AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A PANDEMIA NAS NARRATIVAS DOS JORNAIS DIGITAIS DE PORTO ALEGRE

 

Valdir Jose Morigi[1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

valdir.morigi@ufrgs.br

 

Luciana Milani[2]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

lu1000ani@gmail.com 

 

Deise Dominique Savedra Campos[3]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

dominiqueds.dd@gmail.com

 

 


Resumo

 

A partir dos pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa internacional em rede “Ciudades y comunidades imaginadas latinas en la era digital”, este artigo tem por objetivo verificar como a mídia construiu as representações sobre a pandemia de coronavírus e a cidade de Porto Alegre a partir das narrativas de jornais locais. A pesquisa foi realizada nos jornais digitais Correio do Povo, Jornal do Comércio e O Sul, no período de outubro de 2020 a dezembro de 2020. O estudo analisa às principais informações divulgadas e as imagens sobre a pandemia na cidade. As notícias sobre a pandemia privilegiaram os protocolos adotados e os impactos que a mesma trouxe para os diversos setores que envolvem a dinâmica da cidade. Conclui-se que os jornais digitais, por meio da divulgação dos conteúdos informacionais e das imagens veiculadas, exercem mediação na construção das representações sobre a pandemia na cidade.

 

Palavras-chave: Coronavírus. Covid-19. Pandemia. Porto Alegre. Jornal digital.

 

THE REPRESENTATIONS OF THE PANDEMIC IN THE NARRATIVES OF PORTO ALEGRE'S DIGITAL NEWSPAPERS

Abstract

Based on the theoretical-methodological assumptions of the international research network “Ciudades y Comunidades Imaginedas Latinas en la Era Digital”, this article aims to verify how the media constructed the representations about the coronavirus pandemic and the city of Porto Alegre from the local newspaper stories. The research was carried out in the digital newspapers Correio do Povo, Jornal do Comércio and O Sul, from october 2020 to december 2020. The study analyzes the main information disclosed and the images about the pandemic in the city. The news about the pandemic privileged the protocols adopted and the impacts that it brought to the various sectors that involve the dynamics of the city. It is concluded that digital newspapers, through the dissemination of informational content and images transmitted, exert mediation in the construction of representations about the pandemic in the city. 

 

Keywords: Coronavirus. Covid-19. Pandemic. Porto Alegre. Digital newspaper.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A pandemia de coronavírus ou Covid-19 causada pela expansão do coronavírus SARS-CoV-2 afetou todas as dimensões da vida social gerando impactos não apenas de ordem epidemiológica em escala global, mas também sociais, políticos, econômicos, culturais, sanitários e históricos jamais conhecidos na história recente das epidemias mundiais. O número de mortos e internados pela Covid-19 (doença infecciosa respiratória aguda causada pelo coronavírus), a exposição das pessoas e dos grupos vulneráveis, o medo pelo risco de contágio, adoecimento e morte, repercutiram diretamente nos sistemas de saúde dos países e na produção, circulação e acesso aos bens essenciais como alimentação, medicamentos, transporte público, entre outros.

A pandemia trouxe enormes desafios para as nações tanto coletiva quanto individualmente, ao mesmo tempo em que emergiram uma série de discussões éticas e de direitos humanos e a necessidade de ações dos governos federal, estadual e municipal com a finalidade de deter a propagação da Covid-19. Dentre as ações, as medidas de enfrentamento como a quarentena e o distanciamento social para conter a mobilidade social, e a produção de vacinas e testagem de medicamentos. O fenômeno suscitou a necessidade de estudos e a produção de informações estratégicas de forma a intensificar o debate e nortear a tomada de decisão no combate ao coronavírus.

Os jornais locais produtores e difusores de notícias exercem a mediação com a divulgação de informações sobre a pandemia junto à população, evidenciando-se que o jornalismo cumpre seu papel fundamental de circular notícias de interesse público junto às mídias. Neste contexto, este estudo tem por objetivo verificar como a mídia, a partir de jornais digitais locais, construiu as representações sobre a pandemia na cidade de Porto Alegre.

