ASPECTOS ÉTICOS SOBRE O ACESSO À INFORMAÇÃO E A DINÂMICA DO COMPARTILHAMENTO DA DESINFORMAÇÃO NAS CAMPANHAS ELEITORAIS NA INTERNET

 

Stella Schwanz Dias de Assis[1]

Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo - FAPES

stella.assis@edu.ufes.br

 

Meri Nadia Marques Gerlin[2]

Universidade federal do Espirito Santos - UFES

meri.gerlin@ufes.br

 

______________________________

 

Resumo

 

A temática propaganda eleitoral na internet traz consigo uma extensa gama de questionamentos. Enquanto, por um lado, proporciona uma maior aproximação do eleitor com as informações sobre o processo político, por outro, potencializa a disseminação de notícias falsas, responsáveis, em grande parte, por manipular a intenção de votos de uma nação. Essa problemática vai além da discussão sobre desinformação, não é apenas sobre notícias falsas versus verdadeiras. Com o objetivo de analisar a relação entre o acesso à informação e os aspectos éticos da informação, a presente pesquisa, exploratória e qualitativa, tem como foco a constituição de um estudo bibliográfico que vai se consolidando em torno das campanhas eleitorais no meio digital. Trata-se de refletir criticamente sobre as formas de legitimação da desinformação capazes de influenciar a sociedade, em uma realidade em que uma mentira contada várias vezes pode tornar-se uma verdade para quem a escuta, e é neste ponto que se enxerga um risco real ao processo democrático.

 

Palavras-chave: Acesso à informação. Campanhas eleitorais e Internet. Ética e desinformação.

 

ETHICAL ASPECTS ON ACCESS TO INFORMATION AND THE DYNAMICS OF SHARING DISINFORMATION IN ELECTION CAMPAIGNS ON THE INTERNET

 

Abstract

 

The theme political propaganda on the Internet, brings with it an extensive range of questions. While, on the one hand, it provides a greater approximation of the voter with information about the political process, on the other, it enhances the dissemination of fake news, responsible, in large part, for manipulating the intention of votes of a nation. This problem goes beyond the discussion about misinformation, it's not just about fake news versus true news. With the objective of analyzing the relationship between access to information and the ethical aspects of information, this exploratory and qualitative research focuses on the constitution of a bibliographic study that is consolidating around election campaigns in the digital environment.  It is a question of critically reflecting on the forms of legitimation of disinformation capable of influencing society, in a reality in which a lie told several times can become a truth for those who listen to it, and it is at this point that one sees a real risk to the democratic process.

 

Keywords: Access to information. Election campaigns and internet. Ethics and misinformation.

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com a Web da Internet surgem mudanças significativas no cenário da comunicação em redes sociais, até a última década do século XX com características mais centralizadas e demarcadas por estruturas de poder e pelo cerceamento do acesso à informação.

No século XXI os meios de comunicação assumem o formato de redes de colaboração, e são alimentados por uma estrutura de conexão digital, produção e disseminação de conteúdos informativos. Oferecem certa flexibilidade e adaptabilidade com o auxílio das tecnologias de distribuição de informação, serviços e produtos acessados globalmente por intermédio das redes descentralizadas e distribuídas (de todos e para todos).

A colocação de que as redes digitais proporcionam um desenho de rede distribuída na atualidade (RECUERO, 2009), não inviabiliza que observemos os contornos de redes hierarquizadas e centralizadas que coexistem com a exclusão digital e desigualdade social. Pelo contrário, ainda é possível identificar várias estruturas de comunicação e de disseminação da informação em um mesmo espaço de cerceamento da colaboração humana.

Portanto, as redes contemporâneas híbridas (virtuais e presenciais), possibilitam, em tese, que com as tecnologias sociais “todos os sujeitos” obtenham condições de se inserir na “era da informação” e se beneficiar com as ferramentas viabilizadas pelas tecnologias de informação e comunicação (CASTELLS, 2003; LE COADIC, 2004; LÉVY, 2010) que geram, ou mesmo deveriam gerar, a inserção da população em processos comunicativos e informativos na área da saúde, educação, política, cultura, religião, entre outras esferas.

As mídias e os veículos de comunicação tradicionais (televisão, rádio, jornais e revistas impressas, etc.), ocupam espaços de convivência social pautadas num discurso de transmissão da verdade com maior rapidez, se reinventando em ambientes digitais como web sites e portais compartilhados em redes sociais, comunicando com maior velocidade notícias, fatos e acontecimentos. “Em termos gerais, as conexões em uma rede social são constituídas dos laços sociais, que, por sua vez, são formados através da interação social entre os atores” (RECUERO, 2009, p. 30), podendo assumir variadas formas de relacionamentos (amizade, profissionais, etc.) que conduzem ao consumo de informação de todos os tipos e à geração de conteúdo que pode tornar o sujeito contemporâneo protagonista e autônomo em termos de comunicação e recepção da informação.

Assim sendo, as plataformas e as (novas) mídias digitais possibilitam a ampliação da interação social e a produção colaborativa de informação em grande escala no espaço virtual (ciberespaço) (CASTELLS, 2003; LÉVY, 2010), permitindo que à luz da teoria de Van Dijck (2013) possamos direcionar nosso olhar para três modalidades de redes: sociais (i) como o Facebook, Twitter e Linkedln, de conteúdo (ii) gerado pelos usuários de informação como o Youtube, Myspace e Wikipédia e comerciais (iii) como a Amazon,eBay e Groupon. Entretanto, para Gerlin (2020, p. 137), “Em se tratando do uso social, cultural, informativo e educacional das mídias digitais torna-se difícil dividir quais plataformas sociais possuem ou não fins lucrativos”, devido ao fato de que mesmo as estruturas de comunicação com acesso gratuito e com a meta de gerar socialização conduzem à dinâmica de monetização e de incentivo ao consumo.

