A MEDIAÇÃO TEORIA E PRÁXIS E A FORMAÇÃO CONTINUADA: Possibilidades em tempos de pandemia

 

Rafael Carlos Queiroz[1]

Universidade Federal do Espírito Santo

rcqrafael@gmail.com

 

Nazareth Vidal da Silva[2]

Universidade Federal do Espírito Santo

newpegagoga@gmail.com

 

Maria José Carvalho Bento[3]

Universidade Federal do Espírito Santo

zeze_bento@hotmail.com

 

Mariangela Lima de Almeida[4]

Universidade Federal do Espírito Santo

mlalmeida.ufes@gmail.com

 

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Resumo

 

Desde seu início, em 2020, a pandemia da Covid-19 acarretou diversos desafios no cotidiano. No campo da educação não foi diferente, pois os educadores precisaram repensar concepções mais amplas da formação continuada. Nesse contexto, o estudo procura analisar os desafios e as possibilidades para a formação continuada de profissionais da educação na perspectiva da autorreflexão colaborativo-crítica. Para isso, fundamenta-se na teoria de Jürgen Habermas por meio de duas concepções: a racionalidade comunicativa e a mediação teoria e práxis. Nesse processo, tomamos os argumentos dos profissionais participantes de grupo de estudo-reflexão a partir de suas demandas, dos processos de aprendizagem e das ações de mudanças. Ações e análises dialogam e sustentam-se entre os referenciais teórico-metodológicos embasando os processos, contemplando a aplicação da espiral autorreflexiva de observação, planejamento, ação e reflexão e o delineamento e teorização das funções mediadoras na relação teoria e prática, quais sejam: elaboração/formação dos teoremas críticos; organização dos processos de conscientização e aprendizagem; e a condução da luta política, seleção das estratégias apropriadas e solução de questões táticas, sendo essas categorias o modo como se organizaram os dados. Como resultados observamos novas possibilidades para formação continuada abarcando mais formandos e ampliando a colaboração entre pesquisadores, além da intenção dos formandos/cursistas de mudar ou transformar suas práticas em ações efetivas em seus lócus de atuação.

 

Palavras-chave: Formação continuada. Pesquisa-ação colaborativo-crítica. Jürgen Habermas. Pandemia. Grupo de estudo-reflexão.

 

THEORY AND PRACTICE MEDIATION AND CONTINUING TRAINING: Possibilities in pandemic times

 

Abstract

 

Since its inception, in 2020, the Covid-19 pandemic has brought about several challenges in everyday life. In the field of education it was no different, as educators needed to rethink broader concepts of continuing education. In this context, the study seeks to analyze the challenges and possibilities for the continuing education of education professionals from the perspective of collaborative-critical self-reflection. For this, it is based on the theory of Jürgen Habermas through two conceptions: communicative rationality and theory and praxis mediation. In this process, we take the arguments of the professionals participating in the study-reflection group based on their demands, learning processes and change actions. Actions and analyzes dialogue and sustain themselves between the theoretical-methodological references underlying the processes, contemplating the application of the self-reflexive spiral of observation, planning, action and reflection and the outlining and theorization of the mediating functions in the relationship between theory and practice, namely: elaboration / formation of critical theorems; organization of awareness and learning processes; and the conduct of the political struggle, selection of appropriate strategies and resolution of tactical issues, these categories being the way in which the data were organized. As a result, we observed new possibilities for continuing education, encompassing more graduates and expanding collaboration between researchers, in addition to the intention of trainees/students to change or transform their practices into effective actions in their locus of action.

 

Keywords: Continuing education. Collaborative-critical action research. Jurgen Habermas. Pandemic. Study-reflection group.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 CONJUNTURA ATUAL

 

Não se contava com este mal global na história da Educação. Em meados de dezembro de 2019, tornou-se impossível não falar sobre o vírus que passou a incidir diretamente na vida das pessoas. A notificação pela China à Organização Mundial de Saúde - OMS da transmissão de SARS-COV-2, causador da COVID-19, e declaração posterior de pandemia, passa a provocar questões e reflexões nas mais diversas áreas da Sociedade.

Na Educação, sabe-se que a crise causada pela Covid-19 encerrou aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do Mundo (UNESCO, 2020a). Esse encerramento, evitando aglomeração, seguiu orientação técnica da OMS de prevenção de contágio.

O fechamento de escolas, faculdades e universidades afetou a dinâmica de ensino e aprendizagem e a formação docente. No Brasil, segundo documentos oficiais, a formação docente, sobretudo na Educação Superior, seguiu forma e metodologia não presenciais. Especialmente nas redes públicas (BRASIL, 2020), grande parte “[...] dos estudos em EAD é solitária e demanda proficiência em leitura e interpretação de textos, que contatos virtuais ou tutorias fragilizadas não favorecem” (GATTI, 2013-2014, p. 37).

Todavia, destaca-se a necessidade de ressignificação das teorias e reinvenção das práticas, dialogando com as tecnologias atuais considerando a relevância do momento para retomar as ações de projeto, visando contribuir com reflexões e proposições para o momento pandêmico. Mas analisar neste estudo as possibilidades presentes de ações não implica apoio às políticas e propostas de educação à distância para estudantes de qualquer rede de ensino, ao contrário.

Nesse cenário, evidencia-se a busca de alternativas e ações, por grupo de pesquisa na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) sobre Educação Especial, tomando como um dos objetos de investigação a formação de profissionais da educação, junto à comunidade acadêmica, visando manter suas práticas de ensino, pesquisa e extensão, destacando mais uma vez seu comprometimento com a sociedade capixaba.

Para compreender esse processo, busca-se responder: quais ações formativas podem ser desenvolvidas por grupos de pesquisa em contexto pandêmico? Enfrentando obstáculos cotidianos, administrativos e escolares, este estudo justifica-se pela necessidade do estudo-reflexão sobre e para formação continuada com/para gestores e profissionais da educação, principalmente na Educação Especial.

