A PRINCIPIOLOGIA DA LEI 9099/95 A PARTIR DE UMA INTERPRETAÇÃO BASEADA NOS PENSAMENTOS DE JÜRGEN HABERMAS E ROBERT ALEXY

 

Cândido Francisco Duarte dos Santos e Silva[1]

Universidade Federal Fluminense (SDP/UFF)

candidoduarte@id.uff.br

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Resumo

 

O estudo em questão tem por objetivo analisar a Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis na Justiça Estadual, no que diz respeito aos seus limites e potencialidades discutidos a partir da principiologia proposta pela citada Lei em um viés jurídico-filosófico. Observar-se-á para tanto a Teoria do Discurso enquanto arcabouço procedimental capaz de potencializar a observância na prática de uma justiça mais célere, simples, informal, econômica e baseada na oralidade. Para tanto aplicar-se-á a interpretação do pensamento de  Jürgen Habermas e de  Robert Alexy em conjunto a autores tradicionais do Direito com o objetivo de se avaliar se o pensamento dogmático se encontra superado ou ainda se apresenta como um entrave para que os princípios, que a Lei atribui a condição de Critérios Orientadores dos Juizados Especial Cíveis, sejam observados na realidade fática.

 

Palavras Chave: Juizados Especiais Cíveis. Democracia. Judiciário.

 

THE PRINCIPIOLOGY OF LAW 9099/95 FROM AN INTERPRETATION BASED ON THE THOUGHTS OF JÜRGEN HABERMAS AND ROBERT ALEXY

 

Abstract

 

The study in question aims to analyze Law 9099/95, which established the Special Civil Courts in State Justice, with regard to their limits and potentialities discussed from the principiology proposed by the aforementioned Law in a legal-philosophical bias. Therefore, the Discourse Theory will be observed as a procedural framework capable of enhancing the observance in the practice of a faster, simple, informal, economic and orality-based justice. In order to do so, the interpretation of Jürgen Habermas and Robert Alexy's thinking will be applied together with traditional authors of Law in order to assess whether dogmatic thinking is overcome or still presents itself as an obstacle for the principles, that the Law assigns the status of Guiding Criteria for Special Civil Courts, are observed in factual reality.

 

Keywords:Special Civil Courts.Democracy.Judiciary.

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O Presente texto tem como escopo debater os princípios previstos na Lei 9099/95, a partir do pensamento de autores como Jürgen Habermas e Robert Alexy, para tanto buscar-se-á analisar o lapso existente entre o acesso ao Poder Judiciário nos moldes da Lei Processual Civil e a hipótese de sua maior democratização através dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.

Para tanto observar-se-á a competência destes Juizados no que diz respeito as causas consideradas de menor complexidade e de menor valor econômico e os entraves que se objetiva transpor para a busca da tutela jurisdicional por aqueles que habitualmente não o fariam se fosse necessário arcar com custas processuais e honorários advocatícios a exemplo do que ocorre nas Varas Cíveis.

A seguir se realizará o estudo jurídico-filosófico dos critérios orientadores dos Juizados Especiais, notoriamente princípios positivados que objetivam tornar o Judiciário mais acessível aos litigantes eventuais e também, estrategicamente, mais profícuo ao Estado no que diz respeito a economia processual e ao ideal conciliatório que emana da Lei. Para tanto se observará o pensamento de autores tradicionais do Direito bem como a aplicação do pensamento de Jürgen Habermas e de Robert Alexy a matéria, onde se dará maior ênfase a reflexões acerca do princípio da oralidade e a potencialidade inerente a teoria do discurso e de seus pressupostos que uma vez observados, poderão contribuir para uma maior observância dos demais critérios orientadores dos Juizados Especiais Cíveis na práxis.

 

2 PRIMEIRAS REFLEXÕES

 

 A Lei 9099/95 instituiu os Juizados Especiais Cíveis Estaduais denotando um lapso existente entre o acesso ao Poder Judiciário em causas consideradas de menor complexidade e de menor monta e os indivíduos que normalmente não o procurariam, causas estas em que o litigante eventual dificilmente buscaria a tutela jurisdicional tendo em vista entraves que a regulação processual civil impõe, como por exemplo o comprometimento financeiro necessário a litigar em Juízo.

