DA EFETIVAÇÃO DA PARIDADE DE PARTICIPAÇÃO COMO REQUISITO PARA UMA ESFERA PÚBLICA IGUALITÁRIA

 

Pamela Pereira Prestupa[1]

Universidade estadual de Londrina - UEL

pamelaprestupa@outlook.com

______________________________

 

Resumo

 

A paridade de participação constitui o paradigma normativo central da teoria de justiça de Nancy Fraser, a qual propõe uma superação da clássica distinção entre as esferas da redistribuição e do reconhecimento, entendendo que, quando isoladas, nenhuma das esferas pode ser suficiente para a efetivação da justiça social. Nesse contexto, a autora conclui que as demandas, na maior parte dos casos – se não todos – constituem injustiças bidimensionais, que necessitam tanto de remédios econômicos quanto de remédios cultural-valorativos. Em que pese a grande influência do conceito de esfera pública formulado por Habermas na teoria da autora, Fraser também expõe algumas críticas, pois entende que o modelo harbermasiano não propicia uma efetiva paridade de participação aos envolvidos, na medida em que não se preocupa em sanar as desigualdades sociais existentes, mas apenas em suspendê-las na arena pública, deixando de considerar os impactos disso na deliberação. Outro fator importante, segundo a autora, são as questões de gênero, bem como a problemática distinção entre público e privado, que inclusive constitui uma das reinvindicações do movimento feminista atual. Assim sendo, o presente trabalho tem por objetivo proceder à uma análise da concepção da esfera pública habermasiana sob a ótica de Fraser, a qual problematiza alguns pressupostos que sustentam o modelo liberal, instigando à reformulação de alguns pontos. A fim de caminhar em direção a uma concepção alternativa e pós-burguesa de esfera pública, a teoria crítica tem por objetivo garantir não apenas a autorização formal e jurídica para participação, mas também a garantia dos requisitos materiais essenciais para que a participação seja paritária.

 

Palavras-chave: Esfera Pública. Paridade de Participação. Democracia.

 

EFFECTIVENESS OF PARTICIPATION PARITY AS A REQUIREMENT FOR AN EQUAL PUBLIC SPHERE

 

Abstract

 

Parity of justice is the normative paradigm in Nancy Fraser's theory of justice, which proposes the overcoming of the classical distinction between the spheres of redistribution and recognition, concludind that none of the central spheres, when isolated, can be sufficient for an effective social justice. In this context, the author advocate that the demandas need both: economic remedies as well as cultural-evaluative remedies. Despite the great influence of the concept of public sphere formulated by Habermas on the author's theory, Fraser also exposes criticisms, as she understands that the Harbermasian model does not effect the parity of those involved, insofar as it is not concerned with remedying social inequalities, but only in suspending them in the public environment, failing in evaluating the impacts of this in the deliberation. Another important factor, according to the author, are gender issues, as well as the problematic distinction between public and private, which is one of the current feminist movement demands. Therefore, the present work aims to proceed with an analysis of Habermas’ public sphere in Fraser’s view, which problematizes some assumptions that sustain the liberal model, instigating a reformulation. In order to move towards an alternative and post-bourgeois public sphere conception, the theory aims to guarantee not only the formal and legal authorization for participation, but also the guarantee of the material essential requirements that are required for the parity participation.

 

Keywords: Public Sphere. Participation Parity. Democracy.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Buscando superar a clássica distinção entre as demandas por redistribuição e reconhecimento, Nancy Fraser propõe integrar as lutas econômicas e culturais, entendendo que, na realidade cotidiana,  as injustiças de ambas as esferas encontram-se interligadas na maioria dos casos – se não em todos, sendo necessários remédios tanto de reconhecimento quanto de redistribuição para resolver os problemas de injustiça social. Para tanto, a autora considera a paridade de participação como métrica para as demandas sociais, sendo este o princípio norteador na justiça, devendo ser utilizado como parâmetro para diferenciar as demandas justificáveis das não-justificáveis.

É nesse cenário que, entendendo que as sociedades são estratificadas, “diferenciadas em grupos sociais com status, poder e acesso a recursos desiguais” (FRASER, 1989, p. 165), surge a necessidade de uma teoria crítica capaz de alocar as três esferas primordialmente responsáveis pelas desigualdades: a esfera da redistribuição, a esfera do reconhecimento, e a esfera política. Assim, a autora instiga à reformulação das teorias monistas existentes, mediante a tentativa de discussão acerca de alguns tópicos: a distinção entre economia e cultura, a ligação entre as duas esferas na produção de injustiças e a sua vinculação ao cenário político (FRASER, 2022, p. 18).

Nesta realidade dinâmica da sociedade atual, em que há a estratificação dos públicos de maneira econômica e cultural-valorativa, os atores sociais não ocupam a mesma posição de igualdade na luta social, seja por desigualdade de condições econômicas ou por padrões institucionalizados de valor cultural. Ao redor do mundo, normas institucionalizadas que privilegiam os brancos, heterossexuais, europeus, homens e cristãos impedem a paridade de participação e definem os ramos de subordinação. Ao mesmo tempo, nota-se que a desigualdade não só não diminuiu, como continua a aumentar.