Em uma análise no meio digital é importante entender que a Internet também funciona como um mercado. Lanier (2018) levanta o acrônimo, “Behaviors of User Modified, and Made into an Empire for Rent”, que pode ser traduzido em português como: Comportamentos de Usuários Modificados e Transformados em um Império para Alugar, ou seja, um efeito conhecido como Bummer.

 

Bummer é uma máquina estatística que vive nas nuvens da computação. Vale repetir: esses fenômenos são reais, ainda que estatísticos e indistintos. Mesmo em sua melhor forma, os algoritmos da Bummer só conseguem calcular as chances de uma pessoa agir de determinada maneira. Mas, em conjunto, probabilidades individuais acabam se aproximando de uma média de certeza quando falamos de um grande número de pessoas. A população geral pode ser afetada com maior previsibilidade do que um único indivíduo (LANIER, 2018, p. 34).

 

Além dofluxo da informação ser em parte, controlado pelos recursos financeiros que o patrocinam, a parcela restante também não está sob o controle dos usuários. As plataformas acessadas na internet contam com algoritmos que, com base em uma análise comportamental, definem que tipo de conteúdo chegará para cada usuário. Estes filtros agem de maneira autônoma levantando uma segunda problemática: as bolhas de filtros.

 

São mecanismos de previsão que criam e refinam constantemente uma teoria sobre quem somos e sobre o que vamos fazer ou desejar a seguir. Juntos, esses mecanismos criam um universo de informações exclusivo para cada um de nós – o que passei a chamar de bolha dos filtros – que altera fundamentalmente o modo como nos deparamos com ideias e informações (PARISER, 2011, p. 11).

 

Essas bolhas de filtro influenciam alémdo fluxo da informação, afetando a maneira como é acessada e interpretada. Nesse sentido, é importante também refletir a respeito da influência das autoridades digitais. Soares (2020) aponta que “[...] usuários muito ativos podem definir quais temas ganham maior visibilidade e impulsionar certos conteúdos”, ou seja, uma pessoa com alto engajamento pode determinar as informações que terão um maior alcance.   

Outra discussão de base orienta-se no uso ético da informação que gira em torno de habilidades e competências que permitam refletir criticamente sobre aspectos legais que orientam o uso indevido da propriedade intelectual, e sobre o uso de normas de organização, produção e compartilhamento da informação (GERLIN, 2020). Um grande gargalo que vem sendo imposto para a ética na informação, especialmente em um contexto digital, é a pós-verdade.

Em um contexto de explosão informacional, pode-se observar que nunca antes houve uma quantidade tão grande de informação em circulação. Em meio a esse fenômeno, há também uma quantidade imensurável de informações falsas, e segundo Araújo (2021) foi para caracterizar este momento que surgiu a expressão pós-verdade. O autor destaca que esse fluxo está moldando a tomada de decisão dos indivíduos, e isso ocorre em uma quantidade e velocidade sem precedentes. Salienta que isso ainda ocorre de maneira anônima, apócrifa, sem identificação de autoria, o que torna a situação ainda mais preocupante. 

No atual contexto de pós-verdade pode ser identificado o conceito de pós-ética, que seria “[...] um conjunto de desvalores tomados como valores” (TIBURI, 2017, p. 84). Essa noção estaria ligada a “[...] pseudoações tratadas como o que há de mais importante a ser feito, quando a dessubjetivação generalizada toma o lugar da alma, é nesse contexto que a questão da ética soa anacrônica” (TIBURI, 2017, p. 85). Essa descaracterização da ética e da verdade gerada no contexto da desinformação acaba afetando a maneira como os indivíduos enxergam a realidade, afetando questões de extrema relevância como o processo eleitoral e democrático. 

É notável a importância da realização de estudos sobre os impactos da cibercultura na política, visto que, é uma tendência mundial utilizar essas plataformas como ferramenta em disputas eleitorais. O meio digital vem mudando não apenas o fluxo da informação, mas a maneira como os dados informacionais são decodificados. O ciberespaço passa ou deveria ser, em sua totalidade, um ambiente democrático de compartilhamento de informações, e receptivo à dialogicidade e autonomia para a tomada de decisões. Os espaços de diálogos que são necessários para romper com as hierarquias de poder e garantir a igualdade de condições sociais em espaços presenciais (FREIRE, 2001), devem ser estendidos aos espaços virtuais.

A temática propaganda política na internet, traz consigo uma extensa gama de questionamentos. Enquanto, por um lado, proporciona uma maior aproximação do eleitor com as informações sobre o processo político, por outro, potencializa a disseminação de notícias falsas, responsáveis, em grande parte, por manipular a intenção de votos de grupos e povos de uma nação. Essa problemática vai além da discussão sobre desinformação, não é apenas sobre notícias falsas versus verdadeiras que pretendemos dialogar.

Nosso objetivo gira em torno do interesse de analisar a relação entre o acesso à informação e os aspectos éticos da informação, permitindo que o recorte da presente pesquisa, exploratória e qualitativa, tenha como foco a constituição de um estudo bibliográfico que vai se consolidando em torno da realidade vivida de que a (des)informação afeta às campanhas eleitorais no meio digital. Trata-se, portanto, de uma oportunidade de “refletir criticamente” (FREIRE, 2001) sobre a contraposição entre o acesso à informação no ciberespaço e o excesso e a manipulação de informações, percorrendo as formas de legitimação da desinformação, capazes de influenciar a sociedade em ambientes híbridos e criando uma realidade em que uma mentira contada várias vezes pode tornar-se uma verdade para quem a escuta e internaliza; e é neste ponto que se enxerga um risco real ao processo democrático.