Dentre os gastos necessários a se litigar em Juízo se destacam por um lado o valor das custas processuais e por outro os gastos com a contratação de um advogado para que, enfim, se possa ingressar com uma Ação perante ao Poder Judiciário.

Em causas de menos valor pode-se observar que o princípio da utilidade, aquele através do qual se busca um resultado útil para o processo, em muitas oportunidades ficaria prejudicado, tendo-se em vista a equação necessária entre os gastos para se litigar em Juízo e o resultado útil do processo, leia-se que as decisões judiciais repercutam em real reparação dos prejuízos suportados pela parte e que as condenações não se esgotem em mero pagamento de custas e honorários advocatícios.

Conforme Theodoro Júnior (2016, p. 567)

 

Por não se tratar apenas de um novo procedimento, o regime da Lei nº 9.099/1995 depende da criação, dentro da órbita da organização judiciária do Distrito Federal e de cada um dos Estados, do órgão competente (arts. 93 a 95). Lei local, portanto, sobre a matéria apresenta-se como indispensável, porque somente assim será possível criar a unidade jurisdicional projetada pela lei federal. Para que esse desiderato fosse alcançado, a Lei nº 9.099/1995 marcou o prazo de seis meses, a contar de sua vigência (art. 95).

Sem, todavia, uma vontade política de investir em material humano especializado e em aparelhamento material adequado, os objetivos da remodelação da Justiça na direção do incremento ao acesso à justiça, ideal inspirador da instituição dos juizados de pequenas causas, jamais serão alcançados.

A atribuição pura e simples dos encargos do Juizado Especial aos juízes e cartórios da Justiça comum já existentes será um expediente fácil para a Administração local, mas representará um malogro completo para aquilo que realmente constitui o espírito e a meta do grande projeto de democratização do Judiciário.

 

Inspirado pelas ideias de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), o legislador vislumbrou uma possibilidade de acesso ao Judiciário, mais simples, menos burocrática e claramente, em prisma formal mais democrática.

Ainda sob o aspecto financeiro, percebe-se que o legislador proporcionou aquele que busca a tutela jurisdicional, a possibilidade de litigar sem arcar com custas, no que diz respeito a primeira fase processual ou cognitiva, bem como afastou a necessidade, em causas cujo valor não ultrapasse a vinte salários mínimos, de que seja constituído advogado.

Outras questões são passíveis de afastar os litigantes eventuais da busca pela tutela jurisdicional, dentre eles, a possível lentidão quanto a tramitação de processos e o formalismo inerente ao ritual judiciário.

Dentre os critérios orientadores, como se refere o legislador no art. 2º da referida Lei, pode-se observar indicativos de que o custo, a possível lentidão e o formalismo são questões detectadas no campo processual civil e que em causas que envolvam menor valor econômico e menor complexidade podem afastar o litigante da busca pela tutela jurisdicional na medida em que positivou: “...oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995). Ou seja, tais princípios, são determinantes na busca do objetivo precípuo da Lei 9099/95, a obtenção da conciliação ou da transação.

A promessa, em prisma formal, de um processo que rompe com muitos paradigmas do direito processual brasileiro se mostra como um desafio proposto aos atores das relações processuais, pois o Direito Processual se encontra profundamente preso a uma tradição formalista, baseado em documentos e na produção de provas documentais, se mostrando bem distante de uma lógica simples e informal. Propõe-se, com os Juizados Especiais Cíveis, uma esfera judiciária baseada na desburocratização.

Assim, os princípios orientadores dos Juizados Especiais Cíveis vão se apresentar como um verdadeiro desafio para todos, sejam atores das relações processuais em específico, sejam atores do Poder Judiciário em geral.

 

3 A LEI 9099/95 E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO JUDICIÁRIO

 

A democratização do Acesso ao Poder Judiciário perpassa uma série de interesses que se encontram incluídos em uma espécie de racionalidade estratégica que inclui os atores do Poder Judiciário e as partes que nele litigam. Habermas chama a atenção, em se referindo a política, de questões que podem reverberar no Poder Judiciário em relação as partes que nele litigam.

