mediação da infomação e ação comunicativa habermasiana

 

 

Marli Batista Fidelis[1]

Mestre em Ciência da Informação pela UFPE

fidelismarlibatista@gmail.com

Henriette Ferreira Gomes[2]

Doutora em Educação pela UFBA

henriettefgomes@gmail.com

 

 

Resumo

Reflete sobre o potencial da mediação da informação como via de fortalecimento para o mundo social da vida ante ao processo colonizador do mundo dos sistemas, considerando as atuais demandas sociais em âmbito informacional. A Ciência da Informação é cada vez mais convidada a encontrar caminhos para refletir sobre seu objeto como motor do desenvolvimento cultural e fortalecimento do mundo social da vida, de maneira a reafirmar seu lugar enquanto ciência social. Desse modo, a mediação da informação, estando presente em todas as ações do ciclo informacional, constitui-se base sustentadora de ações que contribuem para que a Ciência da Informação cumpra com sua missão e responsabilidade sociais ante as ambivalências da sociedade. Assim, a teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas pode nos proporcionar um diálogo possível com as abordagens teóricas da mediação da informação, no sentido de encontrar pontos que convergem para eixos integradores do mundo social da vida. Nesse sentido, entende-se que o trabalho com a informação demanda pesquisadores e mediadores conscientes que, no âmbito da Ciência da Informação, desenvolvam e tomem como referência estudos da mediação da informação que envolvam esferas apontadas por Habermas como espaços em estado de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Mediação da Informação. Ação Comunicativa. Infomação. Habermas.

 

MEDIATION OF INFORMATION AND HABERMASIAN COMMUNICATION ACTION

 

Abstract

It reflects on the potencial of information mediation as a way of strengthening the social world of life in the face of the colonizing process of the world of systems, considering the current social demands in the information scope. Information Science is increasingly invited to find ways to reflect on its object as an engine of cultural development and strengthening of the social world of life, in order to reaffirm its place as a social science. In this way, mediation of the information, being present in all the actions of the informational cycle, constitutes a sustaining base of actions that contribute for Information Science to fulfill its mission and social responsibility, in the face of the ambivalences of society. Thus, Jürgen Habermas’s theory of communicative action can provide us with a possible dialogue with the theoretical approaches of information mediation, in the sense of finding points that converge to integrating axes of the social world of life. In this sense, it is understood that working with information demands conscious researches and mediators who, within the scope of Information Science, develop and take as a reference studies os information mediation that involve spheres identified by Habermas as spaces in a state of vulnerability.

Keywords: Mediation of the information. Communicative action. Information. Habermas.

1  INTRODUÇÃO

 

A Ciência da Informação, como campo das ciências sociais que investiga as propriedades da informação, sua representação, organização, disseminação, recuperação, acesso, uso e apropriação, já tem atentado à realidade complexa na qual a informação é produzida, compartilhada, colodada em trânsito e movimento. Trata-se de um contexto marcado por ambivalências sociais para povos, culturas e nações, onde a informação pode servir de instrumento tanto para a emancipação social, quanto para a integração ideológica, puramente instrumental.

Considerando a missão social da área da Ciência da Informação e sua responsabilidade ante a sociedade, entende-se que os estudos desenvolvidos por Jürgen Habermas em sua teoria crítica da sociedade podem nos proporcionar um diálogo possível com os estudos da mediação da informação, no sentido de se identificar pontos que convergem para eixos integradores do mundo social da vida. A atuação do profissional da informação, consciente de seu papel enquanto mediador é o enfoque sobre o qual a Ciência da Informação pode contribuir, a partir dos estudos acerca da mediação da informação, com a realização de investigações que envolvam as esferas apontadas por Habermas como espaços em estado de vulnerabilidade.

Nesse sentido, este estudo busca refletir sobre a mediação da informação em diálogo com a teoria da ação comunicativa, considerando antes de tudo o caráter ambivalente da sociedade, como apresentado por Habermas. Aborda o potencial da mediação da informação como via de fortalecimento para o mundo social da vida ante ao processo colonizador do mundo dos sistemas, considerando as atuais demandas sociais em âmbito informacional.

Quanto ao nível de investigação, este estudo se classifica como exploratório e quanto ao seu delineamento se caracteriza como bibliográfico, com adoção da técnica da análise de conteúdo, tendo como objeto as formulações teóricas de Habermas no lastro da ação comunicativa e estudos da mediação da informação. Quanto à abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, a partir da qual se busca apreender a essência dos fenômenos e suas relações.

Entende-se que o estudo se insere nas atuais discussões que dialogam com o pensamento habermasiano na área da Ciência da Informação ao reflexionar sobre a mediação da informação e sua função diante das urgências que perpassam os ambivalentes processos informacionais sobre os quais a Ciência da Informação dirige suas investigações.

 

 

2  a ação comunicativa habermasiana

 

Jürgen Habermas tem seus estudos marcados pela eminente preocupação com a consciência, a interação e a ação dos sujeitos ante o coletivo, no sentido de rescindir o pessimismo dominante, propondo a volta ao projeto de modernidade, tendo como princípio a crítica ao tecnicismo e ao cientificismo instrumental, que restringem o conhecimento humano ao domínio da técnica e ao modelo das ciências empíricas. Suas ideias se voltam aos estudos da epistemologia, da política, da ética, para além do cognitivismo e do ceticismo usuais que atenuaram os ideais de racionalidade interacionista e emancipatória.

A valorização das experiências, do cotidiano, do mundo vivido, do senso comum dos indivíduos em geral orienta os construtos de Habermas, buscando, com isso, aproximar realidades distantes e isoladas, trabalhando com três elementos principais: diálogo, linguagem e coletivo (REESE-SCHÄFER, 2010).

Para Habermas, a atuação do sujeito precisa ser desvelada na esfera pública, onde os cidadãos expõem e discutem suas ideias, sem a intervenção coerciva externa. Esse modelo habermasiano de atuação do sujeito é desenvolvido em sua teoria da ação comunicativa, pela qual afirma:

[...] pretendo arguir que uma mudança de paradigma para o da teoria da comunicação tornará possível um retorno à tarefa que foi interrompida com a crítica da razão instrumental; e isto nos permitirá retomar as tarefas, desde então negligenciadas, de uma teoria crítica da sociedade. (HABERMAS, 1989, p. 386).

 

Na teoria da comunicação, Habermas estabelece a racionalidade comunicativa como critério fundamental para construção da argumentação, justificando uma transformação social a partir da construção de novos discursos sobre os conceitos sistêmicos e meramente instrumentais. Nesse sentido, a realidade social pode ser dialogada e reconstruída por meio das perspectivas de interação dos sujeitos.

