PRESSUPOSTOS DA COMPETÊNCIA CRÍTICA EM INFORMAÇÃO E FUNDAMENTOS DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA A PARTIR DE JÜRGEN HABERMAS

 

Meri Nadia Marques Gerlin[1]

Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

meri.gerlin@ufes.br

 

Denise Bacellar Nunes[2]

Universidade de Brasília - UnB

denisebacellar@unb.br

 

Ana Claudia Borges Campos[3]

Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

ana.c.campos@ufes.br

 

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Resumo

 

O presente estudo pretende dialogar sobre o conceito contemporâneo da informação como veículo democrático. A informação na contemporaneidade tem sido banalizada, haja vista que ela é um instrumento de poder já que tem a capacidade de se comunicar com o seu meio e, ao mesmo tempo, é usada como estratégia de dominação. A democracia, governo de muitos, busca integrar interesse de todos na tentativa de criar um ambiente equânime de tomada de decisões. De um lado temos a informação e todas as suas nuanças e, do outro, a manipulação dela fundamentada no discurso de que corrobora para o movimento democrático. O tema é fronteiriço, arenoso e recorrente direcionado a seguinte pergunta de investigação: quais são as teorias produzidas no campo da informação que corroboram com o desenvolvimento de habilidades e competências na tomada de decisão democrática? Cabe refletir sobre os fundamentos da democracia deliberativa a partir de Jürgen Habermas dentro do contexto da teoria crítica, trazendo à tona, desse modo, a ideia da competência crítica em informação. Na tentativa de operar e sustentar este estudo, utilizaremos, como inspiração, o autor supracitado, para (re)pensar pressupostos teóricos da Ciência da Informação, e, por conseguinte, buscar responder à questão de investigação que orienta esse processo de investigação dialógico, porém, não se encerrando nela para procurar pensar a competência em informação na sociedade contemporânea.

 

Palavras-chave: Competência crítica; Competência em informação; Teoria crítica; Informação e democracia.

 

ASSUMPTIONS OF CRITICAL COMPETENCE IN INFORMATION AND FUNDAMENTALS OF DELIBERATIVE DEMOCRACY FROM JÜRGEN HABERMAS

 

Abstract

 

The present study intends to discuss the contemporary concept of information as a democratic vehicle. Information in contemporary times has been trivialized, given that it is an instrument of power since it has the ability to communicate with its environment and, at the same time, is used as a strategy of domination. Democracy, government of the many, seeks to integrate the interests of all in an attempt to create an equitable decision-making environment. On the one hand, we have information and all its nuances and, on the other, its manipulation based on the discourse that it supports the democratic movement. The theme is borderline, sandy and recurrent, directed to the following research question: what are the theories produced in the field of information that support the development of skills and competences in democratic decision-making? It is worth reflecting on the foundations of deliberative democracy from Jürgen Habermas within the context of critical theory, thus bringing to light the idea of ​​critical competence in information. In an attempt to operate and sustain this study, we will use, as inspiration, the aforementioned author, to (re)think theoretical assumptions of Information Science, and, therefore, seek to answer the research question that guides this dialogic research process, however, not closing in on it to try to think about information competence in contemporary society.

 

Keywords: Critical competence; Information competence; Critical theory; Information and democracy.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com opresente estudo dialogamos sobre o conceito contemporâneo de informação no sentido de conhecimento comunicado e em termos teórico-práticos como veículo democrático. Para isso, recorremos inicialmente às pesquisas sobre a informação de Capurro e Hjorland (2007) e sobre a ideia de democracia deliberativa de Jürgen Habermas, (re)pensando, a partir de um modelo de política “teórico-normativo”, na regulação da vida coletiva e na participação democrática do sujeito contemporâneo na “denominada” sociedade da informação.

Em vista de que a sociedade da informação é comumente compreendida como um período demarcado pelo crescimento do acesso às tecnologias de informação e comunicação desde o final do século XX, consideramos que “Embora o conhecimento e a sua comunicação sejam fenômenos básicos de toda sociedade humana, é o surgimento da tecnologia da informação e seus impactos globais que caracterizam a nossa sociedade como sociedade da informação” (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 149).