Conforme Duarte dos Santos e Silva & Hansen (2021, p. 199) ao se referirem ao pensamento de Habermas em a Inclusão do Outro (2002)

 

Há que se observar, nesta concepção de Habermas, que a política não funciona na visão liberal como um médium entre o estado e os cidadãos, mas sim é utilizada, estrategicamente, como um meio para imposição de interesses pessoais, quando na verdade, enquanto médium, em uma concepção republicana e observando-se um horizonte discursivo, ter-se-ia consensos, partindo-se da ideia de que, utilizando-se do agir comunicativo, o bem comum em uma sociedade solidária se apresentaria como fator de reconhecimento mútuo.

 

            Talvez a solidariedade seja um ponto distante de ser alcançado em uma realidade estratégico-instrumental que se apresenta tanto no mundo da vida como um todo, como em sede de Poder Judiciário. No entanto, percebe-se que a concepção republicana de política apresenta um plano de vontade horizontal, cujo objetivo a ser alcançado é o consenso. Tal objetivo necessita de um procedimento prévio para que seja alcançado e Habermas apresenta a “via comunicativa” como elemento capaz de propiciar o diálogo e consequentemente a formação de consensos. (HABERMAS, 2002, p. 270-271).

Entende Robert Alexy que a teoria do discurso, onde está inserta a “via comunicativa”, se refere a um procedimento prático baseado na razoabilidade que ao seu ver, é sinônimo de racionalidade.

 

A teoria do discurso é uma teoria procedimental da racionalidade prática. De acordo com a teoria do discurso, uma proposição prática é correta se ela puder ser vista como o resultado de um discurso racional. As condições da racionalidade discursiva podem ser explicitadas através de um sistema de princípios, regras e formas do discurso prático geral. O sistema compreende regras que exigem não contradição, clareza linguística, certeza das premissas empíricas e sinceridade, bem como regras e formas que dizem respeito às consequências, à ponderação, à universalizabilidade e à gênese das convicções normativas. O núcleo procedimental consiste em regras que garantem liberdade e igualdade no discurso, através da concessão, a todos, do direito de participar no discurso e do direito de questionar, bem como de defender toda e qualquer afirmação. (ALEXY, 2018b, p. 86)

 

Ocorre, entretanto que o próprio autor apresenta alguns limitadores a teoria discursiva como o fato de que nem sempre o discurso irá alcançar um resultado correto, posto que para que haja um resultado efetivamente legítimo, deve-se levar em consideração que a liberdade e a igualdade devem ser observadas. Pode-se verificar que uma série de regras morais devem ser consagradas em prismas formal e factual, para que a liberdade e a igualdade sejam ratificadas e, em se tratando de Lei 9099/95, há que se ressaltar que para que seu objetivo maior, qual seja a conciliação, seja alcançado, necessário que tais direitos (liberdade e igualdade) sejam observados para além do que estabelece o texto legal (ALEXY, 2018b, p. 86), ressaltando-se ainda, o fato de que se pode litigar sem a representação de advogado em causas que não ultrapassem ao montante referente a vinte salários mínimos.

A disparidade evidente entre aquele que litiga com advogado e aquele que se encontra desassistido, traz à tona uma importante constatação de Alexy, na medida em que não há que se dissociar o direito da moral de modo que contesta, em se tratando do discurso jurídico, o próprio positivismo jurídico indicando ser este inadequado.  (ALEXY,2018b, p. 89)

Alexy, no que diz respeito à jurisdição constitucional, mas também aplicável a presente discussão, entende que

 

Há três operações básicas na aplicação do direito: subsunção, ponderação e comparação. Em todas essas três formas, tanto regras quanto princípios desempenham um papel essencial. Regras expressam um dever ser definitivo ou real, princípios, um dever ser prima facie ou ideal. Nesse sentido, a dialética entre o real e o ideal está presente até mesmo no nível mais abstrato da teoria das normas. A isso deve-se adicionar que o nível abstrato da teoria das normas está intrinsecamente conectado com questões muito concretas sobre a interpretação e a aplicação de direitos humanos e fundamentais. O dever ser ideal dos princípios constitui a base teorético-normativa da máxima da proporcionalidade, que é indispensável para a teoria dos direitos fundamentais e para a jurisdição constitucional.(ALEXY, 2018b, p. 89)

 

Percebe-se a partir das palavras de Alexy, que os princípios se encontram em um campo ideal e que enfrentam paradigmas que se encontram presentes no mundo da vida no que diz respeito a sua observância na práxis.