Sua Teoria da Ação Comunicativa (TAC), publicada em 1981 tem a proposta de romper com a filosofia da conceitualização pura, trazendo a filosofia para o campo da perspectiva pragmática da atividade cotidiana comunicativa, sendo considerada a principal obra de Jürgen Habermas consistindo em um dos principais fundamentos da filosofia contemporânea (Reese-Schäfer, 2010). Aborda questões éticas e morais dividindo-as em três possíveis usos da razão prática: o uso pragmático, o uso ético e o uso moral.

A teoria do agir comunicativo tem como embasamento o entendimento linguístico, fundamento ordenador das relações sociais. Os participantes de um contexto comunicativo devem atuar por meio da interação dialógica com os demais participantes, buscando o entendimento linguístico, em detrimento das ações egocêntricas e coercitivas, conferindo significado às suas ações, tornando-se capazes de compartilhar percepções, desejos, intenções, expectativas e conhecimentos.

A teoria social crítica de Habermas parte de três grandes âmbitos de análise: sociedade (quanto à reprodução social), cultura (enquanto transmissão cultural) e personalidade (enquanto socialização) em torno do conceito central de sujeito capaz de linguagem e da ação, um sujeito que emerge da intersubjetividade presente no mundo da vida, que tem como telos de sua ação o dar conta de seus atos. Nesse dar conta, linguagem e ação estão intimamente vinculadas, pois o médium linguístico é a possibilidade de interações livres de coação, potencializadoras do entendimento mútuo e do desenvolvimento do pensamento crítico, características apontadas como fundamentais para a emergência daquele sujeito capaz de linguagem e ação. Evidentemente, se a meta a ser alcançada por esse sujeito é o dar conta de seus atos, trata-se, no final, de um sujeito racional, com um domínio razoável da linguagem que lhe possibilite argumentar e com um razoável autoconhecimento, ou domínio de um conhecimento considerado como importante. (REESE-SCHÄFER, 2010).

Ou seja, os sujeitos, ao atuarem comunicativamente, se movem no meio da linguagem natural, utilizando interpretações que lhes foram transmitidas culturalmente, para fazer referência simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo social que compartilham, e, cada um, a algo em seu próprio mundo subjetivo. (Habermas, 1987). Esses três mundos compreendem, portanto, uma análise e uma interpretação do mundo mediante intenções comunicativas, que os relacionam diretamente com os componentes estruturais do mundo da vida: sociedade (reprodução social), cultura (transmissão cultural) e personalidade (socialização).

Desse modo, a teoria da ação comunicativa apresenta uma possibilidade de transpor a filosofia da consciência, inserindo uma nova visão acerca da participação do sujeito em sociedade, por meio da crítica elucidada em perspectivas de práxis emancipatória. Conforme Freitas (2006, p. 47),

[Habermas] se propõe a discutir a noção de racionalidade de uma perspectiva evolutiva de compreensão moderna do mundo, procurando demonstrar o nexo entre a teoria da racionalidade e a teoria da sociedade, sustentando que é preciso uma teoria da ação comunicativa para situar adequadamente a problemática da racionalização social.

 

Habermas pretende revitalizar a proposta de modernidade por intermédio de uma “[...] perspectiva evolutiva de compreensão moderna do mundo. ” (FREITAS, 2006, p. 47). Nesse contexto, o diálogo e o consenso dotam o sujeito de competências naturais de fala e de ação, permitindo que ele entre em interação com os outros e com o mundo por intermédio da socialização de conteúdos. Ou seja, para Habermas, a realidade social pode ser reconstruída e dialogada por meio das perspectivas de interação de cada indivíduo.

É assim que o filósofo constrói sua teoria apresentando como fundamento o conceito dual de sociedade, referindo-a como mundo dos sistemas e como mundo da vida, duas esferas coexistentes na construção social. O sistema refere-se à reprodução material, dinâmica do desenvolvimento, regida pela lógica instrumental (adequação de meios a fins), incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia). O mundo da vida refere-se a um universo cooperativo de entendimento mútuo, onde os sujeitos, mediante relações intersubjetivas, chegam a consensos possíveis, trocam saberes, compartilham vivências, exercitam acordos e expressões significativas, mesmo sem ser necessário teorizar sobre tudo isso. Ou seja, o mundo da vida é uma base natural que abraça a todos desde o nascimento.

Essa relação dialética entre o mundo da vida e o mundo dos sistemas fundamenta a crítica social, suscitando discussões racionais, evolução material equilibrada às exigências do meio, através da integração entre a razão dominadora (instrumental) e a razão emancipatória: a comunicativa, fundada no médium linguístico.

Nesse contexto, Habermas sugere um sujeito dotado de uma atitude crítica para interpretar e vivenciar o mundo, capaz de revigorar suas próprias competências, cuja atuação acontece em uma esfera pública: “[...] uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. ” (HABERMAS, 2001, p.92).

O espaço público, portanto, é o lugar ideal para a evolução da razão comunicativa, pela qual os sujeitos participam de uma interação intersubjetiva e livre de coerções, prevalecendo a dialogia como processo para validar o melhor argumento e alcançar o consenso nas situações cotidianas da vida.

Isso significa que quando o sujeito questiona ou procura entender algo no mundo, o diálogo suscita argumentos mediados por enunciados inteligíveis aos interlocutores, sem relações de violências, prevalecendo relações dialógicas, cuja comunicação sem entraves articula uma condição ideal de discurso, que

 

[...] pode apenas ser afirmada reflexivamente, com base na unidade de razão (ou em uma conformação racional do mundo, a 'realização da razão'). A unidade da razão teórica e da razão prática torna-se [...] o problema-chave das modernas interpretações do mundo, que perderam o caráter de imagens do mundo. (HABERMAS, 1989, p. 2).

 

Essa reflexão só será possível por intermédio de um processo de emancipação, não apenas como uma abstração, mas enquanto possibilidade fundada na realidade, concretizada em contexto e condições ideais de discurso. Tais condições de acordo, já se encontram inscritas nas relações cotidianas voltadas ao entendimento mútuo, sendo, portanto, no cotidiano que o sujeito emancipado vai modificando suas imagens de mundo, de modo a submetê-las a avaliações reflexivas.

