MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO EM PRESENÇA

Situacionalidade, transitoriedade e simetria entre implicadores e implicados*

Rodrigo Rabello[1]

Universidade de Brasília (UnB)

rdgrabello@unb.br

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Resumo

Objetiva apresentar a proposição de mediação da informação “em presença” numa dimensão cosmopolítica. Para tanto, aborda contextos de mediação da informação e suas implicações para pesquisa, formação e atuação profissional no campo da ciência da informação e apresenta o alcance das associações entre atores humanos e não-humanos, evidenciando a agência de implicadores e implicados. Situa docente-pesquisador e profissional de informação como implicadores, e usuário e não-usuário de informação como implicados, em modos de mediação tradicional ou contemporâneo. Problematiza essa composição inicial ao dialogar com princípios de situacionalidade, de transitoriedade e de simetria dos atores. Com isso, delineou-se quatro situações: 1. Docente-pesquisador e profissional da informação podem implicar a dimensão cultural dos usuários e dos não-usuários; 2. Usuário de informação como implicador e profissional de informação como implicado; 3. Docente-pesquisador como implicado no ensino e na pesquisa sobre mediação da informação; e 4. Docente-pesquisador e profissional de informação implicam em e são implicados por atores não-humanos. Depreendeu-se que “estar em presença” em contextos mediacionais se torna um ponto de contato entre cosmologias. A abordagem coloca em relevo a transitoriedade nas condições de implicadores e implicados.

Palavras-chave: Mediação da informação. Praxiologia informacional. Não-usuário de informação. Formação e atuação profissional. Cosmopolítica.

 

INFORMATION MEDIATION IN PRESENCE

Situationality, transience, and symmetry between implicators and the implicated

 

Resumo

This paper aims to present the proposition of mediation of information “in presence” within a cosmopolitical dimension. To do so, it approaches information mediation contexts and their implications for research, education and professional performance in the field of information science, and it presents the reach of associations between human and non-human actors, showing implicators and the implicated, and information users and non-users as implicated, in traditional or contemporary modes of mediation. It criticizes this initial composition as it dialogues with principles of situationality, transience, and symmetry among the actors. Four situations were hence outlined: 1. Professor-researcher and information professional may implicate the cultural dimension of users and non-users; 2. Information user as an implicator and information professional as the implicated; 3. Professor-researcher as the implicated in teaching and in research on information mediation; and 4. Professor-researcher and information professional implicated and are implicated by non-human actors. This study concludes that “being in presence” in mediation contexts becomes a point of contact between cosmologies. The approach highlights the transience in the conditions of implicators and the implicated.

Keywords: Information mediation. Informational praxiology. Non-user of information. Education and professional performance. Cosmopolitics.

 

1  INTRODUÇÃO

Ceci n'est pas une pipe

Inscrição no quadro La trahison des images, de 1929,

do pintor belga surrealista René Macritte.

 

O presente estudo propõe suscitar reflexões acerca da relação entre implicadores e implicados[2] em contextos de mediação da informação. Em tais cenários, atores humanos e suas práticas podem ser abordados de modo restritivo ou receptivo. Com isso, tais agentes mobilizam e/ou são mobilizados por dilemas ético-políticos presentes no âmbito da produção de conhecimento, da formação e da atuação profissional no campo informacional.

  Em temas de pesquisa na área de informação há um adensamento teórico-conceitual sobre atores humanos comumente abordados na condição de profissional de informação ou de usuário de informação. Tais sujeitos dividem espaço e interesse com outros atores humanos e, em particular, com atores não-humanos,[3] sobretudo com sistemas de mediação e recuperação de informação, com instituições de mediação de informação, bem como com tecnologias, coleções, bases de dados, documentos, dentre outros.[4]

Outros atores humanos – como é o caso do docente-pesquisador,[5] que trabalha com a formação do profissional de informação, ou do sujeito informacional e do não-usuário, que se diferenciam do usuário de informação –, não gozam de mesmo peso teórico na área. Parte-se do pressuposto de que aqueles “outros atores” e suas agências, expressos em conceitos por ora secundarizados ou desconsiderados,[6] encontram nos estudos que envolvem dimensões ético-políticas meios privilegiados para o seu adensamento teórico-conceitual.

À luz de estudos dessa natureza, a presente proposta objetiva, primeiro, contextualizar aspectos da ciência e suas implicações, para, em seguida, situar docente-pesquisador e profissional de informação como implicadores, e usuário de informação, sujeito informacional e não-usuário de informação como implicados. Por fim, problematiza a composição inicial entre implicadores e implicados, para, complementarmente, apresentar outros arranjos no que foi denominado de proposição de mediação da informação em presença.

O primeiro objetivo contou com aportes epistemológicos que situam a dimensão política da produção de conhecimento científico (seção 2). Parte desse entendimento que considera a politicidade constituiu critério para a escolha de conceitos e dos respectivos autores proponentes.[7] Os objetivos seguintes, que abordam implicadores (seção 3) e implicados (seção 4), foram desenvolvidos com base no que foi denominado de mediação da informação tradicional ou contemporânea.[8] Depois da problematização dessa composição inicial, a proposição de mediação, ao final (seção 5), foi orientada pelos princípios de situacionalidade, de transitoriedade e de simetria[9] entre implicadores e implicados à luz de dimensões cosmopolíticas.

Os arcabouços epistemológicos e políticos contam com autores que têm contribuído e/ou dialogado com estudos de ciência, tecnologia e sociedade (CTS), transcendendo o discurso sobre as potencialidades das ciências tradicionais e contemporâneas ao igualmente situar suas limitações e implicações. Nessa direção, destacou-se, primeiramente, a defesa de um paradigma do conhecimento prudente para uma vida decente (SANTOS, 2008) para, em seguida, apresentar uma proposição cosmopolítica (STENGERS, 2018). Essa proposição traz os elementos orientadores para a reflexão sobre a “presencialidade” no âmbito da mediação da informação.

O estudo conta, ainda, com autores que têm contribuído com o paradigma social da ciência da informação (CAPURRO, 2007). Eles buscam intervir no campo informacional com os seguintes conceitos: sujeitos (RENDÓN ROJAS; GARCÍA CERVANTES, 2012; RABELLO, 2013), público e não-público (FLUSSER, 1980), usuários e não-usuários (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020), práticas (SAVOLAINEN, 2007; ARAÚJO, 2017), praxiologias (ARAÚJO, 2021), sejam elas receptivas ou restritivas (RABELLO, 2021), e mediação (ALMEIDA JUNIOR, 2015; GOMES, 2020).

Pretende-se, assim, ampliar horizontes de investigação, apresentando alternativas para subsidiar reflexões sobre práticas de pesquisa, de ensino e de atuação profissional no campo informacional.

 

2  A CIÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES

A seção aborda a defesa da tese do paradigma do conhecimento prudente para uma vida decente e a apresentação de uma proposição cosmopolítica, cada qual finalizando com dilemas éticos e políticos no âmbito da ciência e de suas implicações.

 

2.1  CONHECIMENTO PRUDENTE PARA UMA VIDA DECENTE

O paradigma do conhecimento prudente para uma vida decente corresponde à tese central, de cunho explicitamente ético-político, defendida pelo sociólogo e filósofo português Boaventura de Sousa Santos em seu trabalho “Um discurso sobre as ciências”. O texto, publicado em 1987 (SANTOS, 2008), conta com inúmeras edições e tem passado pelo escrutínio de autores de diferentes áreas e interesses. Nessa direção, destaca-se a coletânea organizada por Santos em 2003 a qual “atualiza” o texto original (SANTOS, 2006).

A ideia orientadora do pensamento reconhece, primeiramente, a existência de um paradigma científico dominante (positivista, realista),[10] sendo questionado por um paradigma emergente (anti-positivista, construtivista) e expresso numa ciência pós-moderna. Demarca-se, com isso, uma posição epistemológica antipositivista. Nela, reconhece-se que “[...] todo conhecimento científico é socialmente construído”, bem como que a “[...] objetividade não implica a sua neutralidade.” (SANTOS, 2008, p. 9).

O paradigma dominante foi formulado na chave epistemológico-política de defesa de uma racionalidade hegemônica conectada a uma ideia burguesa de progresso, sendo orientada pela universalidade de critérios e pelo arquétipo das ciências naturais. Tal ideário fundamentou, no século XIX, o positivismo. Essa dimensão teórica constituidora foi central para o início de uma crise da ciência. Aquele paradigma – suportado na ideia de lei universal – passou a ser problematizado e questionado com a formulação de construtos baseados, por exemplo, no caráter probabilístico, aproximativo e provisório das classificações científicas.