Retornando ao pensamento de Habermas em Três Modelos Normativos de Democracia (2002), destaca-se como terceiro procedimento democrático, baseado na teoria do discurso que reúne elementos tanto da concepção liberal como da concepção republicana, que

 

Esse procedimento democrático cria uma coesão interna entre negociações, discursos de auto-entendimento e discursos sobre a justiça, além de fundamentar a suposição de que sob tais condições se almejam resultados ora racionais, ora justos e honestos. Com isso, a razão prática desloca-se dos direitos universais do homem ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade e restringe-se a regras discursivas e formas argumentativas que extraem seu teor normativo da base validativa da ação que se orienta ao estabelecimento de um acordo mútuo, insto é, da estrutura da comunicação linguística. (HABERMAS, 2002, p. 278)

 

Deste modo, pode-se vislumbrar um horizonte linguístico ideal em se tratando de procedimento da Lei 9099/95, a partir do diálogo entre Habermas e Alexy, que se apresenta como um pensamento contrafactual.

Tal lei; por mais que observe opressuposto de que o processo em seu âmbito deva ser gratuito em sua primeira fase, e para que isso seja atingido prevê uma quantidade de atos processuais  reduzida  que, por sua vez, repercute diretamente na duração do processo, objetiva facilitar ou incentivar o acesso ao Judiciário daqueles que habitualmente não o fariam se tivessem que arcar com custa e honorários advocatícios; pode vir a esbarrar em elementos outros, de ordem subjetiva, que podem afastar os litigantes deste prisma horizontal discursivo ideal.

Donizetti, em análise objetiva, aponta que “Aspecto específico da instrumentalidade das formas, o princípio da economia processual enuncia que o processo civil deve propiciar às partes uma Justiça rápida e barata, de modo a obter o máximo de resultado com o mínimo emprego possível de atividades judiciais.” (DONIZETTI, 2020, p.52) No mesmo compasso que Theodoro Júnior, ao se referir ao Processo Civil Brasileiro, em referência a Hernando Devis Echandia, por sua vez destaca que (2021a, p. 92)

 

O processo civil deve-se inspirar no ideal de propiciar às partes uma Justiça barata e rápida, do que se extrai a regra básica de que “deve tratar-se de obter o maior resultado com o mínimo de emprego de atividade processual”.

 

Segue Humberto Theodoro Júnior(2021a, p. 92)

 

O ideal seria, portanto, o processo gratuito, com acesso facilitado a todos os cidadãos, em condição de plena igualdade. Isso, porém, ainda não foi atingido nem pelos países mais adiantados, de modo que as despesas processuais correm por conta dos litigantes, salvo apenas os casos de assistência judiciária dispensada aos comprovadamente pobres (Lei nº 1.060/1950; CPC/2015, arts. 98 a 102)

 

Em sede de Lei 9099//95 , a partir de uma racionalidade fática, tem-se que os critérios de igualdade e liberdade das partes em prol de um processo justo devem levar em consideração aspectos subjetivos para além da ideia de jurisdição graciosa que por sua vez não ultrapassa a primeira fase processual, pois cumpre  ressaltar que em se tratando de Juizados Especiais Cíveis embora não haja cobrança de custas na primeira fase processual ou cognitiva, e mesmo no que diz respeito ao cumprimento de sentença, não há o afastamento por completo da cobrança de custas posto que na fase recursal, em caso de interposição de recurso inominado, esta se faz presente.

Nesse sentido o artigo 54 da referida lei expressamente aduz que não serão cobradas custas no primeiro grau de jurisdição. O artigo 55, por sua vez, é claro ao dispor que a “sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários, ressalvados os casos de litigância de má fé” e segue dando conta que em segundo grau o recorrente vencido: “pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa” (BRASIL, 1995)

 

4 OS CRITÉRIOS ORIENTADORES OU PRINCÍPIOS EXPRESSOS NA LEI 9099/95

 

Recorre-se inicialmente ao entendimento de Robert Alexy acerca do que vêm a ser regras e princípios com o intuito de delimitar o estudo para a seguir se passar a discussão inerente aos chamados critérios orientadores dos Juizados Especiais Cíveis que são princípios expressos no texto legal, ou seja, comandos de otimização que se espera sejam norteadores da atividade prática, embora se deva avaliar limites e potencialidades aplicadas a condições “jurídicas e fáticas” conforme aduz o autor. 