Dialogamos, portanto, com autores e pesquisadores que se destacam no cenário nacional e internacional, fornecendo elementos teóricos-reflexivos demarcados no âmbito da Ciência da Informação e de áreas interdisciplinares. As linhas reflexivas apresentadas e analisadas nas próximas seções foram organizadas em três atos, para, assim, dar início a um entendimento sobre o fluxo e o acesso à informação na Internet (i); as campanhas eleitorais no ciberespaço (ii); e, por fim, a ética e a desinformação (iii) em processos políticos decisórios que assumem uma dinâmica diferenciada no século XXI por conta do uso das novas tecnologias de informação e comunicação.

 

 

2 DESENVOLVIMENTO EM TRÊS ATOS

 

2.1 PRIMEIRO ATO: ACESSO AO FLUXO DA INFORMAÇÃO EM PROCESSOS ELEITORAIS NA INTERNET

 

Nos últimos anos as campanhas políticas na internet se tornaram determinantes para a definição das Eleições. As redes sociais deixaram de ser uma ferramenta de segundo plano nas campanhas, se tornaram, na maioria dos casos, no principal recurso de marketing eleitoral, já se mostrando um ponto chave nos resultados das últimas eleições. A integração da política com o ambiente digital pode trazer uma série de benefícios, como a facilitação do acesso à informação e a redução do impacto ambiental, no entanto, também pode trazer uma série de problemáticas, extremamente nocivas ao exercício democrático.

A internet expandiu a explosão informacional em curso decorrente da revolução da imprensa de Gutenberg, tornando a apuração dos fatos uma tarefa ainda mais difícil. Com o surgimento de inúmeras fontes de informação, e a possibilidade de um usuário se tornar também uma fonte, a velocidade do fluxo informacional aumentou significativamente, levando a uma cultura do imediatismo. Essa necessidade de compartilhamento rápido da informação diminuiu o tempo e a qualidade do processo de verificação das informações e dados, abrindo espaço para inconsistências e até mesmo notícias deturpadas e falsas. 

Bezerra (2017, p.70) aponta que “[...] é cada vez mais comum encontrarmos na internet plataformas digitais que operam dentro da lógica da ‘cultura algorítmica’, monitorando, analisando e filtrando um grande volume de dados”, visando construir uma “[...] experiência de navegação cada vez mais personalizada para seus usuários”.  

Bezerra, Capurro e Schneider (2017) destacam a problemática das notícias falsas no ambiente virtual, muitas vezes intensificada por robôs digitais em um volume imensurável de desinformação. “O fenômeno, entretanto, nada mais é do que a exacerbação de antigas práticas jornalísticas; nesse sentido, algumas teorias da comunicação, como a ‘agenda setting’”. Os autores supracitados ainda apontam que “[...] a hipótese da agenda setting sugere que, embora a mídia não determine o que as pessoas irão pensar, determina em grande medida sobre o que irão pensar”(BEZERRA; CAPURRO; SCHNEIDER, 2017, p.347).

O cenário apresentado requer o ato de analisar e, com isso, discutir sobre sua circulação da informação. Faz-se importante ressaltar que o conceito de informação é abrangente e polissêmico, por ser tratado em diversas áreas do conhecimento, por tal motivo, para os fins desse trabalho, será utilizado o conceito utilizado na Ciência da Informação. Capurro (2003) traz a definição dos três paradigmas epistemológicos da Ciência da Informação, que são reforçados por Araújo (2010) como os três conceitos de informação mais utilizados na área. São eles: o conceito físico, o cognitivo e o social.

O primeiro vem enfatizando a dimensão material, objetiva e passível de ser cientificamente determinada. Já no cognitivo há uma ruptura com o primeiro conceito, já que, segundo Araújo (2010, p.97), a informação não seria apenas o "[...] registro material do conhecimento", e que seria necessário também enxergar "[...] o que está na mente dos usuários". O conceito social traz uma crítica a visão individualista do modelo cognitivo, neste conceito a informação é entendida, segundo Araújo (2010, p.97), como uma construção coletiva, "[...] algo é informativo num momento, em outro já não é mais; tem relevância para um grupo, mas não para outro; e assim sucessivamente". O autor ainda complementa que nessa linha a "[...] informação não é produto de uma mente única, isolada, mas construído pela intervenção dos vários sujeitos e pelo campo de interações resultante de suas diversas práticas" (ARAÚJO, 2010, p.97).

Capurro (2003, n.p.) aponta que uma pergunta chave no campo da CI é "[...] informação - para quem?". Pensando em um contexto de globalização, onde a comunicação torna-se mais fácil, é necessário refletir sobre como a informação pode transitar entre diferentes grupos sociais. Capurro (2003, n.p.) destaca que a CI "[...] se situa entre a utopia de uma linguagem universal e a loucura de uma linguagem privada", então, partindo do conceito social, uma informação é produto coletivo, que pode ter um significado para determinada sociedade, enquanto para outra, pode ser completamente diferente, levantando a complexa questão da universalidade da informação. O autor ainda destaca que a revolução provocada pela rede digital não é apenas mediática, mas também epistêmica com relação à sociedade dos meios de comunicação de massa.

 

Mas é claro também que essa estrutura, que permite não só a distribuição hierárquica, ou one-to-many, das mensagens, mas também um modelo interativo que vai além das tecnologias de intercâmbio de mensagens meramente individual, como o telefone, cria novos problemas sociais, econômicos, técnicos, culturais e políticos, os quais mal começamos a enfrentar teórica e praticamente. Esse é, ao meu ver, o grande desafio epistemológico e epistemoprático que a tecnologia moderna apresenta a uma ciência da informação que aspira a tomar consciência, sempre parcial, de seus pressupostos (CAPURRO, 2003, p.10).

 

Com essa conceituação em torno da informação pode-se seguir para uma discussão a respeito da circulação da mesma. Marín-Arraiza, Bolaños-Carmona e Vidotti (2017, p.11) apontam que “[...] os fluxos de informação existem se existe uma demanda de informação”, portanto, essas demandas estão conectadas a objetivos, contextos e relações interpessoais específicas.