Para Habermas, a solução para uma sociedade emancipada seria a crescente democratização da tomada de decisões e a substituição de consensos obtidos ideologicamente por consensos obtidos comunicativamente através do melhor argumento, e não por meio da imposição dos imperativos sistêmicos – dinheiro e poder. É dessa maneira que a colonização do mundo da vida se estagna, ou mesmo se retrai, possibilitando o revigoramento e utilização dos recursos imanentes ao mundo da vida.

Porém, isso não significa que Habermas se coloca contra as ações instrumentais proporcionadas pela ciência e pela técnica. Ao contrário, ele compreende que essa racionalidade instrumental é necessária à manutenção do homem, suprindo necessidades e ampliando-lhe possibilidades mediante o desenvolvimento tecnológico, institucional e cultural.

O posicionamento do filósofo é contra a penetração desse instrumentalismo em esferas onde deve prevalecer a ação comunicativa, tão recorrente na sociedade contemporânea. A irrupção da racionalidade instrumental na interação social tem suscitado patologias sociais que incorrem no individualismo, nos conflitos e nas guerras, nas desigualdades e nas injustiças sociais. Assim, é fundamental que o homem retome seu papel de sujeito ativo através do agir comunicativo.  

É necessário que exista um equilíbrio entre o mundo dos sistemas e o mundo da vida, de modo que um não se sobreponha ao outro, constituindo, segundo Habermas (2001, p. 215): “Um sistema que tem que cumprir as condições de mantimento próprias dos mundos socioculturais da vida [mediante] relações de ações sistematicamente estabilizadas de grupos integrados socialmente. ”

Desse modo, para que o mundo da vida reaja ante as investidas do mundo sistêmico é preciso que a sociedade seja concebida sob a perspectiva de sujeitos sociais agentes e participantes dessa sociedade, fundamentados através de processos comunicativos de (re)construção sócio-culturais das práticas sociais voltadas à busca do entendimento intersubjetivo e de vivências solidárias no mundo cotidiano.

A ação comunicativa é entendida como a solução para um problema de coordenação em que vários atores que, através do entendimento linguístico, unem seus planos de ação por mecanismos que favorecem o entendimento mútuo. Sendo assim, a linguagem atua como a grande protagonista no agir comunicativo, motivando a convicção e gerando consenso entre os participantes de processos interativos.

O acordo não pode ser forçado ou imposto, nem instrumental, nem meramente estratégico, pois se assim o for, o acordo perde o caráter de convicções comuns. Ao contrário, na ação comunicativa, falantes e ouvintes adotam uma atitude realizativa, no sentido de se entenderem sobre determinado tema e de encontrar a melhor maneira de resolvê-lo consensualmente. Os participantes só executam seus planos de ação sob condições atingidas consensualmente, o que os tornam interdependentes, porquanto só podem chegar a um acordo via reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez. (HABERMAS, 2001).

O discurso argumentativo é inerente à ação comunicativa, pois é no discurso que as pretensões de validade podem mostrar-se problemáticas, podendo ser tematizadas e examinadas, ou seja, resolvidas com base em razões, o que caracteriza uma condição ideal de discurso (HABERMAS, 1990). Desse modo, a condição ideal de discurso que implica a ação comunicativa tem a ver com a proeminência de dimensões originadas na própria existência humana, que emanam da sociedade comunicativamente organizada, das relações sociais concretas desencadeadoras de processos de entendimento.

Portanto, sendo a sociedade formada por duas dimensões que coexistem na construção social, com características, manifestações, articulações e interesses distintos, os fenômenos são empregados de acordo com as características determinantes desses mundos. Nesse sentido entende-se que tanto o mundo da vida, quanto o mundo dos sistemas são alimentados pelo caráter flexível com que a informação, (re)articulada ou (re)significada, possibilita uma multiplicidade de usos e de ações nessa sociedade bidimensional.

Como aponta Habermas, cada plataforma de mundo coaduna suas próprias forças diante do jogo dos contrários, como por exemplo, as formas multidimensionais e estratégicas por meio das quais a informação é controlada, o conhecimento construído com fins não coletivos e a lógica do capital cada vez mais valorizada. Tais formas determinam as dominações de uma esfera de mundo, a do mundo sistêmico, sobre a outra, a do mundo vivido. Ou seja, o fenômeno da informação tanto pode servir à evolução social (lógica do desenvolvimento) quanto à integração ideológica, às formas de invasão e coerção (dinâmica do desenvolvimento), consistindo em uma ambivalência que será tratada na seção a seguir.

 

3 a informação entre as esferas de mundo

 

O fenômeno da informação cada vez mais assume seu relevo na cultura planetária, contribuindo para as inovações e as descobertas da ciência e com as transformações da vida em sociedade. Da organização de coleções (físicas/digitais) à convergência midiática, da gestão organizacional às necessidades individuais, das tomadas de decisão às estratégias de negócios, das políticas públicas governamentais às ações comunitárias, a informação tem se constituído no eixo singular, gerada e geradora de articulações que tanto podem coordenar ações orientadas para o entendimento, quanto para interesses finalistas. (MEDEIROS, FIDELIS, 2013).

O texto Ambivalências da sociedade da informação de Demo (2000), no qual são apresentadas as duas faces da sociedade da informação, encontramos alguns aportes para refletir sobre a informação nessa sociedade, que, segundo o autor, encontra no desenvolvimento do conhecimento tanto a base para emancipação social; quanto a mola propulsora da mera competitividade econômica. Nessa direção, a informação pode ou não estar inserida em processos de manipulação, podendo tanto informar quanto desinformar, sendo, portanto, necessário lidar com essa ambivalência, reduzindo e controlando a manipulação da informação, mediante a preservação de ambientes críticos e autocríticos.

O desenvolvimento do conhecimento trouxe incomensuráveis benefícios à vida em sociedade, proporcionando, principalmente, o domínio ou os meios para superar os efeitos da ação da natureza com maior precisão, além do avanço dos meios de comunicação. Nas palavras de Demo (2000, p. 38), “[...] o processo galopante de informatização pode ser reconhecido como seu carro-chefe, porque condensa os mais evidentes impactos teóricos e práticos do conhecimento.” Mas esse desenvolvimento também pode ser a via para o aumento da exploração do outro, mediante a indução da produção cada vez mais célere do que se chama produto intelectual.

 

[...] enquanto para uma menor parte dos trabalhadores é sempre possível produzir mais e melhor com menos horas trabalhadas, para muitos, sob o efeito da mais valia, é mister trabalhar ainda mais para obter ou manter os mesmos salários, cuja tendência de decréscimo é geral (DEMO, 2000, p. 38).