 

A base da teoria dos princípios é a distinção teórico-normativa entre regras e princípios. Regras são normas que exigem algo determinado. Elas são comandos definitivos. A sua forma de aplicação é a subsunção. Em contraste, princípios são comandos de otimização. Como tais, eles exigem “que algo seja realizado na maior medida possível, dadas as possibilidades jurídicas e fáticas”. Deixando-se as regras de lado, as possibilidades jurídicas são determinadas essencialmente pelos princípios colidentes. Por essa razão, princípios, considerados separadamente, sempre compreendem comandos prima facie. A determinação do grau apropriado de cumprimento de um princípio relativamente às exigências de outros princípios é feita através da ponderação. Assim, a ponderação é a forma específica de aplicação dos princípios.(ALEXY, 2018a, p. 3)

 

Se falar em um processo com menos atos processuais repercute diretamente no que se entende por celeridade e também no que se classifica como duração razoável do processo, sendo certo que estas não são sinônimos.

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) prevê em seu artigo 5º LXXVIII“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Ocorre, todavia ao se tratar do princípio daduração razoável do processo deve-se perceber que tal duração não pode ser estabelecida de forma objetiva pois, ao se tratar da marcha processual, importante destacar a complexidade do procedimento, as possibilidades jurídicas conforme Alexy, e também outras variáveis de ordem subjetiva que podem permear a atividade do Poder Judiciário, dentre elas o número de processos que existem em determinada Vara ou Juizado Especial Cível e o número de servidores, as condições estruturais e físicas de sua sede para realização de audiências, número de conciliadores e Juízes Leigos, etc. , que seriam possibilidades fáticas, conforme Alexy.

Entende Theodoro Júnior que

 

O CPC/2015, por seu turno, prevê que essa garantia de duração razoável do processo aplica-se ao tempo de obtenção da solução integral do mérito, que compreende não apenas o prazo para pronunciamento da sentença, mas também para a ultimação da atividade satisfativa. É que condenação sem execução não dispensa à parte a tutela jurisdicional a que tem direito. A função jurisdicional compreende, pois, tanto a certificação do direito da parte, como sua efetiva realização. Tudo isso deve ocorrer dentro de um prazo que seja razoável, segundo as necessidades do caso concreto. (THEODORO JÚNIOR, 2021a, p. 101)

 

Sob olhar objetivo, um procedimento que apresenta menos atos processuais, como no caso dos Juizados Especiais Cíveis em relação ao procedimento comum do Código de Processo Civil, deve apresentar duração do processo inferior ao que se espera das ações que tramitam nas Varas Cíveis. Ocorre, todavia, que como abordado acima, necessário se faz observar a estrutura destes juizados vesus a demanda recebida por eles, o comportamento das partes ao longo do processo, dos atores do Poder Judiciário etc., para que se possa avaliar quais as causas de duração maior ou menor entre a distribuição de uma ação e a efetividade da sentença a ser alcançada pela satisfação em sede de seu cumprimento. (THEODORO JÚNIOR 2021a, p.102)

 

Por outro lado, razoabilidade do prazo de duração e celeridade da marcha processual são duas garantias distintas contempladas pelo art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Ambas traduzem cláusulas gerais, cujo conteúdo se liga a fato dependente de termo indeterminado. A consequência é não ser possível, de antemão, predeterminar qual seja a duração razoável de todos os processos. Também a celeridade processual não é algo que se possa predeterminar por meio de um ritmo único e preciso. (THEODORO JÚNIOR, 2021a, p.102)

 

A celeridade por sua vez, compreende uma séria de ações capazes de tornar o processo mais rápido, destaca Donizetti, referindo-se ao Código de Processo Civil

 

