NOTAS SOBRE UMA RELAÇÃO ENTRE (DES) OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO E USO DA INFORMAÇÃO, EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO:

Expulsões e exclusões; a construção de contraracionalidades em uma esfera pública política e democrática

 

Eugênia Loureiro[1]

Arquiteta e Urbanista

eugenialoureiroarquiteta@gmail.com

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Resumo

 

O objetivo deste trabalho é o de examinar processos de exclusão e expulsão que vem se ampliando nos diversos aspectos da vida sob as condições atuais do neoliberalismo e como se manifesta na ocupação/desocupação do território, no papel da informação nesse processo e como as alterações das condições tanto da ocupação da terra quanto de produção e uso da informação impostas podem resultar na expulsão de moradores e na exclusão de usuários. Este trabalho também aponta possibilidades de surgimento de condições alternativas por meio da construção de contraracionalidades na constituição de uma esfera pública política e democrática. Elaborei 7 Notas.

 

Palavras-chave: Esfera pública. Ocupação. Desocupação.

 

NOTES ON A RELATIONSHIP BETWEEN (DIS) OCCUPATION OF TERRITORY AND USE OF INFORMATION, IN TIMES OF NEOLIBERALISM:

Expulsions and exclusions; the construction of counter-rationalities in a political and democratic public sphere

 

Abstract

 

The objective of this work is to examine processes of exclusion and expulsion that have been expanding in the various aspects of life under the current conditions of neoliberalism and how it manifests itself in the occupation/eviction of the territory, the role of information in this process and how changes in imposed conditions both for land occupation and production and use of information may result in the expulsion of residents and the exclusion of users. This work also points out possibilities for the emergence of alternative conditions through the construction of counter-rationalities in the constitution of a political and democratic public sphere. I made 7 Notes.

 

Keywords: Public sphere. Occupation. Vacancy.

 

 

1 SOBRE NEOLIBERALISMO E DEMOCRACIA – AS TESES DE MARILENACHAUÍ

 

Parto da idéia defendida por Marilena Chauí de que o neoliberalismo é um novo totalitarismo assim como o fascismo[2]. Já abordei essa questão com mais detalhes no Colóquio de 2020 com o trabalho sobre as Smart Cities: Cidades Inclusivas ou Modelos de Negócios Excludentes?

Para Chauí a democracia é um processo de luta constante por direitos, sendo o único regime que reconhece o conflito como legítimo, institucionalizando conflitos e divergências, impondo limites ao poder de estado. No Brasil uma desigualdade muito grande assume a forma de opressão, e por causa disso a democracia está sempre em colapso. Diferenças e assimetrias são naturalizadas e o outro não é reconhecido como alguém que tem direitos.

O Neoliberalismo como é denominado hoje o capitalismo se caracteriza pelos ataques a tudo o que é publico e ao espaço do público, por conseguinte à esfera pública onde visa fazer prevalecer os interesses privados e apenas essa visão. E isso inclui a decisão de maximizar e direcionar a riqueza pública para os investimentos exigidos pela acumulação do capital. O resultado é o corte no financiamento dos bens e serviços públicos e o que era direito se converte em um serviço privado regulado e precificado pelo mercado cujo acesso é restrito e condicionado pelas condições muito assimétricas do poder aquisitivo. Com a privatização o neoliberalismo promove o encolhimento do espaço publico dos direitos e o alargamento do espaço dos interesses do mercado ou interesses privados ferindo de morte o coração da democracia.

 

2 O PAPEL DAS REDES

 

A expansão da acumulação capitalista em tempos de neoliberalismo se dá pela oferta incessante de novos produtos, não necessariamente associados a uma demanda efetiva, ou seja, à necessidade das pessoas e que precisam assim serem convencidas a consumir os novos produtos ofertados.[3]

Nesse sentido a informação é usada para convencer por meio de narrativas unilaterais como essas alterações de padrões são inevitáveis. As redes sociais por sua vez servem de veículo para disseminação dessas narrativas e a esfera pública (não democrática) absorve e dissemina essas narrativas, na maior parte das vezes deixando pouco espaço para a incorporação de soluções alternativas.

O aumento previsto de velocidade para circulação de informações nas redes (tipo 5G) pode potencializar esses processos, ao mesmo tempo que, ao se expandir de forma seletiva, tende a excluir usuários desse mesmo processo por não disporem das condições necessárias de acesso.