 

Essa é uma forma de dominação colonizadora dos sistemas deslinguistizados, como afirma Habermas (1999), que acontece de múltiplas formas, inclusive por meio da aprendizagem, da profissionalização, do direito, da mídia, da informação, entre outras janelas que limitam nossa forma de visualizar as paisagens da realidade, porquanto são construídas e funcionam também como sistema de domínios, dando a falsa impressão de que são autônomas. Como consequência desse processo de colonização, surgem as patologias da modernidade que, induzidas por mecanismos sistêmicos, caracterizam-se por distorções na base informacional/comunicativa do mundo vivido.

Em outra perspectiva, o mundo da vida é o contexto cultural dotado de qualidades naturais que propiciam espaços de fala, mediados pela informação e pela comunicação (articulação de linguagens), e fundamentam a interação e a ação (HABERMAS, 1999). Esse contexto forma um repertório de sentidos gramaticalmente instituídos pelas pessoas, propiciando um conjunto simbólico de informações e representações que orienta o entendimento mútuo e socializa a compreensão, a interpretação e a ação nos diversos mundos vividos.

Podemos afirmar que, para o entendimento consensual entre contextos diferenciados, o MV fornece subsídios, por intermédio de um conjunto de sentidos pré-científicos, que são formadores da compreensão, da interpretação e da ação sobre os fenômenos que integram o cotidiano, alimentado por informações que renovam o acervo simbólico dos sentidos sobre as coisas.  Segundo Habermas (1999), é por meio desse conjunto de expressões gramaticalmente socializadas e simbolicamente articuladas a partir de estruturas internas que formam um arcabouço lógico entre o ser, o crer e o estar no mundo, que os sujeitos atribuem significados e produzem interpretações por intermédio do estoque de experiências ou herança do passado, do senso cultural. Nesses termos, o mundo da vida pode se configurar como memória viva de informações e saberes significativos que se renovam ou, no escopo dos mecanismos universais, que formam o próprio mundo da vida: a cultura, a sociedade e a personalidade.

Já o mundo sistêmico é a plataforma de atuação de instrumentais e funcionalistas, que buscam autopromoção e fortalecimento pleno nas ações do Estado, das empresas, do capital de giro, da técnica e da ciência como ideologia, das barreiras no acesso à informação nos arquivos, bibliotecas, museus e demais unidades de informação. Enfim, em toda sorte de atividades funcionais-instrumentais que conferem cada vez mais poder aos sistemas integradores da ordem e, consequentemente, aos imperativos que o alimentam: o dinheiro e o poder.

Nessa dimensão, ambientes que deveriam ser centros de efervescentes ações imbuídas de solidariedade e voltadas ao coletivo, como menciona Demo (2000), restringem-se a ferramentas estritamente ligadas ao espírito capitalista, “[...] perfazendo o pano de fundo da competitividade sem limite.” A urgência que tem se imposto é o atendimento aos clamores do mercado, de modo que centros de educação e informação abdicam dos interesses coletivos que lhe são inerentes em prol de interesses finalistas e não sociais. (DEMO, 2000).

Prevalece, pois, a dimensão técnico-científica, instrumental e teleológica da razão, orientada à manipulação e à dominação do estado de coisas. Nesse sentido, atentemos a Habermas (2001), quando se coloca contra o conceito de razão enquanto instância autorreflexiva, centrada no sujeito cognoscente, e autorreferencial, capaz de agir sobre a natureza e sobre a sociedade. Contrário a isso, o autor acredita que a razão não está pronta e nem acabada, mas se constrói a partir da argumentação e do entendimento entre os sujeitos, implicando dizer que a razão é interpessoal e não subjetiva.

Este conceito de racionalidade possui conotações que, em última instância, alcança a experiência central da capacidade de reunir sem coações e de gerar consenso que tem uma fala argumentativa em que diversos participantes superam a subjetividade inicial de seus respectivos pontos de vista e a favor de uma comunidade de convicções racionalmente motivadas se asseguram de vez a unidade do mundo objetivo e a intersubjetividade do contexto em que desenvolvem suas vidas. A racionalidade é a resultante da relação intersubjetiva entre os sujeitos através de atos de fala visando um consenso, denominado pelo filósofo de racionalidade comunicativa. (HABERMAS, 1990).

A despeito desse conceito, no contexto da sociedade hiperadministrada, não importa se a informação e a comunicação servem à interação e ao entendimento mútuo entre sujeitos, ganhando valor nas formas como transferem sentidos e significados. Importa mais as maneiras com que servem de estratégia para o fortalecimento do dinheiro investido na dinâmica da reprodução capitalista, e do poder legitimador de sua própria ordem, regulador das relações pessoais e funcionais para a vigência da ordem estabelecida como favorável.

Essa é uma característica da ambiguidade que marca a vida em sociedade. Assim como as relações sociais são marcadas pela ambivalência, que tanto tem seu lado positivo, quanto negativo; a informação, enquanto fenômeno social, possui também caráter ambivalente. Demo (2000, p. 37) cita como exemplo o volume excessivo de informações disponíveis que exige dos sujeitos o desenvolvimento de certas habilidades para lidar com tais excessos, afora o uso que dela se faz “[...] no sentido mais preciso de cultivo de ignorância. ”

Os imperativos sistêmicos não priorizam a fluidez do acesso ao uso e apropriação da informação, alimentando os “segredos” das verdades, o silêncio da não comunicação. Assim, os interstícios do mundo sistêmico obstruem a linguagem como medium de entendimento, o que implica dizer que a informação e a comunicação só se tornam efetivas quando se inserem nas burocratizações, nas formalizações, nos documentos gerados e colecionados pelas instituições.

Quando pensamos na ambivalência da sociedade, tomando por base o pensamento habermasiano, também entendemos que os processos informacionais são marcados por aspectos opostos. No mundo dos sistemas, a informação é tida como um trunfo, uma arma secreta, estrategicamente guardada/estocada para garantir a eficiência na realização das tarefas e na obtenção de lucros, fortalecendo o império sistêmico do dinheiro e do poder. Controlando a natureza complexa da informação, as atividades econômicas, influenciadas pelos interesses capitalistas, começam a refletir a industrialização do trabalho social e passam a requerer processos complexos e meios adequados para alcançar resultados pelo prisma da ação instrumental. É a adequação dos meios para alcançar determinados fins não sociais, inerente ao mundo dos sistemas, incorporada às relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia), que passa a conduzir a produção intelectual e a reprodução material do capital e materialista da informação.