Ainda no campo da celeridade, o CPC/2015 aprimora o sistema de julgamento de demandas repetitivas, que também foi estendido ao juízo de primeiro grau. Conforme se verá adiante, os processos que gravitam em torno da mesma questão de direito deverão ser decididos de forma conjunta, de modo a priorizar a razoável duração do processo, a segurança jurídica e a isonomia das partes perante o Direito. Somente desta forma será possível evitar contradições entre as decisões de tribunais, diversos ou não, sobre uma mesma questão jurídica. (DONIZETTI, 2020, p. 10)

 

Na senda dos Juizados Especiais Cíveis, pode-se destacar que não há a previsão de que haja recursos que combatam decisões interlocutórias e não há a possibilidade de intervenção de terceiros, objetivando um processo mais rápido em comparação a previsibilidade de ambas as figuras no procedimento comum previsto no Código de Processo Civil e pode-se ressaltar que o princípio da concentração dos atos se faz evidente na medida em que se concentram na audiência de instrução e julgamento,atos que no citado código seriam praticados ao longo do procedimento comum e não em uma audiência, como se pode por exemplo observar em se tratando da contestação que poderá ser oral ou por escrito no entanto, no decorrer da própria audiência

Quanto à simplicidade e informalidade, cabe ressaltar que, conforme o entendimento de ElpídioDonizetti (2020, p. 638), não há distinção entre eles, sendo decorrentes do princípio da oralidade, ou seja, pensar em um processo mais simples e informal, pressupõe que a formalidade do processo escrito seja substituída pela oralidade. Mas não se pode apenas entender a linguagem falada como único elemento capaz de repercutir em um Judiciário mais simples e informal, mas uma verdadeira mudança de mentalidade dos atores dos Processos e do Judiciário como um todo.

            Há que se ressaltar que, conforme o presente texto tem sustentado a assimilação de um processo mais simples e informal, afastado do formalismo, dos atos escritos, é um desafio importante a ser vencido, tanto o é, que dificilmente se encontra na prática uma desvinculação capaz de indicar que se está diante de uma concepção diferente de processo civil. (DONIZETTI, 2020, p. 638)

 

4.1 O PRINCÍPIO DA ORALIDADE E A TEORIA DISCURSIVA EM QUESTÃO

 

A princípio da oralidade, por sua vez, é o norteador das relações interpartes no processo em sede de Juizados Especiais Cíveis, na medida em que ao privilegiá-lo, a Lei 9099/95 rompe em prisma formal com o formalismo que permeia as relações no Poder Judiciário e neste ponto, é importante concordar com ElpídioDonizetti, ao entender que a simplicidade e a informalidade dela decorrem, porém sugere-se que, conforme abordado anteriormente, não se trata do único elemento.

Parece, no entanto que há uma dicotomia entre a lei formal e as relações intersubjetivas no mundo da vida, e também no Poder Judiciário, na medida em que há uma mentalidade formalista extremamente solidificada e enraizada não apenas por aqueles que se apresentam como representantes do Judiciário, onde se incluem Conciliadores, Juízes Leigos, Juízes Togados e Servidores de uma forma geral, mas também os próprios advogados e às próprias partes que vem a litigar sem a presença de advogado, o que a Lei em questão permite em causas que não ultrapassem o referente a vinte salários mínimos.

A ideia de que apenas o Magistrado é capaz de dizer o direito é algo bem presente no entendimento não apenas no Poder Judiciário, mas no mundo da vida como um todo e neste diapasão Bárbara Gomes Lupetti Baptista, em texto em que aborda a oralidade nas Varas Cíveis e na 2ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entende que

 

A doutrina reconhece a oralidade como uma garantia das partes a um processo justo e democrático, ao passo que os rituais judiciários a descartam, sugerindo ser esta forma de manifestação um empecilho à celeridade da prestação jurisdicional.

A celeridade, igualmente, é um princípio de Direito Processual alçado à categoria de garantia constitucional (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República), sendo a sua finalidade precípua, nos termos sustentados pela dogmática, assegurar aos cidadãos a “duração razoável do processo”.