Observe-se que os usuários nas redes sociais apoiadas nas plataformas das grandes corporações de TI recebem um tratamento desigual. O valor do usuário da plataforma é determinado pelo número de acessos, conexões e relações estabelecidas com fornecedores, marcas etc. Essas medições são realizadas por algoritmos criados para esse fim.

Para Fernanda Bruno[4] existe uma racionalidade algorítmicaum modelo de racionalidade onde os algoritmosocupam um lugar central nos processos de conhecimento de uma certa realidade, bem como nos processos de tomada de decisão e de gestão dessa mesma realidade. Um modelo de racionalidade implica simultaneamente produzir conhecimento e intervir sobre um determinado contexto, problema, fenômeno ou realidade.

Essa racionalidade vem se afirmando e ganhando terreno nos mais distintos setores, das grandes corporações de tecnologia e de internet, às políticas de segurança e vigilância, ao sistema jurídico e à medicina. São notáveis alguns elementos, recorrentes em parte dos discursos (tanto científicos quanto corporativos) que defendem a adoção massiva de procedimentos algoritmos seja em contextos tradicionalmente regidos por humanos (como a Justiça Penal), seja em contextos cuja escala e complexidade ultrapassam os limites de uma gestão ou inteligibilidade exclusivamente humanas, como as plataformas digitais e todos os serviços e que operam com megadados (big data).

Esses elementos recorrentes são: a promessa de maior velocidade, de maior precisão e/ou eficácia, e de maior objetividade e neutralidade tanto nos mecanismos de entendimento/conhecimento, quanto nos processos de tomada de decisão. Enquanto o ganho em velocidade é incontestável, o ganho em precisão/eficácia não é tão evidente e a suposição de maior objetividade/neutralidade é extremamente equivocada, como vêm mostrando inúmeras pesquisas e casos sobre a presença de vieses (de gênero; raça; classe) nos processos algorítmicos de tomada de decisão.

 

3 A QUESTÃO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

 

O mercado de terras urbanas, inserido no contexto da otimização da acumulação capitalista, reflete a necessidade do capital de novas áreas para sua expansão e construção de novos empreendimentos e edificações. Assim impõe a substituição de edificações existentes já ocupadas, por outras mais novas e mais modernas ou o ajuntamento de terrenos, implicando na demolição de construções porventura existentes e ocupadas. Esse avanço para ofertar produtos impõe novos padrões de ocupação do território que resulta na expulsão de moradores sem condições financeiras de acesso aos edifícios mais modernos.

No mercado imobiliário, a oferta de espaço não depende do preço corrente, mas de outras circunstâncias. A “produção” de espaço urbano muda frequentemente dependendo, em ultima análise, do próprio processo de ocupação do espaço pela expansão do tecido urbano, o preço de determinada área desse espaço está sujeito a oscilações violentas, o que torna o mercado imobiliário essencialmente especulativo.(…)

O funcionamento do mercado imobiliário faz com que a ocupação das áreas mais bem servidas por infraestrutura seja privilégio das camadas com renda mais elevada, capazes de pagar um preço alto pelo direito de morar. A população mais pobre fica relegada às zonas pior servidas e que, por isso, são mais baratas. Em última análise diz Singer a cidade capitalista não tem lugar para os pobres.

Essas pessoas acabam morando em lugares em que, por alguma razão, os direitos de propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade pública, áreas non aedificandi, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos etc., ensejando invasões e o surgimento de favelas. Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados mais uma vez.[5]

As lutas dos movimentos sociais convergem para o território. E refletem a exclusão em diversos aspectos da vida das pessoas, territorial, informacional e de serviços. Quanto mais longe ou remoto ou na periferia urbana, mais barata é a terra, mais difícil é o acesso ao transporte, ao saneamento básico e não por acaso pior é o sinal do celular

Podemos dizer que a exclusão é o que move o neoliberalismo em sua busca insana pela acumulação cada vez mais desenfreada do capital. David Harvey denomina esse processo de acumulação por espoliação. Nas cidades e seus territórios esse aspecto é o que se conhece como espoliação urbana.

 

4 RACIONALIDADE DIGITAL OU ALGORÍTMICA X RACIONALIDADE COMUNICATIVA 

 

Também é por intermédio das redes sociais que o neoliberalismo objetiva maximizar a acumulação do capital.

Byung-Chul Han[6] define regime de informação como a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. E a partir das observações de Chauí seria possível dizer que o neoliberalismo busca impor um regime de informação para fazer prevalecer seus interesses privados.