González de Gómez (2009a, p. 178) busca identificar na teoria da ação comunicativa de Habermas “os aportes para uma teoria crítica da informação”, que permitam superar o caráter redutor do paradigma analítico poppereano e a compreensão hermenêutica. Nessa direção, a autora dialoga com o filósofo sobre os deslocamentos do lócus da informação na relação com mundo da vida e mundo dos sistemas, encontrando no agir comunicativo, elementos para pensar a informação, ou as “práticas de informação”, associadas à integração funcional e à integração social.

Quando associada à integração funcional, o uso da informação orienta-se por modelos sistêmicos, instrumentais e estratégicos de organização e acesso. Os interesses do mundo sistêmico e suas expressões mais singulares e não linguísticas tendem às ações de informações institucionalizadas (arquivos, museus, bibliotecas, centros de documentação etc.) (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990), como instituições preponderantemente burocráticas e vias de subordinação dos sujeitos que necessitam da informação.

A informação será considerada aqui como lastro da semântica da representação, nas formas de uso da linguagem, que não visam à interpretação cooperativa do agir comunicativo: seja em situações monológicas, nas quais se priorizam as metas ilocucionárias de entendimento mútuo; seja em situação de comunicação estratégica, na qual se violam ou desativam as condições de reciprocidade e as demandas de garantias para validação dos enunciados (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2009a, p. 184). Para a autora, é esse, portanto, o lócus da informação no contexto no mundo dos sistemas em ações funcionais-instrumentais colonizadoras sobre o mundo da vida.

No solo do mundo vivido, a informação, ou ações de informações, apoiam as interações voltadas para o entendimento mútuo, de modo que os fundamentos sustentadores da esfera argumentativa estariam constituídos “[...] pelos repertórios informacionais adquiridos nos contextos da experiência e da ação.” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2009b, p. 132). Quando configurada como lócus motivador de convicção e gerador de consensos múltiplos imbuídos de responsabilidade social, a informação substancia o agir comunicativo, visto que reflete os enredos culturais, a normatividade definidora das relações interpessoais e a formação identitária estruturante do mundo social da vida. Ancorado em conteúdos informacionais, o processo de interação coordena as ações de socialização, permitindo que as ideias/argumentações sejam apresentadas:

a) como válidas e expressivamente justas no mundo objetivo;

b) como normas eticamente justificadas e aceitas no mundo social;

c) como sensações/emoções vivenciadas pelo mundo subjetivo dos afetos, inerentes à condição humana (bases articuladoras do mundo vivido).

Segundo Demo (2000) o problema da ambivalência da informação está na sua manipulação excessiva: “[...] a questão mais dura refere-se ao processo manipulativo por vezes ostensivo que a sociedade da informação nos impinge.” (DEMO, 2000, p. 39). Temos a sensação de estarmos realizando livres escolhas, quando na verdade estamos sendo condicionados ao nível mais dissimulado de manipulação.

Evocando Habermas, pode-se dizer que esse controle em âmbito informacional, que tende a priorizar interesses estritamente comerciais, seja na mídia, seja em unidades de informação ou em qualquer outro contexto, é norteado por modelos sistêmicos e estratégicos de organização, análise e disponibilização da informação. “No agir orientado ao sucesso e na integração sistêmica, a informação fica incluída na ordem redutora da padronização e controle dos meios.” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2009a, p. 197). Assim, os meios de informação e comunicação, como micromundos, fecham-se em torno de si e de seus interesses, orientados pelos ditames dos imperativos sistêmicos, esvaindo-se de sua função social e da capacidade de fazer de si lócus de racionalização e fortalecimento do mundo vivido.

Considerando, pois, essa necessidade de descolonizar o mundo da vida por intermédio da racionalização comunicativa dos espaços abertos em suas esferas, entendemos ser esse o ponto sobre o qual a Ciência da Informação pode contribuir, através de suas investigações teóricas e empíricas envolvendo esferas que podem ser consideradas aqueles espaços em estado de vulnerabilidade, apontados por Habermas, a partir de ações mediadoras conscientes, o que torna evidente a importância dos estudos acerca da mediação da informação.

 

4 a mediação da informação

 

A mediação da informação tem sido realizada em diversos ambientes informacionais ao longo da história ou ao longo dos tempos, ainda que de modo inconsciente e sem a compreensão de que as atividades informacionais são ações mediadoras, sem compreender as dimensões dessas ações, impactando a efetividade dessas ações. Contudo, com o estabelecimento da adoção do termo mediação da informação na área da Ciência da Informação, e mais adiante com a formulação do conceito de mediação da informação, fizeram avançar a compreensão de que ela consiste em um fundamento que orienta as ações desenvolvidas para promover o encontro entre o usuário e a informação, reforçando a função social da Ciência da Informação.

O conceito de mediação da informação amplamente aceito e difundido na área foi elaborado por Almeida Júnior (2015, p. 25), no qual este afirma que:

 

Mediação da informação é toda ação de interferência – realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais –, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais. 

 

A construção desse conceito abrange aspectos que parecem intrínsecos à mediação da informação, como a ideia de interferência e a apropriação da informação, elementos centrais à efetividade da mediação da informação. Por outro lado, a mediação exige um terceiro outro, centralmente composto pelo mediador (profissional da informação) que, apoiado pelo uso articulado de dispositivos de mediação (ambientes informacionais, instrumentos, processos, produtos, linguagens etc.), busca promover o encontro entre os sujeitos e os conteúdos informacionais, um terceiro outro que realiza uma ação de interferência visando, ao mesmo tempo, atender provisoriamente uma necessidade informacional e propiciar condições ao debate a partir do qual possam emergir novos conflitos informacionais, ambiente estimulador do exercício da crítica.

Ainda refletindo acerca do conceito cunhado por Almeida Junior (2015), constata-se que este também apresenta as categorias de mediação consciente, inconsciente, direta (explícita) e indireta (implícita) da informação. Para o autor, a mediação deve ser entendida como um processo que envolve agentes, ambiências e dispositivos informacionais que são articulados para satisfazer parcial e momentaneamente as necessidades informacionais, visando também a geração de novos conflitos informacionais.