Ante a tal questionamento, o paradigma emergente foi formulado noutra chave epistemológico-política. A possibilidade aberta com a indagação do paradigma dominante permitiu um tipo de proposição segundo o qual o paradigma do conhecimento prudente (paradigma científico) passaria a fazer sentido no contexto de um paradigma social (ou paradigma para uma vida decente). Esta tese de Santos foi fundamentada mediante a defesa de quatro argumentos:

1.      Todo o conhecimento científico-natural é científico-social, demonstrando o problema da separação entre ciências naturais e sociais;

2.      Todo o conhecimento é local e total, pressupondo uma tradução e uma transgressão metodológica, escapando de receitas prévias;

3.      Todo o conhecimento é autoconhecimento, assumindo seu caráter autobiográfico e auto-referencial e questionando a separação entre sujeito e objeto; e

4.      Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum, admitindo a necessidade de diálogo com outras formas de conhecimento.

 

Nos paradigmas dominante e emergente se delineiam perspectivas de intervenção com posicionamentos que levam a dilemas ético-políticos. Ou se nega, na ciência, a política em nome da neutralidade metodológica, que faz da ciência e do cientista entidades autocentradas e autolegitimadas na convicção de – mediante a aplicação do método – acesso inequívoco à realidade; ou se reconhece a politicidade da ciência, suas limitações, sua potencialidade de se autocriticar, de se aproximar da realidade, de aprender com o senso comum e de ser compreensível como o senso comum, e, enfim, de ter no horizonte uma vida decente.

 

2.2 PROPOSIÇÃO COSMOPOLÍTICA

A proposição cosmopolítica foi desenvolvida pela filósofa e química belga Isabelle Stengers. O texto aqui abordado é uma tradução para o português de uma síntese do livro Cosmopolitiques[11] publicado, inicialmente, em sete volumes entre 1996 e 1997. Nele, a autora lança a seguinte indagação: “Como apresentar uma proposição cujo desafio não é o de dizer que ela é, nem de dizer o que ela deve ser, mas de fazer pensar [...] [?]” (STENGERS, 2018, p. 443).

A proposta reconhece o que é próprio das práticas científicas. Ainda assim, não prescinde do pressuposto da politicidade das coisas de interesse da ciência e da politicidade da própria ciência. Ela parte do pressuposto de que ante a chave universal neutra, com a pretensão de ser validada por todos, há uma arena política “[…] povoada pelas sombras do que não tem, não pode ter ou não quer ter voz política.” (STENGERS, 2018, p. 447).

Para tanto, a proposição evidencia, como diagnóstico, o enquadramento e as limitações da “ecologia política” (orientada pelo prisma eco-etológico), exemplificados em modelos onde operam vilanias ou ações com “boas intenções”, em nome do “interesse geral” e da eficácia, quais sejam:

§  “modelo físico” e mecanicista, segundo o qual, no âmbito econômico das corporações e do Estado, defende-se, por exemplo, a redução de empregos, dentre outras perdas de direitos;

§  “modelo biológico” e naturalizador, segundo o qual há harmonia do corpo único, dificultando ou impedindo, por exemplo, reflexões sobre contradições na democracia;

§  “arte dos químicos”, mediante a qual opera o pensamento centrado na eficácia ao se manipular as coisas para atender, nelas próprias, determinados fins.

A ordem do mundo, através do conhecimento científico, está submetida à ordem do acontecimento.[12] Nela, a eficácia na política pode ser problematizada no sentido de evitar dicotomias do tipo “ou bem isso... ou bem aquilo...”, ao poder operar, a um só tempo, o “dispositivo do discurso” e o “ritual de bruxas”.[13] A indagação pode ser articulada por intermédio do reconhecimento de estratégias para a eficácia mediante as quais a ecologia política cria emergências de decisões protegidas pela ficção segundo a qual “[...] os seres humanos de boa vontade decidem em nome do interesse geral.” (STENGERS, 2018, p. 449).

Em contraponto aos pressupostos da ecologia política, a proposição cosmopolítica parte de uma perspectiva de “eto-ecológica” (étho-écologique) numa arena ético-política segundo a qual os atores implicadores (por exemplo, experts) estão plenamente expostos às consequências de suas ações junto aos implicados. Alguns princípios (em destaque) são orientadores para a proposição cosmopolítica e será – logo depois da citação que a aborda – detalhados:

A igualdade não significa que todos possuem “igualmente o mesmo direito de voz”, mas que todos devem estar presentes de um modo que confira à decisão o seu grau máximo de dificuldade, que proíba qualquer atalho, qualquer simplificação, qualquer diferenciação a priori entre aquilo que conta e aquilo que não conta. O cosmos [...] não possui representante, ninguém fala em seu nome e ele não pode ser feito objeto de nenhum procedimento de consulta. O seu modo de existência se traduz pelo conjunto dos modos de fazer, dos artifícios cuja eficácia é a de expor aqueles que terão que decidir, de constrangê-los a esse pavor [...] trata-se de abrir a possibilidade de que ao murmúrio do idiota se responda não, por certo, com a definição “daquilo que há de mais importante”, mas com a desaceleração sem a qual não pode haver criação. (STENGERS, 2018, p. 463, grifos nossos).

 

Na proposição cosmopolítica, a igualdade é situada e se contrapõe à ideia de equivalência, algo de cunho generalizante e utilitarista. Considerando casos difíceis, como em situações de pandemia, a equivalência pode ser exemplificada em tipos de vilania por meio dos quais – ante a diversidade de ritos na experimentação em laboratório – são “colocados na balança”, em escalas de valor, por exemplo o sofrimento de animais-cobaia (o sofrimento de um chipanzé seria “maior” do que de um rato?). Os pesquisadores tentam se proteger, ademais, mediante argumento de autoridade do tipo “e portanto...”, evocando, a seu favor, a necessidade da experimentação para o progresso do conhecimento, da racionalidade, do método científico, para a resolução de problemas práticos.

Na proposição, o cosmos nomeia o desconhecido que constitui “[...] mundos múltiplos, divergentes articulações das quais eles poderiam se tornar capazes, contra a tentação de uma paz que se pretenderia final, ecumênica [...]” (STENGERS, 2018, p. 447). O cosmos não admite, ou coloca em suspensão, o argumento do tipo “e portanto...”. Nesses termos, ele é um operador de colocação de igualdade e de inquietude, referindo-se à proposição cosmopolítica “[...] muito mais com a passagem de um pavor, que faz balbuciar as seguranças.” (STENGERS, 2018, p. 447).

Esse balbuciar se orienta pela noção de “idiota”, recordada pelo filósofo francês Gilles Deleuze a partir da alegoria do romancista russo Fiodor Dostoïevski. A expressão “idiota”, nesse contexto, não se confunde com o uso corrente e pejorativo do termo. O idiota se refere àquele a quem há sempre algo mais importante, mesmo que ele não saiba o que é. O idiota “[…] pede que não nos precipitemos, que não nos sintamos autorizados a nos pensar detentores do significado daquilo que sabemos.” (STENGERS, 2018, p. 444).

O murmúrio do idiota leva à desaceleração. Ele sussurra que quiçá exista algo mais relevante, e não deixa de evidenciar que as “nossas” ações e práticas, por melhor da boa vontade, não se eximem da culpa de qualquer “cegueira fanática” cujos resultados podem afetar “os outros”. Ele pode, com isso, mudar o curso dos acontecimentos. Ele irrompe qualquer anestesia. Ele não designa o arbítrio de julgar a legitimidade das urgências de pesquisa, nem nega saberes articulados, tampouco os denuncia ao se passar como mentira.

Em suma, ao causar constrangimento, o murmúrio do idiota irrompe o lugar de assepsia do implicador expert que se depara com uma situação “ecológica”, onde o seu oikos, ou o seu hábitat, o obriga a ignorar o pedido de interstício para a desaceleração ou o levar em conta. Eis um dilema ético-político. Com a situação posta há a possibilidade de o implicador escolher pela inconsequência ou estar “em presença”, levando em conta as consequências de seus atos.

Na proposição cosmopolítica, a perspectiva “eto-ecológica” atua numa arena da contraposição do argumento do tipo “e portanto...” (de autoridade, inconsequente) e da postura “em presença” (consequente). Em posturas “em presença”, os atores implicadores – experts, cientistas, pesquisadores, docentes – estão expostos às implicações de suas ações junto aos atores implicados – animais cobaias em laboratório, ribeirinhos desalojados e ecossistema danificado ou destruído por conta da instalação de barragem hidroelétrica, dentre outros.

 

3  SUJEITOS IMPLICADOS, praxiologias E IMPLICAÇÕES

A ciência suscita implicações éticas e políticas. À luz de implicações dessa natureza no campo da ciência da informação, a presente seção aborda a problematização do conceito de usuário de informação em contraponto aos construtos sujeito informacional e não-usuário de informação, bem como descreve o alcance de praxiologias informacionais e suas implicações.