Para Han o regime de informação é dotado do que ele chama de dataísmo (vem de data - dados). O dataísmo quer calcular tudo que é e será. O Big Data não conta, não narra. O regime de informação substitui completamente a narrativa pelo numérico.

O regime de informação nesses moldes pode se tornar uma imposição totalitária, uma vez que um regime totalitário adere ao numérico e se caracteriza por uma narrativa única, dispensando narrativas alternativas.

Han afirma que a digitalização do mundo da vida avança implacável, introduzindo assim Habermas na discussão que propõe. A imensa quantidade de informação liberada pela digitalização desencadeia forças destrutivas levando a fraturas e disrupções no processo democrático. Para Habermas, conforme Han, a esfera pública discursiva, essencial para a democracia, se deve ao público leitor pensante. (…) Sem a impressão do livro não teria sido possível haver o Esclarecimento que faz uso da razão e do pensamento. Na cultura do livro o discurso apresenta uma coerência lógica. Para Han as mídias eletrônicas de massa destroem o discurso racional marcado pela cultura livresca, e se refere ao fato de Habermas considerar que as mídias de massa são as responsáveis pelo declínio da esfera pública política. 

Han observa que a democracia é lenta, prolixa e tediosa. Argumentações e fundamentações não cabem em tuítes ou memes que se propagam e multiplicam em velocidade viral. A coerência lógica que caracteriza o discurso é estranha à mídia viral.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

A racionalidade que opera sobre dados com base em inteligência artificial e técnicas específicas como o data mining seria a racionalidade que poderia se denominar de racionalidade digital em oposição à racionalidade comunicativa - inerente ao discurso. A racionalidade digital deteria o controle dos mais diversos tipos de aspectos da vida humana com base nos dados coletados de milhares de pessoas por intermédio das redes sociais. “Com o Big Data temos temos a possibilidade de observar a sociedade em toda a sua complexidade pelas milhares de conexões de trocas interpessoais”. De acordo com esse ponto de vista a ação comunicativa necessária para o estabelecimento da intersubjetividade e relações entre os indivíduos não seria mais necessária ou cairia em desuso. Do ponto de vista dos dataístas a racionalidade digital é muito superior à racionalidade comunicativa.

Contudo a técnica de data mining ou mineração de dados consiste no tratamento algorítmico de grandes volumes de dados cuja função central é a extração de padrões que geram conhecimento específico a partir da correlação entre elementos segundo princípios de similaridade, vizinhança, por exemplo. O postulado dessas técnicas supõe que o tratamento automatizado seja capaz de revelar correlações imprevistas entre os dados.

Em nenhum momento caberia explicar a relação entre as ações, indivíduos e circunstâncias. Trata-se apenas de revelar correlações, estimar probabilidades de ocorrência e, se for o caso, intervir no curso das ações e condutas dos indivíduos.

A substituição de uma racionalidade comunicativa por uma racionalidade algoritmica ou digital impositiva visaria então subsidiar a tomada de decisões incontestáveis, sem alternativas, no intuito de convencer de sua inexorabilidade etc. Outro aspecto seria a individualização das responsabilidades.

Contudo as questões que afetam diretamente os seres humanos no atendimento de suas necessidades básicas, como morar, expressas nas lutas travadas pelos movimentos sociais urbanos nos dizem outra coisa e podem apontar em outra direção.

A questão urbana e suas demandas e formas de luta oferecem uma espécie de contra racionalidade, no sentido de que se opõem a uma racionalidade impositiva e uma narrativa única, Desses movimentos nascem redes sociais de outro tipo que buscam organizar suas demandas e seus discursos. 

Não se trata de um discurso contra a tecnologia da informação mas um discurso que visa a melhoria de condições de vida contra uma realidade excludente também sob o ponto de vista tecnológico.

 

5 O ESTADO E A ESCUTA - O EXEMPLO DO PORTO MARAVILHA

 

Ana Berardi em sua dissertação de 2018 “Inteligência” à venda: a trajetória do projeto Porto Maravilha apresenta um capítulo - Porto Maravilha para quem? A Fala dos Moradores. Desse capítulo foram extraídos alguns comentários a partir das entrevistas realizadas e que expomos aqui com o objetivo de ilustrar o ponto de vista da população diante dessas propostas para o desenvolvimento urbano.

