalmente pelo compromisso de levar informações acerca dos estudos produzidos, do tratamento e do desenvolvimento das vacinas para a Covid-19: “De repente a ciência virou o maior foco. Várias instituições de pesquisa e cientistas estão sendo mencionadas em jornais. Isso é histórico”, expôs a pesquisadora-jornalista na discussão on-line sobre a expansão da divulgação científica na pandemia de Covid-19.

Voltando-se ao contraste que remonta ao desempenho da intensidade tecnológica das exportações brasileiras, o empecilho está na falta de investimento em ciência e tecnologia, porém, nas palavras da Maria Lídia Dias (2019), “se deve mais a deficiências na estrutura institucional do país e na educação”. Como consequência para essa lamentável realidade tem-se: “[...] o Brasil perder a oportunidade de se colocar como um país produtor e exportador de tecnologia, e reduzir as chances de inserção de mão de obra no mercado de trabalho” (DIAS, 2019). Na mesma entrevista, a pesquisadora destaca que há setores como o Agronegócio e a Saúde que investem em ciência e tecnologia.

 

5 E A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO?

 

O professor e pesquisador Araújo (2018a), ao se referir sobre a distribuição informacional, recorda que há a prominência de implicações no caráter do poder. Araújo (2018a) elucida que as tecnologias da informação e redes de computadores propiciaram a propagação de diferentes mídias que convergiram para formar modelos híbridos. Além disso, os benefícios da evolução tecnológica refletem diretamente nas relações que os indivíduos mantêm para com a informação no que se refere ao acesso. 

Por outro ângulo, em relação à atenção da Ciência da Informação, Caldeira (2019) traz à tona a mobilização por uma democratização de acesso à informação qualificada, ressaltando, assim, a ciência aberta e o seu vínculo aos periódicos, que como se sabe é um dos principais expoentes para a comunicação científica em geral.

Até mesmo o próprio conhecimento científico “em diversos momentos, movimentos e propostas de uma alteridade, uma especificidade, foram propostos como forma de se propor questionamentos aos pensamentos estabelecidos, colocar em dúvida modelos hegemônicos, subverter ordens, promover deslocamentos [...]”. (ARAÚJO, 2018b). Essa constatação entra em conformidade com o que Caldeira (2019) reitera, posto que para ambos existe uma necessidade de debater a sobre a valorização das universidades públicas e o financiamento oriundo das agências públicas de fomento, pois tanto uma quanto a outra foram renegadas no percurso da história recente do país.  

 

[...], portanto, a reflexão sobre ciência aberta (que traz em seu bojo o desejo de um conhecimento cujos resultados impactem positivamente e da forma mais rápida possível na vida das pessoas) é também uma reflexão política e que deve se estabelecer sobre dois pilares. O primeiro deles é o da valorização e do reconhecimento da universidade pública como espaço em que se produz um conhecimento científico, legítimo e socialmente relevante em todas as suas áreas. O segundo, indissociável do anterior, perpassa o entendimento de que as atividades de ensino e de pesquisa só ocorrem se acompanhadas da garantia de autonomia e de livre pensamento para a comunidade científica. (CALDEIRA, 2019, grifo nosso).

 

O investimento em pesquisas sofreu (e ainda sofre) vários cortes econômicos devido ao atual cenário político, entretanto, é interessante ressaltar que essa crise científica teve início em 2015, mas, logo após o Golpe Político de 2016, agravou-se. Os cortes orçamentários praticados indiscriminadamente iniciados nesse período trouxeram consequências que preocupam tanto o futuro da educação pública quanto da ciência no país. Pode-se ainda mencionar que, em 2022, as bolsas de pesquisas tanto da Capes quanto do CNPq completaram nove anos sem reajuste, representando uma redução de 66,6%, devido à inflação. Além disso, essa precarização é ainda mais acentuada pela escassez das bolsas e das verbas adicionais para estudos científicos a cada ano. Esses dados podem ser visualizados por um gráfico produzido e disponibilizado pelo jornal digital Nexo (2022)[6].

Ademais, há uma outra preocupação. Será que a informação tem se relacionado com a esfera pública de modo a proporcionar condições de envolvimento e participação por meio do acesso? (ARAÚJO, 2018a). Esse acesso tem sido democrático e atende às necessidades de quem o procura? Esse é um questionamento que inquieta o campo da Ciência da Informação e suscita uma discussão para ser pesquisada em estudos posteriores.