 

3.1 USUÁRIO E SUJEITO INFORMACIONAL COMO IMPLICADOS

A emergência do conceito de sujeito informacional (CRUZ; ARAÚJO, 2020) encontra no estudo dos pesquisadores mexicanos, o filósofo Miguel Ángel Rendón Rojas e o sociólogo e bibliotecário Luis Alejandro García Cervantes, uma primeira proposta conceitual (RENDÓN ROJAS; GARCÍA CERVANTES, 2012). Os autores trazem luz às mudanças sociais no contexto das necessidades informacionais e da insuficiência do conceito de usuário de informação. Como alternativa, eles propõem o conceito de sujeito informacional no sentido de abranger aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Os autores defendem um paradigma contextual, tendo como “caixa de ferramentas” o que denominam de epistemologia da identidade comunitária-informacional (EIC-I). Há, com tal proposta, a abertura de interesse à vida cotidiana. Nela, as necessidades informacionais são estudadas a partir dos contextos sociais, conhecendo a realidade do ambiente e identificando e buscando solucionar dificuldades, problemas e carências culturais e políticas. A fundamentação do estudo encontra referência em conceitos como “estar ali”, do antropólogo estadunidense Clifford Geertz, e “habitus”, do sociólogo francês Pierre Bourdieu.[14]

A dimensão ontológica e epistemológica proposta diferencia usuário de informação de sujeito informacional. O usuário de informação constitui-se como aquele que se relaciona com unidades de informação, ou seja, instituições e sistemas de mediação da informação. O sujeito informacional constitui-se como aquele que se relaciona com entidades informacionais no contexto vulnerável específico. Os autores distinguem unidade de informação de entidade de informação.

A unidade de informação se encontra num plano institucionalizado e burocrático no rol das “[…] instituições sociais do Estado portadoras do saber (escolas, bibliotecas, museus, etc.) formadoras de sujeitos cognoscentes”, tendo como característica estarem “[…] destinadas para o uso exclusivo de um setor pequeno da população”. A entidade de informação, por sua vez, se caracteriza por fazer parte da comunidade, no sentido de propiciar à “[...] população – vulnerável e excluída – [...] as condições necessárias para ser um sujeito informado e, assim, poder participar na construção de uma sociedade mais justa”. (RENDÓN ROJAS; GARCÍA CERVANTES, 2012, p. 33).

Posteriormente, Rabello (2013), sem considerar a distinção entre unidade e entidade informacional e com vistas a situar aspectos relativos ao sujeito informacional, evidenciou a relação entre profissional de informação e usuário de informação em dimensões informacionais. O estudo contou com a heurística dos paradigmas físico, cognitivo e social da informação (CAPURRO, 2007), considerando-os em dimensões – física, subjetiva (que comporiam o “modelo sistêmico”) e social (que comporia o “modelo emergente”) – constituídas de modo não linear, diacrônico, complementar e podendo conviver mutuamente (RABELLO, 2013).

A dimensão física da informação enfoca a eficiência da transmissão de mensagens no sistema (canal). Nele, o ator central é o profissional que projeta e mantém o sistema e gerencia a informação. O usuário, nesse modelo, seria um “autômato” do sistema ou container de informação. Já a dimensão subjetiva enfoca o processo cognitivo do sujeito isolado (indivíduo utilizador da informação) para obter subsídios para o aperfeiçoamento do sistema. O usuário, nesse modelo, é enfatizado como produtor de sentido mediante determinado comportamento. Seja no enfoque fisicalista ou no cognitivista, a relação que prevalece ocorre em termos de “profissional-sistema-usuário”.

A dimensão social ou emergente enfoca a informação como fenômeno social e considera os sujeitos efetivamente participantes das ações de informação, onde a produção de sentido e de conhecimento ocorre de modo comunicativamente compartilhado, em relações interativas, interventivas e intersubjetivas num contexto social. Nele, o sistema de mediação continua sendo um ator a ser considerado, mas não imprescindível, à medida que o fenômeno informacional, que envolve o sujeito produtor de conhecimento, pode ser investigado em sua relação, por exemplo, no âmbito de redes sociais. No enfoque social, a relação que prevalece sucede em termos de “sujeito-instituição[15]-conhecimento”.

 

3.2 não-PÚBLICO E NÃO-usuário de informação como implicados

O conceito de “não-público” foi proposto pelo bibliotecário Victor Flusser. O autor influenciou a concepção brasileira de ação cultural em bibliotecas como um meio democrático de intervenção institucional. Ele contou, para tanto, com o fundamento advindo de ideias do filósofo e educador brasileiro Paulo Freire. Flusser traz luz a um contexto ético-político que diferencia “biblioteca tradicional”, que considera o público efetivo ou potencial, de outro cenário, nomeado de “biblioteca verdadeiramente pública” ou “biblioteca ação-cultural”. Uma das características deste último contexto é que ele também considera o não-público (FLUSSER, 1980).

O não-público resulta das modificações sociais de consumo de cultura moldadas a partir do espírito individualista burguês, segundo o qual a produção e o consumo artístico passou a ser um privilégio de um público efetivo ou potencial. Há, com isso, a negação do direito de acesso, a parcela da sociedade, aos objetos da cultura, impedindo, a esse segmento, a possibilidade de usufruir, opinar e expressar o seu conhecimento. Argumentou-se que, desde o movimento renascentista europeu, estabeleceu-se uma tradição no sistema cultural segundo a qual “[...] público potencial pode vir a ser público efetivo, [mas] o não-público não o será jamais.” (FLUSSER, 1980, p. 132).

Para propor uma mudança a essa ordem – com vistas a considerar o não-público –, diferenciou-se “biblioteca tradicional” de “biblioteca ação-cultural”. A “biblioteca tradicional” opera com informação e herança cultural mediadas para um público, com livros escritos previamente, com um modelo de instituição que atua para a comunidade (sendo implantada nalguma realidade e sujeita a rejeição) e com o bibliotecário à disposição para auxiliar o público. Já a “biblioteca ação-cultural” trabalha com a informação mediada com a população (fomentando uma leitura crítica) e com livros que estão por escrever pelo não-público. A instituição, neste caso, não atua para uma comunidade, mas ela é da comunidade, tendo o bibliotecário integrado e pertencente ao seu meio.

À luz da ideia de não-público, o construto “não-usuário de informação” foi proposto no sentido de problematizar dimensões ético-políticas e limitações epistemológicas relativas ao caráter restritivo inerente à acepção de “usuário de informação” (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020). Parte-se do pressuposto de que o público é formado de usuários de informação efetivo ou potencial (FLUSSER, 1980) e o não-público é formado de não-usuários de informação (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020). Como uma alternativa, na possibilidade de investigação da relação “informação e comunidade” – que inclui estudo de “usuário e não-usuário de informação” – haveria uma ampliação de escopo que permitiria diagnosticar e compreender aspectos relativos a classes sociais, envolvendo contextos de desigualdade e de invisibilidade de determinados grupos.[16]

O conceito de usuário de informação é importante para o campo de estudos de usuários (dentre outros na ciência da informação), que inclui estudo de comunidade, relativo, por exemplo, a levantamentos de dados demográficos do público efetivo ou potencial e do grau de satisfação do uso de produtos e serviços oferecidos por determinado sistema de informação, com vistas ao (re)desenho ou aperfeiçoamento deste. O usuário de informação corresponde ao sujeito com determinados atributos e que dispõe de alguma condição material “[...] – estando ou não em situação de invisibilidade social –, mas que goza de [...] capital cultural e social que lhe confere algum privilégio.” Enfim, a noção de usuário é relevante sobretudo para políticas em “[...] unidades de informação que têm como público preferencial as classes média e alta, como é o caso das instituições de ensino superior ou especializadas.” (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020, p. 21).

A acepção de não-usuário de informação transcende o enquadramento do conjunto dos sujeitos informacionais caracterizados pela situação de desigualdade, de vulnerabilidade e/ou de invisibilidade social. A unidade e/ou a entidade de informação podem “gerar” ou “(re)produzir” o não-usuário, quando não oferecem adequação de acesso ao espaço físico e/ou aos produtos e serviços de informação (analógicos ou digitais), bem como quando seus profissionais “(re)produzem” preconceitos (direta ou indiretamente) direcionados à comunidade ou aos usuários reais ou potenciais. Nesse caso, mesmo sujeitos pertencentes às classes privilegiadas podem ser “içados” à condição de não-usuários.

 

3.3 PRÁTICAS, praxiologias INFORMACIONAIS e SUAS implicações

O conceito de práticas informacionais tem sido trabalhado desde as décadas de 1960 e 1970, sendo especificamente abordado, no cenário internacional, por autores como Pamela McKenzie, Sanna Talja, Kimmo Tuominen, Elfreda Chatman e Reijo Savolainen, dentre outros. Ao pesquisador finlandês Savolainen atribuiu-se o mérito de sistematizar, epistemologicamente, práticas informacionais como um conceito “guarda-chuva”, estabelecendo uma alternativa à concepção de comportamento informacional (SAVOLAINEN, 2007).[17]

O estudo das práticas decorre do interesse de investigação sobre a busca da informação no cotidiano (Everyday Life Information Seeking - ELIS), no sentido de incluir, em estudos dessa natureza, a influência de fatores sociais e culturais. Nessa perspectiva, entende-se por práticas informacionais o conjunto de maneiras “[...] social e culturalmente estabelecidas para identificar, buscar, usar e compartilhar as informações disponíveis em várias fontes, como televisão, jornais e a Internet.” (SAVOLAINEN, 2008, p. 2).