Mesmo tratando-se de falas heterogêneas e inevitavelmente parciais, es entrevistas proporcionaram, muitas vezes, uma compreensão das dinâmicas, tensões e, acima de tudo, do tipo de participação da população no projeto Porto Maravilha. Assim, o que se pretendeu analisar através das entrevistas foi a perspectiva dos habitantes locais sobre a narrativa das corporações e do governo municipal sobre o Porto Maravilha como bairro inteligente, e as consequências desse projeto no dia a dia das pessoas que, de diversas formas, habitam esse espaço. Seguem as observações

 

A gente vê um pouco demais do projeto para a iniciativa privada, para as empresas chegarem e colocarem seus funcionários nos prédios de mil andares, mas a gente não sente tanto o projeto para melhorar diretamente a vida das pessoas que moram aqui [...] São iniciativas que só contemplam um grupo de pessoas, um grupo só vai ter acesso real a isso. A galera geral não vai ter muito impacto (N. R. N., Associação de artistas, 2017, informação verbal).

 

O projeto poderia ter um olhar mais carinhoso com a população, não focar tanto nos recursos para empresas, nos turistas [...] as melhorias estão muito focadas para o turista e o empresário que quer investir, mas não com o foco nos moradores (J. S., Associação de artistas, 2017, informação verbal).

 

[…] então você vê de aqui até três ruas para frente [desde rua Camerino até a Orla Conde] você consegue contar bem certo este movimento [de melhorias devidas ao projeto do Porto Maravilha], mas você não vê a nossa comunidade de aqui a três ruas para frente. E duas ruas para trás você vê esse processo de fragilização de desvalorização, de morte de não respeito [...] esse espaço, apesar de estar cheio com os megaeventos ele não tem uma identidade, é higienizado, é branqueado, é clean, mas não dialoga. Não é a construção em si, nada contra a construção, nada contra a assistência, mas sim contra o assistencialismo (T. F. L., Associação Cultural Recreativa – Cultura Afro-brasileira, 2017, informação verbal).

 

Mudaram totalmente a região. Para melhor. Está muito mais organizada e bonita. Era uma mudança inevitável com a modernização da cidade e sendo uma região central é muito atrativa para processos especulativos. Só é uma pena os processos de desocupação que acabam jogando os moradores mais pobres para regiões mais afastadas daqui, mesmo assim é um processo natural quando se desenvolve uma região (M. B., estudante, 2017, informação verbal). Pag. 58

 

(…) Quanto a pessoas prejudicadas, confesso que ouvi falar de pessoas que foram retiradas do entorno, para que as obras fossem realizadas, mas não me inteirei dos fatos. Mas como sempre, nestes casos que envolvem obras, retiradas da população residente, são esses que mais são prejudicados, pois o processo de indenização é injusto (T. A., administradora de empresas, 2017, informação verbal). Pag. 61

 

Outra experiência importante são os processos de audiências públicas. O Estatuto da Cidade exige a realização de audiências para escuta direta dos moradores. Contudo, à obrigação de realizar audiências públicas não corresponde a obrigação de aceitar propostas formuladas pelos moradores. De fato, em muitas experiências como essa, os que colocam suas opiniões não são considerados como moradores por parte do Estado e seus técnicos, mas como outra coisa, como se não tivessem o direito de estar ali e colocar suas demandas. Mesmo com a representação de várias entidades, acontece certa desqualificação da própria audiência, prevalecendo na maioria das vezes um comportamento tecnicista e autoritário por parte do Estado.

Fica a questão que de repente é subliminar e não dita. Esses planos e projetos não são para as pessoas que habitam o local mas, para outras, idealizadas talvez. Os que estão e moram ali, no futuro, no tempo de implantação do projeto, não estarão mais. Então...

 

6 A PRODUÇÃO DE CONTRARACIONALIDADES E A ESFERA PÚBLICA POLÍTICA

 

As contraracionalidades, aqui entendidas como a produção de conceitos não aceitos por uma racionalidade hegemônica, não pode ter sua introdução na esfera pública política realizada de qualquer maneira mas precisa atender critérios de validação de forma a ser aceita.

Para isso é preciso construir narrativas coletivas buscar audiências para ampliação dessas vozes, capacitar a obtenção de legitimação e reconhecimento.

Nancy Odendaal[7] da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, estuda processos e procedimentos adotados pelos movimentos sociais por meio da montagem ou estabelecimento de redes sociais em cidades da África, no sentido de legitimar suas demandas tais como o contar de histórias sustentadas pela adesão de comunidades inteiras no caso especificamente de demandas ligadas ao desenvolvimento urbano.