A pesquisa foi realizada entre os meses de outubro de 2020 a dezembro de 2020, nos jornais digitais Correio do Povo[4], Jornal do Comércio[5] e O Sul[6]. Deste período, a coleta diária resultou em um total de 1089 matérias envolvendo o tema da pandemia e sua relação com a cidade. O estudo analisou as principais informações divulgadas sobre a pandemia para a população de Porto Alegre, concluindo-se que as notícias sobre a pandemia privilegiaram os impactos que a mesma trouxe para os diversos setores e que afetaram a dinâmica da cidade, como também que os jornais digitais, por meio da divulgação dos conteúdos informacionais e das imagens veiculadas, exercem mediação na construção das representações sobre a pandemia na cidade.

 

2 MÍDIAS, REPRESENTAÇÕES E A MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO

 

No mundo contemporâneo, cada vez mais os discursos dos meios de comunicação vêm desempenhando progressivamente um papel preponderante nas sociedades modernas. García-Canclini (2002) ressalta que os meios se tornaram os principais agentes construtores do sentido urbano, selecionando e combinando as referências emblemáticas, e “são eles também que fazem com que alguns cidadãos participem do debate sobre o que a cidade é ou poderia ser e depois propõem aos demais suas opiniões e demandas como síntese imaginária do sentido da cidade e do que significa ser cidadão” (GARCÍA-CANCLINI, 2002, p. 44).

A mídia, ao narrar um acontecimento ou fato, faz uma leitura da realidade atuando na construção das representações das pessoas. Assim, ao representar os acontecimentos da cidade ou fenômenos que nela ocorrem, exerce papel de mediação no processo de construção dos imaginários da cidade, reafirmando os saberes que circulam na cidade e, deste modo, perpetuando formas de representar o mundo.

Nas páginas de jornais, as vozes predominantes são as fontes informacionais e os atores oficiais que falam sobre a cidade, isto é, os representantes do Estado. Também são sistematicamente reproduzidas as opiniões de porta-vozes da sociedade civil e “especialistas”, como arquitetos e planejadores urbanos e estudiosos. No caso da pandemia, foram mobilizadas as autoridades sanitárias e, para acompanhar os dados relativos à Covid-19, a Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul formou um Comitê Temporário de Enfrentamento ao coronavírus, composto por pesquisadores das universidades gaúchas e autoridades cientificas de diversas áreas do conhecimento. Além dessas vozes, também foram veiculadas opiniões de membros das instâncias de representação, como políticos e lideranças associativas e empresariais.

Segundo García-Canclini (2002), a imprensa contribui na formação da imagem de uma cidade e dos fenômenos que nela acontecem, cujas particularidades se concentram nas suas regiões centrais. Mesmo na divulgação de informações e de imagens de fenômenos pouco conhecidos, tendem a reproduzir cenários a partir de esquemas usuais e já convencionados. Para destacar a novidade, a maioria dos jornais concentra-se na divulgação de saberes conhecidos, embora, sua finalidade seja informar sobre os acontecimentos atuais, os meios enfatizam o presente, insistindo no usual, dando continuidade à circulação de estereótipos construídos social e historicamente.

García-Canclini (2002) acrescenta que a fidelidade ao convencional e o predomínio das vozes oficiais revelam que a imprensa tende a imaginar os cidadãos em um lugar subordinado que reproduz a ordem. Desta forma, mesmo que apresente registros da pluralidade, mostra a cidade como um espaço muito mais homogêneo do que a realidade. Os acontecimentos que ocorrem no espaço da cidade são representados a partir do predomínio das vozes oficiais ou apresentados mais como “[...] gestão e administração que como lugar de inovações e mudanças” (GARCÍA-CANCLINI, 2002, p. 45).

A mídia compõe-se de narrativas, de mensagens, de imagens, de informações de conteúdos significativos que servem de matéria-prima para a construção dos imaginários sociais, das identidades culturais locais e das diversas memórias que se constroem sob as tensões das relações sociais. Nesse sentido, a leitura de um cenário urbano onde as pessoas vivem suas experiências cotidianas, se fazem e se cruzam as imagens, os símbolos e os imaginários. Como afirma Prado (2002, p. 88), “[...] a razão plena do ato da figuração: não se trata mais simplesmente de uma imagem, mas de uma imagem vista, de uma imagem que é visada a partir de um lugar originário de visualização”.

