IMERSÃO DIGITAL E NOVAS FORMAS DE FAZER CIÊNCIA

 

Dorival Campos Rossi[1]

Universidade Estadual Paulista – UNESP

dorival.rossi@unesp.br

 

Joseph Jesus Florez Cortina[2]

Universidade Estadual Paulista – UNESP

joseph.florez@unesp.br

 

Resumo

A ampla utilização da Internet para inúmeras atividades levou à criação de novos paradigmas no relacionamento humano e permitiu mudanças significativas no pensamento, na construção e veiculação do conhecimento científico assim como nas estruturas sociais estabelecidas ao longo do tempo. Para refletir sobre o acesso ao conhecimento e suas formas de veiculação atual, o artigo apresenta uma revisão de literatura sobre o tema com o objetivo de compreender os principais componentes e metodologias que vêm sendo desenvolvidos pela ciência aberta principalmente como uma nova alternativa de participação social nos entornos digitais voltados à criação do conhecimento.

 

Palavras-Chave: Transformação digital. Internet. Ciência aberta.

 

DIGITAL IMMERSION AND NEW WAYS TO MAKE SCIENCE

Abstract

The wide use of the Internet for countless activities led to the creation of new paradigms in human relationships and allowed significant changes in thinking, in the construction and dissemination of scientific knowledge as well as in the social structures established over time. In order to reflect on access to knowledge and its current forms of dissemination, the article presents a literature review on the subject in order to understand the main components and methodologies that have been developed by open science, mainly as a new alternative for social participation in digital environments aimed at knowledge creation.

 

Keywords: Digital transformation. Internet. Open Science.

 


Introdução

Com o surgimento da Internet no final do século XX, entres os anos 80 e 90, o ser humano entrou em uma nova fase de desenvolvimento social, tecnológico e cultural. Em pouquíssimo tempo, milhares de pessoas passaram a usar a conexão permitida pelos avanços tecnológicos e digitais como ferramenta chave na comunicação e compartilhamento de informações. O uso massivo da Internet se mostrou cada vez mais como uma ferramenta eficaz para a realização e criação de novos processos conectados abrindo possibilidades de mudanças em diferentes contextos sociais e transformando aspectos educativos, tecnológicos, culturais, econômicos e políticos.

O ser humano desenvolveu mais avanços tecnológicos nos últimos anos do que em muitos séculos passados. Com a chegada da computação e um tempo depois, a Internet, foi possível o desenvolvimento de tecnologias digitais voltadas na exploração da imaginação e o aproveitamento desse contexto de conexões.  No entanto, o que acontece quando essas mudanças vão além dos interesses pessoais e se transformam em produtos inalcançáveis pela sociedade em geral? Qual seria a proposta para democratizar o acesso à essas transformações tecnológicas digitais? Como democratizar métodos e acesso a produtos de conhecimento por meio da tecnologia?

Ao longo deste artigo pretende-se analisar algumas das transformações que vêm acontecendo através da nova era digital e compreender a importância de proporcionar mais inclusão nos desenvolvimentos tecnológicos e digitais considerando-os como possíveis mediadores de igualdades sociais. Além disso, busca-se também ampliar o interesse em conceitos como ciência aberta, suas formas de implementação e o surgimento de novos métodos para melhorar a qualidade na educação, ciência e sociedade rompendo as barreiras de acessibilidade, uso e apropriação das pesquisas científicas em uma sociedade digitalmente conectada. 

 

1. Transformações

A imersão tecnológica e digital nos diferentes campos da ciência vem demonstrando, nas últimas duas décadas, sua importância e relevância, além de ser fator principal em um contexto global em que mudanças impulsionadas por interesses econômicos separam cada vez mais o homem da realidade e suas relações em um novo paradigma virtual. Hoje em dia os indivíduos estão continuamente envolvidos pela abordagem que é apresentada pela Internet e sua capacidade de criar novos paradigmas sociais, tecnológicos e culturais, os quais não precisam de muito tempo para serem apropriados, compreendidos, estudados e levados em prática por uma sociedade ansiosa por conectividade.