O pesquisador brasileiro Carlos Alberto Ávila Araújo – ao responder a pergunta sobre o que são “práticas informacionais” – observa que o conceito não busca suplantar investigações sobre “uso” e “comportamento informacional”, tampouco questionar pesquisas orientadas por um caráter utilitário e/ou aplicado. O construto busca, por sua vez, trazer luz a complexidades da realidade até então desconsideradas ou insuficientemente estudadas, sobretudo ao se interessar, no âmbito do campo de estudos de usuários, pela dinâmica da relação sujeitos e dispositivos. Isso porque, como um “objeto cultural”, a informação se caracterizaria, em termos giddensianos, como “algo fluido e cambiante.” (ARAÚJO, 2017, p. 233).

O autor publicou, em 2021 – no livro Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas (TANUS; ROCHA; BERTI, 2021) –, capítulo sobre as possíveis contribuições da perspectiva praxiológica, do sociólogo francês Louis Quéré, para os estudos de usuários de informação (ARAÚJO, 2021). De acordo com a investigação, a vertente praxiológica – situacional, contextual, pragmática e intersubjetiva – fundamenta os estudos de práticas informacionais. Já o modelo positivista – epistemológico-representacional – tende a orientar os estudos de comportamento informacional.

Nessa linha, a perspectiva praxiológica/constitutiva é estudada como “[...] uma chave de interpretação dos fenômenos humanos e sociais a partir da noção de comunicação” (ARAÚJO, 2021, p. 83), havendo a centralidade do processo num movimento de reciprocidade de construção de interesses em comum. Essa perspectiva se diferencia da abordagem representacional segundo a qual a comunicação é estudada tendo como preocupação a transmissão e o uso de mensagens, onde subjetividade e objetividade seriam pré-determinadas.

Naquela coletânea, outro capítulo buscou se debruçar sobre dimensões éticas e políticas em perspectivas praxiológico-informacionais, sendo estas, naquele capítulo, denominadas de “restritiva” ou “receptiva” (RABELLO, 2021). Segundo a pesquisa, qualquer dessas modalidades praxiológicas leva a refletir ou a contrastar “[...] com a visão de mundo do pesquisador e/ou do profissional e implica restringir ou ampliar o escopo de sujeitos.” (RABELLO, 2021, p. 114).

A praxiologia restritiva se orienta em estudos de usuários que têm como lócus unidades de informação tradicionais. Nessa praxiologia, a concepção de usuário de informação carrega determinantes ou atributos que induzem a desconsiderar aspectos tangentes à invisibilidade de sujeitos, relativa, por exemplo, a desigualdade de classes sociais ou a operacionalização de violência simbólica ou epistêmica. “O pesquisador e/ou o profissional, nesse cenário, estuda as práticas no sentido de atuar para o sistema de mediação ou para o sujeito a quem a informação ou a ‘cultura do passado’ será mediada.” (RABELLO, 2021, p. 113, grifos do autor).

A praxiologia receptiva de sujeitos e de suas práticas busca contribuir com o campo informacional tanto para a ciência fundamental ou básica (sem ter, de antemão, o interesse na aplicação), como para a ciência aplicada, em instituições, unidades [e entidades] de informação. Nessa perspectiva, “[...] pesquisador e/ou profissional de informação pode(m) investigar as práticas com vistas a atuar não apenas para, mas também com a comunidade.” Embora não estivesse expresso nesses termos naquele estudo, com a praxiologia receptiva promover-se-ia uma mediação crítica da informação com o que pode ser denominado de “maiorias silenciadas”,[18] “[...] dando voz e protagonismo, p. ex., à ralé estrutural, aos negros, aos indígenas, às pessoas LGBTQI+, às pessoas com deficiência etc., no sentido de considerar os sujeitos como público.” (RABELLO, 2021, p. 114).

 

4  MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO, IMPLICAÇÕES E IMPLICADORES

Os implicados de praxiologias transcendem os usuários de informação, alcançando também os denominados sujeitos informacionais e não-usuários. Com vistas a agora estender a reflexão sobre os atores implicadores, a presente seção aborda a mediação tradicional ou contemporânea da informação, contextualizando, em seguida, docente-pesquisador e profissional de informação como implicadores.

 

4.1  MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO TRADICIONAL ou CONTEMPORÂNEA

A mediação da informação tradicional se fundamenta, em grande medida, por uma concepção essencialista e epistemológico-representacional segundo a qual a semântica da mensagem deve ser mantida desde a sua entrada no sistema, passando pelo seu processamento e culminando na sua saída, para a recepção. Essa modalidade de mediação, em sua operacionalização, pressupõe ou depende do diagnóstico sobre a eficiência do sistema, no sentido de eliminar falhas e ruídos na transmissão de mensagens. A eficiência do sistema, com efeito, se apresenta como uma palavra-chave orientadora.

Noutras palavras, o diagnóstico mediacional tradicional – quando com enfoque no usuário de informação – pode ser direcionado para o estudo do comportamento informacional.  Com uma finalidade preditiva, almeja-se o escrutínio objetivo do processo cognitivo e o diagnóstico dos efeitos no receptor para a satisfação da lacuna informacional. Neste caso, tende a considerar comportamentos pré-determinados e categorizáveis, sendo o receptor-usuário concebido como um sujeito individualizado e descontextualizado.[19] Enfim, na mediação da informação tradicional, o profissional atua como um gestor para a transmissão otimizada e eficiente de mensagens com vistas a utilização da informação.

Em contraponto à perspectiva tradicional, o pesquisador brasileiro Oswaldo Francisco de Almeida Junior atualizou o seu conceito de mediação da informação em capítulo no livro Mediação oral da informação e da leitura (BORTOLIN; SANTOS NETO; SILVA, 2015). Em sua concepção, a mediação tem como característica a dialogicidade com vistas a fomentar o espírito crítico, problematizando recepção, desenvolvimento intelectual e tomada de consciência (ALMEIDA JUNIOR, 2015).

O autor converge com as leituras de mediação que consideram a articulação de equipamentos e objetos técnicos junto a ação humana, onde o meio ou canal, seus recursos e agentes, bem como a ambiência de equipamentos informacionais podem interferir no processo de produção de sentidos. Em síntese, ele entende por mediação da informação

[...] toda ação de interferência – realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais –, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural, individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais. (ALMEIDA JUNIOR, 2015, p. 25).

 

Esse construto contemporâneo auxiliou a elaboração de dimensões de mediação da informação proposta pela pesquisadora brasileira Henriette Ferreira Gomes. Tais dimensões articulam contribuições de autores como Gilbert Simondon, Lucien Sfez, Régis Debray, Daniel Peraya, Edmir Perroti, Ivete Pieruccini, dentre outros, de modo a defender a tese de que a mediação da informação atuaria como um fundamento para o protagonismo social da ciência da informação (GOMES, 2020). Destaca-se, nessa concepção, a relevância da informação como uma instância de trânsito e compartilhamento de conhecimentos produzidos em contexto entre sujeitos.

Nessa instância, “[...] o conhecimento transita do singular ao coletivo. Para ser socializado, o conhecimento, de quaisquer ordens, precisa adentrar seu estado de compartilhamento por meio de sua materialização (informação).” (GOMES, 2020, p. 9). Algumas dimensões (em destaque) são orientadoras para a concepção de mediação de informação da autora, apresentada e detalhada a seguir:

[...] a efetividade da ação mediadora é dependente da mediação consciente que busca, cuidadosamente, alcançar suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política, tornando possível o desenvolvimento e fortalecimento do protagonismo social, e assegurando que o acesso, uso e a apropriação da informação ocorram em parâmetros democráticos, trabalhando o encontro com a informação como uma experiência fortalecedora da construção de uma existência humana ativa, interferente no processo de transformação social e de fortalecimento das lutas por inclusão e justiça social. (GOMES, 2020, p. 20, grifos nossos).

 

A dimensão dialógica exigiria do agente mediador preparação e disposição necessárias para, num processo dialético, respeitar as diferenças “[...] estimulando a interpelação, expressão, manifestação dos sujeitos envolvidos, assegurando a permanência da dialogia no processo.” (GOMES, 2020, p. 12).

A dimensão estética pressupõe uma ambiência de liberdade, de conforto emocional e de acolhimento para o exercício do pensamento crítico, o que pressupõe o encontro com a informação, estando o sujeito livre para interpelar e questionar, na construção coletiva do conhecimento.

A dimensão formativa converge com a perspectiva freireana, também trabalhada por Almeida Junior, segundo a qual a mediação da informação “[...] deve centrar-se na intensificação do processo de problematização, ampliando o exercício da crítica e do debate, o que permitirá a apropriação da informação.” (GOMES, 2020, p. 16).