De acordo com Gutiérrez Pérez (1978), a imagem é uma forma de encarnação do objeto físico e material. Ela é a representação visual dos seres. Como um novo produto, mesmo estando ligado ao objeto enquanto forma, a imagem é algo distinto da realidade. 

 

A representação das imagens não se relaciona unicamente com objetos reais, com existências concretas, porque as imagens também fazem referências a seres abstratos, genéricos e, inclusive, a ‘realidades’, produto da fantasia ou da imaginação de um criador. (GUTIÉRREZ PÉREZ, 1978, p. 17).

 

As representações por meio das imagens possibilitam interações simbólicas que incidem na afetividade e na sensibilidade de quem as consome. A imagem comunica sentidos. Neste processo em que envolve a “[...] representação da realidade, a imagem nos proporciona informação e significados específicos; toda a imagem, por mais simples que seja, está carregada de um sentido que lhe é próprio” (GUTIÉRREZ PÉREZ, 1989, p. 17). A imagem decorre de um olhar subjetivado resultante de uma prática interacional, na qual as representações da realidade passam a compor uma rede de saberes ou esquemas já conhecidos de sentidos, onde o sujeito torna-se o principal agente social, É “[...] uma subjetividade ligada ao imaginário e à história individual de um (ou de vários) criadores” (PRADO, 2002, p. 90).

As fotografias, ilustrações, charges e quaisquer outros recursos gráficos que integram a narrativa escrita mediada pelo jornal (impresso ou digital) exercem mediação, pois a imagem dos fenômenos ou dos acontecimentos que compõem o cenário citadino é compartilhada, reforçando os laços sociais e os comportamentos que os cidadãos devem ter com o lugar. Segundo Mesquita e Silva (2004, p. 1, grifo dos autores), “[...] o lugar, a paisagem ou a sua imagem re-apresentam em nós e para nós emoções guardadas no baú pretérito, isto é, preteridas no agora, mas guardadas com a ‘aura’ com que as revestimos em nossas lembranças”. E, como lembra Gutiérrez Pérez (1978, p. 17), “as imagens nos oferecem informações concretas, polimorfas e vivenciais”. As imagens com o seu imediatismo, enquanto formas de representação, se impõem à percepção humana, realizando a mediação dos sentidos. A narrativa visual ou digital pode operar como uma forma de valorização da narrativa escrita, sendo até mais persuasiva do que o discurso argumentativo.

Para Moscovici (2003), a relação entre comunicação e representação é central, pois as representações são sempre resultantes da interação com a comunicação. O autor estabelece uma relação de dependência entre ambas, uma vez que sem comunicação não há representação e sem esta não há comunicação. Já Duveen (2003) entende que “elas tomam sua forma e configuração específicas a qualquer momento, como uma consequência do equilíbrio específico desses processos de influência social. Há uma relação sutil, aqui, entre representações e influências comunicativas” (DUVEEN, 2003, p. 21). Nesta perspectiva, é a partir dos intercâmbios comunicativos que podemos compreender como surgem as ideias e como elas se projetam com a finalidade de influenciar os outros, em como elas criam sentidos, de tal maneira que as coisas sejam vistas e representadas de um determinado modo em vez de outro. “Representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as condições de coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade normativa do grupo” (MOSCOVICI, 2003, p. 216).

Em uma perspectiva cultural, Marteleto (1995) afirma que informação e cultura são fenômenos entrelaçados pela sua própria natureza. Desse modo, a cultura, por intermédio da memória, operaria como um repositório da informação social ao realizar os processos de reprodução e conservação dos artefatos materiais e simbólicos de geração em geração. Assim, “[...] torna-se o primeiro momento de construção conceitual da informação, como artefato, ou como processo que alimenta as maneiras próprias do ser representar e estar em sociedade” (MARTELETO, 1995, p. 91). Nesta abordagem, as estruturas materiais e simbólicas de um contexto cultural, as representações e as práticas dos sujeitos, são cada vez mais mediadas pelos conteúdos informativos e os gêneros sob os quais a informação está inscrita e os meios que circula.