É neste contexto que a autora, se utilizando da obra habermasiana, propõe uma reformulação da esfera pública, de forma a torná-la efetivamente igualitária e cumprir com o seu propósito, na medida em que retirar a proibição formal de acesso à esfera pública não é o mesmo que efetivamente fornecer condições para tanto.

Dessa forma, partindo de uma interpretação fundamentada no princípio do igual valor moral, a justiça requer arranjos sociais que permitam que todos participem como pares na vida social. Superar a injustiça significa derrubar os obstáculos institucionalizados que impedem alguns sujeitos de participarem em condições de paridade com os demais, como parceiros integrais da interação social (FRASER, 2003, p. 9). Não basta que as desigualdades sejam suspensas no ambiente deliberativo, mas é necessário que sejam tratadas e eliminadas, sob pena de o objetivo de igualdade na deliberação (e nos resultados derivados desta) nunca ser atingido, e os grupos dominantes continuarem a propagar seus ideais em detrimento dos públicos “fracos”, tal qual tratado pela autora.

É neste sentido que, reconhecendo a necessidade de dar continuidade e aprimorar o modelo habermasiano de esfera pública, o presente artigo tem por objetivo apresentar o conceito de paridade de participação proposto por Nancy Fraser, bem como a sua análise ao modelo de participação política na esfera pública elaborado por Habermas, tendo por foco especialmente 04 pressupostos, os quais a autora considera problemáticos e necessitam de reformulação, que serão tratados a seguir.

 

2 DA PARIDADE DE PARTICIPAÇÃO NA TEORIA DE NANCY FRASER

 

A condição social atual, denominada pela autora de condição “pós-socialista”[2], marcada por um liberalismo econômico evidente, pode ser vista como uma consequência do enfraquecimento das demandas por redistribuição, que ao final do século XX passaram a ser substituídas pelas demandas por reconhecimento, gerando um retrocesso nos compromissos igualitários econômicos e uma facilitação da mercantilização das relações sociais (FRASER, 2022, p. 18).

Nesse contexto, as demandas atuais, as quais estão inseridas na lógica liberal capitalista[3], tendem a satisfazer apenas uma pequena parcela dos indivíduos, enquanto o restante continua condenado às consequências de uma variedade de injustiças, como é o caso do feminismo liberal.

O feminismo liberal, por exemplo, trata de diversificar a hierarquia social, ao invés de combatê-la, fazendo com que pouquíssimas mulheres possam efetivamente chegar ao topo. Dessa forma, tal instituto faz com que as mulheres privilegiadas alcancem os privilégios trabalhistas dos homens da sua mesma classe social (os quais também compõem uma classe econômica de privilégios). Com isso, as mulheres beneficiadas com tal instituto são aquelas que já possuem as vantagens culturais, econômicas e políticas, enquanto as demais permanecem esquecidas (FRASER, 2019, p. 38). O feminismo liberal não só deixa a maioria das mulheres de fora, como também se utiliza das mulheres privilegiadas para continuar com a lógica do sistema, tirando proveito da classe de mulheres mal remuneradas, terceirizando inclusive o papel do trabalho doméstico (FRASER, 2019, p. 39). Da mesma forma, a igualdade salarial não significa muita coisa para as mulheres pobres e trabalhadoras, a não ser que tal reivindicação também seja por empregos com salários mais justos e direitos trabalhistas significativos, além de uma nova visão e organização do trabalho doméstico e de cuidado (FRASER, 2019, p. 42).

Considerando as demandas pelo direito ao aborto, a mera existência de mecanismo legal garantidor do direito ao aborto não é suficiente, pois não é capaz de amparar as mulheres pobres e trabalhadoras que não tem acesso aos tratamentos das clínicas. Há envolvimento de aspectos de reconhecimento, acerca do gênero, bem como redistributivos, ligados às condições materiais práticas para efetivação do direito. Dessa forma, o ideal seria a busca pela justiça reprodutiva, exigindo assistência gratuita, universal e não lucrativa na área médica. 

Assim, as demandas devem ser uma luta interseccional, capaz de abarcar as diferentes injustiças e vulnerabilidade do viés econômico, cultural e político. É a interseccionalidade que fornece as condições necessárias para entender e estruturar as demandas que envolvem diferentes coletividades ao redor do mundo (COLLINS; BILGE, 2021, p. 33).

Desse modo, Fraser defende uma abordagem crítica bivalente, conectando a teoria da justiça cultural à teoria da justiça distributiva, utilizando-se a esfera política, com o instituto da paridade de participação, como parâmetro de distinção das demandas justificadas das não justificadas. Nesse sentido, a justiça requer arranjos sociais que permitam que todos os membros da sociedade interajam entre si como pares (FRASER, 2003, p. 36).