Como essa denominação não basta para identificarmos as transformações vividas, a sociedade  da informação é muitas vezes um termo com o qual procuramos retratar um estágio de ruptura para o exercício da cidadania no século XXI, momento no qual necessitamos, mais do que em qualquer outra época, produzir conhecimento e compartilhar informação de relevância social para atender as demandas da sociedade contemporânea (CAMPOS; ZORZAL; GERLIN, 2017).

Entretanto, a informação tem sido banalizada, haja vista que ela é um instrumento de poder com a capacidade de se comunicar com o meio social e, ao mesmo tempo, é usada como forma de dominação em contraposição a subjetivação; ato esse de o sujeito, individual e coletivo, produzir subjetividades. Para o sujeito contemporâneo exercer a sua cidadania e resolver problemas cotidianos, necessita ter acesso às informações provenientes de diversas esferas da educação, política, saúde, entre outras não citadas; direito esse garantido pela Constituição Brasileira e, por vezes, não cumprido pelas políticas instituídas por essa constituição e pela legislação a ela ligada e vigente.

A resolução dos problemas sociais requer autonomia em processos de busca e o protagonismo do cidadão no processo de produção e utilização da informação e, para que isso possa acontecer, é necessário aprender a avaliar criticamente conteúdos informativos que precisam ser comunicados nas esferas da “vida privada” e “vida pública”. Nesse momento, a ideia da ação comunicativa, em Habermas, nos permite pensar numa certa “racionalidade e criticidade” para influenciar “[...] os domínios da vida privada (família, vizinhança, e associações livres) e da esfera pública (as pessoas privadas e os cidadãos)” (BETTINE, 2021, p. 99).

Por mais que as definições sobre a sociedade da informação não costumem dialogar com o conceito de democracia deliberativa de Habermas, convém recorrer a elas como uma proposta de (re)pensar que na sociedade contemporânea existe uma nova dinâmica regulada por um lado pelo capital social e, por outro, por fóruns institucionais e aqueles que assim não se classificam para representar e apoiar os sujeitos da sociedade civil. “A democracia deliberativa proposta por Habermas utiliza uma estratégia dual, onde se apresentam fóruns institucionais e extra-institucionais que se apoiam nos sujeitos da sociedade civil, bem como em outros atores políticos tais como os sindicatos, os partidos e os grupos de interesses” (FARIA, 2000, s. p.).

Portanto, a democracia, governo de muitos, deve buscar integrar interesses de todos os sujeitos que (sobre)vivem na sociedade da informação ou à margem dela, na tentativa de criar um ambiente equânime de acesso à informação e de possibilidades de tomada de decisões para a resolução de problemas da vida cotidiana e reflexão das questões sociais,momento no qual o conceito da democracia deliberativa habermasiano encontra-se amparado no poder de decisão da maioria numa sociedade recentemente vem sendo definida como da (des)informação e do (des)conhecimento.

Trata-se de pensar nos problemas demandados na contemporaneidade por conta da influência da desinformação em processos de seleção e uso da informação necessários nas decisões políticas, educativas, culturais e, com maior foco, na área da saúde no último século afetado pela crise mundial (pandemia) da Covid-19. O conceito de "informação”, nesse sentido, pode ser colocado em análise com o auxílio da reflexão crítica do conceito de “Democracia” em Habermas, partindo de um modelo pautado na teoria e na prática do mundo da vida. Para Habermas

 

[...] as bases do Mundo da Vida [...] são as três interfaces (social, objetivo, subjetivo). No Mundo da Vida, os sujeitos realizam uma série de tarefas, mais ou menos complexas, cercadas de significados. Podemos compreender as ações porque são racionais e, com o conhecimento delas, é possível construir as bases para uma teoria sociológica. Podemos compreender as ações porque são racionais e, com o conhecimento delas, é possível construir as bases para uma teoria sociológica (BETTINE, 2021, p. 21).