Como vem sendo posto por estudiosos (as) e pesquisadores (as) das mais variadas correntes ideológicas, a Educação é forte aliada para o desenvolvimento da ciência e tecnologia de qualquer nação que almeja crescimento, seja ele econômico, científico ou tecnológico. No entanto, para efetivar esse avanço é preciso investimentos e valorização das universidades públicas, como Caldeira (2019) já alertara, apesar do momento crítico ser o atual, com a preocupante diminuição dos números de bolsas de pesquisa, o que prejudica o desenvolvimento de projetos desta natureza. Alguns dados causaram alarde, por exemplo:

 

O orçamento total previsto para o MCTIC na última versão do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2020) apresentado pelo GOVERNO é de aproximadamente R$ 13 bilhões, 15% menos do que os R$ 15,3 bilhões aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano[...] cerca de R$ 5,1 bilhões (39%) estão alocados como ‘reserva de contingência’[...]. (ESCOBAR, 2019).

 

A comparação feita pela assessora Mariana Mazza, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ilustra o artigo de Escobar (2019), no Jornal da USP, pode ter sofrido algumas alterações na versão final da análise orçamentária. Mesmo assim, merece atenção. A seguir, expomos no Quadro 1.

 

 

 

 

 

 

 

Imagem 1 – Estimativas de dispêndios em P&D para a Capes, o CNPq e o FNDCT (2000-2020)

Fonte: retirado de Koeller (2020).

 

Já a analista em planejamento e orçamento Priscila Koeller, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), traçou estimativas quanto ao dispêndio em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) utilizando dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), juntamente com instituições que têm por base políticas de P&D, por terem uma fatia maior no orçamento investido pelo Governo Federal, excluindo a pós-graduação. Na Imagem 01 exposta anteriormente podemos observar possíveis comportamentos dos investimentos. Nota-se, por meio de uma observação superficial, que há uma perceptível previsão de redução orçamentária dentro dos três cenários imaginados pela analista.   

De maneira resumida, compreende-se que a elaboração de uma Política Nacional de Inovação vislumbra algumas posibilidades. No primeiro cenário, que é pouco provável, mas preferível, diante da necessidade de aumento da produtividade para a economia, pode ocorrer uma maior competitividade no mercado internacional, uma vez que nesse cenário todos os recursos destinados ao FNDCT, ao CNPq, à Capes no PLOA de 2020 estariam disponíveis para a execução. No segundo cenário, são descontadas as reservas de contigência, se os recursos das reservas não puderem ser executados. Por fim, no terceiro cenário são descontados, além das reservas de contingencias, outros valores com relação a eventuais programações para a aprovação legislativa. (KOELLER, 2020).

 

Quadro 1 – Valores arredondados das propostas e das reservas de contingências para o orçamento 2020

Instituição

Expectativa

Realidade

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculado ao MCTIC

1,3 bilhão

17,6 milhões

 

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC)

3,1 bilhões

 

Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) / Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep)

4,9 bilhões

4,3 bilhões

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)

3,8 bilhões

198 milhões

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde

4,2 bilhões

 

 

Fonte: adaptado de Escobar (2019).

 

No ano de 2019, especificamente, muitas bolsas de mestrado e doutorado da Capes foram massivamente cortadas. No ano seguinte, houve uma redução considerável dos recursos. Essa constatação impacta diretamente os programas de pós-graduação de todo o Brasil, visto que compromete o financiamento dos projetos de pesquisa e as suas atividades correlacionadas, isso sem mencionar a vida de quem se dedica em regime de exclusividade à pesquisa.

Ao se deparar com os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), ao analisar as principais pautas e desafios para a educação neste ano, no entanto, priorizaremos apenas dois aspectos, que são os investimentos públicos e privados na Educação e a questão do ensino superior, redução orçamentária e as mudanças na gestão nas universidades federais.

[...] A Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o chamado teto de gastos públicos, objetiva a redução estrutural das despesas públicas e já vem afetando o orçamento da Educação de maneira mais ampla. A participação do gasto público federal, em especial, sofre compressão pela necessidade dos gastos de outras áreas. (DIEESE, 2019, p. 9).

 

O explícito desprovimento de recursos é reflexo do “Novo Regime Fiscal” do governo. Em virtude disso, tem-se consequências percebidas na execução dos cortes nos gastos socias, que consequentemente recaiu na redução dos recursos repassados para as universidades federais (DIEESE, 2019). Tal fato apenas intensifica o prejuízo para a produção do conhecimento científico. Por outro enfoque, essas ações, juntamente com os ataques sistêmicos à educação, demonstram, de certa forma, uma repulsa do Estado pela autonomia que detêm as universidades públicas, assegurada pela Constituição.