Uma concepção bidimensional trata distribuição e reconhecimento como perspectivas e dimensões distintas de justiça. Sem reduzir uma dimensão a outra, compreende ambas em uma estrutura ampla e abrangente, necessária ao atingimento da paridade de participação plena (FRASER, 2003, p. 35). Para autora, o termo “paridade”, do inglês “parity” significa a condição de estar em paridade com os outros, de ser um par, de encontrar-se em “pé de igualdade” (FRASER, 2003, p. 101)[4].

O termo “paridade” é influenciado pela palavra “parité”, do dicionário francês, que passou a ser utilizado na França diante da promulgação de uma lei que reservava metade das cadeiras da Assembleia Legislativa para ocupação feminina, buscando garantir a representatividade igualitária de gênero na esfera política (SANTOS, 2020, p. 87).

A paridade de participação, então, possui – pelo menos – duas condições necessárias à sua efetivação: uma condição objetiva e uma condição intersubjetiva[5]. A condição objetiva diz respeito diz respeito à garantia de independência e voz na interação social, estando vinculada à estrutural econômica da sociedade, que deve conferir igualdade de recursos materiais e negar a institucionalização de circunstâncias que privam os indivíduos aos meios e oportunidade de interação igualitária com os outros, como a exploração e as desigualdades de riquezas, saúde, renda, lazer. Por sua vez, a condição intersubjetiva está relacionada com normas institucionais que depreciam ou desvalorizam algumas categorias de indivíduos, por meio da aceitação de padrões valorativos que negam à determinados grupos o status de parceiros igualitários na interação, diante da diferenciação excessiva do grupo, ou da ausência de reconhecimento da sua especificidade (FRASER, 2003, p. 36).

Uma concepção bidimensional da justiça orientada pelo princípio da paridade de participação é capaz de abranger redistribuição e reconhecimento, sem reduzir uma à outra (FRASER, 2003, p. 36):

 

Juntas, as condições objetiva e subjetiva são necessárias para a paridade de participação. Nenhuma sozinha é suficiente. A condição objetiva evidencia a tradicional preocupação associada com a justiça distributiva, especialmente preocupada com a estrutural econômica da sociedade e diferenciações econômicas de classe. A condição intersubjetiva evidencia as recentes preocupações em destaque na filosofia do reconhecimento, especialmente preocupada com a ordem de status da sociedade e as hierarquias culturais de status. (Tradução nossa)[6].

 

Além das condições objetivas e intrassubjetivas, há ainda que se falar nos dois níveis de paridade de participação a serem considerados: intergrupo e intragrupo. A análise do primeiro nível, intergrupo, pressupõe a avaliação das condições e efeitos dos padrões institucionalizados na valoração cultural entre a posição dos grupos minoritários e majoritários mediante medição da paridade de participação. Um exemplo disso, usado pela autora, é sobre o questionamento acerca das regras canadenses da Real Polícia Montada do Canadá que colocam a obrigatoriedade de certo tipo de uniforme e capacete, impedindo a possibilidade de tal ocupação ser preenchida por homens sique[7].

Quanto ao segundo nível, intragrupo, este serve como parâmetro de análise dos efeitos internos das próprias reivindicações de reconhecimento pleiteadas pelos grupos. Citamos o exemplo das práticas judaicas ortodoxas, que segregam e marginalizam as meninas e mulheres judias (FRASER, 2003, p. 40 – 41). Neste caso, há uma dicotomia de difícil resolução: a defesa dos direitos culturais e religiosos do grupo como um todo, havendo o dever de reconhecimento do grupo como tal, garantido a paridade participativa perante os demais grupos, em contraste com a problemática segregação dentro do próprio grupo, que nega a paridade de participação para alguns integrantes desse coletivo.

Para o modelo de status fraseriano, então, as demandas devem demonstrar os dois aspectos abordados: primeiro, que as normas culturais majoritárias e institucionalizadas negam paridade de participação para seu grupo e, segundo, que o reconhecimento pretendido e suas práticas não obstam a paridade participativa à indivíduos dentro do próprio grupo. Os dois requisitos são necessários para uma demanda ser justificada no debate público (FRASER, 2003, p. 41).

Podemos concluir, então, que a paridade de participação é norteada pelas seguintes características, conforme elencada por Barbara Cristina Soares Santos (2020, p. 88 – 89):

1)        A paridade de participação como condição qualitativa, e não apenas quantitativa;

2)        A derivação da paridade de participação da justiça social fundada na defesa de uma teoria de justiça bidimensional, que abarca tanto condições de redistribuição quanto de reconhecimento;

3)        A necessidade de garantia da paridade não apenas na esfera pública, mas também na esfera privada;

4)        A abordagem interseccional no tratamento das demandas;

5)        A defesa da paridade de participação, enquanto ação prática, como uma possibilidade e não uma imposição.