Nesse sentido vale a pena destacar a experiência de uma comunidade na Região Metropolitana de São Luis no Maranhão e devem existir outras tantas como essa que contam histórias de resistência e nesse caso associando os aspectos de expulsão no território e a questão da informação que motivaram a elaboração deste texto. O título do trabalho é Uso do território, informação e comunicação na metrópole de São Luis: Expulsão e permanência da comunidade do Cajueiro.

Com o projeto de instalação de um porto privado na região, resultado de um consórcio entre capital nacional e chinês, conjuntamente com o apoio do governo do estado, os moradores da comunidade, mais uma vez, vivenciaram um processo de expulsão, deflagrado por intensos conflitos.

Além disso, observou-se o controle e o exercício do poder pela grande mídia – caracterizada pela racionalidade hegemônica e de outro o papel das mídias alternativas, as quais, ao subverter os discursos únicos, comunicavam à sociedade civil acerca do movimento de resistência dos moradores de Cajueiro.

A comunidade, para a reprodução de seu modo de vida, sobrevivência e resistência sempre se articulou para falar de suas lutas e anseios por um território menos desigual, cuja centralidade é a pluralidade das organizações socioespaciais de seus sujeitos. E foi conjuntamente com as midias alternativas – através dos diálogos com as universidades, associações e movimentos sociais, radios livres e jornais impressos – que ela pode ampliar as suas pautas junto à sociedade civil.

Observou-se na análise da movimentação da comunidade de Cajueiro que a comunicação é capaz de ser produzida a partir de uma série de ações enraizdas no lugar, produtoras, portanto, de informações ascendentes – aquelas que falam dos susjeitos e de seus distintos atos de resistir como forma de existência e que, por meio da pluralidade dos agentes, se articulam destinadas à construção da cidadania e a produção de um sentido político-cultural.

De acordo com um levantamento preliminar, existe uma articulação com mais de 135 meios de comunicação alternativos. Essas mídias comunicam muito sobre a existência e ações dos sujeitos marginalizados na cidade e de seus cotidianos, bem como participam de reuniões e também militam nas ações de resistência, além de se preocuparem com a cobertura em tempo real dos acontecimentos.

O levantamento de experiências como essas em cidades brasileiras se faz necessário bem como sua sistematização. No sentido de consolidar essas práticas e servir de elementos estrutrantes de um outro regime de informação não impositivo e alternativo capaz de dar suporte a uma esfera publica política mais democrática.

 

7 CONCLUSÕES

 

À título de conclusão gostaria de destacar que estamos diante de dois aspectos quanto à questão das redes sociais e a existência de uma racionalidade predominante.

Habermas reconhece a decadência da esfera pública por conta da representatividade de atuação na internet quer dizer das redes sociais. Contudo para nós como sul global ou conforme descrição que se queira, existe uma outra questão que é a racioalidade hegemônica de uma mídia que antes de mais nada representa o pensamento de uma elite dominante que torna intransparente as demandas sociais na esfera pública.

Outro aspecto é o controle das redes socias por uma racionalidade digital ou algoritmica impositiva que da mesma forma não contribui e age mesmo em sentido contrário às demandas sociais no sentido de sua fragmentação e individualização.

Retomando o pensamento da Prof. Fernanda Bruno (UFRJ) sobre alguns elementos recorrentes:

·           A promessa de maior velocidade, de maior precisão e/ou eficácia, e de maior objetividade e neutralidade tanto nos mecanismos de entendimento/conhecimento, quanto nos processos de tomada de decisão. Enquanto o ganho em velocidade é incontestável, o ganho em precisão/eficácia não é tão evidente e a suposição de maior objetividade/neutralidade é extremamente equivocada, como vêm mostrando inúmeras pesquisas e casos sobre a presença de vieses (de gênero; raça; classe) nos processos algorítmicos de tomada de decisão.

E então seria o caso de se perguntar quem precisa de tudo isso. Quem precisa de tanta velocidade? E objetividade para quem?

Mais do que nunca se verifica a necessidade de contra racionalidades baseadas nas demandas dos movimentos sociais que reflitam as lutas por melhores condições de vida das populações mais vulneráveis.