Nesse contexto, o que as práticas judiciárias apontam é um nítido conflito entre princípios processuais, em que a oralidade cede espaço à celeridade porque, em sendo assegurados às partes todos os atos processuais orais legalmente previstos, a celeridade acabaria por não se efetivar e, no sistema vigente, a “duração razoável do processo” é um requisito essencial à prestação jurisdicional. (BAPTISTA, 2008)

 

Conclui a autora

 

Ou seja, se o enfoque deste papertivesse como único referencial o estudo da dogmática, a conclusão dos leitores acerca do tema seria necessariamente no sentido de que o processo civil brasileiro é oralmente construído a partir do diálogo efetivado entre magistrados, advogadose cidadãos, estes últimos tendo, inclusive, participação ativa no curso do processo, quando, na verdade, é cediço que basta assistir a uma simples audiência no foro do Rio de Janeiro para se perceber que a teoria que rege a prática judiciária é outra, que não aquela apregoada e idealizada pela doutrina jurídica nos manuais de processo.(BAPTISTA, 2008)

 

Como abordado anteriormente, o presente texto destacou o fato de que este paradigma apresentado por Barbara Gomes Luppetti Batista, pelo menos em prisma formal é vencido pelo espírito da Lei 9099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis na Justiça Estadual. Ocorre, todavia, uma tensão entre facticidade e validade quando se observa uma lei que pretende transpor obstáculos em prisma formal, mas que na práxis não consegue atingir seu objetivo.

Aplicando-se o pensamento de Jürgen Habermas à matéria, tem-se que tal tensão já fora verificada na práxis, a partir das palavras da autora.

A teoria do discurso, conforme Habermas, apresenta pressupostos comunicacionais para que se possa expressar a vontade de forma democrática e tem caráter procedimental inegável. Porém, a mera participação no discurso não garante legitimidade na práxis, para isso é necessária uma participação dotada de racionalização, requisito indispensável para que se possa falar em discurso quanto a sua essência, ou seja, baseado em comunicações isentas entre as partes no processo. (HABERMAS, 2002, p. 141)

Entende Humberto Theodoro Júnior

 

Há consenso de que se deve valorizar a oralidade, isto é, incentivar o contato pessoal entre o juiz e as partes, para que o lado humano e sensível do litígio não escape da avaliação judicial. Daí a importância da audiência inicial de tentativa de conciliação e da audiência final em que se concentram os depoimentos pessoais dos litigantes e a inquirição das testemunhas. O processo tem de ser justo não só na sentença, mas durante toda sua tramitação, a fim de permitir que as pretensões em disputa sejam melhor apreendidas e avaliadas pelo julgador, e para que a capitação da verdade fática seja mais efetiva, muito embora se saiba que a verdade absoluta é inatingível pela capacidade cognitiva do homem. (THEODORO JÚNIOR, 2020a, p. 90)

 

A valorização do ser humano, nas relações intersubjetivas, no diálogo, é um desafio que pode ser percebido no Poder Judiciário na medida em que parece que a racionalidade estratégica se faz presente fortemente nesta esfera, o receio de não se obter êxito, de não se conseguir tudo que se almeja, a rivalidade e outros sentimentos como a raiva, a tristeza, a frustração, dentre outros, podem tornar o indivíduo menos suscetível ao diálogo.

Importante frisar que a oralidade não se faz presente, em sede de Juizados Especiais Cíveis, apenas no que diz respeito ao contato pessoal entre o Juiz e as partes ou mesmo interpartes restringindo-se as audiências; que neste se apresentam em duas oportunidades, a primeira com o objetivo específico de se estabelecer o consenso entre as partes, uma audiência de conciliação e a segunda, com o objetivo, além de se tentar novamente a conciliação, de produzir-se prova e julgar; a oralidade se apresenta nos moldes da lei 9099/95 como sua coluna dorsal que se inicia com a busca pela tutela jurisdicional e é observada através de vários momentos processuais até o deslinde da causa.