A dimensão ética se relaciona com o cuidado com o outro a quem se deve manter um estado de atenção, de zelo e de dedicação, concomitante a um estado de inquietude, indignação e de preocupação com realidades de exclusão. O respeito às diferenças caminha junto com a oportunidade de contribuir com o protagonismo social, em espaços de expressão e de interpelação entre os participantes.

A dimensão política está relacionada à mediação consciente da informação. Exige a formação do intelectual e do profissional orgânico. A partir de uma perspectiva humanista, a mediação da informação “[...] proporciona condições à tomada de consciência por parte de todos que fazem acontecer essa ação, uma consciência da condição de sujeitos políticos que, ao abandonarem a máscara da neutralidade, acabam assumindo a condição de protagonistas sociais.” (GOMES, 2020, p. 17-18).

Considerando os caminhos até aqui traçados, que privilegiam ações culturais (FLUSSER, 1980) em unidades e entidades de informação (RENDÓN ROJAS; GARCÍA CERVANTES, 2012), a atuação do usuário (ARAÚJO, 2020) e a diferenciação de não-usuário em contextos praxiológicos (ARAÚJO, 2021) restritivos ou receptivos (RABELLO, 2020), as contribuições de Almeida Junior (2015) e Gomes (2020) também abrem possibilidades para a proposição de um conceito que se distingue da abordagem tradicional de mediação.

A mediação da informação contemporânea tem no horizonte o contexto da comunidade. Nessa direção, trabalha com teorias sócio-interacionistas, teorias da comunicação, teorias linguísticas, dentre outras, que estabelecem um contraponto à ideia de neutralidade dos atores e suas agências. A mediação da informação contemporânea considera a politicidade prevista numa ação consciente, dialógica e orgânica junto ao público e ao não-público. A relação entre informação e comunidade permite, portanto, recepcionar o usuário e o não-usuário de informação em suas práticas nas esferas profissionais e cotidianas. Estimulando o protagonismo dos sujeitos, medeia-se, eticamente, a informação com a comunidade, numa instituição ou entidade de informação da comunidade, provocando uma leitura crítica para a escrita dos “livros” que estão por escrever pelo não-público.

 

4.2  docente-PESQUISADOR COMO IMPLICADOR

O docente-pesquisador como um implicador na mediação da informação se encarrega da produção de conhecimento e da formação do profissional de informação. A prática docente, munida do conhecimento incorporado durante a formação e o exercício da pesquisa, poderá implicar (em alguma medida) a visão de mundo do profissional de informação aprendiz. O fará, direta ou indiretamente, orientando a concepção do sistema de mediação e dos seus recursos, as teorias e os métodos utilizados, estes restringindo ou recepcionando atores implicados, a quem a mediação será direcionada – usuário de informação, sujeito informacional e não-usuário de informação –, bem como o modo de abordagem ou de (des)consideração dos atores não-humanos em suas agências – infraestruturas, equipamentos culturais ou dispositivos, ambiências, sistemas, tecnologias, dentre outros.

O docente-pesquisador tradicional evoca a neutralidade metodológica para rechaçar aquilo que entende como político e ideológico, tanto em sala de aula como na prática de pesquisa. Acredita que as suas atividades estão alheias ao contexto, às suas convicções, enfim, à sua visão de mundo. Com o argumento de autoridade silencia os discentes ou as vozes dissonantes que apresentam murmúrios de desconfiança ou efetivas contestações. O docente-pesquisador tradicional entende que sua autoridade epistêmica traz consigo o distanciamento necessário para abordar o objeto de pesquisa com neutralidade, acredita que é capaz de acessar e compreender inequivocamente a realidade.

O docente-pesquisador contemporâneo, por sua vez, dispõe-se a problematizar, em termos de autoridade, a superioridade ou a separação entre ciência e política e entre ciências naturais e sociais; em relação à produção epistêmica, tende a ampliar horizontes de saberes em epistemologias e cosmologias regionais ou locais, inclina-se a considerar outros modos de vida e de conhecimento; com efeito, tende a problematizar a separação entre sujeito e objeto, entre atores humanos e não-humanos, bem como a indagar a neutralidade da ciência e do ensino, reconhecendo a politicidade e a situacionalidade da produção do saber.

 

4.3  PROFISSIONAL de informação como implicador

O profissional da informação tradicional se caracteriza por mediar informação em unidades de informação tradicionais. No caso, a mediação é operacionalizada com vistas a eficiência da transmissão de mensagens por meio do sistema de informação. Há, com isso, uma preocupação com o (re)desenho, o funcionamento e o aperfeiçoamento do sistema. A eficiência também pode ser traduzida em qualidades – tais como eficácia, efetividade, atualização, rapidez, precisão, fidedignidade, autenticidade, confiabilidade, dentre outras – atribuídas à informação e/ou ao processo de mediação, amparadas pelo princípio da neutralidade técnica.

O profissional da informação contemporâneo, por sua vez, tem como característica interferir, direta ou indiretamente, mediando informação em ambiências em unidades (formais) e entidades (informais ou menos formais) de informação. Suas preocupações transcendem a eficiência do sistema de informação, bem como o enfoque no usuário e no uso de informação. Noutras palavras, ele está ciente das limitações ou dos modos de violência epistêmica e simbólica inerentes aos pressupostos que constituem o conceito de usuário de informação, ampliando o escopo de atuação ao colocar no horizonte, igualmente, o não-público.

Nessa linha, o profissional da informação contemporâneo trabalha com diagnósticos e orientações mediacionais trazendo contrapontos ou alternativas a assimetrias sociais e/ou decorrentes de inadequações institucionais e preconceitos que “criam” o não-público. Ele não se preocupa tão-somente com o uso e com a satisfação de necessidade de informação. Ele tem no horizonte o uso crítico e a apropriação da informação. Preocupa-se com os efeitos para além da satisfação informacional dos sujeitos, mediante os quais se situam conflitos que estimulam, por exemplo, o estranhamento, a inquietude e a indignação que provocam, formativamente, a busca por ampliação de conhecimento.

 

5 MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO EM PRESENÇA

 

A proposição da mediação da informação em presença, parafraseando Stengers, tem como desafio não se preocupar em dizer o que ela é; tampouco objetiva predizer o que ela deveria ser. Esquivando-se do peso preditivo e generalista da teoria, mas incorrendo-se a esse risco, a proposição busca fazer pensar. Nessa direção, atenta para a necessidade de demonstrar limitações da ciência (da informação) tradicional e contemporânea, assim como evidenciar a possibilidade de desacelerar quando em situações – mesmo potenciais – de vilanias ou de atos inconsequentes em contextos mediacionais.

Desacelerar implica a hesitação ou o estranhamento frente a comandos de autoridade técnico-científicos do tipo “e portanto...”, ou seja, quando o expert está autorizado a falar em nome dos fatos. Isso porque tais comandos tendem a ter como característica a inconsequência dos seus efeitos e da responsabilidade junto aos implicados. Desacelerar permite mudar o curso dos acontecimentos, colocando ações “eficientes” em suspensão. O ato de desacelerar tende a constranger experts – por exemplo, envolvidos com a mediação da informação – levando-os a se exporem, “em presença”, às consequências de seus atos.

Distanciando-se do interesse – mas incorrendo-se ao risco – de adentrar no terreno de uma epistemologia normativa, espera-se, no presente esforço propositivo, esquivar-se de dicotomias “ou bem isso... ou bem aquilo...”. Essas dicotomias, não obstante, orientaram os exemplos até aqui abordados, a fim de diferenciar implicadores e implicados, bem como de distinguir as agências mediacionais, a partir do emprego dos adjetivos tradicional ou contemporâneo. Doravante, ambos os adjetivos deixarão de representar pares antitéticos. Isso porque os enquadramentos não são fixos. [20]

A situacionalidade agrega complexidade e auxilia a explicitar arranjos de simetria e de assimetria, estes podendo ser, posteriormente, evidenciados e estudados, conforme se prevê, por exemplo, abordagens do tipo ator-rede. Sob esse prisma, haverá um esforço de modo a transcender as situações possíveis que até aqui serviram para especificar atores humanos na literatura de ciência da informação. Com isso, mesmo os implicadores humanos pressupostos também podem se tornar implicados e vice-versa, em interação com atores não-humanos expressos em infraestruturas, produtos e serviços, normas, dentre outros. De tais associações se constituem híbridos.[21]

Considerando a associação com atores não-humanos – depois de um cenário que mantém o quadro inicial (exemplo na situação 1) –, as situações hipotéticas seguintes correspondem a casos em que o usuário e o não-usuário de informação podem ser implicadores, bem como a casos em que docente-pesquisador e profissional de informação podem ser implicados (exemplos nas situações 2, 3 e 4). Em seguida, serão explicitadas situações particulares – para além dos cenários anteriores abordados – em que os atores humanos agenciam e são agenciados por atores não-humanos (exemplos na situação 4).