Ciente dessa realidade, Álvaro Larangeira, pós-doutor em jornalismo, argumenta que “a imersão da humanidade no universo online é fulminante e parece ser inevitável. A adaptação ao mundo digital não tem precedente na história das tecnologias.” (LARANGEIRA, 1998, p. 67).  Da mesma maneira, Cortina e Sarzi-Ribeiro (2019) defendem seu pensamento e apontam:

 

[...]. Com a chegada da Internet surgiram conceitos como compartilhamento, acessibilidade e atividade cooperativa na procura por grandes impactos na sociedade. A transformação digital e a apropriação das novas tecnologias permitem mudar nossa maneira de ver as coisas assim como criar novos paradigmas com o uso e implementação das novas ferramentas em nosso dia a dia. (CORTINA; SARZI-RIBEIRO, 2019, p. 2).

 

A Internet não só tornou possível criar novos ambientes de conexão, de compartilhamento e acesso às informações. Ela também possibilitou novos arranjos tecnológicos e sociais a partir de seu desenvolvimento que pouco a pouco, conseguem transformar a percepção da vida em sociedade, criam oportunidades de ter novas experiências de iteração humana e permitem a mudança de padrões que levaram anos para serem estabelecidos, permitindo desta maneira a apropriação das inovações tecnológicas para transformar os aspectos básicos de viver em sociedade.

Quando se pensa nessas mudanças, é possível trazer como referência ao modo como atualmente é feito o exercício de comunicação para realizar o compartilhamento de ideias e como esse processo era feito há vinte anos atrás. Por exemplo, a relação entre o tempo e o espaço era outra: as pessoas tinham que escrever cartas à mão que seriam enviadas e esperar respostas que muitas vezes demoravam dias, semanas e até meses. No entanto, hoje a facilidade da convergência desses momentos, que se tornou possível graças às tecnologias digitais, a partir das quais se vivenciam em tempo real acontecimentos em qualquer lugar do mundo, assim como a interação rápida entre grandes distâncias e com a mesma acessibilidade para diferentes conteúdos educativos e/ou informacionais, que antes demandavam mais esforços.

Os avanços tecnológicos ao longo do tempo geram um impacto direto principalmente na maneira como os seres humanos vivem em sociedade. As três revoluções industriais (o uso da máquina a vapor maquinaria na produção industrial e a criação do computador para o processamento de dados), e agora a quarta (revolução 4.0, marcada pelas inovações digitais na Internet) comprovam isso, e dessa maneira graças a sua relevância sempre se deve considerar importante as consequências positivas e negativas que podem ser geradas de tais mudanças.

Coelho (2016) reconhece que a relação humana e tecnológica atual se encontra submergida em mudanças e cenários sem precedentes, e desta forma a capacidade de interagir com as transformações torna-se importante para conviver com elas, e argumenta:

 

Esta revolução está a provocar alterações profundas, não só na indústria, mas também na sociedade, na economia, nos valores, na forma como nos relacionamos, como escolhemos os produtos e serviços, compra ou aluguer, economia partilhada, inovações digitais, entre outras. O mundo anda a velocidades diferentes, aumentando cada vez mais o fosso entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, entre indústria de vanguarda e as outras, é preciso entender as oportunidades e os riscos de forma a criar vantagem competitiva. (COELHO, 2016, p. 4).

 

Da mesma forma, trazendo o pensamento de Moran (2012) que reflete o seguinte, “O avanço das tecnologias digitais define novos poderes com base nas condições e na velocidade de acesso às informações disponíveis nas redes” (MORAN, 2012, p. 36). A afirmação do autor claramente é uma observação de como é percebida a capitalização das tecnologias desenvolvidas atualmente e sua restrição sobre alguns setores da sociedade.

Algo está muito claro: novas possibilidades de desenvolvimento humano são criadas com a correta apropriação desses ambientes digitais que continuam evoluindo e surgindo constantemente. A aparição de novas plataformas digitais, linguagens de programação, novos dispositivos midiáticos, aplicativos móveis, tecnologias 4.0, entre outras ferramentas tecnológico-digitais pode ser vista como impulsionadora de novos métodos de desenvolvimento que crescem a uma velocidade exponencial e que são definidos como metas numa trajetória contínua que a sociedade tenta acompanhar e aos quais busca se adaptar.  