Nessa perspectiva, analisam-se, com diálogos, estudos e reflexões, as ações formativas de grupos de pesquisa, em contexto de crises e incertezas, considerando as medidas impostas pela pandemia preconizadas pela OMS.

Assim, destacam-se enquanto objeto de análise as ações do grupo entre março e setembro de 2020 e suas avaliações. Considerando observação, planejamento, ação e reflexão (CARR; KEMMIS, 1988), e a relação teoria e prática (HABERMAS, 2000).

Tornam-se relevante no texto as ações formativas, em que as reflexões tanto para o ambiente acadêmico, quanto para os espaços educacionais, contemplam práticas inclusivas, destacando-se a formação continuada de profissionais da educação, nesse momento de tamanha instabilidade social, gerando crises e incertezas.

Das quatro Seções do texto, a primeira, introdutória, contextualiza brevemente o cenário pandêmico; a próxima, teórica, fundamenta a formação continuada a partir da constituição de grupos de estudos. Na sequência, apresenta-se o método desta pesquisa para discutir resultados e análises, refletindo sobre demandas, necessidades e objetivo levantado. Enfim, às considerações finais seguem-se as devidas referências.

 

2 PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM CENÁRIO PANDÊMICO

 

A formação continuada na área da Educação tem suscitado demandas especificas para atender seus profissionais, principalmente os que atuam na modalidade da Educação Especial. Tal fato observa-se nos 59 grupos de pesquisa registrados no CNPq, de 1993 a 2017, que utilizaram o termo Educação Especial, 39% de 155 (BUENO, 2018).

Compreende-se, nesse contexto, o grupo de pesquisa como espaço de estudo, pesquisa, produção de conhecimento e formação continuada de profissionais em/sobre a Educação Especial e Inclusiva, constituindo espaços discursivos físico ou virtual ensejando “[...] a construção coletiva e a leitura crítica da realidade” (MAXIMINO; LIBERMAN, 2015, p.42).

Os espaços discursivos, momentos privilegiados em que todos são agentes do conhecimento com base no mundo vivido, adotados pelo grupo como estratégias para formação continuada, fundamentam-se nos pressupostos habermasianos da disposição de cotejar argumentos racionais com a opinião alicerçada na razão (HABERMAS, 1987). Os profissionais da Educação do Espírito Santo (Rede de Ensino estadual e municipal), em estudos em grupos na extensão, buscam construir percursos metodológicos para os processos de pesquisa-formação enfocando o atendimento e inclusão do estudante público-alvo da Educação Especial[5].

A colaboração entre participantes do grupo, estudando, refletindo e dialogando sobre a suas experiências na/para inclusão escolar, produzem novas/outras formas de aprender que permitem pensar a indissociabilidade pesquisa-formação (GOUVEIA, 2019).

Historicamente, surtos epidêmicos globais caracterizam pandemias. A primeira ocorrência pandêmica em meados do século XIV, a peste bubônica, popularmente peste negra, exterminou aproximadamente um terço da população europeia, época com péssimo saneamento urbano. Estima-se que em Veneza, epicentro da peste, originou-se o termo quarentena (a prática de restringir a circulação de pessoas). Na crise, as medidas de higiene e o saneamento as cidades melhoraram, porém, com isolamento social, o contágio decresceu fortemente na Europa (BITTENCOURT, 2020).

Numa breve comparação de contextos, destaca-se diferença fundamental entre a pandemia da peste bubônica e da atual de COVID-19, a primeira causada por bactéria, Yersinia pestis, transmitida por pulgas que infestavam os ratos e outros roedores. Na segunda, o Sars-Cov-2 transmite-se de pessoa a pessoa, o que desencadeia a velocidade da contaminação (BITTENCOURT, 2020).

As incertezas provocadas pela pandemia instalaram crise global - política, sanitária, humanitária e econômica. Interpretação e prognóstico da crise movimentou grande parte da intelectualidade nacional e internacional, com discussões dos diretos fundamentais do próprio povo - direito à vida e à democracia.

Habermas, em entrevista[6] a Nicola Truong, em 12/04/2020, traz afirmativas fundantes para grupos de estudo-reflexão que buscam nas ações cotidianas outras formas de produzir conhecimento:

 

[...] a pandemia hoje obriga todos a refletir sobre algo que antes era conhecido apenas por especialistas. Hoje, todos os cidadãos estão aprendendo como seus governos devem tomar decisões, conhecendo bem os limites de conhecimento dos próprios virologistas consultados. Raramente, o terreno para ação em condições de incertezas foi iluminado de maneira tão vívida. Talvez essa experiência incomum deixe sua marca na consciência da esfera pública (s/n).

 

O governo brasileiro, ao negar a gravidade da situação, e a inexistência de plano nacional de ação, contribuiu para o número de mortos chegar aos seis dígitos, tornando o País um dos epicentros da pandemia de Covid-19 (HENRIQUES; VASCONCELOS, 2020). Permitindo-nos questionar “[...] que nível de desinteligência — negacionista da ciência, da racionalidade e da razoabilidade — terá sido firmado no país” (DEL ROIO; MARTINEZ, 2020, s/p). Que reflexão e aprendizado esta crise promove?

Pinho (2020) aponta hipóteses positivas para toda esta crise:

 

[...] após a pandemia de Covid-19, emergirá - paralelamente ao fortalecimento dos mecanismos de solidariedade social e ao incremento de políticas de intervenção do Estado para reduzir os impactos danosos da crise - uma completa restruturação do sistema capitalista globalizado em várias dimensões (economia, educação, relações de trabalho, sociabilidade) (s/p).