 

Exemplo da situação 1 – Docente-pesquisador e profissional da informação podem implicar a dimensão cultural dos usuários e dos não-usuários.

 

Antes de iniciar os exemplos de transitoriedade entre implicadores e implicados há a necessidade de apresentar uma situação em que o docente-pesquisador e o profissional da informação, nos âmbitos mediacionais tradicional e contemporâneo, podem implicar usuários e não-usuários, traduzindo-se como imposição cultural. Mesmo com a melhor da boa intenção, tais implicadores podem acometer vilanias em decorrência do desconhecimento do alcance das implicações diante das características culturais locais ou regionais. A vilania sucede com a imposição cosmológica, de visões de mundo. Estudos pós-coloniais, decoloniais e anticoloniais têm se apresentado como epistemes relevantes para a problematização de mediações informacionais dessa natureza, que podem ocorrer tanto na modalidade para como com a comunidade.

 

Exemplos da situação 2 – Usuário de informação como implicador e profissional de informação como implicado.

 

A deontologia[22] orienta os cenários mediacionais tradicional e contemporâneo. O preceito de que o profissional de informação deve se pautar pela necessidade de informação pode ou deve ser problematizado. Isto posto, o profissional, ao ser implicado, pode se conformar com as normas deontológicas a serem (per)seguidas, a despeito da projeção dos efeitos e das consequências do resultado da mediação e da apropriação da informação ou pode contestar ou agir com interstício frente à demanda por eficiência ou ao caráter ou aos efeitos da informação em questão. A questão ético-política decorre da obrigação deontológico-legal segundo a qual o profissional deve, seguindo a missão institucional, se adequar à comunidade e/ou deve estar “impedido” de desacelerar.

No cenário de mediação, o profissional pode não contextualizar, no sistema, a informação como mensagem à luz do seu conteúdo semântico. A despeito desse posicionamento ético-político, ele deve, com efeito, atuar para satisfazer necessidades do usuário. Partindo-se do entendimento de que a desinformação é uma informação falsa com a intenção de enganar (FALLIS, 2015), e da situação em que integrantes da comunidade podem expressar interesse ou necessidade por tais informações falsas, o profissional, ao trabalhar desconsiderando o contexto, poderá mediar desinformação para atender a demanda. Portanto, os profissionais mediadores, ao atenderem orientações deontológicas, têm na noção de necessidade um problema de alcance ético-político.

À luz de problemas dessa ordem, outras supostas situações auxiliam a reflexão. Suponha-se que um usuário especializado de uma casa legislativa, por exemplo, um consultor legislativo, esteja, na biblioteca ou no arquivo de sua instituição, buscando documentos para fundamentar a instrução de um projeto de lei de autoria de algum legislador. Suponha-se, ainda, que o profissional mediador de informação sabe, de antemão, que o projeto pode, por exemplo, retirar direitos da população, desmatar e/ou destruir o meio ambiente, aprovar medicamento ou agrotóxico sob suspeição científica. Como o profissional não pode se recusar – de ofício – a atender a necessidade de informação do usuário, os efeitos, nele, podem ser distintos. Infere-se ao menos dois. O profissional poderá agir, como no caso de Adolf Eichmann,[23] com a serenidade de cumprir com o papel a que se submeteu e que deverá desempenhar, independentemente da natureza da atrocidade autorizada pelo regime político e/ou jurídico; ou desacelerar, como no caso do escrivão Bartleby, que se recusa a realizar qualquer tarefa, respondendo “Acho melhor não”.[24] Quando em analogia ao exemplo da unidade de informação legislativa, a recusa constrange o comando deontológico, a autoridade hierárquica, o usuário submetido ao legislador e o próprio legislador, bem como expõe, “em presença”, as possíveis consequências da ação em questão – no caso, do projeto de lei – e da penalidade do profissional que desacelera, ação que poderá levá-lo a sanções administrativas, à demissão e/ou à perda do registro para atuação profissional.

 

Exemplo da situação 3 – Docente-pesquisador como implicado no ensino e na pesquisa sobre mediação da informação, implicando profissional e usuário de informação.

 

            Os conceitos de sujeito informacional e de não-usuário de informação, bem como as noções de praxiologia restritiva ou receptiva, implicam o docente-pesquisador e o profissional de informação. Isso porque estes são defrontados com a responsabilidade de trabalhar no ensino, na pesquisa e na atuação profissional em mediação, passando a colocar no horizonte a existência de ambiências e de atores antes ignorados em razão da priorização do usuário de informação. Assim, docente-pesquisador e profissional de informação se encontram desafiados a trabalhar temas e problemas que envolvem a obtenção de diagnósticos e a orientação do processo de mediação sem prescindir de considerar, por exemplo, situações assimétricas – sempre com a explicitação das limitações e das potencialidades do quadro de referência – no âmbito de classes ou campos sociais, de relações de poder, de inadequações institucionais para acesso à informação, ou de outros modos de violência epistêmica e simbólica.

 

Exemplos da situação 4 – Docente-pesquisador e profissional de informação implicam em e são implicados por atores não-humanos.

 

            Docente-pesquisador e profissional de informação – conforme observado nos exemplos anteriores – podem implicar e serem implicados na obrigação deontológico-mediacional diante da “imposição autônoma” de atores não-humanos que compõem, por exemplo, o sistema de mediação da informação. A instituição, o sistema, as tecnologias, as linguagens, os artefatos, os documentos, dentre outros, alistam, situacionalmente, atores humanos. Nesse sentido, constituem-se como dispositivos que agenciam e direcionam possíveis (in)adequações do sistema de mediação em relação, por exemplo, ao acesso ou à acessibilidade à informação. Tais atores não-humanos podem igualmente “(re)produzir” o não-público de um sistema de mediação de informação.

            As instituições e os espaços físicos e seus quase-objetos – também expressos na hibridez traduzida em produtos e serviços de informação – constituem, eles próprios, atores não-humanos que mobilizam e são mobilizados no âmbito de uma rede, em associação com atores humanos, dentre os quais os usuários de informação. Estes, em virtude de preconceitos e/ou da inadequação institucional, poderão ser levados à condição de não-usuários. Em instituições de mediação da informação podem ser observadas dificuldades de acessibilidade. Dentre as implicações, destacam-se aquelas relacionadas aos obstáculos ou às barreiras arquitetônicas, comunicacionais, atitudinais, instrumentais, programáticas e metodológicas.[25]

A inadequação de técnicas para o tratamento da informação – relativa aos obstáculos metodológicos – está relacionada ao trabalho com a metainformação no bojo de instrumentos para organização e representação do conhecimento, especificamente em linguagens documentais. Estas, no contexto da área de organização do conhecimento,[26] correspondem à linguagem artificial do sistema expressa em sistemas de classificação, tesauros, taxonomias, dentre outros recursos. Os produtos derivados de tais linguagens – notações de classificação, índices, etc. – são operacionalizados em unidades e entidades de informação para fins de organização e representação da informação.[27]

Como produtos epistêmicos situados, as linguagens documentais tendem a impor uma lógica específica e valores culturais para a conformação da informação no sistema, levando ao amoldamento dos demais atores envolvidos. Tais serviços, instrumentos e produtos, para o docente-pesquisador e para o profissional de informação, representam visões de mundo instrumentalizadas em comandos do tipo “e portanto...”, muitas vezes empregados em práticas profissionais sem o cuidado de se refletir sobre suas implicações, ou seja, sem a preocupação de estar “em presença”, tendo em vista as consequências dos atos.[28]

Atuar “em presença” – no cenário de mediação – resulta em desacelerar, colocando-se em suspensão espaços, ambiências, produtos, serviços, dentre os quais materializados em formas de organização e de representação do conhecimento, que não têm, no horizonte, domínios transculturais, ou que prescindem de ações e modos de representação em igualdade de gênero, de raça, de sexo, dentre outros.[29] A “presencialidade” permite “dar voz” a “maiorias silenciadas”. Desacelerar consiste em constranger e ressaltar as consequências das ações – dos docentes-pesquisadores, das instituições, dos profissionais mediadores, dos usuários de informação, de outros membros da comunidade – quando orientadas segundo entendimento de neutralidade dos métodos, dos instrumentos de representação, das tecnologias, ou mesmo recordar que a melhor da boa intenção não impede o acometimento de vilanias.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A proposição de mediação da informação em presença não busca ser, e não é, uma teoria. A proposição almeja, heurísticamente, se esquivar de enquadramentos referenciais que envolvem ciência, mediação da informação, praxiologias, pesquisador, docente, profissional, usuário, não-usuário de informação e demais sujeitos da comunidade. Tendo em vista os princípios de situacionalidade, de transitoriedade e de simetria entre implicadores e implicados, a proposição não encontra espaço em dualismos do tipo ciência e política, sociedade e natureza, tradicional e contemporâneo, teoria e prática, sujeito e objeto, humano e não-humano. Inspirada na proposição cosmopolítica de Stengers, a mediação da informação em presença se apresenta como um meio para fazer pensar.