 

De um lado temos competências e habilidades que procuram garantir a informação e todas as suas nuances necessárias ao mundo da vida, contemplando aspectos sociais e tecnológicos que, direta ou indiretamente, beneficiam os sujeitos contemporâneos e, do outro, não estamos livres da manipulação fundamentada no discurso de pontos de vistas dissociados da objetividade e distanciados do conhecimento da verdade requerida para a manutenção dos movimentos democráticos.

O tema adotado no decorrer deste diálogo é fronteiriço, arenoso e recorrente em pesquisas da filosofia da informação, direcionando-nos a seguinte pergunta de investigação: quais são as teorias produzidas no campo da informação que corroboram com o desenvolvimento de habilidades e competências na tomada de decisão democrática? Cabe, então, refletir sobre os fundamentos da democracia deliberativa a partir de Jürgen Habermas e da teoria crítica, trazendo à tona, desse modo, a ideia da competência crítica em informação.

Na tentativa de operar e sustentar este estudo “crítico reflexivo”, utilizaremos, como inspiração, fragmentos da linha de pensamento do autor supracitado, para recuperar e (re)pensar pressupostos teóricos da Ciência da Informação, e, por conseguinte, buscar uma base para responder à questão de investigação que orienta o objetivo deste estudo.

 

2 A TEORIA CRÍTICA NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E NOS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PRÁTICOS DA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

 

O pensador alemão Habermas teve suas obras em destaque em meados do século XX influenciando, desde então, as áreas da Ciências Humanas como a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, a Educação, a Antropologia e as Ciências Sociais Aplicadas como a Administração, a Arquivologia, a Biblioteconomia, o Direito, a Documentação, a Comunicação Social e a Ciência da Informação.

A Ciência da Informação que tem origem em meados do século XX logo após o final da Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se no mesmo cenário em que Habermas também se viu inserido e vivenciou o movimento de reconstrução pós-guerra e, por conseguinte, numa época em que se construiu um movimento em defesa da democracia como forma de organização das demandas de indivíduos e grupos sociais. “Mesmo tendo vivido sob a tensão da segunda guerra mundial e suas consequências, sempre se apoiou nas formas de construção de consensos em debates públicos, como forma de resolver os impasses sociais” (BETTINE, 2021, p. 7).

No cenário internacional essa ciência tem sua origem demarcada pelos efeitos da segunda Guerra Mundial, tendo nascido num cenário de reconstrução democrática e advinda de um contexto interdisciplinar com influência da Documentação e Biblioteconomia, preocupava-se com as propriedades e os efeitos dos conteúdos informativos (LE COADIC, 2004).

 

Desde o fim da Segunda Grande Guerra, a informação assumiu um papel tão importante, no cenário da sociedade moderna, que ganhou status de fenômeno social e de campo técnico profissional e passou a ser ainda mais estudada/analisada, normatizada, estocada, organizada, selecionada, higienizada, conservada, preservada e acessada, situando algo no mundo dos interesses da esfera privada e da esfera pública. Isso significa que a sistemática da informação consiste na dinamicidade de seu fluxo ou movimento e na atmosfera de sua natureza, cujo critério primeiro e último é a funcionalidade de seus significados. Essa sistemática envolve mecanismos de origem, organização, percepção e apreensão de conteúdos atualizados, expressivos e propulsores de projeções que tanto podem servir às “cartadas” constitutivas da racionalidade comunicativa (mundo vivido) quanto da racionalidade instrumental (mundo sistêmico) (MEDEIROS; FIDELIS, 2013, p. 134).

Em meio ao fortalecimento do desenvolvimento de pesquisas e práticas profissionais, iniciado no cenário da década de 50 do século passado, a Ciência da Informação destaca-se no campo da ciência e da tecnologia, inicialmente no que compete, aos processos de coleta, registro, tratamento, organização, disseminação, recuperação, apropriação, utilização e produção da informação em diversos cenários.  Contemplando essas mesmas demandas até os dias de hoje, como complemento a Ciência da Informação e a Biblioteconomia enfocam o tratamento, o armazenamento e o oferecimento de estratégias de buscas da informação confiável tratada, armazenada e disponibilizada em sistemas de recuperação físicos, eletrônicos e digitais.