 

Habermas (2020) vai ao encontro dessa hipótese ao exclamar: “A solidariedade é a única cura!” E enfatiza que seria mais importante se víssemos no coronavírus uma última possibilidade de se mobilizar para agir de modo solidário.

Diante desse cenário e com olhar na formação continuada para os profissionais da Educação Especial e Inclusiva nos questionamos: Quais ações formativas podem ser desenvolvidas por grupos de pesquisa em contexto pandêmico?

 

3 BASES DO GRUPO DE PESQUISA

 

Fundamentado na pesquisa-ação colaborativo-crítica, o Grufopees/CNPq-Ufes (formado por gestores públicos de Educação Especial e pesquisadores e alunos de Graduação e Pós-Graduação da Ufes), pesquisando pelo estudo-reflexão desde 2013, incrementou de 2018 a 2020 nova frente formativa, continuando o Projeto Proex[7], intitulada “Formação de profissionais da educação e pesquisa-ação – perspectivas e práticas para a educabilidade das pessoas público-alvo da Educação Especial”.

A formação continuada proposta pelo grupo incentiva a autorreflexão para compreender a relação entre os participantes, seus lócus de atuação, demandas e desafios, buscando novas respostas e explicações teóricas capazes de lidar com a crescente complexidade da vida em sociedade, o que para Habermas (2012) determina o interesse emancipatório do conhecimento. Ressaltando a colaboração como alicerce dos estudos reflexivos em que:

 

A natureza colaborativa da pesquisa-ação organiza os profissionais em grupos colaborativos com o objetivo de obter suas próprias informações, conscientização e ilustração e, ao fazer isso, cria um modelo de ordem social racional e democrática” (CARR; KEMMIS, 1988, p. 14).

 

A pesquisa-ação colaborativo-crítica é uma dinâmica composta por espiral autorreflexiva de planejamento, ação, observação e reflexão que envolve os participantes visando transformar tanto a prática quanto o profissional, as maneiras pelas quais eles se entendem, entendem suas práticas e a situação social em que essas práticas são conduzidas. As ações oriundas desse método são interpretadas refletindo em seu caráter as implicações de transformar ações, ideias e entendimentos, partes interativas de um todo unificado (CARR, 2019).

Assim, os trabalhos do grupo procuram entendimento com os outros, constituindo ações que buscam construir novos possíveis para os processos formativos dos profissionais da educação, levando os participantes a reconhecer a importância de criar relações de confiança, visto que “[...] não se trabalha sobre os outros, mas e sempre com os outros” (BARBIER, 2007, p. 14): assim, a pesquisa-ação “[...] suscita mais questões do que resolve (BARBIER, 2007, p. 144). Levando à necessidade de compreender por empatia e “escuta sensível” - aquela que “[...] não julga, não mede, não compara” (BARBIER, 2007, p. 94), estabelecendo relações de confiança nos participantes do grupo.

O respaldo filosófico do grupo à crítica das ações apoia-se na Teoria do Agir Comunicativo (HABERMAS, 2012) para, pelo diálogo/discurso e argumentação, os participantes se comprometerem, implicitamente, em alcançar um entendimento. Carr & Kemmis (1986) esclarecem que:

 

Os discursos ajudam a verificar as alegações de veracidade das opiniões (e das normas) que o falante deixou de perceber como evidentes. No discurso, a "força" do argumento é a única compulsão permissível, enquanto o único motivo admissível é a busca da verdade em cooperação (p. 147 - tradução dos autores).

 

Desse modo, a racionalidade comunicativa respalda os trabalhos do Grufopees/CNPq-Ufes, pois os sujeitos reúnem-se e interagem com os pares buscando entendimento - dando voz a todos os participantes dos atos de comunicação, mediando seus interesses na condição de iguais, coordenando suas ações através do diálogo sincero, ouvindo todos, prevalecendo o interesse legítimo do grupo (HABERMAS, 2012).

No Grufopees/CNPq-Ufes, outros grupos de estudo-reflexão são formados para atender à necessidade, ao público e aos objetivos: Grupo de estudo-reflexão: pesquisa-ação; Grupo de estudo-reflexão: pressupostos habermasianos; Grupo de estudo-reflexão: gestores de Educação Especial; Grupo de estudo-reflexão: movimentos nos municípios; e Grupo de estudo-reflexão: profissionais da educação. Contudo, todos estão ancorados na premissa da autorreflexão organizada que “[...] exige a participação dos investigadores nas ações sociais que estudam, e, mais, que os participantes se convertam em investigadores” (ALMEIDA, 2010, p. 172), e nos pressupostos da Teoria do Agir Comunicativo (HABERMAS, 2012).

Significa-se  grupo de estudo-reflexão como espaço de estudo e reflexão em que pesquisadores e autores elaboram teoremas críticos, questionam suas próprias ações e como se comportam sobre elas, discutem os saberes já adquiridos e as demandas oriundas das práticas – sustentando a autorreflexão organizada como eixo central da ação formativa, para Carr & Kemmis (1988) “[...] forma de autorreflexão disciplinada que visa à ilustração e melhoria das condições sociais e materiais sob as quais a prática ocorre (p. 174)”.

Assim são constituídos os grupos estudo-reflexão preocupados em organizar e transformar sua própria prática à luz da autorreflexão organizada, propiciada pelo diálogo, autonomia e colaboração fundamentada na dialética do pensamento e da ação, do indivíduo e da sociedade, na constituição de comunidades autocríticas (CARR & KEMMIS, 1988).

Na condução das produções formativas, o grupo visa ações que rompam com a estrita lógica instrumental, reforçando a racionalidade comunicativa, valorizando a linguagem que, além de reproduzir pensamento, carrega a possibilidade de entendimento, do consenso, da troca e da comunicação entre os diferentes profissionais da educação, por meio do diálogo e da força do melhor argumento (HABERMAS, 2012).