A mediação da informação pode ser explícita, quando o profissional da informação atua no atendimento direto ao público, ou implícita (indireta), quando atua em atividades intermediáras (sem contato direto com o público). Ou seja, a mediação implícita da informação ocorre independente da presença física e do contato direto do profissional da informação com o público, quando o mediador está atuando na gestão, na organização e representação dos itens informacionais que integram determinado acervo, enfim em todas as ações meio, colaborando para que o ambiente informacional possa veicular os conteúdos. Sendo que, tanto a mediação explícita (direta) quanto a implícita (indireta), podem corresponder a uma das outras duas categorias de mediação da informação contidas no conceito de Almeida Júnior (2015): consciente ou inconsciente. Isso implica em que, independentemente da mediação ser explícita ou implícita, ela poderá ser realizada pelo mediador de modo consciente ou inconsciente, o que convida pesquisadores e profissionais a reflexões e debates em torno da mediação, de modo que a categoria inconsciente esteja em permanente foco de superação.

A importância e o significado da mediação da informação estão presentes em todas as ações do ciclo informacional, desde a geração de conhecimento como aprendizado, passando pela seleção e representação, pelo armazenamento e recuperação, pelo uso até a apropriação, quando pode ocorrer a geração de novas informações. Nesse sentido, o mediador da informação, consciente ou inscocientemente, age, constrói e interfere no meio. Na medida em que passa a atuar conscientemente, esse mediador poderá torna-se um protagonista social. Na medida em que, no ambiente dialógico e do debate em torno da informação, o mediador se conduza ao processo permanente de conscientização, terá maior consciência da sua responsabilidade social, assumindo sua condição de sujeito político da estética, da ética e da produção humanizadora do mundo (GOMES, 2019a).

Gomes (2020) entende que o objeto central da Ciência da Informação é a informação, sendo a mediação da informação o fundamento central da área, que deve ser aprofundado por meio de estudos e debates, de modo a orientar cada vez mais as pesquisas da área e as ações mediadoras da informação na esfera profissional. Para Gomes (2020), historicamente as abordagens acerca da mediação da informação se mantiveram circunscritas a enfoques mais genéricos, limitando-se à adoção apenas do termo, sem apresentar reflexões em torno da mediação no campo informacional, ou então retomando discussões de caráter sociológico e antropológico, sem apresentar proposições que, em articulação às abordagens de outros campos, focalize a mediação de modo mais direto no campo da Ciência da Informação, ampliando as discussões acerca da mediação no contexto informacional. A autora (2014, 2017, 2020) pondera ainda que pensar a mediação da informação requer a compreensão de que esta se processa no movimento da vida e é essencial à existência de sujeitos capazes de exercer protagonismo social.

Nesse movimento, diversos dispositivos são utilizados e articulados com intuito de possibilitar a interação, porque é na interação social que os indivíduos se constituem enquanto sujeitos sociais, capazes de fala e ação. No processo de mediação, podemos verificar que a linguagem é o principal dispositivo que a sociedade foi capaz de desenvolver ao longo da história da humanidade (GOMES, 2019a, 2019b, 2020). Habermas expõe tal compreensão quanto à linguagem enquanto médium linguístico, quando afirma que o médium linguístico é a possibilidade de interações livres de coação, potencializadoras do entendimento mútuo e do desenvolvimento do pensamento crítico. (HABERMAS, 1989).

Nesse sentido, parece haver convergências entre Habermas (1989) e Gomes (2019a, 2019b, 2020), em especial quando esta última apresenta a mediação da informação como ação dialética e interacionista, constituída de dimensões, argumentando que a efetivação da mediação da informação se dá em sua plenitude quando ela é consciente e, por isso, tem maiores possibilidades de alcançar suas dimensões.

Considerando a infalibilidade do uso da linguagem nas relações sociais, Gomes (2014, 2019, 2020) focaliza em primeiro lugar a dimensão dialógica da mediação da informação, enquanto base estrutural do processo mediador que, quando alcançada, permite a intensificação da comunicação no encontro dos sujeitos com a informação, estimulando e desenvolvendo as capacidades individuais de interpelar, de interferir, de se posicionar dialogicamente diante do outro e em contato com qualquer assunto. O alcance da dimensão dialógica pela ação mediadora gera a base sustentadora do processo de recriação e ressignificação de saberes e percepções dos sujeitos envolvidos na ação, apoiando o alcance das demais dimensões que, em articulação, favorecem aos envolvidos na ação mediadora o redimensionamento da sua própria constituição enquanto sujeitos sociais, potencializando suas interferências na realidade na qual estão inseridos.

Desse modo, a mediação da informação e a sua dimensão dialógica se voltam intensamente à integração precípua entre os sujeitos, estando, portanto, numa zona de confluência entre a comunicação e a informação. Orientada pelo projeto da transmissão, a comunicação ocorre de forma assíncrona, por meio da articulação de linguagens, tornando públicos os conhecimentos e saberes de domínio singular, posibilitando o compartilhamento e a retomada em qualquer tempo e contexto, permitindo que ocorra o que Debray (2000, 2001) comprende como transmissão. Nesse processo, a articulação de linguagens e de diversos dispositivos de mediação torna possível a materialização dos conhecimentos e saberes que, em uma fisicalidade, torna possível o trânsito deles no presente e entre passado, presente e futuro. Desse modo, observa-se que a mediação situa-se entre comunicação e transmissão. (GOMES, 2020).

A mediação da informação assegura a transmissão da herança cultural, possibilitando as condições para a ressignificação do debate e o estímulo da interlocução entre os sujeitos da ação. A medição da informação trabalha tanto com a comunicação síncrona, quanto com a comunicação assíncrona para garantir a interligação entre sujeitos em torno de quaisquer que sejam suas áreas de interesse temático, sendo a dimensão dialógica instauradora da dialogia entre sujeitos. (GOMES, 2014, 2017, 2019a, 2019b, 2020).

A ação mediadora tem na dialogia a sua base de sustentação, porquanto preserva o espaço da interpelação, essencial ao desenvolvimento humano, o que remete à ideia da importância de que ela seja feita de modo consciente, remetendo a categoria conceitual de mediação consciente apresentada por Almeida Júnior (2015). Entende-se que a ação de interferência do profissional de informação, se realizada de modo consciente do potencial reverberativo dessa ação, é fundamental para instaurar um processo de interação que contribua para o processo de transformação dos envolvidos na ação mediadora em sujeitos mais emancipados, o que favorecerá o desenvolvimento do protagonismo social.