Para Gomes (2016), a comunicação e a informação atuam no comportamento dos indivíduos,

Ambas são determinantes na sustentação do agir de cada sujeito no mundo, em especial na produção dos saberes, culturas e conhecimentos, por contribuírem para a potencialização da capacidade humana de interpelar, de interferir, de criar e recriar o conhecimento instituído e o mundo, assim como por colaborarem decisivamente para o ato de criar e recriar a si mesmos, condição fundamental ao sujeito social. (GOMES, 2016, p. 92).

 

O jornalista exerce o papel de mediador e essa mediação implica diretamente no imaginário dos sujeitos, de tal maneira que “o mediador age, constrói e interfere no meio, portanto, ele também é um protagonista social” (GOMES, 2016, p. 100). Em estudos acerca das ações do jornalismo, Orrico e Pereira (2016, p. 172) confirmam que o jornalista produz um efeito em relação às representações urbanas e sobre a memória coletiva de diversos grupos. As autoras afirmam que “[...] são os jornalistas importantes atores desse agenciamento de lembranças e esquecimentos que constroem as notícias a partir da seleção dos acontecimentos, acabando por contribuir para a visão de mundo da sociedade” (ORRICO; PEREIRA, 2016, p. 184). Desse modo, as ações do jornalismo alargam a visão de mundo e trazem novos horizontes, possibilitando o acesso às informações.

A mídia, na qual se incluem os jornais, possui o poder de construir representações sobre a realidade através da mediação da sua linguagem, pois o uso de signos, de símbolos que se interconectam nos textos, nos discursos, nas narrativas, geram uma rede de significações que auxiliam os sujeitos na compreensão dos acontecimentos. Os intercâmbios comunicativos possibilitam que os sujeitos se liguem uns aos outros ou se distanciem. Nesse contexto, conforme apontam Morigi, Rocha e Borges (2010, p. 98), “[...] a linguagem adquire uma particular impor­tância, pois é através dela que os discursos se objetivam, colocando em prática os saberes e as experiências compartilhadas em uma mesma cultura”.

As mídias impressas ou digitais, com a divulgação de informações e seus fluxos velozes e constantes, assumem o papel de mediadora na construção dos sentidos que afetam os comportamentos dos cidadãos, ao mesmo tempo em que estes auxiliam na construção das memórias comuns sobre os fatos. Ela interfere na leitura a ser feita sobre os acontecimentos, os lugares ao fornecer elementos simbólicos para a construção dos imaginários das pessoas sobre os fatos e os espaços. Assim, se enredam e entrelaçam as histórias individuais e coletivas com os imaginários da cidade.

Para entender a complexidade que envolve a cidade, adotamos a perspectiva de Canevacci (2004). Este autor aborda o fenômeno comunicacional por uma visão antropológica inovadora, ancorada no conceito de “polifonia”. Assim, a cidade é concebida sob o prisma das polifonias comunicativas, de múltiplas técnicas interpretativas que convergem para a análise da complexidade dos ritmos que caracterizam o cenário urbano, os espaços de sociabilidade, comportamentais e psicológicos dos indivíduos que transitam por ele. 

Na abordagem do autor, a cidade é compreendida como um organismo subjetivo que inventa valores e modelos de comportamentos estruturados por uma linguagem própria, delimitados pela ação dos atores que a habitam, sem esquecer os atravessamentos das diversas mídias que fazem parte dos signos do consumo diário (sinais, faixas de trânsito, outdoors, propagandas etc.). A polifonia da cidade se expressa pelo entrecruzamento de múltiplas vozes copresentes nas ruas, nas avenidas, nos shoppings centers, nas mídias digitais, entre outros espaços da comunicação urbana e das negociações do espaço público.

Durante a pandemia, as matérias refletiram o alto índice de dados sobre a Covid-19, com os diversos setores das mídias nacional e local, como rádio, televisão, jornais, redes sociais e outros, divulgando amplamente informações sobre o tema. Neste estudo, analisamos as principais informações divulgadas sobre a pandemia para a população de Porto Alegre, com a finalidade de verificar como os jornais digitais locais (espaços polifônicos) construíram as representações sobre a pandemia e a cidade.