Nas décadas seguintes essa ciência, nascida em meio a um cenário de reconstrução democrática e advinda de um contexto inter e transdisciplinar preocupada com o tratamento e a disseminação da informação, preocupava-se, e permanece assim até os dias de hoje, com as propriedades e os efeitos dos conteúdos informativos relacionados com o tratamento, o armazenamento e a busca de dados, informações e conhecimentos confiáveis disponibilizados em sistemas de recuperação da informação em ambientes presenciais e no espaço virtual (ciberespaço) (CASTELLS, 2003; GERLIN; SIMEÃO, 2017; LE COADIC, 2004; LÉVY, 2010).

A Ciência da Informação, atende demandas de pesquisas e tratamento da informação com vistas à disponibilização em diferentes formatos e modalidades de conteúdos (LE COADIC, 2004) científicos, informativos, literários, lúdicos, técnicos, dentre outros que acabam contribuindo com a capacidade de reflexão crítica e com o desenvolvimento da cidadania, atendendo às necessidades de um coletivo de cidadãos que na atualidade localizam as suas demandas informativas e sociais no contexto de uma era digital ou era da informação como comumente é denominada. 

A informação, como um objeto da Ciência da Informação é de direito de todos precisando ser pensada para além dos limites das definições comumente apresentadas no âmbito desta ciência. Assim sendo, a “[...] informação é mais que um substantivo: ela é um processo. Sobre sua materialidade, essa condição dependerá do contexto de observação” (DODEBEI, 2021, p. 124). Não havendo mais fronteiras que se configuram como obstáculos para o processo de disseminação dos conteúdos disponibilizados pela internet e pela Web, a informação passa a se constituir como um “elemento de sentido”, um “[...] significado transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte espacial-temporal” (LE COADIC, 2004, p. 5). 

O ato de informar, entretanto, caminha lado a lado com a ação de desinformar no ciberespaço, acabando por afetar o espaço presencial, o que requer estratégias e políticas de avaliação do que se lê, ouve e visualiza no espaço virtual com a finalidade de diferenciar a informação composta por dados e conhecimentos, daquelas difundidas com base nos boatos, na fragmentação, na deturpação e na mentira que alimenta as notícias falsas e mantenedoras de um regime político, cultural e social antidemocrático e opressor. 

Com a propagação da (des)informação no (ciber)espaço, a Ciência da Informação e áreas inter e transdisciplinares como a Arquivologia, a Biblioteconomia, a Documentação e o Jornalismo passam atender demandas sociais relacionadas com um número, cada vez maior, de atendimento das necessidades informativas ocasionadas pela necessidade transgredir e identificar a desinformação (CAPURRO; HJORLAND, 2007; GERLIN; SIMEÃO, 2017; LE COADIC, 2004) . As competências e habilidades em informação, portanto, tornam-se responsáveis pela orientação e formação de usuários no espaço híbrido (presencial e virtual) e pela intensificação das pesquisas desenvolvidas na área do acesso à informação no meio social. Diante do exposto, é preciso pensar a informação como dados dotados de relevância e propósito, exigindo uma relação analítica com o conhecimento traduzido pela escrita, oralidade ou imagética (LE COADIC, 2004).

A transmissão da informação precisa ser pensada à luz da difusão social requerendo um posicionamento do sujeito que é um usuário da informação que produz e compartilha conhecimento. “Chama-se de difusão o processo pelo qual uma informação verdadeira ou falsa (um boato, por exemplo), uma opinião, uma atitude ou uma prática [...] se expandem numa população dada” (BOURRICAUD; BOUDON, 2007, p. 161). O que fora exposto por Bourricaud e Boudon (2007), conduz a reflexão crítica de que uma informação, difundida de maneira repetida pela imprensa e/ou pelas mídias alternativas, possibilita que o número de sujeitos informados seja proporcional, ou até mesmo desproporcional, ao quantitativo da população de desinformados.

Em meio ao processo de conceituação desta seção não podemos negar que iniciamos um estudo sobre um cenário em que a desinformação aparece como pano de fundo, ao confundir e cercear o acesso à informação que passa a ser sinônimo de contra-informação, ou seja, que nos aparece como uma ameaça ao estado democrático e se fazendo presente, principalmente, em contextos de busca e recuperação de conteúdos informativos no campo da economia, política, educação, cultura, saúde, etc.