Na mediação dos espaços discursivos, destacam-se, mais do que repostas e soluções prontas aos profissionais, momentos para aprofundar o conhecimento em serviço, apostando na troca e no contato com grupos menores - como caminho possível, assumindo a responsabilidade na construção de novos modos para formação continuada.  Suscitando reflexões constantes, para romper com a lógica positivista das formações prontas, emergindo novas/outras possibilidades formativas, considerando que a “[...] força libertadora da reflexão não pode ser substituída pela difusão de um saber tecnicamente utilizável” (HABERMAS, 1968, p. 106).

Desse modo, os grupos de estudo-reflexão têm-se constituído uma das principais ferramentas teórico-metodológicas de pesquisa, formação e extensão, motivando-nos a analisar/pesquisar comportamentos de grupos em momento de crise.

 

4 PERCURSO METODOLÓGICO

 

A metodologia do estudo ancorou-se na abordagem qualitativa, possibilitando aos participantes “[...] reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico [...]” (OLIVEIRA, 2014, p. 37).

Apresenta-se, nesse contexto, a perspectiva da pesquisa-ação colaborativo-crítica, compreendendo-a em investigação emancipatória vinculando teorização educacional e prática à crítica, simultaneamente ocupando-se da ação e da investigação, tornando os profissionais da prática pesquisadores ativos do processo de pesquisa (CARR; KEMMIS, 1988).

As ações formativas desenvolvidas pelo grupo de pesquisa, observado o contexto de crises e incertezas impostos pela pandemia, compreenderam o período de março a setembro de 2020[8], tendo como lócus dos encontros ambientes digitais, como: Zoom; Meet; Youtube e WhatsApp, com registros em relatórios e gravação de mensagens, chats, comentários, videoconferências e lives.

Esse período organizou-se em três movimentos entre os participantes do grupo de pesquisa, concomitantes entre si: 1) levantamento de demandas, necessidades, anseios, panorama do momento vivenciado e proposição de ações; 2) organização das ações, com reuniões para planejamento, estudos, análises e reflexões dos processos; 3) sistematização e desenvolvimento das ações, através de minicurso e diferentes ações pelos gestores em suas respectivas redes (estaduais ou municipais) de ensino.

Ações e análises dialogam e sustentam-se entre os referenciais teórico-metodológicos embasando e fundamentando os processos, contemplando a aplicação da espiral autorreflexiva de observação, planejamento, ação e reflexão (CARR; KEMMIS, 1988), e o delineamento e teorização das funções mediadoras na relação teoria e prática (HABERMAS, 2000): elaboração/formação dos teoremas críticos; a organização dos processos de conscientização e de aprendizagem; e condução da luta política, a seleção das estratégias apropriadas e solução de questões táticas. Os dados organizaram-se nessas categorias (BARDIN, 1977).

Participou das ações formativas o grupo de pesquisa constituído pelos gestores (municipais e do estado), estudantes (graduação e pós-graduação), professores (graduação e pós-graduação) e outros participantes, que na pandemia juntaram-se às ações do grupo: professores das redes (de outras universidades, regentes, especializados e de área), pedagogos, gestores, estudantes, familiares e outros interessados.

 

5 SOBREPAIRANDO AS AÇÕES FORMATIVAS

 

Segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, 2020 não está sendo apenas o ano em que o Mundo parou diante da pior pandemia em mais de um século: apresentou também “[...] a maior ruptura educacional da história, que obrigou, em seu auge, quase 1,6 bilhão de estudantes a deixarem suas salas de aula em mais de 190 países. Isso representa mais de 90% da população estudantil de todo o mundo” (UNESCO, 2020b). Preocupando não só alunos e famílias, mas também profissionais da escola, pois nem todos estavam preparados para a transição do Ensino presencial ao Ensino à distância; muito menos, trabalhar em plataformas on-line.

O distanciamento social remeteu os profissionais da escola ao ambiente on-line, porém não vimos iniciativas da gestão de educação (municipal, estadual e federal) de doação de equipamentos de informática (tablet, Iphone, notebook, computador) ou acesso gratuito à internet, para o profissional da Educação atender o estudante. Plataformas digitais adquiridas facilitaram o acesso de docentes e discentes, porém ficam algumas indagações, como: o retorno dessa interação foi o esperado? Quantos docentes se apropriaram da tecnologia? Em análise, Almeida e Alves (2020) evidenciam as dificuldades dos docentes em dialogarem com o formato proposto pelas plataformas das lives, face à necessidade de interação mais efetiva entre os participantes.

Para contextualizar o momento, com foco nas ações formativas do Grufopees/CNPq-Ufes, sustentam-se os movimentos do grupo nos pressupostos de Habermas, focalizando as funções mediadoras teoria-prática:

 

A mediação  da  teoria  e  práxis  pode  apenas  ser  clarificada  se  iniciarmos  por distinguir  três  funções,  que  são  medidas  em  termos  de  diferentes  critérios:  a formação e extensão de teoremas críticos, que sejam consistentes com o discurso científico; a organização de processos de conscientização, nos quais tais teoremas podem ser testados numa única maneira pela iniciação dos processos de reflexão desenvolvidos no interior de certos grupos aos quais se dirigem estes processos; selecionar as estratégias apropriadas, a solução de questões táticas e a condução da luta política. No primeiro nível, o objetivo é fundamentos verdadeiros, no segundo, conclusões autênticas, e no terceiro, decisões prudentes (HABERMAS, 2000, p. 41, tradução dos autores).

 

Analisa-se, assim, a forma pela qual o grupo se organizou para continuar os grupos estudo-reflexão, considerando o processo à luz dessas funções.