 

3 AS INFORMAÇÕES SOBRE A PANDEMIA NOS JORNAIS DIGITAIS DE PORTO ALEGRE

 

Com o objetivo de verificar como a mídia construiu as representações sobre a pandemia e a cidade de Porto Alegre, o estudo analisou as informações divulgadas diariamente em três jornais digitais locais - Correio do Povo, Jornal do Comércio e O Sul -, no período de outubro de 2020 a dezembro de 2020. Os jornais foram previamente selecionados observando-se determinados critérios, entre eles, o acesso gratuito ao conteúdo.

Nesse período, foram coletadas um total de 1089 matérias envolvendo o tema da pandemia. Para fins de organização e análise, as matérias foram divididas em doze categorias: Ciência; Cultura/Entretenimento; Economia/Negócios; Educação; Esporte; Política; Saúde; Serviços; Sociedade; Tecnologia; Transporte; e Urbanismo. Conforme Gráfico 1, a seguir, as categorias com maior quantidade de matérias divulgadas sobre a pandemia foram Saúde (359); Educação (149); Política (114); Cultura/Entretenimento (111); Economia/Negócios (92); e Sociedade (82). Já as categorias com menos matérias divulgadas foram Serviços (59); Transporte (50); Esporte (39); Ciência (31); Urbanismo (2); e Tecnologia (1).

 

Gráfico 1 - Quantidade de matéria por categorias, Porto Alegre, out./dez. 2020.

Fonte: dados da pesquisa.

 

De acordo com o Gráfico 1, acima, as informações sobre o setor da saúde lideraram o número de matérias divulgadas nesses jornais, sendo destaque nesta categoria as notícias sobre a aceleração da contaminação do vírus devido principalmente à flexibilização nas atividades econômicas e a liberação de parques e praças, além do afrouxamento dos protocolos de distanciamento social. Esses acontecimentos repercutiram na vida cotidiana e no comportamento dos cidadãos, em virtude da necessidade de redirecionamento das atividades e hábitos na cidade.

As manchetes relacionadas à saúde denotam o panorama crítico no sistema da saúde em função da pandemia, com o predomínio de manchetes que envolvem a intensidade e velocidade da contaminação e a vulnerabilidade. Entre elas,  “Moinhos restringe atendimento à Covid-19”, “Velocidade de notificação de novos casos de Covid-19 no RS e na Capital acelera”, “Com 40.810 casos confirmados de coronavírus, Porto Alegre busca garantir vacina contra a doença”, “Melhor expertise reduz taxa de letalidade da Covid”, “Imunização foi contaminada pela política”, “Ocupação de leitos e falta de pessoal”, “Cenário de lotação de UTIs e alta de casos se agrava”, “Após quase um mês de interrupção mundial, os testes da vacina Johnson & Johnson contra o coronavírus deverão ser retomados em Porto Alegre”, “A ocupação média de leitos de UTI em Porto Alegre está em quase 95%”, “Porto Alegre já oferece testes de coronavírus com resultado em até 12 horas”, “Nova etapa da pesquisa em esgotos da Região Metropolitana de Porto Alegre indicou a presença de coronavírus em todas as amostras”, “Seis capitais brasileiras, incluindo Porto Alegre, têm mais de 80% de lotação de UTIs para o coronavírus”, “Mapa das bandeiras reforça alerta sobre cenário da Covid”, “A corrida pela vacina”, “Porto Alegre é a cidade com o maior volume de infectados pelo coronavírus no Estado”, “Tratamento dental de crianças diminui na pandemia”, “Capital tem menor taxa de ocupação de UTI em 90 dias”.