A professora Ranieri (2020), em artigo para a Agência Bori, tece críticas no que tange às ações do ex-ministro da Educação quando ele estava à frente da pasta. Além da já conhecida hostilidade com a atividade acadêmica e com a área das Humanidades, a professora recorda que:

 

[...] num país de recente tradição acadêmica, é baixo o grau de entendimento da autonomia como condição inerente às atividades de ensino e pesquisa. A primeira lei que concedeu autonomia didática e administrativa aos institutos federais de ensino superior é de 1911 e antecedeu a própria criação de universidades no país. Desde então, a participação da comunidade acadêmica na eleição de dirigentes foi suprimida apenas entre 1915 e 1961 nas universidades federais. A edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 modificou o panorama com a previsão de autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar (art. 80), incluindo a elaboração de listas tríplices para escolha de reitor, o que foi mantido durante o governo militar na forma da Lei 5.540/68. (RANIERI, 2020).

 

Ranieri (2020), no mesmo artigo, conclui fazendo um alerta sobre como a questão política tem agido regulamentando a interferência do governo, que continua seguindo com episódios de descaso no campo da educação nacional, afetando, com muitos danos, o futuro das próximas gerações: “[...] Isso é crime de responsabilidade além de mostra de insanidade e falta de respeito com a sociedade brasileira”. (RANIERI, 2020).

Ademais,

 

Outro movimento mais recente é a proposta do “Future-se” – formalmente chamado de Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores – lançada em 2019, com o intuito de ampliar e diversificar as fontes de financiamento para instituições de ensino superior federais, permitindo a contratação de organizações sociais (OS) e fundações de apoio – estas, que já desenvolvem diversos projetos científicos e tecnológicos. (DIEESE, 2019, p. 11).

 

A questão do ensino superior, seja pelo problema de redução orçamentária, seja pelas possíveis mudanças na gestão nas universidades federais, tem na proposta do “Future-se” uma possibilidade de renegar a natureza pública das universidades e beneficiar a lógica do lucro da iniciativa privada. A quase unanimidade para a rejeição da proposta foi a resposta dos(as) reitores(as) ao Ministério da Educação.

Sobre os investimentos públicos e privados na Educação, recorremos ao Plano Nacional de Educação (PNE), que segue vigente (2014-2024) e que tem a intenção de elevar a qualidade e o acesso através da Meta 20, a qual prevê investimentos públicos em educação pública de forma a atingir, progressivamente, a meta de 10% do PIB, ao final da vigência do plano (2024). (DIEESE, 2019). Entretanto, observamos, pela Imagem 2, que o financiamento no ramo indicou que gastos públicos com as esferas do ensino demonstraram que a participação ainda é modesta da União, mesmo tendo um maior investimento aplicado na educação superior.

 

Imagem 2 – Investimento na Educação Pública no Brasil

Fonte: retirado do DIESSE (2019).

 

É evidente que é preciso de uma maior participação da União em todas as etapas do ensino, contudo, a crise da economia colaborou muito para que houvesse uma diminuição considerável nos valores a serem aplicados em setores essenciais para o desenvolvimento desse campo. O próprio contexto histórico do Brasil explica isso:

 

A partir de 2015, esse cenário começou a passar por mudanças. A crise econômica resultante em recessão, o alto desemprego, arrocho salarial, endividamento familiar, os altos juros praticados e a inadimplência atingiram fortemente a demanda, além da redução do orçamento para as políticas de crédito estudantil. (DIEESE, 2019, p. 8-9).

 

Em um passado não muito distante, relembramos que as políticas de expansão das universidades públicas federais ocorridas em governos anteriores contribuíram para a projeção das instituições de ensino e pesquisa, uma vez que promoveram a ampliação e democratização do acesso à educação de qualidade por uma população que, historicamente, não era comumente vista.  Nessa época, muitas pessoas tiveram a oportunidade de ter, pela primeira vez, um diploma universitário. De outra forma, isso também contribuiu para o progresso das instituições privadas de ensino, que estavam sob total influência dos subsídios fiscais governamentais de programas como Fies e ProUni.  

Deve-se levar em consideração que há pouco tempo uma reforma curricular do ensino médio, trazida pela Lei nº 13.415/2017, favoreceu a iniciativa privada na educação básica, caracterizada pelos grandes grupos educacionais, além da já conhecida Educação a Distância (EaD) em ambas as modalidades (DIEESE, 2019). O segmento público não consegue manter o crescimento que já tivera, e não é somente pela dificuldade financeira, pois existe também uma constante desvalorização dos docentes, falta de incentivo aos cursos de licenciaturas, entre outros problemas conhecidos pela maioria da população, que são atravessados por aspectos que envolvem a classe e a raça da sociedade brasileira.