 

2. Tecnologias inclusivas

A partir do contexto apresentado, a apropriação de tais mudanças cria novas preocupações. Em setores da sociedade que vêm há muito tempo trabalhando de uma forma estabelecida, padronizada, é muito mais difícil adotar e se adaptar às novas transformações digitais por não conseguir acompanhar o ritmo evolutivo das tecnologias. David Harvey define essa questão como uma “alienação” e pode-se pressupor sua preocupação por uma sociedade em constante evolução, num contexto capitalizado de desenvolvimento contínuo cujo controle encontra-se nas mãos de poucos e exclui muitos que não fazem parte de seus interesses.  Da mesma forma Manuel Castells (2004) aponta:

 

A arquitetura da rede é, e continuará sendo aberta sob o ponto de vista tecnológico, possibilitando amplo acesso público e limitando seriamente restrições governamentais ou comerciais a esse acesso, embora a desigualdade social se manifeste de maneira poderosa no domínio eletrônico. (CASTELLS, 2004, p. 441)

 

Henry Jenkins (2013) acredita na importância do uso das novas tecnologias digitais no momento de realizar grandes mudanças na sociedade, e assim, se apropria do conceito de inteligência coletiva criado pelo filósofo francês Pierre Lévy em seu livro inteligência coletiva por uma antropologia do ciberespaço, argumentando que:

 

A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência. Neste momento, estamos usando esse poder coletivo principalmente para fins recreativos, mas em breve estaremos aplicando essas habilidades a propósitos mais “sérios”. (JENKINS, 2013, p.31).

 

Nesse sentido, uma tarefa que se torna central é a capacidade de se adaptar a essas mudanças sem perder a essência de humanidade e da vivência em sociedade, devido ao fato de que esses ambientes de interconexão também podem levar os sujeitos à não conexão na sociedade, perdendo assim o enfoque no desenvolvimento humano.

Ultimamente, se trabalha fortemente no desenvolvimento de novos arranjos e iniciativas de aproximação entre a sociedade e os conceitos de ciência, buscando alcançar uma conexão entre os avanços tecnológicos e digitais na sociedade atual. Conceitos relacionados à forma como se cria, como ser mais participativo, inclusivo e aberto necessitam ser melhores desenvolvidos e modificados, tendo como base a apropriação das tecnologias digitais e como elas podem apoiar essas novas formas de pensamento mudando assim o uso de métodos e metodologias tradicionais na produção do conhecimento científico.

Vilaça e Araujo (2012) acreditam que a apropriação atual das tecnologias digitais disponibiliza novos arranjos de imersão tecnológica na sociedade, argumentando o seguinte:

 

Desta forma, o uso das mídias digitais traz uma nova maneira de conexão entre os usuários da sociedade contemporânea. A vida cotidiana dos cidadãos passa a ser moldada pelas tecnologias digitais, principalmente a Internet. Nas cidades modernas, diferentes serviços com soluções tecnológicas são oferecidos aos usuários do espaço urbano, contribuindo para o desenvolvimento destes espaços, como caixas eletrônicos, lojas virtuais, terminais de autoatendimento em aeroportos, estacionamentos e cinemas etc. (VILAÇA; ARAUJO, 2016, p. 23).

 

Alguns pesquisadores têm um pensamento um pouco mais realista e menos fantasioso sobre as mudanças tecnológicas, percebem o desenvolvimento tecnológico atual como uma simples luta de interesses na qual o capital é a base de todo impulso de transformação tecnológica. No livro 17 Contradições e o Fim do Capitalismo (2016), David Harvey fala sobre como o desenvolvimento tecnológico pode chegar a criar pessoas “alienadas”, baseado em que o relacionamento humano muitas vezes deixa de ser a prioridade nas transformações tecnológicas e são convertidos em um adicional do produto final. Ele reflete no anterior trazendo como exemplo quando as pessoas são substituídas por máquinas ou por processos automatizados para aumentar a produtividade, reduzindo desta forma a essência do ser humano e de suas conexões com a sociedade. Harvey explica um pouco seu pensamento analisando a definição de André Gorz (2016):

 

[...] para aumentar a eficiência do trabalho e reduzir o esforço envolvido e as horas de dedicação”, mas isso tem um preço. Ela separa o trabalho da vida, e a cultura ocupacional da cultura da vida cotidiana; requer uma dominação despótica do sujeito em troca de uma dominação maior da natureza; reduz o campo da experiência vivida e da autonomia existencial; separa o produtor do produto até que aquele não conheça mais o propósito do que faz. Se isso não é uma alienação total dentro do processo de trabalho, então o que é? (GORZ apud HARVEY, 2016, p. 280).