As narrativas dos jornais digitais de Porto Alegre sobre acontecimentos com a veiculação de imagens retrataram a gravidade da situação no período nos serviços relacionados ao setor da saúde e os aspectos comportamentais derivados do medo e da sobrecarga emocional de uma realidade até então desconhecida para a sociedade atual. Apesar da ênfase na necessidade de conscientização e colaboração dos cidadãos devido à imposição de mudanças nas rotinas com consequências nos demais setores da sociedade, as manchetes também relatam os esforços e a força-tarefa de pesquisadores e articuladores da saúde e demais áreas governamentais no sentido de minimizar a contaminação e a propagação do coronavírus.

 

Figura 1 – Manchetes dos jornais pesquisados.

Fonte: compilação dos autores.

 

Com um resultado significativamente menor de notícias se comparado à saúde, na educação sobressaem manchetes como, “Ensino remoto é ampliado e busca regulamentação”, “Docentes enfrentam a pandemia”, “Ensino se adapta à pandemia”, “Professores e servidores estaduais estão convocados para retomada do ensino presencial nesta segunda”, “Mapeados 64 ultra freezers em universidades gaúchas para armazenamento de vacinas contra a Covid-19”, “O Ministério da Educação decidiu revogar a portaria que determinava o retorno das aulas presenciais nas universidades a partir de janeiro”, “Pandemia agrava esgotamento emocional dos professores no RS” e “Escolas de Porto Alegre estão autorizadas a retomar aulas presenciais na segunda-feira. Medida ainda não vale para todas as séries”. Neste setor, criticamente afetado pelo protocolo de distanciamento social, e pelas carências do sistema educacional, evidenciam-se a ausência e as dificuldades para implantar e gerir novos modelos de ensino, além de ressoar os diversos vieses oriundos dos impasses nas negociações entre governo, professores, pais e estudantes.

Outras manchetes como “Pandemia dá sinais de mudanças na Capital”, “Feira do Livro na era virtual”, “Em formato virtual por causa do coronavírus, começa Feira do Livro de Porto Alegre”, “Centenário de Clarice Lispector inspira peças e eventos gratuitos na internet”, “Feira de carreiras terá formato digital na Pucrs”, “A primeira temporada digital do planeta”, “Circo vive da esperança da volta dos espetáculos”, “Reinvenção como meta geral”, “Presença de mesários ainda é um desafio para as eleições”, “Quem não se vacinar pode sofrer sanções” e “Prefeitura libera eventos, cinemas, casas de shows e CTGs em Porto Alegre”, retratam os impactos que a pandemia trouxe para os mais diversos setores e que afetaram a dinâmica da cidade. Os impactos também foram externalizados nas matérias, o que se observa nos resumos elaborados a partir de reportagens recorrentes e dispostos no Quadro 1, a seguir.


 

 

Quadro 1 - Notícias divulgadas nosjornais digitais locais sobre a pandemia de Covid-19, Porto Alegre, 2020.

Data

Jornal

Resumo da notícia

01/10/2020

Correio do Povo

Com a retomada das aulas presenciais a partir do dia 5 de outubro de 2020, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) decretou estado de greve alegando que não ficou explicito quais medidas serão tomadas para evitar a circulação do coronavírus nas escolas.

06/10/2020

Jornal do Comércio

Setor de casas noturnas e festas reivindica o retorno das atividades para também coibir a realização de festas clandestinas em Porto Alegre e demais regiões do Estado.

15/10/2020

Jornal do Comércio

 

Empresários realizaram protesto em frente ao Palácio Piratini cobrando a liberação de eventos.

20/10/2020

O Sul

O retorno dos alunos para as escolas não é obrigatório, sendo a decisão de responsabilidade dos pais. A retomada das aulas presenciais é prioridade para os alunos com dificuldade de acesso às aulas on-line.

20/10/2020

O Sul

A partir de 22 de outubro de 2020, inicia a reabertura de instituições ligadas à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) em Porto Alegre. Estão previstas a abertura de Arquivos, Bibliotecas, Museus e Centros Culturais. A Sedac divulgará em breve os protocolos com as medidas de segurança. 

21/10/2020

Correio do Povo

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) deferiu parte de pedido de liminar do Cpers Sindicato, que pode levar à suspensão das aulas presenciais em escolas estaduais que não possuem condições sanitárias. O sindicato alegou a falta de equipamentos de proteção individual e de profissionais para a higienização das escolas, além de responsável técnico pela fiscalização.