 

6 CONTRIBUIÇÕES DAS LIVES PARA/NO ESTUDO-REFLEXÃO: A FORMAÇÃO DE TEOREMAS CRÍTICOS

 

Traduzido para o português live significa "ao vivo". A expressão passou a designar, através das redes sociais, as transmissões ao vivo por artistas, empresários, professores, pesquisadores e youtubers, ofertadas em diferentes plataformas, como Instagram, Facebook e YouTube, contemplando diferentes temáticas: lazer, orientações, formações (profissionais e acadêmicas). De maneira simples e ágil elas alcançam muitas pessoas em pouco tempo, um achado no distanciamento social (ALMEIDA; ALVES, 2020).

O Grufopees/CNPq-Ufes, buscando ressignificar a formação continuada, foi ao encontro das plataformas digitais para alcançar todos os participantes do grupo no distanciamento social. A primeira ação foi readequar o organograma para 2020 à nova realidade. Os momentos metodológicos na pesquisa-ação seguem as etapas:  observação; planejamento; ação e reflexão (CARR; KEMMIS, 1986) - realizadas e discutidas pelo grupo durante todo o processo formativo, sem estressar os participantes, visto ser o modus faciendi que conduz às ações da formação continuada proposta.

A programação para 2020 iniciou com encontro em 10/03/2020 com as seguintes ações:

 

1)       Boas-Vindas e indicação de livros para leitura.

2)       Dar uma devolutiva. O que estudamos? O que extraímos? O que estamos dizendo?

3)       Conceitualmente trabalhar dois pressupostos da pesquisa-ação trabalhados em Marataízes. Que tipo de conhecimentos está defendendo? Concepção de conhecimento, concepção de formação, concepção de pesquisa-ação, concepção de grupo de estudos (RELATORIA, 03/03/20).

 

Seguindo a concepção metodológica da pesquisa-ação com suporte na trama da dupla dialética: pensamento-ação e indivíduo-sociedade (KEMMIS, 1999), partindo das demandas e necessidades tensionadas pelos gestores em seus contextos de atuação, de modo a garantir acesso, permanência e qualidade de ensino aos sujeitos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, em 14/04/2020 o primeiro encontro virtual desenvolveu a seguinte pauta para sistematização de propostas.

 

Proposta de fala de dois blocos:

 

·        1º bloco - em que cada município irá falar sobre o panorama que está vivendo e

·        2º bloco - em que o grupo pode pensar em proposições (ações, formações, grupo de estudo...) (RELATORIA, 14/04/20).

 

Desse encontro evidencia-se, naquele momento da gestão de Educação Especial nos diferentes municípios, responsabilidade de disparar processos para formação continuada não presenciais aos profissionais das redes de ensino. Logo, a constatação de estarem todos em aprendizagem, e que as novas tecnologias seriam a forma de interação/diálogo possível.  Participaram 11 municípios e a Gestão de Educação Especial da Secretaria Estadual de Educação – SEDU/ES. Muitas questões emergiram dessa escuta sensível, procurando compreender sem aderir ou se identificar às opiniões dos outros, ou ao que é dito ou feito, não julgando, não medindo, não comparando, somente aceitando incondicionalmente o outro (BARBIER, 2007). Foi dito:

 

[...] estamos vivendo momentos que nos instigam aos mais diversos sentimentos, dúvidas, incertezas, tentativas. Mas, vejo que devemos tirar proveito no sentido de provar para nossa sociedade a importância do professor enquanto mediador do conhecimento e consequentemente da aprendizagem (SANTA MARIA DE JETIBÁ).

[...] podemos sair fortalecidos se, após retorno das professoras da modalidade, fortalecermos os conceitos de acessibilidade, enriquecimento curricular, dentre outros... é importante criar uma via direta e eficaz de apoio (VITÓRIA).

 

Motivados pela compreensão do contexto vivido e no exercício consciente da ação, os gestores são impulsionados a conscientizar-se de que “[...] tirar proveito no sentido de provar” lhes permitirá ultrapassar “[...] a esfera espontânea de apreensão da realidade, para [chegar] a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica” (FREIRE, 2006, p. 30).

 

7 PROPOSTA PARA FORMAÇÃO CONTINUADA EM TEMPOS DE PANDEMIA: A ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS

 

No enfrentamento da nova realidade, elaborou-se uma ação, adendo ao projeto de extensão em andamento na Pró Reitoria de Extensão, Proex - “Proposta de Formação Continuada em Tempos de Pandemia: os Grupos de Estudo-Reflexão em Contextos Locais” - para:

 

Colaborar com os gestores de Educação Especial na construção de diferentes projetos e processos de formação continuada de profissionais da educação na perspectiva da inclusão escolar de alunos PAEE atendendo às demandas locais;

Favorecer a formação continuada de professores e demais profissionais da educação que, geralmente não são contemplados pelas formações promovidas pelas secretarias municipal e estadual de educação em horário de trabalho (PROJETO DE EXTENSÃO – REGISTRO Nº 239).

 

Com base na pesquisa-ação colaborativo-crítica fundamentada na crítica emancipatória (HABERMAS, 1987) e na colaboração entre pesquisadores e participantes (CARR; KEMMIS, 1988), buscam-se elaborar formas de organização e mediação do processo formativo que propicie a participação de todos, em todo o processo (HABERMAS, 2000).

Os gestores em seus lócus de atuação, nessa perspectiva, deveriam propor formação continuada por adesão, partindo das inquietações dos profissionais, que não conflitasse com a sustentação teórico-metodológica adotada pelo grupo, salvo que talvez nem todos os profissionais acessariam e/ou saberiam utilizar os recursos digitais necessários à participação. Organizando sua atuação à emancipação e prática política, os grupos caracterizam-se “[...] por um objetivo em seu campo de interesse, isto é, grupos com uma proposta comum em relação ao tipo de intervenção política que querem realizar” (CONTRERAS, 2012, p. 173).  