A paridade de participação aparece como a primeira resposta de Fraser às questões que devem ser atendidas por uma Teoria Crítica de Justiça: os desejos dos movimentos sociais e as práticas emancipatórias podem ser devidamente abarcadas por essa concepção (SOUZA, 2013, p. 128). Assim, o princípio da paridade participativa como a forma de integração das duas dimensões analíticas da justiça social, é definido como o padrão normativo da teoria da autora: “a participação de todos os membros da sociedade como parceiros igualitários de interação proibiria abusos assimétricos e demandaria a realização de condições básicas de participação, que seriam tanto materiais quanto simbólicas” (SOUZA, 2013, p. 164).

 

3 COMENTÁRIOS À ESFERA PÚBLICA HABERMASIANA

 

A obra Mudança estrutural da esfera pública (1962), Habermas desenvolve, e depois reformula, recursos indispensáveis para teorização das democracias nas sociedades capitalistas: o conceito de esfera pública.

A esfera pública habermasiana designa um palco de participação política efetivada pela fala em uma arena institucionalizada de interação discursiva. Essa arena, tal qual tratada por Habermas, apresenta-se como distinta do Estado e distinta da economia oficial, o que consiste em distinções essenciais para a teoria democrática. É um palco de debate e deliberação. Nas palavras de Fraser, o objetivo de investigação habermasiano é duplo (FRASER, 2022, p. 95):

 

Por um lado, Habermas mapeia a ascensão e o declínio de uma forma historicamente específica e limitada de esfera pública, a qual denomina “esfera pública burguesa”. Por outro lado, interroga o status do modelo normativo idealizado que é associado àquela instituição, o qual denomina “modelo liberal da esfera pública burguesa”.

 

Após analisar as condições da esfera pública burguesa, mediante identificação das condições que possibilitaram a sua existência e de realização do mapeamento de sua evolução, aliado à avaliação de suas consequências normativas no modelo liberal, Fraser conclui pela inviabilidade da esfera pública burguesa e do modelo liberal para garantia da função crítica da arena deliberativa e da institucionalização democrática (FRASER, 2022, p. 95 – 96). A autora entende que o modelo liberal não é capaz de lidar com as transformações das democracias de massa do final do século XX, propondo uma concepção de espera públicade fato democrática, que efetivamente promova a paridade de participação no ambiente de deliberação (SANTOS, 2020, p. 147).

Nesse cenário, para Fraser, Habermas deixou de problematizar alguns pressupostos questionáveis que sustentam o modelo liberal, bem como se absteve de apresentar um modelo pós-burguês de esfera pública que atenda às necessidades da teoria crítica. Por este motivo é que a autora pretende trabalhar em uma concepção alternativa e pós-burguesa de esfera pública, pautada, principalmente, em 04 (quatro) pressupostos problemáticos aceitos por Habermas para caracterização do conceito de esfera pública, que se mostra uma concepção burguesa, masculinista e supremacistas brancas. São os seguintes: 1) a possibilidade de suspensão das desigualdades na esfera pública; 2) a existência de uma única esfera pública em detrimento de uma multiplicidade de públicos concorrentes; 3) a restrição à deliberação sobre o bem comum; 4) a separação entre sociedade civil e Estado (FRASER, 2022, p. 103 - 104).

O primeiro pressuposto consiste na aceitação de que na esfera pública os indivíduos seriam capazes de suspender as desigualdades e diferenças de status para fins de deliberar como se iguais fossem, ou seja, “o pressuposto de que a igualdade social não é uma condição necessária à democracia política” (FRASER, 2022, p. 103). Nestes termos, as desigualdades sociais entre os interlocutores não são tratadas e tampouco eliminadas, apenas sendo postas em suspenso. Assim, Habermas não enfrenta o problema da falta de paridade de participação na esfera pública política pelos grupos marginalizados (FELDHAUS; PEREIRA, 2021, p. 41).

A mera pressuposição de que as distinções existentes fora do ambiente deliberativo seriam capazes de sanar ou neutralizar eventuais problemas de status por ocasião da externalização da fala não condiz com a realidade, tendo em vista que a suspensão das desigualdades pode afetar a deliberação, mesmo que não haja exclusão formal. Tal situação, em verdade, favorece os grupos dominantes e prejudica os grupos minoritários e subordinados. Uma teoria política liberal, que entende ser possível a garantia da democracia política erguida sobre estruturas socioeconômicas e cultural-valorativas desiguais, não é capaz de efetivamente garantia a paridade de participação, vez que não atinge os requisitos básico da deliberação igualitária: a igual voz aos interlocutores:

A confiança depositada na eficiência da suspensão sugere outro problema no modelo liberal. Essa concepção presume que a esfera pública é ou pode ser isenta de cultura, que pode ser tão absolutamente desprovida de qualquer etho específico que é capaz de acomodar, com perfeita neutralidade e igual facilidade, intervenções que expressem todo e qualquer ethos cultural. Mas esse pressuposto é contrafactual e não por razões meramente acidentais. Em sociedade estratificadas, grupos sociais desigualmente empoderados tendem a desenvolver estilos culturais desigualmente valorizados. O resultado é o desenvolvimento de poderosas pressões informais que marginalizam as contribuições dos membros subordinados tanto na vida cotidiana quanto nas esferas públicas oficiais (FRASER, 2022, p. 106).