Ante o exposto, a Ciência da Informação enfoca e procura resolver essa problemática com o auxílio de estudos de usuários, serviço de referência e competência em informação. A competência em informação (information literacy) que nos interessa neste estudo, fora trazida de um contexto trabalhado, inicialmente, nos EUA, como forma de capacitação do sujeito contemporâneo em processos de busca, recuperação, seleção e uso da informação (GERLIN, 2020).

A competência em informação fora constituída por nomes de pesquisadoras de variadas escolas, como Regina Belluzzo da Unesp, Bernadeth Campello da UFMG, Elisabeth Dudziak da USP, Elizete Vitorino da UFSC, Kelley Gasque e Elmira Simeão da UnB (GERLIN, 2020). No cenário brasileiro atual destacam-se estudos que buscam instrumentalizar o sujeito para a “identificação da desinformação” entre outras questões emergentes.

Em um momento de insurgência em termos de denominações e práticas no campo da educação para o acesso à informação (competência, letramento, alfabetização, etc.), surgem novos conceitos que nos permitem questionar até que ponto a mudança terminológica tem contribuído para as discussões e práticas no campo da avaliação crítica da informação em um cenário de desinformação. Desse questionamento nos interessa (re)pensar no conceito de competência crítica em informação como um resgate teórico-reflexivo para a competência nos espaços em tese democráticos na sociedade da informação.

 

3 PRESSUPOSTOS DE UM TRABALHO TEÓRICO-REFLEXIVO PARA A COMPETÊNCIA, A CIÊNCIA E A INFORMAÇÃO

 

No que tange a pergunta de investigação que orienta esse estudo, alguns pesquisadores da Ciência da Informação que atuam no campo da competência em informação, se aproximam da teoria crítica. Nesse sentido, uma “nova” vertente de estudo é proposta: competência crítica em informação requerendo que os pressupostos teórico-práticos de Habermas e de outros filósofos sejam adotados, dando, por conseguinte, visibilidade às pesquisas brasileiras até o momento desenvolvidas (BEZERRA; SCHNEIDER; SALDANHA, 2019; MARTÍNEZ-ÁVILA; MELLO, 2021; COSTA; FURTADO, 2021; BRISOLA; ROMEIRO, 2018; BRISOLA; SAMPAIO; RAMOS JÚNIOR, 2022; BEZERRA; BELONI, 2019; MELLO; MARTÍNEZ-ÁVILA, 2022).

A competência crítica em informação (critical Information literacy) é também um termo que carrega a tradução do inglês, e o que a diferencia da terminologia da competência em informação são os pressupostos teóricos ligados à práticatrazidos da teoria crítica. Parte-se, principalmente, de uma análise teórica reflexiva sobre as habilidades e competências necessárias ao sujeito contemporâneo que busca, recupera, seleciona, produz e utiliza informação em espaços híbridos (presenciais e virtuais), tendo como diferencial um aprofundamento sobre a necessidade de uma avaliação crítica convertida no uso ético da informação em espaços privados e coletivos. 

Com a competência crítica destacam-se, por conseguinte, preocupações com uma construção teórica voltada para a prática com base na teoria crítica ena pedagogia crítica que, desse modo,privilegiam contextos históricos-sociais,multiculturais e ligados à diversidade, que, de modo mais libertário e democrático, recai em outros domínios numa perspectiva transdisciplinar como as áreas da informação.

A Ciência da Informação deve, portanto, dialogar sobre em como a informação poderá interferir e instrumentalizar sujeitos que fazem parte de grupos discriminados socialmente como as comunidades tradicionais quilombolas e indígenas, os grupos LGBTQIA+, entre outros. Essa ciência e suas áreas interdisciplinares devem aprender a dialogar sobre a competência crítica  que requer refletir sobre os horizontes ético-políticos de liberdade, autonomia e protagonismo que se misturam aos ambientes tradicionais e virtuais de relacionamento que geram produção de informação disponibilizada em redes digitais.  