 

A maioria das definições do conceito de informação fazem referência a peças informacionais que completam o processo de comunicação quando são transmitidas. Assim, sempre que um indivíduo tenta satisfazer uma necessidade de informação, produz um fluxo de informação que pode resultar na criação de um novo conhecimento. O conhecimento baseia-se na gestão e estruturação da informação recebida a partir de um novo fluxo. Haverá sempre uma dependência com o sujeito, pois este determina o valor da informação. (MARÍN-ARRAIZA; BOLAÑOS-CARMONA; VIDOTTI, 2017, p.16)

 

Os autores enfatizam o papel do sujeito e sua interferência na construção e no fluxo da informação, pois é o mesmo que determina o valor da informação, o que ocorre de acordo com suas vivências, com o contexto social, histórico e cultural de onde vive, dentre outras determinantes. Uma questão importante levantada por Soares (2020) é que as pessoas têm uma tendência a compartilhar informações pelas quais são favoráveis.

É importante destacar que, quando tratamos dessa circulação da informação na internet a dinâmica se torna diferente. Como Capurro (2003) coloca, o intercâmbio de mensagens deixa de ser meramente individual, criando novas problemáticas. O fluxo da informação na internet se torna mais plural e dinâmico, aumentando as possibilidades de criação, interação e compartilhamento. Marín-Arraiza, Bolaños-Carmona e Vidotti (2017) destacam que a informação digital deve ser tratada como uma nova estrutura, justamente por apresentar variáveis nunca trabalhadas antes. Os autores evidenciam que “[...] a era digital refere-se ao cenário onde acontecem os intercâmbios de informação protagonizados pelas oportunidades oferecidas pela computação e a velocidade das comunicações (MARÍN-ARRAIZA; BOLAÑOS-CARMONA; VIDOTTI, 2017, p.14).

 

 

2.2 SEGUNDO ATO: NO CIBERESPAÇO A (DES)INFORMAÇÃO NAS CAMPANHAS ELEITORAIS

 

Devido o ciberespaço se constituir como um ambiente estruturado por um universo de sistemas de informação fortalecido pelos equipamentos de conexão em redes digitais (CASTELLS, 2003; LÉVY, 2010), armazenamento de conteúdos e ferramentas de distribuição de mensagens e informações advindas de contextos econômicos, educativos, culturais materiais e imateriais, torna-se propício para o compartilhamento de uma variedade de produtos e serviços informativos produzidos e, ao mesmo tempo, consumidos por eleitores que, em tese, possuem recursos para o acesso à informação e que habitam esse espaço.

A propaganda política brasileira vem se fortalecendo na web desde 2016, mas somente em 2018 a possibilidade de impulsionar anúncios nas redes sociais foi regulamentada pela primeira vez, momento no qual foi possível perceber o quanto esse meio de comunicação pode ser decisivo nas Eleições. De fato, as eleições dos Estados Unidos de 2016 foram o marco da tendência do uso de estratégias de manipulação através das redes sociais, que se reafirmou nas eleições de 2018 no Brasil e tantas outras ao redor do mundo. A partir de então, vários estudos começaram a ser realizados buscando entender esse fenômeno e seus desdobramentos.

Desde as eleições de 2018 foi observada uma tendência crescente na utilização de estratégias de manipulação de massas, com o uso sistemático de desinformação, da incitação do discurso de ódio, das bolhas sociais, dentre outros recursos possibilitados pelo intenso uso das redes sociais e digitais nas campanhas eleitorais. Sabendo do impacto das redes sociais no processo eleitoral, e levando em consideração o quanto esse ambiente pode influenciar seus usuários, é de extrema importância entender melhor o fluxo da informação e como isso pode influenciar na percepção dos eleitores no ciberespaço.

A discussão sobre desinformação no ciberespaço vem entrando em evidência nos últimos anos, principalmente depois do surgimento do conceito de pós-verdade, que se popularizou especialmente depois de 2016. É fato que as redes de conexão digitalproporcionaram um ambiente de ampla propagação de desinformação, intensificando esse fenômeno. No entanto, este já é um grande problema na sociedade muito antes do surgimento da internet.

 

A desinformação é um conceito antigo que nasce ligado a projetos militares de contrainformação e espionagem, mas extrapola para os meios de comunicação e para aparelhos privados e estatais. A desinformação pode estar presente em livros de história ou em discursos políticos, em histórias em quadrinhos ou em jornais de ampla circulação (BEZERRA; BRISOLA, 2018, p. 3319).

 

Baptista (2019, p.53) ainda destaca que a transição da mídia tradicional para essa nova mídia foi muito mais que apenas uma mudança para a plataforma digital, evidenciando que “[...] todo o circuito de produção, distribuição e recepção de notícias se processa em contextos radicalmente diferentes”. A mudança vai desde construção da mensagem, até sua disseminação e compartilhamento.

A maneira como a informação é produzida vem se alterando drasticamente, e segundo Araújo (2021) essa questão está conectada também com o fenômeno conhecido como big data, que estuda e busca analisar a produção de dados em escalas grandes demais para serem analisados por sistemas tradicionais. Se faz essencial, buscar entender o impacto dessa abundância de informações na vida dos indivíduos, e como isso pode alterar suas percepções.

 

Esse fenômeno se relaciona com o fato de que, cada vez mais, há conjuntos de dados gerados de maneira não intencional, não programada, pelas pessoas – o que questiona os modelos conceituais da ciência da informação que imaginavam um sujeito enviando uma mensagem para alguém (ARAÚJO, 2021, p.96).

 

Se faz essencial, buscar entender o impacto dessa excessiva abundância de informações na vida dos indivíduos, e como isso pode alterar respectivas percepções. Reconhecemos, portanto, que as plataformas digitais proporcionaram um discurso mais plural, além de uma maior participação e interação da população com as notícias. Contudo, essa migração para o contexto digital também trouxe novas possibilidades e com elas problemáticas. O público, que deixou de ser apenas um receptor da informação, agora, pode também interagir, compartilhar, concordar ou contrapor as informações, além de, poder também, criar seus próprios conteúdos, sejam eles informativos, ou não.