29/10/2020

Correio do Povo

Com a pandemia, a 66ª Feira do Livro de Porto Alegre precisou ser reinventada. Com o manifesto e slogan “Janelas abertas para a Praça”, todas as atividades serão em formato virtual e gratuito.

10/11/2020

Jornal do Comércio

Com as flexibilizações nas medidas de segurança foi confirmado o aumento de coronavírus nos esgotos de Porto Alegre. Esse aumento acompanha o número de internações por Covid-19 e os casos positivos.

20/11/2020

Jornal do Comércio

Segundo depoimento de profissionais da saúde, há relação no crescimento do número de pessoas que relaxaram nos cuidados contra a Covid-19 em Porto Alegre e o aumento de casos de Covid-19 nos hospitais. Por duas semanas seguidas, a cidade tem aumento no número de pacientes em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).

25/11/2020

Jornal do Comércio

A Prefeitura de Porto Alegre solicitou a reabertura de leitos de UTIs para Covid-19 devido ao aumento de casos.

30/11/2020

Correio do Povo

Porto Alegre recebeu bandeira vermelha no mapa da 30ª rodada do Distanciamento Controlado, com recurso negado para não permanecer nesta bandeira.

03/12/2020

Correio do Povo

Sebastião Melo (MDB) reuniu-se com economistas e representantes de entidades médicas como Cremers, Simers, Amrigs e Sindihospa, e, segundo ele, houve entendimento de todos de que o lockdown não é adequado e sim a elaboração de protocolos bem feitos. Melo afirmou durante campanha eleitoral para a Prefeitura de Porto Alegre que se fosse eleito não haveria negócios fechados a partir de 1º de janeiro de 2021.

 

07/12/2020

Correio do Povo

 

O governo gaúcho e entidades da Saúde vão pressionar o Ministérios da Saúde para incorporar ao Plano Nacional de Saúde de Imunizações todas as vacinas com eficácia e segurança contra a Covid-19. O Governador do Estado, voltou a tratar do tema por telefone com o Ministro da Saúde. A secretária da Saúde, Arita Bergmann, critica a falta de coordenação do Ministério.

08/12/2020

Jornal do Comércio

Em Porto Alegre, seis hospitais estão com restrição de atendimento devido à alta procura em meio à pandemia. O Hospital Divina Providência anunciou restrições a pacientes; os hospitais Moinhos de Vento, Mãe de Deus, Conceição, HCPA e Ernesto Dornelles completam a lista de emergências com restrições.

09/12/2020

Jornal do Comércio

Porto Alegre tem taxa de mortalidade de 109,8 óbitos a cada 100 mil habitantes. O índice colocaria a capital gaúcha em 7° lugar no ranking nacional se ela fosse um estado brasileiro, ficando acima de São Paulo, o mais afetado do País, que tem taxa de mortalidade de 94,3 mortes por 100 mil habitantes.

 

23/12/2020

Correio do Povo

Cansaço. Esta é a palavra mais repetida por gestores de hospitais da Capital para definir a condição atual das equipes de saúde, após nove meses na linha de frente do combate ao novo coronavírus.

Fonte: compilação dos autores.

 

Com a pandemia se tornou comum nos jornais digitais locais a divulgação de informações a partir de fontes oficiais - Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Estadual da Saúde e Ministério da Saúde -, sobre o número de mortos e a quantidade da população infectada pelo vírus, além da taxa de ocupação de leitos Covid-19 nos hospitais da cidade e de outras regiões do estado. Nesse período, os hospitais de Porto Alegre operaram com capacidade máxima de lotação nas UTIs e, consequentemente, no esgotamento dos profissionais da saúde que atuaram na linha de frente do combate ao coronavírus.

Destacam-se as pressões tanto econômicas quanto políticas para a flexibilização das medidas de distanciamento social, ancoradas no discurso da necessidade de melhorar a economia, ocasionando um aumento considerável dos casos de Covid-19 na cidade. Pelo teor das notícias, percebe-se que houve tensões de diferentes interesses entre aqueles que defendem a flexibilização da economia e os que propõe a manutenção das medidas de distanciamento social com a finalidade de preservação da saúde da população.