Com relação à esfera econômica, a superação das desigualdades não implica exigir necessariamente que todos tenham exatamente a mesma renda, mas sim que não haja desigualdades exacerbadas que gerem relações de dominação e subordinação (FRASER, 2022, p. 107).

Nesse cenário, a autora entende que a satisfação do quesito igualdade na esfera pública deliberativa depende da garantia dos direitos e liberdades econômicos e culturais de forma prévia, condição necessárias para efetivação da paridade participativa. É neste sentido que as demandas por redistribuição e reconhecimento devem ser um trabalho integrado, vez que a sociedade atual exige a contemplação tanto da má distribuição quanto dos erros de reconhecimento, bem como a relação prática entre eles, visto que as duas esferas inibem a paridade, configurando-se como um obstáculo à justiça.

O modelo liberal de esfera pública é falho em reconhecer a importância do tratamento das desigualdades em um cenário prévio à deliberação, tratando a vida social de forma totalmente economicizada, pautada na busca irrestrita pelo lucro (FRASER, 2021, p. 68), e buscando sustentar a democracia sobre bases estruturais desiguais em recursos materiais e em status de interação. A democracia política exige igualdade social substantiva (FRASER, 2022, p. 107).

Quanto ao segundo pressuposto, o qual diz respeito à preferência de uma só esfera pública em detrimento da proliferação de uma multiplicidade de públicos concorrentes, a autora problematiza a pretensão habermasiana de enfatizar A esfera pública, como uma arena singular e oficial de deliberação, pois tal concepção deixa de levar em conta a existência de uma pluralidade de públicos concorrentes e a relação – conflituosa – entre eles (FRASER, 2022, p. 101), trazendo à tona uma concepção exclusiva de esfera pública oficial burguesa, masculinista e supremacista branca[8].

Assim, houve uma redução da esfera pública de deliberação, que compreendia uma variedade de públicos, à uma única esfera pública burguesa: “A análise de Habermas teria

Assim, houve uma redução da esfera pública de deliberação, que compreendia uma variedade de públicos, à uma única esfera pública burguesa: “A análise de Habermas teria suspendido o conflito entre outros públicos e o público burguês, deixando de lado valores e formas de interação alternativas” (BIROLI, 2017, p. 196).

Em realidade, a problemática reside na noção de publicidade que recai sobre a concepção “esfera pública”: um viés perpetrado por um recorte de classe, raça e gênero, que configura o principal espaço institucional de construção do consentimento que define o novo modo hegemônico de dominação:

 

... a esfera pública burguesa oficial é o veículo institucional de uma grande transformação histórica na natureza da dominação política. Trata-se da passagem de um modo repressivo de dominação para um modo hegemônico, a passagem do domínio fundado primeiramente na aquiescência a uma força superior para um domínio baseado primeiramente no consentimento associado a alguma medida de repressão (FRASER, 2022, p. 102).

 

Considerando a realidade fática, em que as sociedades são estratificadas, sendo que as estruturas institucionais básicas produzem grupos sociais desiguais e, consequentemente, relações estruturais de dominação e subordinação, não é possível que um único público, amplo e abrangente, abranja a pluralidade de interesses e necessidades de todos os públicos envolvidos na interação social, fazendo com que os públicos não-majoritários tenham menores chances de articular e defender seus interesses na arena pública (FRASER, 2022, p. 108 - 109).

Nesse cenário, “A análise de Habermas teria suspendido o conflito entre outros públicos e o público burguês, deixando de lado valores e formas de interação alternativas” (BIROLI, 2017, p. 196), públicos estes – os “subalternos” – formados por mulheres, trabalhadores, pessoas não brancas, gays e lésbicas, os quais formaram o que a autora chama de contraesfera pública e contrapúblicos subalternos[9] (FRASER, 2022, p. 109):

 

Proponho denominá-los contrapúblicos subalternos para assinalar que são arenas discursivas paralelas nas quais os membros dos grupos sociais subordinados inventam e fazem circular contradiscursos que lhes permitem formular interpretações de oposição sobre suas identidades, interesses e necessidades.

 

Superando a problematização quanto à estratificação baseada em recursos, acima demonstrada, na consideramos uma sociedade igualitária aquela em que não há divisões de classe e de trabalhos por gênero ou raça, passamos agora ao viés cultural. Sociedade materialmente igualitárias não são – e nem devem ser – culturalmente homogêneas, mas permitem a existência de uma pluralidade de valores, identidades e estilos culturais: são sociedade multiculturais.