Como estratégia e recursos para organização da aprendizagem nas redes, sugeriu-se: levar demandas dos profissionais; expor temáticas em lives; discussões e reflexões por meio de grupos de estudo-reflexão de textos e/ou vídeos utilizando aplicativos/ferramentas virtuais; estudos e atividades individuais; elaborar propostas e planos de trabalho; e sugerir bibliografias, vídeos, filmes e outros recursos.

Na construção coletiva reflexiva, gestores em suas redes foram vivenciando estratégias para prosseguir os movimentos formativos. Sobre isso, os participantes registraram que:

 

[...] A gente já tinha já uma organização que nós até apresentamos no Seminário, a respeito dessa formação vivenciado durante a pandemia. E aí a gente já tinha se organizado para realizar nos polos de formação, e aí trazendo essa questão da escuta sensível, dessa participação e dos modelos que a gente viu sendo apresentado no grupo, a gente pensou em grupos menores justamente que propiciasse essa oportunidade de capturar as vozes dos profissionais de forma mais próxima e efetiva, só que nós tivemos que passar por algumas modificações e esses encontros passaram a ser on-line. [...] a questão das lives, foram muito inspiradoras para nós também. A partir do momento que o grupo começou a investir nessa questão das lives, também serviram de inspiração para gente no município.

[...] O grupo foi essencial para organização das ações municipais durante esse ano (CARIACICA).

 

Procurou-se a partir do diálogo, da colaboração e da autorreflexão organizada (CARR; KEMMIS, 1988) continuar os processos. Logo, as tensões e possibilidades eram partilhadas nos encontros virtuais, que aconteceram conforme organização:

 

Tabela 1 - Grupo de Estudo-Reflexão de Gestores de Educação Especial.

Data

Ação

10/03/2020

1º Encontro do Gergees*/2020 - Presencial

Apresentação de livro; Panorama do processo vivido em 2019; Os fundamentos dos nossos estudos – diálogos sobre concepções.

14/04/2020

Roda de conversa virtual sobre “Práticas pedagógicas inclusivas em tempos de pandemia: desafios e possibilidades”

24/04/2020

Estudo do grupo de trabalho com a temática: Formação e Práticas Pedagógicas

29/04/2020

Estudo do grupo de trabalho com a temática: Formação e Práticas Pedagógicas

29/04/2020

Estudo do grupo de trabalho com a temática: Família e Políticas Públicas

06/05/2020

Encontro/Reunião para encaminhamentos do início das formações

13/05/2020

Estudo do grupo de trabalho com a temática: Família e Políticas Públicas

24/06/2020

Reunião Gergees - Reflexões sobre live de financiamento.

06/08/2020

Encontro de estudo do Grufopees/Gergees - Tema: “Ensino Colaborativo”.

23/09/2020

Encontro de estudo do Grufopees/Gergees - Tema: “Reflexões sobre Ensino em Multiníveis”.

24/09/2020

Encontro de estudo do Grufopees/Gergees -Tema: “Reflexões sobre Ensino em Multiníveis”.

Fonte: arquivos do Grufopees/CNPq-Ufes.

 

Na esteira da organização formativa, configura-se, como realização do Grufopees/CNPq-Ufes, minicurso fundamentado na espiral autorreflexiva (CARR; KEMMIS, 1988) proposto inicialmente como sugestão, com base no que emerge dos diálogos estabelecidos nos diferentes espaços discursivos do grupo, das necessidades formativas na Educação Especial discutidas nos encontros, bem como nas produções acadêmico-científicas do grupo, afora demandas negociadas no período atual de pandemia.

 

8 O MINICURSO COMO ESTRATÉGIA PARA FORMAÇÃO CONTINUADA:

A CONDUÇÃO DA LUTA POLÍTICA

 

Considera-se o minicurso, nesse universo formativo, evento breve almejando visão geral de tópicos de pesquisas, propiciando aos participantes aprender assunto vinculado à sua área de atuação e extrair elementos para serem aplicados em sua pesquisa e/ou prática (DOLZ; LIMA; ZANI, 2020).

O minicurso “Currículo, Práticas Pedagógicas e Trabalho Colaborativo” foi elaborado para atender os profissionais da educação dos municípios vinculados ao Projeto de Pesquisa eExtensão “Formação Continuada de Profissionais no Estado do Espírito Santo: Processos Constituídos pela Gestão em Educação Especial”  e contou ainda, com parceria do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial (NEESP) da Universidade Federal do Espírito Santo; porém, considerando seu caráter on-line - via YouTube - foi estendido a todos os participantes (professores, pedagogos, gestores, alunos da graduação e da pós-graduação, familiares e demais interessados na temática).

Visando contribuir com os processos formativos, promoveu debates e aprofundou temáticas acerca do currículo, práticas pedagógicas e trabalho colaborativo sob perspectiva da construção de uma escola que atenda a todos os estudantes, incluindo público-alvo da Educação Especial. A certificação exigiu:

 

·        Assistir as quatro lives, em julho/2020, no Canal do GRUFOPEES-UFES no Youtube;

·        Participar do chat: ao entrar colocar seu nome completo e vinculação institucional e refletir/trazer questões durante a live;

·        Comentar em cada live, na aba de comentários abaixo do vídeo;

·        Dar like ou dislike;

·        Depois da última live em julho enviar e-mail para grufopeesneesp.ufes@gmail.comcontendo:

·        Nome completo

·        Em qual público-alvo se enquadra

·        Formação: ensino fundamental, médio, superior, pós-graduação

·        Se atua na educação, há quantos anos

·        Função atual

·        Principais tensões em seu contexto de atuação

·        Possíveis caminhos

·        Reflexão dizendo como o minicurso contribuiu para sua formação (FOLDER DO EVENTO, 2020)

 

Tabela 2 – Estruta do minicurso.