Neste contexto de crise informacional, uma importante questão é a crise de autoridade gerada pelo ambiente digital. Fica cada vez mais evidente que a confiabilidade deixa de estar conectada com o conhecimento de um indivíduo ou reputação de uma plataforma, mas passa a ser considerada por números de acessos e a monetização em um sistema lucrativo. Como resultado, o engajamento de determinadas informações, acabam por afetar a percepção do (e)leitor gerando um efeito manada, e desprezando-se a importância da fonte de informação. De fato,

 

[...] esta crise afeta e é afetada pelo esmaecimento do poder das autoridades, dos especialistas, pessoas que conhecem em profundidade determinados campos do conhecimento e é potencializada pelo paradigma tecnocêntrico que naturalizou o uso intenso de tecnologias como dispositivos móveis, redes sociais, apps, gadgtes etc. (SAMPAIO, LIMA E OLIVEIRA, 2018, p.2).

 

A crise na autoridade favorece a desinformação quando os indivíduos deixam de ser capazes de identificar as fontes seguras em meio a uma explosão informacional. As notícias podem chegar por todos os lados, seja em um aplicativo de troca de mensagens instantâneas, seja nas redes sociais, seja através de sites e blogs, as pessoas são bombardeadas diariamente com uma imensidão de dados informacionais que dificilmente conseguiriam processar e checar adequadamente. Esse ambiente propicia a ascensão de influenciadores, que seriam as autoridades máximas no ambiente digital, que não precisam, necessariamente, ter um conhecimento consolidado da área que discutem. O mais agravante seria que, alguns desses indivíduos sequer teriam um compromisso com a ética e com a verdade, se tornando vetores de notícias falsas ou distorção de informações.

Destacamos, então, que um importante documento traz luz a respeito da conceituação da desinformação: o relatório publicado pelo Conselho da Europa, Desordem de Informação: Rumo a uma estrutura interdisciplinar para pesquisa e formulação de políticas (WARDLE; DERAKHSHAN, 2020, tradução livre)[3], no qual as categorias do que é nocivo e falso começam a se desdobrar ao longo desse documento (Figura 1).

 

Figura 1 - O contexto da desordem informacional.

Fonte: Wardle e Derakhshan (2017).

Wardle e Derakhshan (2017) caracterizam a desinformação ao apresentar uma categorização por três tipos de informação: a informação incorreta, a des-informação e a mal-informação. O primeiro se tratado compartilhamento de informações falsas sem intenção de dano; já o segundo, informações falsas quando são conscientemente compartilhadas para causar danos; enquanto o terceiro trata de informações genuínas compartilhadas para causar danos, que podem variar desde informações sigilosas, descontextualizadas ou utilizadas como recurso direto para a geração de danos (WARDLE e DERAKHSHAN, 2017).

Essa categorização evidencia que nem sempre a desinformação utiliza uma notícia falsa, mas pode também ser uma informação descontextualizada ou utilizada como recurso direto para a geração de danos. Quando entramos no campo político, como nas eleições de 2018 no Brasil, por exemplo, pode-se observar a circulação contínua das três categorias.As informações incorretas aparecem como as famosas fake-news, que diferente do que foi apontado no relatório, costumam ter a intenção de dano, são normalmente utilizadas para desfavorecer um candidato ou parlamentar específico através da disseminação de informações falsas.

Já a des-informação é utilizada com o mesmo objetivo, mas valendo-se de acontecimentos reais, que podem ser descontextualizados para passar uma mensagem diferente da real, como no recorte de trechos específicos de vídeos, colocados em um contexto falso, com enunciado tendencioso, corrompendo totalmente a mensagem inicial. Por fim, a mal-informação também é encontrada em todas as suas formas, dando o devido destaque ao discurso de ódio, que se intensifica no campo da política. 

Nessa direção, convém refletir com Wardle e Derakhshan (2017) no momento emque apresentam um diagrama que aponta para as fases da desordem informacional(Figura 2), tendo também, como fator de análise, a criação, a (re) produção e a distribuição, porém, nos deteremos a primeira fase conforme destacado na imagem a seguir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 02: Fases da desordem informacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Wardle e Derakhshan (2017).

 

Na primeira fase, a informação inicial é criada, para na segunda fase ser caracterizada como produto de mídia, normalmente trabalhando com diferentes elementos em um pacote informacional, como destacado por Dunker (2017):

 

Cada vez mais lemos a mensagem que o outro nos envia em pacotes de informação, compostos por imagens e textos, que se apresentam como um “todo de uma vez”. Isso degrada a narrativa da viagem a um percurso sem memória. A resposta antecipada para uma determinada imagem coordena nossos códigos de comunicação e de produção de desejo, de tal forma que é preciso rapidamente acolher ou descartar, inibir ou estimular o progresso da comunicação com o outro (DUNKER, 2017, p. 20).

 

Por fim, a etapa de distribuição, é quando a mensagem é tornada pública, podendo ainda ser compartilhada por milhares de pessoas.

Neste contexto de reflexão, à luz da teoria e do documento analisado, é possível principalmente colocar em análise o fluxo da informação na etapa de distribuiçãono período de campanha eleitoral, seja ela verdadeira ou falsa, percorre desde sua criação até chegar ao intérprete, que como exposto no diagrama dos principais elementos, realiza primeiro a leitura da mensagem, podendo concordar, se opor ou negar, para posteriormente tomar uma ação, ignorando, compartilhando em apoio ou compartilhando em oposição.

 

2.3 TERCEIRO ATO: ÉTICA EM UM CENÁRIO DE (DES)INFORMAÇÃO ELEITORAL

 

O uso do termo pós-verdade ganhou grande repercussão mundial depois das eleições dos Estados Unidos da América em 2016, o que agrega uma série de discussões de extrema importância para a sociedade atual. Para entender seu significado, primeiro devemos perpassar por seu histórico.