Diante dos dados aqui relatados, estudos voltados para tratamento e difusão da informação em uma perspectiva social são necessários na Ciência da Informação. Afinal, conteúdos, informações e notícias veiculadas que versam sobre tais temáticas carecem de estudos que revelem a dimensão e as consequências políticas no controle informacional e comunicacional. Desse modo, são fundamentais pesquisas para o esclarecimento da sociedade contemporânea desse fluxo informacional e de suas nuances não reveladas.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Tendo como pressuposto a influência do poder sobre os rumos da educação no Brasil, diante da forma como vem sendo administrada a ciência e atacadas as universidades federais, é evidente que, a partir de uma observação de base marxista, o processo de precarização de ensino que está em curso, juntamente com o “embraquecimento” de cursos superiores, diminuem as oportunidades de determinados atores sociais, alavancando a de outros que sempre foram privilegiados pelas incoerências da história brasileira. Neste caso, prejudica-se sobretudo estudantes das ciências humanas e sociais, os quais, muitas vezes, são os mais vulneráveis socialmente e mesmo assim acreditam na educação para mudar os rumos de suas vidas. Sem dúvida, esses são os mais lesados pelas ações de redução de recursos do governo.

Além dos estudantes, os programas de pós-graduação são prejudicados, tendo em vista que perdem a oportunidade de formar uma comunidade de cientistas e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. Essa lacuna na formação prejudica o Brasil, comprometendo o seu desenvolvimento científico e tecnológico, subvertendo interesses a serviço de um regresso sem tamanho, transposto em estratégias econômicas que não se aliam aos desafios da educação. Ao se negligenciar a educação pública em suas várias modalidades em prol da economia, as consequências do que é posto como embate não necessariamente alavancam algum dos lados (nem a Educação, e muito menos a Economia), pelo contrário, prejudicam o crescimento do país como um todo, além de colocarem em risco o futuro de uma geração de brasileiros e brasileiras.

Em síntese, este ensaio visou estimular a discussão sobre possibilidades de investigações no âmbito da Ciência da Informação, sobre o tratamento de informações e os efeitos causados por elas nos processos educacionais e educativos, incluindo-se aqui os meios de comunicação social que atualmente extrapolam os muros do ensino formal.

As informações veiculadas nos mais variados meios de comunicação não têm sido suficientes para o esclarecimento da sociedade sobre a atual conjuntura econômica e social que se vivencia e, mais ainda, não encorajam as pessoas a lutarem por seus direitos de cidadania. Em uma perspectiva social da Ciência da Informação, estudos voltados para o comportamento informacional são, sem dúvida, fundamentais, assim como modelos pragmáticos que possam se articular a modelos físicos de recuperação e transferência da informação, entre outros mecanismos que possam transformar as realidades sociais de cada indivíduo.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Possui graduação em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (2011). Fez especialização em Ensino de Português, Literatura e Redação pelo Centro Universitário Clarentiano (2012). Concluiu o curso de Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal da Bahia. É atualmente discente do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (UFBA).

[2] Doutora em Difusão do Conhecimento - UFBA. Mestre em Ciência da Informação, Convênio UFF/IBICT. Especialização em Didática para o Ensino Superior. Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal Fluminense.

[3] A compreensão do termo foi a que Brisola (2016) defende, na qual não pode haver dissociação entre letramento digital e competência crítica em informação para se almejar a cidadania de maneira amplificada. É através da capacitação de indivíduos por meio da educação consciente do seu papel social que se pode possibilitar mudanças com a informação que permeia a esfera das redes digitais.

[4] Expressão utilizada em matéria publicada pela BBC Brasil, disponível através do link: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51110626

[5] MOURA, Mariluce; RIGUETTI, Sabine. A expansão da divulgação científica na pandemia da covid-19. Congresso Virtual da UFBA 2020. Canal da TV UFBA no YouTube, 20 maio 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ALW4nLbQuac. Acesso em: 20 maio 2020.

[6] Para mais informações: ZANLORENSSI, Gabriel; GOMES, Lucas. Bolsas da Capes e CNPq completam 9 anos sem reajuste. NEXO, [S.l.], 23 mar. 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2022/03/23/Bolsas-da-Capes-e-CNPq-completam-9-anos-sem-reajuste?position-home=1. Acesso em: 25 mar. 2022.