Além dos protestos e pautas entre empresários e o governo para a liberação de eventos e a flexibilização das atividades sociais e culturais, os jornais trouxeram reportagens sobre a necessidade de reinvenção. Com as medidas restritivas em vigor, novas formas de contato e divulgação de feiras e de apresentações musicais, teatrais, literárias e de negócios, e as adequações dos espaços culturais para a circulação de visitantes e a proteção de acervo e obras esculturais quanto a possíveis danos causados pelo uso de álcool-gel. Por outro lado, os arquivos, as bibliotecas, os museus e os centros culturais foram um dos últimos setores a receber liberação, enquanto o comércio também prejudicado pela pandemia já operava de forma presencial, como também as atividades religiosas que foram consideradas essenciais em tempos de pandemia.

Considerando a singularidade de informações que outrora tinham pouca relevância para o público, novas e diferentes palavras, conteúdos e imagens ocuparam diariamente as páginas dos meios de comunicação. Entre elas, a produção de vacinas e os laboratórios fabricantes, o grau de eficácia de cada uma delas, as discussões sobre a inclusão de vacinas contra a Covid-19 no Programa Nacional de Imunização, as recomendações e medidas de distanciamento social, a higienização das mãos e o uso de máscaras. Essas informações se tornaram preponderantes para a população, tendo em vista a necessidade de cuidados para evitar a contaminação e a propagação do vírus.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A mídia como espaço público discursivo na construção das representações e dos imaginários sobre a cidade, por meio dos registros escritos e visuais, divulgou informações sobre a realidade e os principais fatos que ocorreram durante a pandemia do coronavírus na cidade. Neste contexto, as narrativas dos jornais digitais pesquisados utilizaram-se de diversos recursos comunicacionais como: gráficos, imagens fotográficas, entre outros, como forma de ampliar a visão sobre os acontecimentos locais.

Com maior volume de notícias no setor da saúde, as manchetes e matérias sobre a pandemia demonstram os impactos que a mesma causou em todos os setores da sociedade e que afetou a dinâmica da cidade, no período. Com a divulgação recorrente de conteúdos informativos e o uso de palavras, frases e imagens que refletem o cenário, observa-se que os jornais digitais auxiliam na construção das representações sobre a pandemia na cidade.

Os jornais digitais ao veicularem as notícias sobre a pandemia fazem circular imagens sobre Porto Alegre e os seus habitantes, permeadas por símbolos que tem como referência o imaginário instituído sobre a cidade. Além disso, a partir dos atributos e caracterização dos lugares referidos da cidade, os jornais também divulgam informações e conhecimentos sobre a cultura local. É neste contexto que a informação exerce o papel de mediadora na construção dos sentidos e das representações que sustentam os imaginários de Porto Alegre e seus cidadãos.

As representações sobre a pandemia nos jornais digitais, durante o período estudado, estão ancoradas nos impactos que a pandemia trouxe para os mais diversos setores da sociedade que afetaram a dinâmica da cidade. Elas são construídas a partir das tensões e dos conflitos entre os diversos interesses econômicos e sociais entre os defensores da flexibilização da economia, sustentadas pelo discurso da necessidade de revitalização da economia e aqueles que propõe a manutenção das medidas de distanciamento social com o objetivo de preservação da saúde dos cidadãos. A pandemia do coronavírus é acontecimento recente, isso faz com que as representações sobre ela apareçam de forma pulverizada, pois a sua sedimentação se encontra em processo de construção.

 

 

REFERÊNCIAS

 

CANEVACCI, M. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004.

 

CORREIO DO POVO. Porto Alegre. Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/. Acesso em: 17 jan. 2022.

 

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[1] Doutor em Sociologia (USP) e pós-doutoramento em Memória Social (UNIRIO). Professor titular da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FABICO/UFRGS) e do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCIN//UFRGS).

[2] Mestre em Ciência da Informação (PPGCIN/UFRGS); Bacharel em Biblioteconomia pela UFRGS.

[3] Graduanda em Biblioteconomia pela UFRGS.

 

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