Segundo Santaella (2019), um grande marco desse termo foi também em 2016, quando foi eleita palavra internacional do ano pelo Dicionário de Oxford, chamando atenção para o fato de não ser um conceito novo. A autora destaca que o termo já havia sido utilizado em 1992 por Steve Tesich, na revista The Nation, referindo-se ao escândalo do Iran e da Guerra do Golfo. Já em 2004 o termo ilustrou a temática central do livro de Ralph Keyes, The Post-Truth Era.Mas foi apenas em 2016, com as discussões geradas pelas eleições, que o termo se popularizou.

Santaella (2019) destaca ainda, que no ano de 2016 o uso da palavra cresceu 2.000% comparado ao ano anterior. Apesar de não ser um termo novo, seu conceito ainda é amplamente discutido, com diferentes perspectivas de seu entendimento. Em uma primeira visão, podemos considerar a concepção trazida por Keyes (2004):

 

Embora sempre tenham existido mentirosos, as mentiras costumavam ser contadas com hesitação, um pouco de ansiedade, culpa, vergonha ou ao menos um pouco de timidez. Agora, como pessoas inteligentes que somos, criamos fundamentos para adulterar a verdade para que possamos dissimular sem culpa. Chamo isso de pós-verdade. Vivemos na era da pós-verdade. A pós-verdade existe em uma penumbra ética. Nos permite dissimular sem nos considerar desonestos (KEYES, 2004, p.15, Tradução nossa).

 

Keyes (2004), ainda destaca que quando o comportamento entra em conflito com os valores, é mais provável que reconsideremos nossos valores, evidenciando a relação entre a omissão da ética e a pós-verdade. Essa concepção explica também o motivo da pós-verdade e suas ferramentas se proliferarem tão facilmente. Os indivíduos possuem essa tendência em querer acreditar no que faz mais sentido de acordo com suas percepções e convicções pessoais, então se uma informação, mesmo que falsa, está mais próxima de suas crenças, a verdade deixa de ser um elemento essencial.

Lewandowsky et al. (2017, p.11,tradução nossa), metaforicamente destacam que “O problema da pós-verdade não é uma mancha no espelho. O problema é que o espelho é uma janela para uma realidade alternativa”[4]. A questão mais alarmante neste contexto não é a disseminação de mentiras, mas a criação de uma realidade alternativa onde essas informações se tornam verdadeiras. Os autores ainda destacam que uma grande característica da era da pós-verdade é que ela capacita as pessoas a escolher sua própria realidade, neste contexto, informações objetivas se tornam menos importantes que crenças e preconceitos individuais. “Neste mundo, mentir não é apenas aceito, é recompensado” (LEWANDOWSKY et. al, 2017, p.27, tradução nossa.).

A pós-verdade ainda se constitui como um conceito embrionário, trazendo uma série de controvérsias em sua discussão. Para Silva (2018, p.334), esse fenômeno não surgiria como um conceito, mas como a "[...] capacidade de deturpação dos conceitos para promoção de uma luxúria semântica". A pós-verdade, então, seria vista como um contra-conceito, uma ruptura com a noção de verdade e sua importância. Nessa nova realidade há uma eminente desconstrução de conceitos, que são reconstruídos sem a necessidade de um embasamento teórico ou um compromisso ético com a veracidade, sendo pautados em interesses, ideologias, valores pessoais e no senso comum.

Silva (2018, p.336) destaca que “[...] a pós-verdade reside precisamente em descaracterizar a relação entre o verdadeiro e o falso”, justamente por este motivo que a mentira não seria seu objeto ou seu recurso principal, mas apenas mais uma ferramenta de um sistema muito mais complexo, que trabalha também com a desinformação, com o discurso de ódio, com a pseudociência, com a descontextualização e distorção dos fatos, com as fake newsdentre outros recursos que a tornam cada vez mais difícil de identificar e, por consequência, de combater.

Contudo, inquestionavelmente, a ferramenta que se salienta dentre as demais são as fake news, Silva (2018) evidencia que esse seria um produto informacional resultante da pós-verdade. Ao adentrar essa discussão sobre notícias falsas, não estamos falando apenas de mentiras, mas de uma sistemática complexa que inclui um pacote informacional, que para Ball (2017, p.7, tradução nossa), seriam “[...] histórias facilmente compartilháveis, postadas em redes sociais como memes, ideologias, publicações por razões políticas ou para fazer um pouco de dinheiro”[5].

De acordo com Bezerra e Brisola (2018, p.3323), “[...] as fake news possuem características bem específicas de produção, formatação e intenção”, com ênfase na questão da intencionalidade. Uma notícia falsa é produzida com a ciência de sua inveracidade, sua intencionalidade está ligada a algum objetivo específico a ser alcançado através deste pacote informacional. Como exemplo é possível citar seu uso como estratégia política, nestes casos, usualmente, a intenção final é gerar danos à imagem do candidato de oposição.

Frias Filho (2018) salienta que as fake news deveriam ser compreendidas como toda informação comprovadamente falsa que tenha potencial de prejudicar terceiros, forjadas e/ou compartilhadas por negligência ou má-fé, com vistas ao lucro fácil ou à manipulação política. Outro aspecto importante nessa discussão é a distorção do conceito de fake news. Frias Filho (2018, p.42) destaca que o termo vem sendo utilizado “[...] para desqualificar versões diferentes daquela abraçada por quem o emprega”, ou seja, neste contexto, a verdade pode ser taxada como falsa se não estiver de acordo com a ideologia do sujeito que a analisa.

 

Nesse sentido mais permissivo, fake news passam a ser tudo aquilo que me desagrada, não apenas fatos que contemplo de maneira diferente da exposta, mas interpretações das quais discordo com veemência e opiniões que me parecem abomináveis (FRIAS FILHO, 2018, p.42).