Considerando, assim, a esfera pública como ambiente não apenas de expressão de opinião, mas também de formação e realização de identidades e opiniões[10], uma focalização neutra do ponto de vista cultural privilegiaria as normas de expressão de um grupo em detrimento dos demais, gerando uma assimilação cultural discursiva, culminando no fim do multiculturalismo (FRASER, p. 112 – 113). Nestes termos, parece-nos mais adequado que haja o reconhecimento de diversas arenas públicas de deliberação, nos quais os grupos e coletividades possam deliberar, discorrer e construir os seus valores e interesses, de forma à efetivamente exercerem voz igualitária – no aspecto cultural e material – em uma arena pública mais abrangente, formada por públicos[11] diversos:

 

A contraesfera pública, é o espaço no qual a pessoal subalternizada vive como alguém que tem possibilidade de falar e ser reconhecida, compondo não apenas sua identidade como indivíduo, mas compondo grupos de subalternizados que expõem, defendem e organizam-se em torno de seus interesses (SOUSA, 2022, p. 110).

 

O terceiro pressuposto questionado pela autora diz respeito à diferenciação entre interesses públicos e privados, e a suposição de que apenas interesses públicos e coletivos devem integrar a deliberação na arena pública. Na concepção formulada por Habermas, a esfera pública deve ser um ambiente de deliberação discursiva em que “pessoas privadas” deliberam sobre “assuntos públicos”. A discussão começa já na definição sobre o que os termos publicidade e privacidade representam. Sobre publicidade, a autora elenca quatro possíveis significados: 1) relacionado ao Estado; 2) acessível a todos; 3) que concerne à todos e 4) referente a um bem comum ou interesse compartilhado. Por sua vez, a privacidade pode representar: algo que diz respeito à propriedade privada e/ou algo que diz respeito à vida íntima, doméstica e pessoal, o que inclui a vida sexual (FRASER, 2022, p. 115).

O ponto de difícil distinção aqui é deliminar quais são as fronteiras do que é público e do que é privado, do que é um interesse particular e um interesse comum. Esses termos “não designam diretamente esferas sociais; são classificações culturais e rótulos retóricos” (FRASER, 2022, p. 118). Um bom exemplo disso é o movimento feminista, que batalhou muito para fazer com que as políticas públicas abrangessem o ambiente doméstico, em especial no quesito violência doméstica, que por muito tempo foi tida como uma questão privada, que não integrava o debate público. Da mesma forma acontece com o trabalho de reprodução social, a assimetria de gênero, raça e classe que perpetra esse trabalho, e a dupla jornada de trabalho da mulher: a retórica da privacidade doméstica retira esses debates do ambiente público, julgando-os como assuntos pessoais.

Neste ponto, da dicotomia público-privado, encontramos no gênero muito espaço para debate. Por um lado, o gênero constitui uma dimensão de divisão entre trabalho remunerado e não-remunerado, que pressupõe que o trabalho doméstico integra a esfera do particular/familiar, e por isso foge ao debate público. Por outro lado, o gênero também é uma forma de estruturação dentro da esfera do próprio trabalho remunerado, fazendo uma seleção e cisão entre os trabalhos e atividades melhor remuneradas e as atividades mal remuneradas, e que também foge ao debate público, estando vinculado à uma ótica econômica, como se tais debates fossem exclusivamente da esfera de mercado:

 

Se a violência doméstica contra a mulher, por exemplo, é rotulada como questão “pessoal” ou “doméstica”, e o discurso público sobre esse fenômeno é canalizado para instituições especializadas – associadas, digamos, ao direito de família, à assistência social e à sociologia ou à psicologia do “desvio” -, temos a reprodução da dominação e da subordinação de gênero. De modo similar, se questões relacionadas à democracia no local de trabalho são rotuladas de problemas “econômicos” ou “gerenciais”, e se o discurso sobre essas questões é desviado para instituições especializadas – associadas, digamos, à sociologia das “relações industriais”, ao direito trabalhista e à “ciência do gerenciamento” -, perpetuamos a dominação e a subordinação de classe (e, muitas vezes, também as de gênero e raça) (FRASER, 2022, p. 119).

 

Por fim, o quarto pressuposto analisado por Fraser diz respeito à separação nítida entre sociedade civil e Estado na concepção harbermasiana de esfera pública. Aqui, a autora entende que tal ponto pode ser visto de duas formas: a primeira, descartada logo de início, diria respeito ao entendimento de uma sociedade civil ordenada por uma economia privada e separada do Estado, o que configuraria o liberalismo clássico.  Nesse cenário, o sistema governamental limitado pelo capitalismo de laissez-faire[12] seria o requisito básico para o funcionamento da esfera pública, o que vai totalmente de encontro com o princípio da paridade de participação, visto que este modelo econômico não fomenta a igualdade socio-econômica (o problema do primeiro pressuposto apresentado) e tampouco considera questões da vida privada (o problema do terceiro pressuposto apresentado). Conclui-se, portanto, que a separação entre sociedade e civil é inviável para uma esfera pública igualitária (FRASER, 2022, p. 120).