            A proposição da mediação da informação em presença buscou refletir sobre contextos mediacionais em que “estar em presença” se torna um ponto de contato entre mundos, entre cosmologias. A abordagem coloca em relevo a plasticidade das condições de implicadores e implicados mediacionais. Ela tem como lócus preferencial, na mediação da informação, a relação entre informação e comunidade, por meio da qual a situacionalidade e a transitoriedade dos atores implicadores e implicados são mobilizadas. Por intermédio de quadros de associações simétricas entre atores, as assimetrias e as relações de poder são evidenciadas. A possibilidade da desaceleração por parte dos implicados aponta para alternativas éticas e políticas que mobilizam a “presencialidade” em situações de mediação da informação.

 

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* Originado da proposição da disciplina “Sujeitos, mediação e práticas informacionais: perspectivas tradicionais e emergentes” ministrada em 2021 no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCInf) da UnB. Agradeço aos estudantes, pelo diálogo, e à Tatiane Pacanaro Trinca, pela interlocução.

[1] Professor Adjunto na Faculdade de Ciência da informação da UnB. Docente permanente do PPGCInf da UnB. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Realizou estágios de pós-doutorado em Ciência da Informação no Ibict e na UnB.

[2] Num primeiro momento, pode-se entender o implicador como aquele sujeito que implica o processo de mediação, ou seja, o profissional de informação. Com efeito, a ação deste profissional implica os sujeitos a quem a mediação se direciona, isto é, o usuário de informação (implicado). Conforme se discorrerá durante o texto, essas atuações não são fixas.

[3] A terminologia segue o expediente teórico frohmanniano que se orienta pela “dupla referência” foucaultina e latouriana (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2012). Ela se constitui, respectivamente, considerando o agenciamento – também em termos deleuzianos – de sujeitos e dispositivos (FROHMANN, 2007), bem como as associações do tipo ator-rede, onde atores humanos e não-humanos compõem cursos de ações (FROHMANN, 1995). A teoria ator-rede não seria “[...] a criação de uma absurda ‘simetria entre humanos e não-humanos’. Obter simetria [...] significa não impor a priori uma assimetria espúria entre ação humana intencional e mundo material de relações causais.” (LATOUR, 2012, p. 114, grifos do autor). Enfim, a hibridez dos atores e suas relações/associações, bem como os desvios de curso, as controvérsias e seus efeitos, expressos em forças (poder-saber), correspondem a interesses para a perspectiva frohmanniana.

[4] O mencionado “adensamento teórico” pode ser observado na proposta segundo a qual o programa de investigação da área pressuporia como núcleo o sistema de informação – ou “sistema informativo-documental” –, sendo protegido e fundamentado, por exemplo, quando em relação com “profissional de informação”, “usuário de informação”, “instituição informativa-documental”, “documento” e “informação” (RENDÓN ROJAS, 2005).

[5] Embora na formação profissional os implicadores preferenciais possam atuar como docente, como pesquisador e como docente-pesquisador, por conta do caráter geral da última expressão preferiu-se, doravante, utilizá-la.

[6] Há a intenção de enfocar atores humanos com determinadas atribuições no âmbito da mediação da informação e evidenciar aspectos do agenciamento em sua interação com atores não-humanos. Para além desta proposta, atores, com outras atribuições e papéis, têm sido estudados no campo, a exemplo de gestores, de avaliadores ad-hoc, de editores, etc. Eles estão relacionados à “[...] revisão ética das ações de pesquisa [...] previamente institucionalizada por agências de fomento, editores científicos e institutos de pesquisa” (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2015, p. 347). Alcançam uma dimensão política também movida por critérios de valor transepistêmicos, de aplicação à atividade científica e advinda dos sistemas de poder econômico e administrativo. Além disso, tem surgido a “[...] a experimentação de novos instrumentos coletivos de controle social da pesquisa”, bem como “[...] a busca de novas formas de autonomia ética e epistêmica, pelas intersubjetividades configuradas em redes”. (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2015, p. 339).

[7] O critério de seleção dos textos da área de ciência da informação e afins foi orientado pela classificação do filósofo Hilton Japiassu, segundo a qual diferencia epistemologias específica, particular e global. Para este estudo foram selecionados referenciais que correspondem à epistemologia particular e que têm como característica “[...] a análise crítica (interna) subjacente ao conhecimento para estabelecer fundamentos teóricos e metodológicos da disciplina referente. Tende, com efeito, a integrar os postulados obtidos nos domínios da ciência analisada, ou seja, intenciona intervir com e/ou em tais postulados.” (RABELLO, 2012, p. 18).

[8] Os termos tradicional e contemporâneo serão tratados para designar não apenas a ciência, mas também derivações de construtos no campo informacional com alcance em instituições, em profissionais e em concepções de praxiologias e de mediação. Correndo o risco do emprego de termos polissêmicos e que remetem a concepções diversas, o entendimento de tradição, neste estudo, por vezes remete ao paradigma dominante de ciência, à ciência moderna, ou, no seu bojo, à ciência positivista. A compreensão do termo contemporâneo, em certas proposições, está relacionada ao paradigma emergente de ciência, à ciência pós-moderna e à ciência anti-positivista. Ainda assim, tradicional e contemporâneo poderão seguir quadros de referência unidos por pressupostos assimétricos, orientadores da sociologia “prérrelativista” (CALLON, 1986) ou da sociologia “do social” (LATOUR, 2012).

[9] A proposição de mediação, neste estudo, foi pensada buscando dialogar com os aspectos consolidados no campo da ciência da informação junto a outros que dialogam com a teoria ator-rede. Entretanto, ao menos neste momento, não se buscará explorar a amplitude de mediação trabalhada em tal teoria, segundo a qual a “[...] mediação é a ação que altera o que é transportado e os sentidos produzidos”, tendo como alcance a consideração de quatro sentidos: tradução, composição, reversibilidade e delegação (SALGADO, 2018).

[10] A trajetória do paradigma científico dominante é explorado a partir de características orientadoras do surgimento da ciência moderna até chegar à concepção nascedoura das ciências sociais, materializada no positivismo. Nesse processo, sumarizam-se algumas características: a) racionalidade (global e totalitária); b) demarcação e diferenciação de conhecimento considerado científico daquele qualificado como senso comum; c) controle da natureza mediante métodos empírico (empirismo), dedutivo (racionalismo), com representação matemática (clara e simples); e d) causalidade mecanicista (SANTOS, 2008).

[11] A proposição cosmopolítica se diferencia da noção de cosmopolítica inicialmente utilizada por Kant relacionada à “paz perpétua” universalizada num jus cosmopoliticum segundo a qual “[…] um membro integral da sociedade civil mundial [estaria] em conformidade ao direito dos cidadãos […]” (STENGERS, 2018, p. 443). A autora não se apresenta como “proprietária” da “verdadeira significação”, mas como protagonista interessada. A proposição não seria uma teoria, generalista por princípio, tampouco acena para a divisão entre teoria e prática.

[12] A ordem do acontecimento se explica por meio da situação a qual permite “[...] a criação do lugar que é aquele deste acontecimento”, possibilitando compreender o modo como o acontecimento se situará. “O acontecimento se situa ativamente em relação à situação, ele intervém na situação. Ele se ampara em certos elementos da situação e cria um lugar, ou um ponto de vista, que permite caracterizá-la.” (STENGERS, 2018, p. 457).

[13] Em torno do “discurso” (palabre) se reúnem aqueles que não são “proprietários” de suas opiniões, mas se encontram habilitados para testemunhar a ordem do mundo. Em torno do “ritual de bruxas” se reúnem aqueles que conferem à eficácia o correspondente à magia. “A sua eficácia é bem antes aquela de catalisar um regime de pensamento e de sentir que confere àquilo que importa, àquilo em torno do que se dá a reunião, o poder de se tornar causa de pensamento.” (STENGERS, 2018, p. 459).

[14] Na perspectiva geertziana, os autores se fundamentaram na necessidade de dar sentido à realidade da comunidade, mas à luz do sentido que a própria comunidade tem de si mesma, tendo em vista a relevância do binômio informação-conhecimento. No caso, a construção da realidade sócio-informativa “[...] deve levar em conta os costumes, os valores, os mitos e os tabus dos grupos comunitários sob uma visão que inclui a interação com os grupos sociais, instituições e ethos culturais.” (RENDÓN ROJAS; GARCÍA CERVANTES, 2012, p. 34). Na perspectiva bourdieusiana, os autores consideram a dimensão relacional de campos sociais, articulados por capitais econômico, cultural, social, simbólico, dentre outros. Em tal prisma se prescindiria de se preocupar apenas com o uso, passando a enfocar também a apropriação da informação. Nessa abordagem, o usuário não traria consigo uma autodeterminação para ser livre, à medida que, em termos bourdieusianos, ele está condicionado aos valores da sociedade.