 

A respeito dessa discussão, Ball (2017) evidencia que existe um vácuo de confiança na sociedade atual, no entanto, destaca que as fake news seriam mais um sintoma do que uma causa do mesmo.  O autor destaca que sem um senso de verdade não é possível debater sobre a barreira política.

A reflexão sobre a ética em um cenário de “pós-verdade” possibilita a propagação de narrativas que passam a não importar ao eleitor o que verdadeiro ou falso. Desde que a notícia ou o acontecimento tenham o formato de (des)informação que satisfaça suas necessidades políticas e ideológicas.

Nesse sentido, Freire (2021), nos move para uma capacidade de reflexão crítica sobre os contextos éticos necessários aos grupos envolvidos em processos de disseminação de informações em processos eleitorais. Tanto quem produz quanto quem compartilha informações deturpadas devem perceber a sua responsabilidade e, para isso, o diálogo sobre a práxis (teoria e prática analisada a partir de um contexto político) deve gerar transformação para a resolução dos problemas apontados ao longo deste artigo dividido em três cenários.

Em vista de que o processo eleitoral deve ser entendido à luz da diversidade do povo brasileiro, com todas as suas diferenças e proximidades culturais, é necessário entender que os grupos de eleitores/as “[...] são constituídas por mulheres e homens ‘situados’, condicionados por uma realidade concreta, econômica, política, social e cultural” (FREIRE, 2001, p. 105). A partir da perspectiva teórica freiriana, o diálogo sobre a ética em processos de produção e compartilhamento de informações desse gênero, deve envolver uma compreensão crítica da prática (in)formativa, devendo levar em consideração a participação comunitária e popular (FREIRE, 2001).

Ao levar em consideração a participação comunitária e popular (FREIRE, 2001), as campanhas eleitorais devem ser colocadas em análise dentro de um processo em que o indivíduo é considerado como sujeito e não objeto. De maneira geral, esse tipo de participação não deixa de ser alimentada pela ideologia no cenário brasileiro, pelo golpe da ditadura militar ao enfraquecer o diálogo, a liberdade, a criticidade e a participação do sujeito em processos eleitorais. Essa ação é condicionada pelos “mitos” e pela ideologia dominante, “obliterando” os saberes e fazeres necessários aos projetos sociais e, com isso, a capacidade de percepção do sujeito cultural da realidade vivida e, assim sendo, “Revelam os condicionamentos ideológicos a que estiveram submetidos em sua experiência na ‘cultura do silêncio” (FREIRE, 2001, p. 23).

 

3 À GUISA DE CONCLUSÕES

 

As conceituações e definições apresentadas são atravessadas por teorizações que exigem um diálogo entre indivíduo, coletividade e comunidade; participação de instituições públicas e privadas; levantamento de insumos necessários para a distribuição de produtos e serviços culturais. Assim sendo, não se pode desconsiderar ao final (ou início) desta pesquisa que os sujeitos devem, cada vez mais, participarem dos processos democráticos pautados em processos de comunicação, busca e recuperação da informação que possam fortalecer ações críticas e libertadoras seja no espaço presencial onde se dão os processos eleitorais por meio da votação ou no ciberespaço onde as notícias conduzem a (des)informação.

Apesar de não ser a principal meta deste estudo a temática propaganda eleitoral na internet, traz consigo uma extensa gama de questionamentos. Assim, nossas certezas tornam-se questionamentos. A migração desse tipo de campanha proporciona, de fato, uma maior aproximação do eleitor com as informações sobre o processo político? Nesse sentido, trazemos uma reflexão de que o ciberespaço pode proporcionar tal aproximação tanto quanto viabilizar notícias falsas, descontextualizadas e deturpadas que instrumentalizam eleitores, partidos políticos e candidatos, que podem vir a utilizar estratégias de manipulação para influenciar a intenção de votos dos eleitores.

Sabemos que essa problemática vai além da discussão sobre desinformação, e que o foco das pesquisas e estudos sobre essa temática não é apenas sobre notícias falsas versus verdadeiras, trata-se, de iniciar outras analises que não apenas essas, que possam enfocar a relação entre o acesso à informação e os aspectos éticos da informação que perpassam aspectos legais. As campanhas eleitorais no meio digital devem ser uma preocupação da legislação e das políticas públicas que possam assegurar a constituição do processo democrático durante o processo decisório dos eleitores que devem ser autônomos para decidirem livres da manipulação.

Então, com a ampliação do desenvolvimento deste diálogo esperamoscontribuir com o entendimento das informações sobre o processo eleitoral, buscando desde a fonte até os usuários e replicadores, respostas sobre o real impacto na nova dinâmica da informação disponibilizada no ciberespaço. Além de esperar também, compreender as problemáticas ligas à questão ética no campo da campanha eleitoral na internet para posteriormente responder a outras questões, tais como: O que é a ética dentro do espaço digital?O que torna algo verdadeiro na internet? Uma campanha digital é realmente democrática com a influência das novas tecnologias? Quais os desafios de uma campanha ética e sustentável no espaço virtual?

Essas questões devem ainda ser estudas e (re)pensadas por usuários, produtores e pesquisadores de informação, partindo sempre de uma perspectiva crítica e, porque não colocar, pós-crítica já que a realidade de desinformação em processos eleitorais requer ações práticas que transgridam a práxis dos (e)leitores e (re)produtores desse tipo de informação. 

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO, C. A. V. O conceito de informação na ciência da informação. Informação & Sociedade: Estudos, v. 20, n. 3, 2010. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/92189. Acesso em: 25 jul. 2021.

 

ARAÚJO, C. Pós-verdade: novo objeto de estudo para a Ciência da Informação. Informação & Informação, [S.l.], v. 26, n. 1, p. 94-111, mar. 2021. ISSN 1981-8920. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/39667. Acesso em: 05 maio 2021.