Cabe aos sujeitos contemporâneos que são usuários, profissionais e pesquisadores da informação a tentativa de garantir uma reflexão crítica que os elevem ao processo democrático em termos de decisões de políticas sociais. Destarte, oxalá, surge a competência em informação mesmo que não seja denominada como competência críticacomo uma “chave para a reivindicação dos direitos humanos'' e sociais no “mundo da vida”, uma esfera social baseada em um mundo objetivável e vivido segundo Habermas(MELO; ALVES; BRASILEIRO, 2019; MELLO; MARTÍNEZ-ÁVILA, 2022).

Apesar de chegarmos a essas constatações apoiados na teoria de Habermas e nos dados recuperados em bases de dados da Ciência da Informação, outros autores com trajetórias em termos de estruturação da filosofia podem ser citados como constructo para a teoria crítica e pós-crítica no campo da informação e educação, à saber: Immanuel Kant, Karl Marx e Nietzche; Theodor W. Adorno, Max Horkheime e Barbara Freitag (pertencentes a mesma escola que Habermas); Michael Foucault, Pierre Bourdieu e Antonio Gramsci; Paulo Freire, Edgar Morine outros (BEZERRA; BELONI, 2019). Convém destacar ainda que,

Os estudos de Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, e os escritos recentes de Foucault em Vigiar e Punir, por exemplo, apontam racionalidades perversas na sociedade contemporânea. No entanto, Habermas vai defender, em toda a sua obra - e este é o caminho que o leitor deve ter em mente -, a existência de outra racionalidade, pouco aprofundada na filosofia. Tal racionalidade estaria livre de coerções e seria a forma de construção da própria humanidade; o pano de fundo para as relações humanas, a potencialidade de criação, de comunicação e de desenvolvimento (BETTINE, 2021, p. 14).

Cabe ressaltar que o desenvolvimento de um senso crítico informacional não é adquirido de maneira mágica ou por meio da aplicação de uma fórmula e, sim, através do fortalecimento mútuo e do uso da informação construída em esferas democráticas, para o enfrentamento das relações de opressão/submissão vivenciadas por “elas” que pouco aparecem e merecem ter voz, “eles” os narradores que contam a versão dos vencedores e, por fim, os sujeitos inomináveis e invisíveis socialmente. 

Mesmo com todo o arcabouço produzido pela Ciência da Informação com o aporte da filosofia da informação no que se refere a adoção dos pressupostos da teoria crítica, se faz necessário dialogar sobre o conceito contemporâneo da informação como veículo democrático, buscando instrumentalizar a sociedade para o acesso à informação, elemento esse imprescindível para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea. 

As categorias de trabalho habermasianas são a “esfera pública” e a “ação comunicativa”, e, na contramão do liberalismo, as suas análises empíricas destacaram-se na Escola de Frankfurt com Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e outros pensadores, defendendo o processo democrático e a constitucionalização do direito dos agentes sociais, com destaque para a esfera pública, política deliberativa e sociedade civil. Em se tratando da Escola de Frankfurt, ou da “concepção de uma teórica crítica”, os estudos teóricos sobre

 

[...] a dialética da razão iluminista e a crítica à ciência, a dupla face da cultura e a discussão da indústria cultural, e a questão do Estado [ e suas formas de legitimação na moderna sociedade do consumo”, estiveram presentes nas pesquisas dos frankfurtianos demonstrando que não houve um consenso em torno de uma unidade temática. A ação conjunta foi caracterizada pela reflexão dialética, competência dialógica e, utilizando o conceito de Habermas, pelo “discurso” baseado no questionamento de cada interesse de trabalho (FREITAG, 1994, p. 32).

A democracia deliberativa, em especial,nos fornece pressupostos para repensar a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva no que se refere aos processos de busca, produção e compartilhamento da informação na contemporaneidade. O diálogo que gira em torno desse fragmento teórico requer mais do que a escuta e o respeito à autonomia e ao protagonismo dos sujeitos e, principalmente, das minorias sociais, requer empatia e se colocar no lugar do outro, para só então possamos refletir os espaços de fala que nos são oferecidos ou negados na sociedade contemporânea.