Descartando esse primeiro cenário, vez que inconciliável com a teoria que defende a paridade de participação como métrica de justiça nas relações sociais (na medida em que se acredita que uma sociedade civil sem a regulamentação do Estado não dá conta de lidar com as desigualdades, muito menos de tratá-las), passamos ao segundo cenário proposto, no qual acredita-se esteja inserida a proposta habermasiana: o modelo liberal. Aqui, a instituição “sociedade civil” são associações não governamentais e/ou secundárias, que não desempenham função econômica nem administrativa. Os interlocutores em debate na esfera pública não são agentes estatais, e suas deliberações não resultam e decisões vinculantes e soberanas, mas sim em opiniões públicas. Em síntese, “a esfera pública não é o Estado; ela é, antes, o corpo informalmente mobilizado de opinião discursiva não governamental que pode servir de contrapeso ao Estado” (FRASER, 2022, p. 120). O problema aqui recai no fato de culminar em públicos fracos e públicos fortes. O primeiro grupo, os públicos fracos, compõe uma coletividade que forma opiniões que não são englobadas pela tomada de decisão. Já os chamados públicos fortes, representam um discurso que engloba tanto a formação de opinião quanto a tomada decisória. Qual seria então a melhor forma de articulação entre sociedade civil e Estado? É uma pergunta sem resposta.

Contudo, qualquer concepção de esfera pública que proceda à uma separação rígida entre sociedade civil e Estado não dará conta de se autorregular, de prestar contas politicamente e tampouco de promover uma interação justa interpúblicos, pontos estes indispensáveis para uma sociedade democrática e igualitária:

“Precisamos, na verdade, de uma concepção pós-burguesa que nos permita conceber um papel para (ao menos algumas) esferas públicas maior do que o da mera formação autônoma de opinião, destituída de qualquer possibilidade de tomara de decisão com autoridade” (FRASER, 2022, p. 123).

 

4 CONCLUSÃO

 

Não é tarefa difícil mesurar a importância do conceito de esfera pública habermasiano e suas contribuições para a teorização da democracia. O modelo possibilita discorrer e melhor compreender algumas confusões que assombraram os movimentos sociais progressistas e teorias políticas associadas, compreendendo a força da distinção entre o Estado, as arenaspúblicas de deliberação e o mercado econômico. A ideia de esfera pública formulada por Habermas é indispensável à teoria social crítica.

Em que pese ser inegável a imensa contribuição trazida pela teoria habermasiana, esta não é totalmente adequada às sociedades do capitalismo tardio, sendo incapaz de efetivar um ambiente igualitário de deliberação. Conforme mostrado, é essencial à uma concepção de esfera pública igualitária que as desigualdades sejam sanadas, e não apenas postas em suspensão, sob pena de ter frustrados os objetivos inicialmente pretendidos. Ainda, considerando que, na realidade, as sociedades são estratificadas, diferenciadas em recursosmateriais e valores culturais, é questionável a escolha e fixação de uma única esfera pública, oficial e abrangente, em detrimento de uma multiplicidade de públicos, podendo gerar erros de reconhecimento, “absorvendo os menos poderosos em um falso ‘nós’ que reflete os mais poderosos” (FRASER, 2022, p. 109). O terceiro ponto tratado diz respeito à diferenciação entre público e privado, e a defesa de uma esfera pública que abarque as diversas discussões. Por fim, a nítida separação entre Estado e sociedade civil não parece ser adequada no modelo liberal, sob pena de permitir apenas os públicos fortes de tomarem decisões vinculantes, as quais poderiam ser, na maioria das vezes, também fruto da opinião formada por eles próprios na deliberação, não abrangendo os públicos fracos, ou deliberando sobre estes de forma paternalista e não-emancipatória.

 

REFERÊNCIAS

 

ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. Tradução: CANDIANI, Heci Regina. São Paulo: Boitempo, 2019.

 

BIROLI, Flávia. Teorias feministas da política, empiria e normatividade. In: Lua Nova, São Paulo, 102: 173-210, 2017.

 

COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma.Interseccionalidade.São Paulo: Boitempo, 2021.

 

FELDHAUS, Charles; PEREIRA, Camila Dutra. Diálogos entre a teoria social crítica habermasiana e a teoria feminista de nancy fraser. Disponíevel em: http://orcid.org/0000-0002-1004-8249. Acesso em: 05 set. 2022.

 

FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.

 

FRASER, Nancy. Struggle over Needs:outline of a socialist feminist critical theory of late capitalism political culture. Minneapolis: University of Minesota Press, 1989.

 

FRASER, Nancy. Repensar el ámbito público: una contribuición a la crítica de la democracia realmente existente. In: Debate feminista, marzo de 1993.