Data

Temática

Debatedores

09/07/2020

Ensino colaborativo: planejamento e práticas no contexto atual de pandemia

 

Prof.ª. Dr.ª Ana Paula Zerbato (USP)

Prof.ª. Mestranda Ana Lúcia Sodré de Oliveira (SEME-Vitória)

Prof.ª Dr.ª Mariangela Lima de Almeida (CE/PPGE/PPGMPE/UFES)

16/07/2020

Inclusão, currículo e BNCC: Implicações para as práticas pedagógicas

 

Prof.ª. Dr.ª Denise Meyrelles de Jesus (CE/PPGE/UFES)

Prof. Dr. Alexandro Braga Vieira (CE/PPGMPE/PPGE/UFES)

Prof.ª. Dr.ª Sumika Soares de Freitas Hernandez Piloto (SEDU/ES - CNDE - FOPEIES)

23/07/2020

Planejamento colaborativo e ensino em multiníveis

 

Prof.ª. Dr.ª Mariangela Lima de Almeida (CE/PPGMPE/PPGE/UFES)

Prof.ª. Dr.ª Karolini Galimberti Pattuzzo Breciane (SEDU/GEE-Serra e SEME-Cariacica)

Profª. Gabriela Roncatt (SEMED-Viana)

30/07/2020

Interfaces da Educação Especial e Educação do Campo

 

Prof. Dr. Washington Cesar Shoiti Nozu (UFGD)

Prof. Dr. Allan Rocha Damasceno (UFRRJ)

Prof.ª. Dr.ª Michele Aparecida de Sá (UFMG)

Prof. Mestrando Rafael Carlos Queiroz (PPGMPE/UFES)

Fonte: arquivos do Grufopees/CNPq-Ufes.

 

Registraram-se, aproximadamente mil participantes em cada live, com pontuações e comentários em todas, esclarecendo que o canal GRUFOPEES-UFES tem livre acesso e após as lives muitas outras entradas foram lançadas. Sobre as temáticas os participantes comentaram:

 

·        Live me permitiu um sentimento reflexivo! Me fez repensar o meu trabalho... Aprender mais... Pesquisar... O trabalho em Multiníveis se constitui em alguns momentos na escola multisseriada, onde já tive o prazer de trabalhar como auxiliar do AEE, e tal situação foi muito importante para minha formação profissional! [...] (PARTICIPANTE A).

·        A live trouxe grandes reflexões pertinentes ao nosso trabalho, fazendo-nos refletir sobre a nossa prática de ensino, pois sabemos que o trabalho colaborativo ainda é bastante desafiador, mas ao realizar um trabalho em conjunto nos possibilita o enriquecimento da nossa prática, o aprender juntos, as trocas de experiências, que é fundamental para que se obtenham bons resultados ocorrendo assim a inclusão e o ensino para todos (PARTICIPANTE B).

·        Maravilhosa live!! Como agregou e nos fez refletir as práticas educativas na inclusão frente à atual conjuntura "pandemia do coronavírus" (PARTICIPANTE C).

·        Excelente a live!Me trouxe momentos de reflexão, é preciso pensar na educação considerando as necessidades reais das diferentes comunidades para que haja uma inclusão de fato (PARTICIPANTE D).

 

Pode-se considerar por esses recortes haver demanda premente de discussões que possibilitem aos profissionais da educação autorreflexão organizada que contextualize o “[...] lugar do sujeito solitário, que se volta para objetos e que, na reflexão, se toma a si mesmo por objeto” (HABERMAS, 1989, p. 25).

Algumas pontuações sobre o minicurso nos remetem a esse momento formativo chancelando que o mundo da vida “[...] é o saber de fundo comunicativamente estruturado, a partir do qual ordenamos nossos processos de entendimento e justificamos nossas ações” (MÜHL, 2016, p. 98), fazendo emergir um outro modo de formação - aquele em que o formando e o formador se convergem, como o registrado:

 

·        Que encontro potente! Quero mais! Precisamos de mais formações como essas, onde temáticas que geram dúvidas e desafios podem ser dialogadas através da reflexão de nossas práticas (PARTICIPANTE E).

·        [...] Encantada com os temas e principalmente com o novo olhar que tenho agora no quesito multiníveis e planejamento colaborativo. É um período desafiador, mas acredito que aprendendo a reinventar nossas práticas, nós, estudantes e professores, teremos um futuro brilhante como aprendentes (PARTICIPANTE F).

·        [...] Levo dessas discussões a importância de olhar a diversidade como potencialidade para uma prática docente mais rica, levo importância do planejamento pensando no que é possível aprender e construir [...] (PARTICIPANTE G).

·        Achei incrível como as falas dos formadores me incomodou, me fez refletir, me trouxe novos olhares para a realidade desses estudantes público-alvo da educação especial e me instigou a ações práticas, dentro da minha realidade, para que os problemas que temos em nosso meio sejam minimizados através da minha atuação [...] (PARTICIPANTE H).

 

Diante de tais afirmativas, vemos que o agir comunicativo proposto por Habermas (2012) tem no discurso argumentativo a força da ação, como esclarecem Carr & Kemmis (1986): “[...] O produto do discurso consiste [...] na admissão ou rejeição dos postulados problematizados. O discurso não produz nada além de argumentos.” (p. 147 - tradução dos autores).

Assim, o minicurso ampliou o entendimento das temáticas:  Ensino colaborativo; Ensino Multiníveis; Educação do Campo; currículo e práticas associados à Educação Especial na perspectiva inclusiva, suscitando a discussão sobre o aluno público-alvo da Educação Especial, seus direitos sociais e educativos.