A ideia de que a legitimidade das decisões e ações deriva da deliberação pública da maioria, pelos cidadãos na sociedade da informação, em geral, livres e iguais, requer que seja corroborada pela instrumentalização de competências e habilidades para a obtenção da informação necessária para o exercício da cidadania. A competência crítica em informação nos aparece como uma possibilidade, já que

 

Em tal sentido, a crítica à competência em informação aqui proposta almeja  contribuir  para  uma  reflexão  com  vistas  à  superação  dos  obstáculos  semânticos  que  instrumentalizam os preceitos da competência em informação (muitas vezes com vista a adaptá-los a interesses governamentais e mercadológicos) e a conquista dos horizontes ético-políticos de liberdade e autonomia informacional de indivíduos e comunidades no regime de informação contemporâneo (BEZERRA; SCHNEIDER; SALDANHA, 2019, p. 7).

 

Em se tratando do exercício da razão comunicacional e informativa, destacamos, portanto, sem nesse momento aprofundar, o agir conduzido pelas normas de regulação social, as estratégias com a função de objetivar e enganar com o uso da voz e de outras tecnologias de comunicação; tendo como referência o mundo objetivo, a conversação em busca da verdade (informação oral e outras formas de comunicação) ao possibilitar a criação de estratégias nas relações interpessoais de um mundo social mais democrático.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS?

 

A democracia deliberativa, que se constitui como um modelo ou processo de deliberação política democrática, é caracterizada por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva. Ou seja, existe uma escuta, respeito à autonomia e ao lugar de enunciação de todos os entes envolvidos na sociedade. O modelo ancora-se na ideia de que a legitimidade das decisões e ações deriva da deliberação pública da maioria, pelos sujeitos, em geral, livres e considerados como iguais no que se refere aos seus direitos e deveres como cidadãos. 

O conceito de democracia deliberativa pode se relacionar ao poder de decidir algo, isto é, quando uma decisão se mostra mandatória; e com a relativa disposição dos agentes em discutir, com a finalidade de aprimorar suas perspectivas de mundo sem, necessariamente, precisar ser uma tomada de decisão. Outra característica da democracia deliberativa em Habermas pressupõe sua base no exercício da razão comunicacional, ou seja, é vista como a base do debate público e é fundamental para a legitimidade democrática de uma estrutura social.

Para que a democracia deliberativa seja operacionalizada na sociedade da informação através do poder de decidir e discutir, Habermas contribui com esse diálogo ao desenvolver o conceito de pacto civilizatório. Esse conceito pauta-se na capacidade da articulação às diferentes formas culturais de vida e na convivência delas, sendo capaz de permitir a reflexão de que é necessário transformar o antagonismo que motiva a polarização em uma cultura da discussão respeitosa dessas partes, estimulando assim a convivência compreensiva e empática das partes, ou seja, é preciso pautar-se em habilidades e competências que possam garantir o acesso à informação necessária ao convívio sustentável em prol do bem comum e da continuidade dos direitos dos sujeitos contemporâneos.

Como se pode perceber, a teoria crítica nos permite considerar alguns pressupostos de fundamental importância à guisa da conclusão deste diálogo: o possível discurso dialógico, teórico e crítico de teorias informacionais que aproximam o exercício prático da competência em informação em seu sentido pragmático, conceitual e fenomenológico ao conceito da democracia deliberativa em Jurgen Habermas. 

Para isso, é necessária a construção de um espaço teórico e crítico para o exercício de um novo ethos, baseado em um modelo de competência de informação equânime, humanista, privilegiando a igualdade de direitos, a alteridade, a empatia, o respeito à diferença.  A formação de indivíduos autônomos e comprometidos com a verdade dos fatos, requer responsabilidade social e histórica dos sujeitos cientes de seus deveres sociais e institucionais, papéis e significados históricos coletivos e individuais, principalmente naqueles que tange o respeito às diferenças, à ética discursiva e ao respeito do espaço discursivo do outro e das suas ideias. 