Como exemplo, pode-se apresentar a reclamação oral levada até a secretaria do juizado para que se inicie a demanda judicial, a possibilidade de se opor embargos de declaração oralmente, a contestação podendo se dar de forma oral, etc., o que demanda dos atores do processo uma maior flexibilidade em prol de se atingir uma maior celeridade processual. Pode-se perceber, entretanto, que o pensamento dogmático se apresenta em um diapasão mais restrito, conforme aduz Barbara Gomes LupettiBaptista

 

A oralidade, portanto, só se configura, na visão dogmática: 1) se o juiz que colher as provas orais for o mesmo que julgar a causa (identidade física do juiz); 2) se os atos processuais forem concentrados em único momento, a fim de que o juiz preserve-os em sua memória até o momento da prolação da decisão (concentração); 3) se o processo não for truncado por constantes interrupções advindas da interposição de recursos à instância superior (irrecorribilidade das decisões interlocutórias); 4) se o juiz colher a prova oral pessoalmente, participando, de forma efetiva e direta da fase instrutória do processo (imediatidade) (BAPTISTA, 2008).

 

Importante se perceber que mesmo quando se trás tal discussão para o âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e, em específico para suas audiências e para o objetivo maior -a conciliação, que as partes desejam se convencer da validade de algo que se encontra aliado a uma prática onde se tem efetiva horizontalidade entre elas,  sem qualquer desigualdade ou elemento externo que possa vir a intervir de modo a desequilibrar a relação judicial (HABERMAS, 2003b, p. 141) que na práxis pode, conforme observado anteriormente, representar um abismo entre aqueles que litigam com habitualidade e aqueles que litigam eventualmente e sem terem constituído advogado.

 

 

 

5 CONCLUSÃO

 

Os Juizados Especiais Cíveis surgiram com o objetivo de atrair ao Poder Judiciário aqueles indivíduos que, normalmente, não buscariam a tutela jurisdicional, seja por razões objetivas como aspectos financeiros representados pela necessidade do pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios seja por razões subjetivas como a possibilidade da morosidade processual.

            A busca por um resultado útil do processo é ponto importante a ser destacada, levando-se em consideração que não há que se falar em demandas que movimentarão a estrutura do Poder Judiciário sem que se observe a possibilidade de ressarcimento lícito, porém que não suplante as despesas inerentes ao processo.

            Para tanto, apresenta expressamente critérios orientadores que se apresentam como capazes, em prisma formal, de superar paradigmas impostos pela prática processual civil e pela própria mentalidade judicante das partes.

            Tais critérios, como visto, são princípios que permeiam as relações em se tratando da Lei 9099/95 que objetivam suprir, em causas de menor complexidade e de menor valor econômico, entraves verificados na prática processual civil, tal como salientado, a partir das palavras de doutrinadores clássicos do direito, onde se defende a ideia que o processo deve ser acessível as partes.

            A discussão a partir do pensamento de Jürgen Habermas e Robert Alexy, traz elementos importantes para a reflexão, posto que se pode observar que como orientadores das relações jurídicas em sede de Juizados Especiais Cíveis na Justiça Estadual, os princípios se apresentam como comandos de otimização, o que denota que o Judiciário, no que diz respeito às Varas Cíveis e aos Tribunais, apresenta déficits no que diz respeito a aspectos objetivos e subjetivos, capazes de tornar a via processual inalcançável para parte considerável dos jurisdicionados.

            Considerando a reflexão no que diz respeito às Varas Cíveis e Tribunais e os Juizados Especiais Cíveis na Justiça Estadual, pode-se perceber que a observância fáctica de tais critérios orientadores na práxis devem levar em conta não apenas a matéria em prisma formal, mas também a ponderação acerca da possibilidade de concretização conforme variáveis objetivas e subjetivas que podem vir a ser encontradas.

Neste aspecto, o princípio da oralidade enquanto fomentador da igualdade e da liberdade das partes, se mostra como indispensável, não apenas para a ponderação e observância prática dos princípios da celeridade, da simplicidade e da informalidade, mas como meio indispensável para a obtenção de uma Justiça menos burocrática e consequentemente mais democrática, que pode se potencializar se observada a teoria do discurso em sua essência.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1]Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD/UFF), MestreemDireito (PPGD/UGF),

Professor do Departamento de DireitoProcessual da Universidade Federal Fluminense (SDP/UFF), Professor Permanente do Programa de PósGraduaçãoemSociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF) e do Programa de PósGraduaçãoemDireitos, Instituições e Negócios da Universidade Federal Fluminense (PPGDIN/UFF)