[15] Em estudo posterior se explicitou a diferenciação de modos de institucionalidades, ou seja, que ocorrem no âmbito da instituição. A institucionalidade poder-se-ia ocorrer de modo formal ou menos formal. “No modo formal encontram-se, p. ex., os sistemas de armazenamento, intermediação e recuperação de produtos e serviços de informação. Inscrevem-se no setor público ou privado, cuja legitimação legal se orienta por normas e regras positivadas. No modo menos formal, encontram-se fenômenos como o colecionismo, o arquivo pessoal, a biblioteca comunitária, o museu comunitário, a interação dos sujeitos com a Web (de superfície ou profunda) e com plataformas (redes sociais, etc.).” (RABELLO, 2019, p. 7). Em comparação com a proposta de Rendón Rojas e García Cervantes (2012), a institucionalidade formal seria aquela operada no âmbito de unidades de informação e a institucionalidade menos formal seria aquela operada no bojo de entidades de informação.

[16] A estratificação de classes sociais foi estudada contando com a dimensão relacional bourdieusiana dos capitais econômico, social, cultural e simbólico (BOURDIEU, 1989; 1998). Tal dimensão referenciou a proposição do sociólogo brasileiro Jessé Souza, quando este diferencia as classes alta e média da “ralé estrutural” (SOUZA, 2011). Com base nessa fundamentação, o conceito de usuário de informação foi problematizado, algo que levou à proposição do construto “ralé estrutural como não-público” (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020).

[17] Destaca-se o diálogo entre os pesquisadores Savolainen e Thomas Daniel Wilson, cada qual defendendo, respectivamente, as perspectivas de práticas informacionais e de comportamento informacional (THE BEHAVIOUR/PRACTICE DEBATE..., 2009). “Em última análise, os principais conceitos de comportamento e prática parecem denotar os mesmos fenômenos: eles lidam com as maneiras pelas quais as pessoas 'fazem as coisas'. A principal diferença é que dentro do discurso sobre o comportamento informacional, o 'lidar com a informação' é visto principalmente como sendo desencadeado por necessidades e motivos, enquanto o discurso sobre a prática informacional acentua a continuidade e a habitualização de atividades afetadas e moldadas por fatores sociais e culturais.” (SAVOLAINEN, 2007, p. 126).

[18] Ao discorrer sobre as conquistas da promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, a intelectual Lélia Gonzalez questiona a ideia de minorias em termos populacionais, haja vista o fato de as pessoas desprivilegiadas constituírem, ao invés de minorias, uma maioria silenciada. Nas palavras da autora, a constituinte “[...] nos levou a concluir que era necessário alguém na retaguarda que levasse não só a questão do negro, mas também a questão da mulher, dos homossexuais, das minorias, ou melhor, das maiorias silenciadas.” (GONZALEZ, 2020).

[19] Para uma sistematização que considera o comportamento informacional e a subjetividade pré-determinada do receptor, recomenda-se o estudo do pesquisador estadunidense Nicholas Belkin (BELKIN, 1978).

[20] O motivo de se evitar distinções dessa ordem se deve ao entendimento de que a mediação da informação em presença mobiliza zonas de transversalidades à luz da situacionalidade, da transitoriedade e da simetria entre atores. Isso coloca em suspensão enquadramentos, passando do conector – de uma adjetivação a outra – de “ou” para “e”.

[21] Em Frohmann há uma abertura política mediante a qual a noção latouriana de “híbridos” encontra papel central para se referir a atores em associação. À luz de tal abertura, Frohmann fundamenta seus interesses de investigação em processos ou práticas documentárias, sintetizadas na expressão “documentação”, tendo particular interesse na noção de “[...] artefato híbrido ou quase-objeto, ao mesmo tempo natural, social e discursivo, conforme elaborado pela teoria ator-rede. No texto de 1995, para Frohmann, esses híbridos ou quase-objetos têm como exemplares a rádio aberta ou a info-bahn; em textos posteriores, seus híbridos ganham a formulação unificada de ‘documentos’, agora objeto exemplar de um paradigma neo-documentalista. Nesse sentido Frohmann propõe-se fazer uma releitura das práticas documentárias análogas às reformulações que a teoria ator-rede fez com os estudos da ciência.” (GONZÁLEZ de GÓMEZ, 2012, p. 51).

[22] A deontologia orienta um “[...] conjunto de preceitos, de ideias, um elenco de determinações objetivas, instruções operacionais a serem seguidos pelos membros de uma categoria profissional visando garantir a uniformidade na realização de um trabalho e ação de grupo” (RASCHE, 2005, p. 24).

[23] O alemão Adolf Eichmann foi julgado em 11 de abril de 1961 acusado de ser um dos responsáveis, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), de levar ao extermínio na câmara de gás de Auschwitz centenas de milhares de judeus. Contando com mais de 100 testemunhas, e com 2 mil provas, o mundo aguardava ver um monstro seguidor fanático de Hitler, mas o “[...] réu, por sua vez, passou a imagem de um burocrata que teria apenas assinado documentos” (GESSAT, 2020). Ele foi considerado um suposto subalterno cumpridor de ordens, sem senso de responsabilidade e com pouca iniciativa própria. O evento foi amplamente debatido, sobretudo a partir das contribuições do livro Eichmann em Jerusalém, publicado em 1963 pela teórica política alemã Hannah Arendt, mediante o qual a autora desenvolve a ideia de “banalidade do mal”.

[24] A novela Bartleby, o escrivão (título original em inglês: Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street) foi escrita por Herman Melville em 1853 e conta a história de um misterioso escrivão, Bartleby, contratado por um sócio de um escritório de advocacia em Nova York. O escrivão se recusa relutantemente a realizar qualquer tarefa; sem ter uma justificativa, ele apenas responde com a frase “Acho melhor não”. O advogado, fascinado pela postura do empregado, se vê impedido de tomar medidas enérgicas, até que, quando o faz, continua a ser confrontado com a mesma negativa (MELVILLE, 2005). Esse texto também foi utilizado por Stengers (2018) para exemplificar, de forma alegórica, a desaceleração a comandos do tipo “e portanto...”.

[25] Os obstáculos arquitetônicos decorrem da ausência de sinalização, de elevador/ascensor, de rampas, ou presença de declives, dentre outras, dificultando ou impedindo o acesso de pessoas com deficiência, de idosos. Os obstáculos comunicacionais ocorrem quando, por exemplo, o bibliotecário não é proficiente em língua de sinais para atender pessoas com deficiência auditiva. Os obstáculos atitudinais ocorrem quando o profissional age com preconceito, com capacitismo e/ou sem alteridade. As barreiras instrumentais ocorrem quando a instituição não dispõe de equipamentos adequados, como é o caso de carência de reglete para escrever em braille. As barreiras programáticas decorrem de regulamentos inadequados que dificultam o acesso aos produtos e serviços oferecidos. Os obstáculos metodológicos ocorrem quando o profissional não dispõe de técnicas adequadas, por exemplo, para o tratamento da informação (SILVA; BERNARDINO, 2015).

[26] No âmbito da ciência da informação, o percurso da área (ou subárea) organização do conhecimento pode ser estudada à luz do desenvolvimento histórico do processo de organização do conhecimento para a constituição de linguagens documentais e práticas para fins do processo de organização da informação em sistemas de mediação e de recuperação de informação (RABELLO, 2020).

[27] Métodos, instrumentos e produtos documentais, assim como aqueles advindos dos demais obstáculos para acesso à informação, constituem exemplos de “imposição autônoma” de atores não-humanos nos campos do conhecimento – dentre os quais biblioteconomia, arquivologia, museologia, ciência da informação –, e nos contextos institucionais com interesse na mediação da informação. Tais atores não-humanos, ao implicarem o docente-pesquisador e o profissional da informação, implicam, simultaneamente, os usuários de informação.

[28] O estudo de Maria Ivonete Gomes do Nascimento desvela a opacidade da representação da mulher nos arquivos públicos brasileiros. Ela realiza um levantamento, no intervalo de 1826 a 1985, relativo aos acontecimentos que registraram a participação de mulheres, objetivando abranger a escravatura e a abolição do trabalho escravo no Brasil, o direito ao voto feminino no Brasil e a Ditadura Militar brasileira de 1964 a 1985. Como resultado observa-se que o papel das mulheres na vida política tem sido apagado na descrição arquivística e em instrumentos de pesquisa elaborados pelos arquivos públicos do país (NASCIMENTO, 2021).

[29] A análise de domínios (HJORLAND, 2002) tem permitido a ampliação das formas interventivas no âmbito da organização e da representação do conhecimento, abrindo margem para estudos éticos transculturais (GARCÍA GUTIÉRREZ, 2002). Outros estudos, dessa natureza, têm se debruçado, por exemplo, sobre termos fronteiriços no campo da organização do conhecimento, como é o caso do feminismo negro (REIS, 2019) ou envolvendo gênero e sexualidade (PINHO; MINALI, 2020).