 

FRASER, Nancy. Justiça interrompida: reflexões sobre a condição “pós-socialista”. São Paulo: Boitempo, 2022.

FRASER, Nancy; HONNETH, Axel.Redistribution or recognition?A political-philosophical exchange. New York: Verso Books, 2003.

 

PIROLI, Diana. Justiça e reconhecimento: uma interpretação das bases sociais do autorrespeito de John Rawls a partir do debate redistribuição e reconhecimento. Tese de doutorado. Florianópolis: UFSC. 2021.

 

SANTOS, Barbara Cristina Soares. Paridade de participação e emancipação em Nancy Fraser: reconhecimento e justiça a partir do feminismo. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo. São Paulo, 2020.

 

SOUZA, Luiz Gustavo da Cunha. Reconhecimento, redistribuição e as limitações da teoria crítica contemporânea.Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp. 2013.

 

UZUN, Julia Rany Campos. Roteiros do sagrado: conhecendo as religiões ao redor do mundo. Joinville: Clube de Autores, 2021.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]Advogada. Especialista em Docência no Ensino Superior (2020) e Direito Público (2021). Aluna especial do Mestrado em Filosofia Política - UEL. 

[2]Esta é, portanto, a condição “pós-socialista”: ausência de qualquer projeto emancipatório abrangente digno de crédito, a despeito da proliferação de frentes de luta; a dissociação geral da política cultural de reconhecimento e política social de redistribuição; o descentramento das reivindicações de igualdade diante da agressiva mercantilização e do crescimento acentuado da desigualdade material.” (FRASER, 2022, p. 18).

[3]“O capitalismo não é apenas um sistema econômico, e sim algo maior: uma ordem social institucionalizada que abrange relações aparentemente não econômicas e práticas que mantém a economia oficial. Por trás das instituições oficiais do capitalismo – trabalho assalariado, produção, troca e sistema financeiro – estão os suportes que lhes são necessários e as condições que as possibilitam: famílias, comunidades, natureza, Estados territoriais, organizações políticas e sociedades civis, e, em especial, enormes quantidades e múltiplas formas de trabalho não assalariado e expropriado, incluindo muito do trabalho e reprodução social” (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2021, P. 102).

[4]No original: “...For me, parity means the condition of being a peer, of being on a par with others, of standing on an equal footing” (FRASER, 2003, p. 101).

[5]Piroli (2020, p. 27), entende que é possível aproximar o “modelo normativo de status” de Fraser, em especial as condições intersubjetivas dispostas pela autora, com o conceito das bases sociais do autorrespeito tratadas por John Rawls em Uma Teoria da Justiça, como bem primário.

[6]“Both the objective condition and the intersubjective condition are necessary for participatory parity. Neither alone is sufficient. The objective condition brings into focus concerns traditionally associated with the theory of distributive justice, especially concerns pertaining the economic structure of society and the economically defined class differentials. The intersubjective condition brings into focus concerns recently highlighted in the philosophy of recognition, especially concerns pertaining to the status order of society and to culturally defined hierarchies of status.” (FRASER, 2003, p. 36).

[7]Do Dicionário Aurélio: “que é partidário ou seguidor do siquismo; partidário da comunidade monoteísta (um só Deus), fundamentada por Penjab, na Índia, cujo preceito básico diz respeito à existência de um só Deus, além de rejeitar a ideia do sistema de castas (hindu)”. Os Sikhs devem enrolar seus cabelos em um turbante, sendo este um dos cinco mandamentos fundantes da religião (UZUN, 2021, p. 264).

[8]A autora não afirma que Habermas seja alheio ou não tenha consciência acerca da multiplicidade de estas públicas não burguesas existentes, mas muito pelo contrário: apesar do reconhecimento da existência de tais, ele reconhece a possibilidade de discorrer sobre o público burguês de forma isolada, o que, na concepção de Fraser, é uma incongruência, vez que a análise das relações do público burguês com os contrapúblicos alternativos desafia o próprio modelo liberal da esfera pública (FRASER, 2022, p. 100).

[9]A autora cunha a expressão “contrapúblicos subalternos” combinando o termo “contrapúblico” utilizado por Rita Felski, em Beyond Feminist Aesthetics (1989) e “subalterno” de Gayatri Spivak (1988) (FRASER, 2022, p. 109).

[10]Fraser entende as arenas discursivas públicas como locais de construção, desconstrução e reconstrução de identidades sociais (FRASER, 2022, p. 112

[11]Importante mencionar a diferenciação entendida pela autora entre “público” e “comunidade”: público sugere uma interação ilimitada e aberta, com uma pluralidade de perspectivas, enquanto que por comunidade depreende-se um grupo mais restrito e homogêneo (FRASER, 2022, p. 114

[12]Laissez-faire, do francês: “permitir fazer”, segundo a Enciclopédia Britânica, diz respeito à uma política de mínima interferência governamental nos assuntos econômicos dos indivíduos e da sociedade.