Para Carr e Kemmis (1986), é sensato aos profissionais da educação participarem ativamente, de maneira colaborativa, na articulação e definição de teorias eminentes em suas próprias práticas, bem como no desenvolvimento dessas teorias por meio de ação e reflexão permanentes. Assim, as temáticas abordadas no minicurso intencionaram oferecer perspectiva teórica e prática, sendo centrais as interpretações dos participantes, requerendo mais do que mero julgamento prático.

 

·        Planejar de forma colaborativa é sempre um desafio e pressupõe clareza, responsabilidade e trabalho em equipe. Exige muito diálogo e pesquisa, e está sempre em construção e ajustes, envolvendo avaliação constante de como acontece a aprendizagem do estudante especial e do restante da turma. Por isso a formação de todos os atores envolvidos na educação inclusiva se torna essencial (PARTICIPANTE I).

·        [...] explorar outros momentos com práticas e estratégias, com um diálogo, comunicação, pensando na articulação de ações no coletivo, e será um desafio, mas é uma possibilidade nova e junto com o ensino multiníveis contemplar a todos os alunos. O planejamento no coletivo é de extrema importância, e com isso pensar no aluno e que atenda a todas as demandas. Aproveitando o ensino das metodologias de ensino multimídia para se reinventar (PARTICIPANTE J).

 

A construção de novas/outras possibilidades para formação continuada dos profissionais da educação requer entendimento mais amplo sobre como elaborar ações afeta a relação teoria-prática, a partir de critérios normativos que possibilitem consenso provisório - aquele estabelecido por meio da argumentação proferida pela vontade racional do falante, sendo todos escutados, expressando suas intenções (HABERMAS, 2012).

Isto posto, o minicurso representou para alguns municípios formação em serviço, computando carga horária como hora trabalhada mediante apresentação de relatório e formulação de questões inerentes às temáticas abordadas, proporcionando condição aos profissionais da escola se envolverem com suas formações, evidenciando a compreensão de que o “[...]  trabalho do magistério deve incluir as horas nas quais o professorado está se preparando para ser melhor professor (FREIRE, 2001, p. 220)” passando “[...] a ser valorizado e a ocupar o centro das atenções e intenções nos projetos de formação continuada” (GATTI; BARRETO, 2009, p. 202-3).

Portanto, a formação continuada encontra outra estratégia de ser/estar presente na realidade dos profissionais da educação, firmando a interação on-line, com trocas potentes no universo da autorreflexão.  Ressalta-se, ainda, que o conteúdo produzido do minicurso constitui acervo para formações futuras.

 

9 CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS

 

Ao buscar analisar as ações formativas desenvolvidas por grupo de pesquisa, no contexto de crises e incertezas, considerando os critérios impostos pela pandemia, nos deparamos com novas possibilidades para formação continuada abarcando mais formandos e ampliando a colaboração nacional-internacional entre pesquisadores e profissionais da educação.

As contribuições para a educação, especificamente aos seus profissionais, como produção de novas possibilidades formativas com ênfase na autorreflexão, foram as possíveis então, não vislumbradas em plataforma digital pelo Grufopees/CNPq-Ufes, fato evidenciado pelo quantitativo de participantes on-line em cada live. Os comentários registrados focalizaram a autorreflexão proporcionada pela exposição das temáticas num exercício que liberta os participantes “[...] das compulsões irracionais de sua história individual por meio de um processo de autorreflexão crítica” (CARR; KEMMIS, 1986, p. 144).

Observa-se nos registros dos participantes a intenção de transformar suas práticas em ações efetivas em seus lócus de atuação, premissa da Pesquisa-Ação Colaborativo-Crítica também notada no contexto formativo on-line de transformação da realidade, medido pelo sucesso em termos de sua contribuição para melhorar situações concretas (CARR; KEMMIS, 1986).

As lives em acervos importantes também contribuem para os interessados na temática envolvendo o estudante público-alvo da Educação Especialaprofundarem, em seus contextos teórico-práticos, os assuntos abordados no Canal GRUFOPEES-UFES do Youtube.

Os processos formativos on-line não findam com este momento crítico mundial pandêmico, mas tornam-se marco para a Educação, em suas necessidades para formação continuada, com equidade para abarcar todos os profissionais nos contextos municipais, estaduais, até internacionais. Vemos possibilidade potente no movimento do Grufopees...

 

REFERÊNCIAS

 

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ALMEIDA, M. L.; BARROS, M. L. S. Conhecimentos construídos pela via da pesquisa-ação com gestores públicos de educação especial no Estado do Espírito Santo. In: VICTOR, S. L.; VIEIRA, A. B.; OLIVEIRA, I. M. (org.). Educação especial inclusiva: conceituações, medicalização e políticas. Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural, 2017, p. 262-182.

 

ALMEIDA, B. O.; ALVES, L. R. G. Lives, educação e COVID-19: estratégias de interação na pandemia. Interfaces Científicas,Aracaju, v.10, n.1, p. 149-163, Número Temático, 2020.

 

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BARBIER, R. A pesquisa-ação. Tradução Lucie Didio. Brasília: Liber Livro, 2007.

 

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[1] Doutorando em Educação - Universidade Federal do Espírito Santo.

[2] Doutorando em Educação - Universidade Federal do Espírito Santo.

[3] Mestra em Educação - Universidade Federal do Espírito Santo.

[4] Professora Doutora - Universidade Federal do Espírito Santo.

[5] Aquele com - “deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008).

[6] Publicada por Le Monde e reproduzida por La Repubblicahttp://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597983-a-solidariedade-e-a-unica-cura-entrevista-com-juergen-habermas.

[7] Projeto de Extensão: Formação continuada de profissionais no estado do Espírito Santo: processos constituídos pela gestão em Educação Especial (Registro PROEX n.º 239).

[8] O grupo de pesquisa se reuniu uma vez em fevereiro e organizou suas ações de maneira diferente de antes da pandemia.