 

Continuando, segundo a análise de Maia (2017) não existe muita lógica entre o avanço tecnológico e a apropriação social, já que o primeiro deveria ser uma causa no aumento do tempo livre em uma sociedade mediada em sua maioria por tecnologias, digitais ou não. Sendo assim, ele defende:

 

Na verdade, a aceleração tecnológica deveria produzir mais tempo livre, já que o tempo necessário para escrever dez cartas é muito maior que o tempo necessário para escrever dez mensagens eletrônicas, ou o tempo necessário para um deslocamento caminhando é muito maior do que num automóvel. (MAIA, 2017, p. 124).

 

É importante levar em consideração ainda que, assim como o uso, a implementação e apropriação das tecnologias digitais vêm ganhando espaço e força no dia a dia, tornando-se cada vez mais relevantes, elas podem atuar em realidades e contextos que são diferentes. Pois, ao falar de acessibilidade e imersão tecnológica é possível encontrar grupos sociais que não estão acompanhando essas mudanças que para alguns podem ser normais por distintas razões, seja pela falta do acesso à Internet, pela falta de equipamentos tecnológicos, pela falta de recursos econômicos, etc., e assim vão se estabelecendo pessoas em contextos que, incapazes de se adaptarem a essas mudanças, simplesmente perdem a conexão que tentamos manter como indivíduos sociais. 

David Harvey (2016) considera este fenômeno como uma estratégia do capitalismo que visa contemplar com maiores possibilidades aqueles que possuem desenvolvimento tecnológico e argumenta em seu livro:

 

O papel do desemprego tecnologicamente induzido na regulação dos salários, a busca de produtos cada vez mais baratos para sustentar a mão de obra (fenômeno Walmart), a fim de tornar mais aceitáveis os baixos salários, a crítica a qualquer proposta de salário social (como se fosse um incentivo ao ócio) e outras manobras semelhantes constituem um domínio da luta de classes em que as invenções e mediações tecnológicas são cruciais. (HARVEY, 2016, p. 116).

 

Entretanto, atualmente também se consegue perceber alguns esforços para melhorar a inclusão tecnológica e a qualidade da educação em nível mundial, ações que se apoiam em tecnologias digitais ligadas também ao cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável – ODS (Sustainable Development Goals - SDG) e suas metas para o ano 2030, os quais foram criados no 2015 pela ONU e estabelecem metas para ajudar na solução diferentes problemáticas no mundo.

Agora, a implementação de conceitos e softwares abertos torna-se interessante e viável para a sociedade com a principal função de disponibilizar conhecimentos, plataformas, dados, pesquisas, entre outros, e dessa maneira fazer esses elementos muito mais acessíveis a uma sociedade já conectada, mas que ainda encontra barreiras ao conhecimento científico.

 

3. Nova ciência

A gestão de conhecimento científico pode ser percebida como um contexto fechado e exclusivo para os “intelectuais”, mas, no contexto contemporâneo é difícil manter o mesmo pensamento de décadas atrás. Os novos métodos de processamento de dados, administração de informações e produção de conhecimento permitem questionar o processo de como fazemos as coisas para oferecer novas perspectivas de como podem ser feitas.

As iniciativas pelo acesso aberto (open access) Budapeste, Bethesda e de Berlim criadas desde o 2001, são um referente atual na implementação de estratégias e tecnologias que apoiam o compartilhamento cientifico a traves das tecnologias digitais aproveitando a abrangência que elas oferecem.

É evidente que imaginar sobre novas formas de fazer ciência não é um processo fácil e rápido. Hoje em dia, pequenos passos são dados na direção de tentar moldar bases fortes para definir os conceitos assim como os novos termos que apoiam a exploração e a argumentação de novas maneiras de fazer ciência. A implementação de conceitos Abertos (os chamados open) permite a abertura de novos mecanismos de inclusão em uma sociedade que pode se sentir limitada dentro de espaços fechados.