 

BALL, J. Post-truth: How bullshit conquered the world. London: Biteback Publishing, 2017. Disponível em: https://literariness.org/wp-content/uploads/2019/06/James-Ball-Post-Truth_-How-Bullshit-Conquered-the-World-Biteback-Publishing-2017.pdf. Acesso em: 11 jul. 2021.

 

BAPTISTA, C. Digitalização, desinformação e notícias falsas: uma perspetiva histórica. In: FIGUEIRA, J, SANTOS, S. (org.). As fake news e a nova ordem (des)informativa na era da pós-verdade.  Portugual: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. p. 47-62. Disponível em: https://digitalis.uc.pt/pt-pt/livro/fake_news_e_nova_ordem_desinformativa _na_era_da_p%C3%B3s_verdade. Acesso em: 05 mai. 2021.

 

BEZERRA, A. C. Vigilância e cultura algorítmica no novo regime de mediação da informação. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 22, n. 4, p. 68-81, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/38848. Acesso em: 14 mai. 2022.

 

BEZERRA, A. C.; BRISOLA, A. Desinformação e circulação de “fake news”: distinções, diagnóstico e reação. Anais, Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, XIX ENANCIB, p.3316-3330, 2018. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/102819. Acesso em: 05 mai. 2021.

 

BEZERRA, A. C.; CAPURRO, R.; SCHNEIDER, M. Regimes de verdade e poder: dos tempos modernos à era digital | Regimes of truth and power: from modern times to the digital age. Liinc em Revista, [S. l.], v. 13, n. 2, 2017. DOI: 10.18617/liinc.v13i2.4073. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/4073. Acesso em: 14 out. 2021.

 

CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

 

CAPURRO, R. Epistemologia e ciência da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia, 2003. Disponível em: http://www.capurro.de/enancib_p.htm. Acesso em 25 de jul. 2021.

 

DUNKER, C. Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, C. et al. Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense, 2017.

 

FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 2001.

 

FRIAS FILHO, Otavio. O que é falso sobre fake news. Revista Usp 116, pp. 39-44. 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/146576. Acesso em: 10 jul. 2021.

 

GERLIN, M. N. M.  Competência leitora e competência em informação: saberes e fazeres necessários ao acesso da informação (hiper)textual no século XXI. Vitória, ES: Edufes; Rio de Janeiro: MC&, 2020.

 

KEYES, R. The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception In Contemporary Life.NY: St. Martin's Press, 2004.

 

LANIER, J. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. Editora Intrínseca, 2018.

LE COADIC, Y. A ciência da informação. Brasília: Briquet de Lemos, 2004.

 

LÉVY, P.  Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2010.

 

LEWANDOWSKY, S., ECKER, U. K., & COOK, J. Beyond misinformation: understanding and coping with the “post-truth” era. Journal of Applied Research in Memory and Cognition, 6(4), 353-369, 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/318699348_Beyond_Misinformation_Understanding_and_Coping_with_the_Post-Truth_Era. Acesso em: 11 jul. 2021.

 

MARÍN-ARRAIZA, P.; BOLAÑOS-CARMONA, M. J.; VIDOTTI, S. A. B. G. As formas da informação: um olhar aos conceitos de informação e fluxo de informação. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, n. XVIII ENANCIB, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/104373. Acesso em: 25 jul. 2021.

 

PARISER, E. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Nova York, Estados Unidos: The Penguin Press, 2011.

 

RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

 

SAMPAIO, D. B.; LIMA, I. F.; OLIVEIRA, H. P. C. Estratégias fact-checking no combate à fake news: análises informacional e tecnológica no e-farsas e boatos.org. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, n. XIX ENANCIB, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/103103. Acesso em: 09 jul. 2021.

 

SANTAELLA, L. A pós-verdade é verdadeira ou falsa? Barueri: Estação das Letras e Cores, 2019.

 

SILVA, J. L. C. Pós-verdade e informação: múltiplas concepções e configurações. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, n. XIX ENANCIB, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/103784. Acesso em: 14 jul. 2021.

 

SOARES, F. B. Circulação de informação no twitter: como líderes de opinião ressignificam as notícias. XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Anais, Campo Grande - MS, 2020 Disponível em: http://www.compos.org.br/biblioteca/trabalhos_arquivo_6OOX9F1O632DAU0VLTQG_30_8339_01_03_2020_09_18_41.pdf. Acesso em: 25 jul. 2021.

 

TIBURI, M. Pós-verdade, pós-ética: uma reflexão sobre delírios, atos digitais e inveja.In: DUNKER, C. et al. Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense, 2017.

 

WARDLE, C.; DERAKHASHAN, H. Information disorder: toward an interdisciplinary framework for research and policy making.Council of Europe Report. 27 set. 2017. Disponível em: https://edoc.coe.int/en/media/7495-information-disorder-towardan-interdisciplinary-framework-for-research-and-policy-making.html. Acesso em: 03 mai. 2021.

 

VAN DIJCK, J. The culture of connectivity: a critical history of social media. Oxford: Oxford University Press, 2013.

 

 



[1]Graduada em Comunicação Social e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFES. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES).

[2]Doutora em Ciência da Informação pela UnB, mestre em Educação e graduada em Biblioteconomia pela UFES. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFES.

[3] Titulo original: Information disorder: toward an interdisciplinary framework for research and policy making (Wardle e Derakhshan, 2017).

[4] “This framing fails to capture the current state of public discourse: the post-truth problem is not a blemish on the mirror. The problem is that the mirror is a window into an alternative reality” (LEWANDOWSKY et. al, 2017, p. 11).

[5] “All serve as examples of the long-existing but newly discussed phenomenon of outright fake news: easily shareable and discussable stories, posted to social media for jokes, for ideology, for political reasons by groups connected to foreign nations, such           as Russia, or – most commonly – to make a bit of money” (BALL, 2017, p. 7).