É preciso reconhecer que o surgimento da pandemia causada pelo Covid 19 trouxe novo fôlego para a necessidade do uso intensivo das tecnologias de comunicação e informação baseadas em dados pessoais para fins de controle da doença e fazendo reaparecer projetos para cidades inteligentes. Mas estes encontram resistência não apenas por conta da tecnologia mas por conta principalmente dos destinatários do beneficio desse uso intensivo de dados e desse consequente aumento gigantesco de produtividade. Os movimentos sociais mostram que essa é uma necessidade tecnológica relativa até certo ponto, uma vez que as associações comunitárias por exemplo conhecem e podem conhecer muito bem a área em que atuam a partir da participação direta dos moradores.

E a conclusão vai em direção à possibilidade de estabelecer um papel da produção de contraracionalidades na construção de uma esfera pública politica onde é preciso combater e ao mesmo tempo respeitar as assimetrias entre os participantes e promover os interesses coletivos em lugar apenas dos interesses nitidamente privados.

Com os exemplos acima buscou-se evidenciar o que está sendo chamado de contraracionalidades ou produção de sentido a partir de informações ascendentes conforme colocado mais acima à propósito da movimentação na comunidade localizada no Maranhão.

A proposta de produção de contraracionalidades no sentido de oposição a uma racionalidade impositiva seja da mídia hegemônica mas que poderia também ser aplicada à racionalidade algorítmica assoma no terreno da racionalidade comunicativa própria ou característica da democracia

Em lugar da imposição de uma modernidade seletiva e inevitável que resulta na expulsão de pessoas de lugares e territórios, propõe-se a partir da construção de contraracionalidades e de regimes de informação alternativos, a promoção da escuta e a inserção dessas vozes em uma esfera pública política capaz de acolhê-las e se somar ao servir também de instrumento para a conquista de demandas e melhores condições de vida.

 

REFERÊNCIAS

 

BERARDI, Anna. "Inteligência" à venda: a trajetória do projeto Porto Maravilha.  Dissertação (Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura)– Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2018.

 

BRUNO, Fernanda. Disponível em:www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594012-tecnopolitica-racionalidade-algoritmica-e-mundo-como-laboratorio-entrevista-com-fernanda-bruno.

 

LÉON, Mario Henrique de.Las redes sociales y el proceso de acumulación capitalista.Universidad de Panamá. - Tareas, núm. 162, pp. 85-105, 2019 - Centro de Estudios Latinoamericanos "Justo Arosemena"

 

HAN, Byun Chul.Infocracia digitalização e a crise da democracia.Petrópolis: Vozes, 2022.

 

HARVEY, David.O novo imperialismo.São Palo: Loyola, 2014.

 

HARVEY, David. Cidades rebeldes:do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

 

KOWARICK, Lucio.A espoliação urbana. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1979.

 

ROLNIK, Rolnik.Guerra dos lugares:a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.

 

SASSEN, Saskia.Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

 

SINGER, Paul.Urbanização e desenvolvimento.São Paulo:Autêntica, 2017.

 

ZUBOFF, Shoshana.A era do capitalismo de vigilancia:a luta por por um futuro humano na nova fronteira do poder.Rio de Janeiro: Intríseca, 2019.

 



[1]Doutora pelo IBICT.Trabalho com planejamento urbano, informações, e demandas sociais. Como pesquisadora procuro refletir sobre o meu trabalho e a participação nos Colóquios fornecem a oportunidade de discutir aspectos que surgem nessa reflexão.

[2] CHAUÍ, Marilena. Breve História da Democracia. 21/10/2020. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=k1MIsK5D0LQ&t=514s.

[3]LÉON, Mario Henrique de.  Las redes sociales y el proceso de acumulación capitalista. Universidad de Panamá.  -Tareas, núm. 162, pp. 85-105, 2019 - Centro de Estudios Latinoamericanos "Justo Arosemena". Disponível em:

https://www.redalyc.org/journal/5350/535059263009/html/. Acesso em: 8 jul. 2022.

[4]BRUNO, Fernanda. Disponível em: www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594012-tecnopolitica-racionalidade-algoritmica-e-mundo-como-laboratorio-entrevista-com-fernanda-bruno. Acesso em 8 jul. 2022.

[5]SINGER, Paul.Urbanização e desenvolvimento.São Paulo: Autêntica, 2017. pág.31.

[6]BYUNG,Chul Han.Infocracia digitalização e a crise da democracia.Petrópolis: Vozes 2022.

[7]ODENDAAL, Nancy Nancy. Odendaal keynote at Beyond Smart Cities Today conference, Sweden June, 2022.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XOMRkfLG2-U