A referência à ciência aberta (open science) ainda não alcançou, porém, um conceito definido e consolidado, pois quando se fala em ciência já se entende aquela produção de conhecimento com benefício público. Em outras palavras pode-se dizer que a ciência já é aberta; mas, no contexto atual digitalizado, o conceito de ciência aberta ainda não está completamente estabelecido. Melero (2018) entende essa preocupação e defende:

 

No entanto, não existe uma definição única de ciência aberta, embora haja um consenso em aceitar que a "ciência aberta" implica uma visão holística de todo o processo de produção, comunicação e preservação da produção científica. Por outro lado, a ciência, por definição, é "aberta", caso contrário não teria havido avanços científicos, portanto, a colaboração entre grupos de trabalho, a disseminação e o acesso a resultados e publicações é relevante para esse avanço na ciência. (MELERO, 2018, p. 31).

 

A Ciência Aberta surge como uma nova proposta para mudar os métodos tradicionais e questiona como os processos antigos ainda são usados na criação, distribuição, acesso e compartilhamento dos resultados da atividade científica, os quais continuam restringindo o acesso ao conhecimento a uns poucos sujeitos, os quais têm recursos para isso. Anglada e Abadal (2018) trazem uma definição de ciência aberta simples e fácil de apropriar, dizendo: 

 

A ciência aberta é isso: uma mudança de paradigma na maneira de fazer ciência. Esta não muda substancialmente com respeito às suas motivações e objetivos, mas sim (substancialmente) em relação aos seus métodos. A mudança não está naquilo que se faz, mas em como é feito. (ANGLADA; ABADAL, 2018, p.  293, tradução nossa).

 

Iniciativas como o projeto Facilitate Open Science Training for European Research – FOSTER e Foster Plus (FOSTER+), estão altamente interessadas na implementação de uma ciência muito mais aberta e nas possibilidades que ela traz em sua procura de ser mais inclusiva. O projeto tem como único objetivo o ser uma plataforma educativa no caminho de implementação do novo modelo cientifico apoiado em tecnologias digitais.

Figura 1: Taxonomia da Ciência Aberta segundo o Projeto FOSTER

Fonte: Projeto FOSTER (2019?)

 

A Figura 1, mostra a Taxonomia do projeto FOSTER, a qual reuniu um grupo de elementos que englobam o significado da ciência aberta e as formas como ela pode ser implementada na produção do conhecimento científico.

Segundo Melero (2018) na Europa, a ciência aberta apresenta-se há alguns anos com uma maior relevância em seu entendimento, estudo e apoio, criando arranjos capazes de suportar os métodos de geração de ciência e se consolidando como alternativa na produção de conhecimento científico em uma sociedade mediatizada e digitalizada. A União Europeia está interessada em ser uma fonte mundial em desenvolvimento econômico e para eles a ciência e a inovação são consideradas importantes.

 Em sua visão de um mundo muito mais responsável, a ciência deve ser mais aberta, colaborativa e compartilhada, como uma forma de retribuição para a sociedade, convertendo-se em um convite para todas as populações. Seu pensamento se traduz no seguinte trecho:

 

Em 2014, A Comissão Europeia fez uma pesquisa online aberta a todas as partes integrantes da paisagem da pesquisa na Europa. Os objetivos da pesquisa foram avaliar o grau de conhecimento destas partes interessadas na mudança do modus operandi para fazer uma ciência mais aberta, avaliar a percepção das oportunidades e desafios da Open Science, identificar as possíveis implicações nas políticas cientificas e analisar as ações para fortalecer a competitividade do sistema europeu da ciência e a pesquisa.  (MELERO, 2018, p. 32,).

 

A produção de conhecimento nunca foi tão inclusiva como pode ser hoje em dia e torna-se importante atuar tendo como base o desenvolvimento tecnológico atual, brindando possibilidades de participação e oportunidades a todos de forma democrática. O universo digital demonstra que pode abrir e ampliar um mundo de possibilidades e ser capaz de criar reais mudanças no uso de metodologias e definição de métodos vanguardistas, na inclusão de novas formas de pensamento e no ato de romper paradigmas com o uso de ambientes digitais. Uma ciência onde todos somos agentes principais e todos podem contribuir sendo mais inclusivos na tomada de decisões que construirão o futuro.