Desse modo, vem à tona a necessidade de conceber um conceito de informação que necessita ser produzida, comunicada e abstraída como veículo democrático, e, para isso, partimos da ideia de democracia deliberativa de Jürgen Habermas para pensar nas competências requeridas em processos de busca, recuperação e preservação do conhecimento construído pela comunidade ao longo da história e sua cientificidade e processos; assim como o combate da informação falaciosa e o estímulo à busca da verdade, na tentativa da construção de uma nova postura frente aos novos espaços de discussões. 

A partir daí referendamos a necessidade de se tornar competente em informação para substanciar tomadas de decisões importantes para a resolução de problemas no contexto social, sendo preciso saber conhecer (conhecimentos) interpretar e compreender criticamente a informação para desenvolver habilidades (saber fazer) para identificar informações confiáveis localizando-as, avaliando-as e utilizando-as de modo efetivo no mundo da vida. E é nesse momento que a competência crítica em informação é colocada em questão, permitindo entender e questionar os pressupostos teóricos que a fundamentaram: da teoria crítica aos preceitos da competência em informação.

A Ciência da Informação com áreas como a Arquivologia, a Biblioteconomia e o Jornalismo são propensas a (re)pensar os pressupostos da competência em informação num momento de crescimento exponencial da (des)informação, assim como, muitas vezes, cabe a Filosofia, a Sociologia e a Pedagogia enfocar os fundamentos da teoria crítica numa sociedade em que se torna cada vez mais difícil a manutenção da ética e dos espaços democráticos.

Os estudos sobre competência crítica em informação ou mesmo aqueles que são guiados pelos fundamentos da competência em informação, necessitam da junção dos pensamentos teórico-práticos que possam referendar processos de recuperação, seleção e uso de conteúdos informativos numa sociedade da informação que possa acolher a diferença e a construção cultural e histórica do Brasil. Devem, possibilitar, ainda, que possamos fazer uma reflexão ao mesmo tempo em que nos envolvemos num aprofundamento teórico-prático sobre a avaliação crítica da informação necessária em espaços onde todos/as possam ser ouvidos/as, tanto quanto precisamos compreender os meandros da desinformação que cerceia as tomadas de decisões democráticas.

Outras questões ainda devem ser pensadas para além das denominações que giram em torno da competência “em informação” e/ou “crítica”, de forma que possamos alcançar as questões impostas pelo mundo vivido, motivo pelo qual não consideramos que essas sejam considerações finais, mas sim considerações que nos permitam iniciar processos de diálogos para um trabalho teórico-reflexivo no campo da competência e da ciência na sociedade da (des)informação e do (des)conhecimento.

Ao final desta reflexão, é necessário procurar (re)pensar menos nos pressupostos e fundamentos teóricos importados de fora do país e (re)criar teorias que possam resultar em um trabalho que tenha como base as nossas diferenças culturais e sociais. Assim sendo, poderemos nos ver num futuro em que estarão ao acesso de todos as tecnologias e as estratégias necessárias para um uso ético e social da informação e, por conseguinte, viveremos para presenciar o fortalecimento dos processos democráticos no campo da política, educação, cultura, saúde, entre outras áreas fronteiriças.

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO, C. A. V.; VALENTIM, M. L. P. A ciência da informação no brasil: mapeamento da pesquisa e cenário institucional. Bibliotecas: Anales de Investigación (Cuba), v. 15, n. 2, p. 232-259, 2019.

 

BETTINE, M. A teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas: bases conceituais. SP: EACH, 2021. 124 p.

 

BEZERRA, A. C.; BELONI, A. Os sentidos da “crítica” nos estudos de competência em informação. Em Questão, v. 25, n. 2, p. 208-228, 2019. DOI: 10.19132/1808-5245252.208-228 Acesso em: 09 set. 2022.

 

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[1] Doutora em Ciência da Informação pela UnB, mestre em Educação e graduada em Biblioteconomia pela UFES. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFES.

[2]Doutora e mestre em Psicologia e graduada em Filosofia pela UCB, e graduada em Biblioteconomia pela UFES. Servidora do quadro permanente da UnB.

[3] Doutora em Ciência da Informação pela UnB, graduada em Biblioteconomia e Ciências Sociais pela UFES. Docente do Departamento de Biblioteconomia da UFES.