Conforme Gomes (2019a, 2020, 2021), no estabelecimento e na expansão do espaço dialógico, a ação mediadora pode favorecer o exercício da crítica, que poderá sustentar o processo colaborativo de trocas, o que estimula a criatividade e o prazer de experimentar a criação, processos que, em ocorrência, indicam o alcance da dimensão estética da mediação da informação. A partir de trocas objetivas e subjetivas, o processo de apropriação da informação é impulsionado, fazendo com que o status do conhecimento do sujeito se altere, momento em que, segundo Gomes (2019a, 2020), a mediação da informação adentra sua dimensão formativa. Nesse momento ocorrem transformações no sujeito por meio da apropriação da informação que redimensiona seus conhecimentos e saberes, processo que envolve tanto a dimensão estética, quanto a dimensão formativa da mediação da informação.

Contudo, Gomes (2019a, 2020, 2021) também alerta que a efetividade da mediação da informação requer o alcance da dimensão ética, como eixo articulador do alcance das dimensões dialógica, estética e formativa, balizando o equilíbrio do alcance delas. Como defende Gomes (2019a, 2019b, 2020, 2021), a dimensão ética é o elemento constitutivo da mediação da informação que está relacionado com o cuidado com a informação, com o sujeito que a produz e que vai ao encontro dela, assegurando o respeito às diferenças; o respeito à alteridade, cuidado capaz de garantir o espaço de voz a todos os participantes dos debates.

O alcance articulado das dimensões (dialógica, estética, formativa e ética) é dependente da mediação consciente da informação, que representa uma categoria da ação mediadora que conduz o alcance da sua dimensão política. A mediação consciente é geradora das condições da tomada de conciência e do processo permanente de conscientização, tanto do mediador quanto dos sujeitos que participam da ação de interferencia, o que contribui para o desenvolvimento do protagonismo social. (GOMES, 2017, 2020, 2021).

Quando os profissionais da informação realizam a mediação consciente da informação, refletindo criticamente sobre suas práticas à luz dos seus fundamentos (exercício da práxis), acabam identificando os limites e novas possibilidades de superação deles, exercício a partir do qual têm melhores condições de abraçar o processo de conscientização como permanente e necessário, compreendendo com consciência crítica o seu papel protagonista e a importância dele na ordem social e política para o desenvolvimento e fortalecimento do protagonismo social, já que, conforme Gomes (2019a, 2020, 2021), a mediação consciente oportuniza as condições para que os sujeitos envolvidos na ação mediadora entrem em processo de conscientização decorrente e também potencializador do debate e do exercício da crítica, onde as trocas de objetividades e subjetividades no debate e no exercício da crítica são estimulados, quando o livre pensar e expressar podem e devem ocorrer.

Na medida em que o mediador da informação toma consciência do papel social da mediação, tenderá a refletir sobre as intencionalidades da ação de interferência, suas práticas e contextos, e a realizar a mediação consciente, condição na qual Gomes (2019a, 2020, 2021) entende como essencial ao alcance da sua dimensão política. Conforme a autora (2017, 2019a, 2020), o alcance da dimensão política repercute nas concepções de vida e de mundo dos envolvidos na ação mediadora, bases sobre as quais se ampliam as condições destes se constituírem protagonistas sociais.

Da mesma forma, Habermas entende que o processo emancipatório segue a via do diálogo, da comunicação, da interação e inter-relação social, da solidariedade e do acordo com diferentes, sendo necessário, portanto, dispor do potencial comunicativo dos sujeitos em ações para (re)construir, fortalecer e propagar as relações e processos interativos no mundo da vida. Tal entendimento permite situar as unidades e sistemas de informação enquanto lócus (re)pensados e estruturados mediante a concepção de desenvolvimento, solidariedade, cidadania e democracia.

Podemos dizer que, no alcance das cinco dimensões formuladas por Gomes (2014, 2019a, 2019b, 2020, 2021), a mediação da informação entra em convergência com a concepção da ação comunicativa como lugar de compreensão dos sujeitos no mundo subjetivo, no mundo social e no mundo objetivo. O agir comunicativo e a mediação da informação incidem sobre o encontro com o outro, nas interações intersubjetivas em espaços públicos e coletivos de informação e comunicação. Se a ação comunicativa retroalimenta o mundo da vida e seus componentes simbólicos, quais sejam a cultura, a sociedade e a personalidade, entende-se que a mediação da informação, se realizada de modo consciente, alcançando suas dimensões, dialógica, estética, formativa, ética e política, também se constitui enquanto vetor de fortalecimento para o mundo da vida, contribuindo para a resolução do problema da ambivalência do fenômeno informacional, como apontado por Demo, potencializando os ambientes de informação enquanto espaços públicos de efervescentes ações imbuídas de solidariedade e voltadas ao coletivo.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O caráter emancipatório do agir comunicativo, na medida em que privilegia a liberdade em função do entendimento mútuo, constitui-se como força integradora que fortalece o mundo da vida. Na ação comunicativa, as pessoas atam relações mais racionais, exercitam a prática do consenso, evidenciam intenções e sentimentos, imprimindo um compartilhamento de significados amparados pelo contexto do mundo vivido. Nessa perspectiva, a informação ancora as ações comunicativas, enquanto fenômeno social que decorre e oportuniza processos de interação nos quais os sujeitos podem entrar em entendimento entre si, o que potencializa a renovação dos saberes culturais, a integração social e a formação de identidades pessoais, que são componentes simbólicos do mundo vivido (cultura, sociedade e personalidade).

Já no mundo sistêmico, quando a mediação da informação se limita a procedimentos sistemáticos para gestão, tratamento, disponibilização, recuperação, acesso e uso da informação com vistas estritamente a solucionar problemas, principalmente questões de ordem preponderantemente funcionalista no âmbito das diversas organizações, ela corresponde à categoria da mediação inconsciente, o que coloca os dispositivos informacionais, a exemplo dos arquivos e das bibliotecas, na condição de ambientes de caráter meramente instrumental.

A teoria do agir comunicativo vincula novos horizontes para tais espaços, ao evidenciar o lócus dos processos cooperativos de comunicação, orientados por problematizações e discussões acerca do mundo da vida, permitindo a reflexão quanto ao fenômeno da informação nesses contextos e às ações mediadoras que envolvem profissionais da informação, usuários, grupos sociais e coletividades.

Habermas evidencia o desafio de estabelecer um equilíbrio entre as duas dimensões de mundo (mundo da vida e mundo dos sistemas), de maneira que não ocorra a subjugação entres tais esferas. Para tanto, no âmbito da Ciência da Informação, os dispositivos informacionais (ambientes, processos, instrumentos e produtos de informação) precisam, cada vez mais, ser compreendidos como elementos vinculados às reproduções culturais, sociais e de personalidade, que devem ser considerados na mediação da informação. Assim, torna-se possível aos envolvidos na ação mediadora participarem de um encontro com a informação em um contexto de igualdade, sem relações coercitivas de poder, em uma comunicação sem entraves, experimentando, por fim, as condições ideais de discurso.