O novo estado mundial de pandemia devido ao vírus COVID-19 demostrou a relevância de oferecer caminhos de participação aberto para chegar a soluções conjuntas e impulsou grandemente o reconhecimento da ciência aberta como um caminho ideal para a resolução de problemáticas que dependem de diferentes olhares e experiências. Entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO e nacionais como o Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia – IBCT avaliam a importância da ciência aberta criando estratégias que impulsam seu entendimento e convidam a uma maior implementação desse modelo na criação de um conhecimento mais participativo, compartilhado e accessível.

 

4. Considerações finais

Atualmente, estamos envolvidos em diferentes e constantes transformações tecnológicas que diariamente aumentam e que cada vez mais fazem parte de nosso cotidiano, que criam mudanças nos contextos de interação social e que nos definem como indivíduos sociais. Aliás, essas transformações também permitem o surgimento de novas possibilidades de comunicação e produção de conhecimento que vão além da imaginação do ser humano e proporcionam a criação de novos ambientes de inter-relações.

Assim, torna-se necessário desenvolver habilidades e atitudes que permitam manter viva a essência da humanidade nessa era digitalizada, mesmo quando os sujeitos estão imersos em um universo virtual e em constante transformação. Assim, não se corre o risco de perder as conexões que definem os seres humanos como indivíduos sociais, criando mais ambientes de inclusão para aqueles que a tecnologia pode “descartar”.

As tecnologias digitais atuais e a apropriação que surge constantemente da Internet permitem a realidade proposta por Pierre Lévy de uma inteligência coletiva criada a partir das experiências de todas as pessoas e que trabalham constantemente pela igualdade do conhecimento. Em seu livro Inteligencia Colectiva: por una antropologia del ciberespacio Lévy define a inteligência coletiva como “uma inteligência repartida em todas partes, que é valorizada constantemente, coordenada em tempo real, que consegue uma mobilização efetiva das competências”. (LÉVY, 2004, p. 20, tradução nossa).

 

Embora não exista clareza em um contexto de constantes mudanças frente a um entorno tecnológico-digital, sempre é importante pensar sobre o benefício coletivo. Com novas formas de fazer educação e ciência, apoiadas nas tecnologias digitais, pode-se alcançar maior inclusão e acessibilidade e desta maneira criar mudanças nos métodos que continuam dividindo a sociedade, abrindo novos caminhos em um mundo de possibilidades. Moran (2002, p. 431) define isso como “A Internet é a espinha dorsal da comunicação global mediada por computadores (CMC): é a rede que liga a maior parte das redes”

A implementação das tecnologias digitais no acesso ao conhecimento cientifico se converte em um aliado na resolução de problemas de abrangência global, reconhecendo a participação de todos como elemento chave na busca de soluções. Ressalta-se que para alguns o fato de repensar como podemos transformar, questionar e ainda modificar os métodos de como fazemos ciência hoje é o primeiro passo para uma sociedade mais inclusiva, com maior interesse no desenvolvimento humano e mais preocupada com a qualidade da educação, da ciência e da tecnologia, trazendo assim novas questões a serem respondidas.

 

REFERÊNCIAS

 

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COELHO, P. Rumo à indústria 4.0. 2016. Dissertação (Mestrado em Engenharia e gestão Industrial) – Faculdade de ciências e tecnologia, universidade de Coimbra, Coimbra, 2016. Disponível em: http://hdl.handle.net/10316/3699.  Acesso em: 10 ago. 2019.

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MELERO, R. La ciencia abierta (open science) bajo el paraguas de Europa. Revista IRIS- Informação, Memória e Tecnologia, Recife, v. 4, n. 1, p. 31-48, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/IRIS/article/view/238910/30637  Acesso em: 18 out. 2019.

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VILAÇA, M.; ARAUJO, E. (org.). Tecnologia, Sociedade e Educação na Era Digital. Sociedade conectada: tecnologia, cidadania e infoinclusão. Duque de Caixas – RJ: UNIGRANRIO, 2016. 300 f. E-book. Disponível em: http://www.pgcl.uenf.br/arquivos/tecnologia,sociedadeeeducacaonaeradigital_011120181554.pdf    Acesso em: 25 jul. 2019.

 



[1] Professor e pesquisador do curso de graduação em design e do programa de pós graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus Bauru - SP - Brasil.

[2] Formado como Engenheiro de Sistemas pela Corporación Universitaria del Caribe - CECAR (Sincelejo - Sucre, Colômbia). Estudante regular do Programa PPGMiT: Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da FAAC (UNESP/Bauru).