É possível criar uma dimensão comunicativa quando os sujeitos, participantes de processos cooperativos e de interação dialógica, podem suscitar discussões racionais e participar de um desenvolvimento social e material, em dinâmicas de equilíbrio entre a razão instrumental e razão comunicativa. Tal situação só será possível em um processo favorecedor do protagonismo e emancipação social, concebido sob perspectivas de sujeitos sociais agentes e participantes da sociedade, fundamentados em processos comunicativos de (re)construção sócio-culturais, voltados à busca do entendimento intersubjetivo e às vivências solidárias no mundo cotidiano.

O processo de entendimento, no qual o sujeito posiciona-se de forma interativa com o outro, fortalece o mundo da vida, permitindo-nos perceber a necessidade de que a construção do conhecimento suscite novos discursos sobre as imposições sistêmicas. Habermas entende que o processo emancipatório segue a via do diálogo, da comunicação, da interação e inter-relação social, da solidariedade e do acordo com diferentes, sendo necessário, portanto, dispor do potencial comunicativo dos sujeitos em ações de informação para (re)construir, fortalecer e propagar as relações e os processos interativos no mundo da vida.

Nesse sentido, os profissionais da informação precisam refletir sobre suas ações e sobre seu papel, de modo a realizar a mediação consciente, instituindo em seu fazer atitudes comunicativas, de modo a enfrentar, deliberada e conscientemente, esse desafio, certos do que é o fenômeno da informação e o seu aspecto ambivalente, como apontado por Demo, mas utilizando seu potencial para promover a integração social. Torna-se relevante refletir acerca da relação do mediador da informação com o mundo sistêmico, buscando entender o como intervir no desenvolvimento da própria lógica sistêmica, de maneira a não permitir que tal lógica predomine sobre ações comunicativas de solidariedade e de integração social. Por isso, cabe aos profissionais da informação tomarem, cada vez mais, para si a responsabilidade de mediadores motivados por “intenções interativas e integrativas”, pois são agentes que têm a missão de cuidar da informação e do encontro dos sujeitos com ela em uma dimensão humana e social, consagrando-a como célula do mundo vivido.

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo F. de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo dos; SILVA, Rovilson José (Orgs.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: ABECIN, 2015. p. 9-32.

 

DEBRAY, Régis. Malaise dans la transmission. Comuniquer\Transmettre: Le Cahiers de médiologie, [S. l.], n. 11, p. 17-30, premier semestre 2001.

 

DEBRAY, Régis. Transmitir: o segredo e a força das idéias. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2000. Título original: Transmettre.

 

DEMO, Pedro. Ambivalências da sociedade da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 29, n. 2, p. 37-42, maio/ago. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ci/a/797VnWgmBHvsnvbJJytzKnP/abstract/?lang=pt. Acesso em: 17 maio 2021.

 

FREITAS, Alexandre Vitor Figueira de. A dimensão comunicativa na Ciência da Informação: um suporte teórico à compreensão da construção de sistemas de informação.  2006. 158 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

 

GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio/ago. 2014. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/19994. Acesso em: 10 fev. 2021.

 

GOMES, Henriette Ferreira. Dimensão ética da mediação da informação: eixo articulador das demais dimensões e o desafio do intelectual orgânico em favor do protagonismo social. IRIE: International Review of Information Ethics, v. 30, n. 8, p. 1-14, 2021.

 

GOMES, Henriette Ferreira. Mediação consciente da informação; categoria fundante ao protagonismo profissional e social. SILVA, Franciéle C. G. da; ROMEIRO, Nathália L. (Orgs.). O protagonismo da mulher na Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da Informação. Florianópolis: Rocha; Nyota, 2019a, v. 1, p. 187-206. Disponível em: https://www.nyota.com.br/. Acesso em: 10 fev. 2021.

 

GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da informação e suas dimensões
dialógica, estética, formativa, ética e política: um fundamento da Ciência da Informação em favor do protagonismo social. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-23, out./dez. 2020. Disponível em:
http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies. Acesso em: 3 abr. 2021.

 

GOMES, Henriette Ferreira. Protagonismo social e mediação da informação. Logeion: Filosofia da Informação, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 10–21, 2019. Disponível em: https://revista.ibict.br/fiinf/article/view/4644. Acesso em: 26 ago. 2020.

 

GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da informação e protagonismo social: relações com a vida ativa e ação comunicativa à luz de Hannah Arendt e Jürgen Habermas. In: GOMES, Henriette Ferreira; NOVO, Hildenise Ferreira (Orgs.). Informação e Protagonismo Social. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2017, v. 1, p. 27-44.

 

GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. A informação no pensamento contemporâneo: aproximações à teoria do agir comunicativo de Habermas. In: Gilda Maria Braga; Lena Vania Ribeiro Pinheiro (Orgs.). Desafios do impresso ao digital: questões contemporâneas de informação e conhecimento. Brasília: IBICT: UNESCO, 2009a,  p. 177-204.

 

GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Habermas, Informação e Argumentação. In: Alessandro Pinzani; Clóvis Ricardo Montenegro de Lima; Delamar José Volpato Dutra. (Org.). O pensamento vivo de Habermas: uma visão interdisciplinar. 1ed.Florianópolis: NEFIPO, 2009b, v., p. 115-138.

 

GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. O objeto de estudo da Ciência da informação: paradoxos e desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 19, n. 2, p.117-22, jul./dez. 1990. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/index.php/ciinf/article/view/1376. Acesso em: 14 Dez. 2020.

 

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

 

HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.

 

HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1987.

 

HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa: crítica de la razón funcionalista II. Madrid: Taurus: 2001.

 

HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social I, Madrid: Taurus, 1999.

 

MEDEIROS, José Washington de Morais; FIDELIS, Marli Batista. “Cartadas do Jogo Informacional”: a perspectiva dual da informação como matriz do mundo sistêmico e do mundo vivido. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v.23, n.1, p. 133-144, jan./abr. 2013. Disponível em: http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/15798/9537. Acesso em: 05 abr. 2021.

 

REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Tradução de Vilmar Schneider. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

 



[1] Doutoranda em Ciência da Informação do PPGCI/Universidade Federal da Bahia (UFBA).

[2] Profa. Titular da UFBA e do PPGCI/UFBA. Acadêmica Titular da Academia de Ciências da Bahia.