É POSSÍVEL UMA DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE ILUSTRAR E INFORMAR EM FOTOGRAFIAS?
Claudia Bucceroni Guerra[1]
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Jairo André Marques Junior[2]
Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
jairojr@edu.unirio.br
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Resumo
Esta apresentação deriva do projeto de pesquisa “A dimensão Iconológica segundo Aby Warburg: uma proposta de descrição contextual de fotografias (2020 – 2022)” e tem como principal objetivo traçar caminhos para responder a uma questão que pode contribuir para o desenvolvimento de formas descritivas contextuais: É possível uma distinção entre os conceitos de ilustrar e informar em fotografias? A proposta do artigo é apresentar caminhos para definições desses importantes conceitos para a descrição de fotografias. Baseia-se na leitura de teóricos como Vilém Flusser e André Rouillé.
Palavras-chave: Fotografia. Informar. Ilustrar. Conceito. Ciência da Informação.
IT IS POSSIBLE A DISTINCTION BETWEEN THE CONCEPTS OF ILLUSTRATING AND INFORMING IN PHOTOGRAPHS
Abstract
This presentation derives from the research project “The Iconological Dimension according to Aby Warburg: a proposal for a contextual description of photographs (2020 – 2022)” and its main objective is to outline ways to answer a question that can contribute to the development of contextual descriptive forms : Is it possible to distinguish between the concepts of illustrating and informing in photographs? The purpose of the article is to present ways to define these important concepts for the description of photographs. It is based on the reading of theorists such as Vilém Flusser and André Rouillé.
Keywords: Photography. Illustrating. Informing. Information. Information Science.
1 INTRODUÇÃO
Desde a industrialização da fotografia argêntica e do advento de tecnologias de publicação e transmissão de imagens fotográficas, culminando na invenção e popularização da fotografia digital e sua ilimitada disseminação via Internet, pairamos sob uma promessa, não plenamente realizada, de que as imagens irão substituir a palavra escrita.
Nos estudos teóricos sobre a fotografia ainda predomina aquilo que Rouillé (2009) denominou de “monocultura do índice”, na qual a definição ontológica da fotografia se faz por meio da teoria do Signo de Peirce. Por outro lado, no campo da representação e recuperação de imagens, ainda não temos um sistema de metadados criados manualmente ou técnicas automatizadas por algoritmos eficientes para o efetivo sucesso da busca (McCAY-PEET, TOMS, 2009).
Esta apresentação deriva do projeto de pesquisa “A dimensão Iconológica segundo Aby Warburg: uma proposta de descrição contextual de fotografias (2020 – 2022)” e tem como principal objetivo traçar caminhos para responder a uma questão que pode contribuir para o desenvolvimento de formas descritivas contextuais: É possível uma distinção entre os conceitos de ilustrar e informar em fotografias?
Utilizaremos como aporte teórico dois caminhos distintos, mas que juntos, podem contribuir para a solução da questão proposta. Por um lado, buscamos na literatura sobre os aspectos teóricos e ontológicos da imagem fotográfica, o problema da definição como espelho do real, definição esta que tem como alicerce o senso comum acerca da imagem criada por uma técnica a qual o fotógrafo aparentemente não tem interferência. Por outro lado, buscamos na literatura da Ciência da Informação os fundamentos sobre o problema de uma definição ostensiva sobre o que é informação.
2 A QUESTÃO
Utilizando como exemplo fotografias, Lori MCCAY-PEET e Elaine TOMS (2009) em seu artigo Image use within the work task model: Images as information and illustration, buscam relacionar a recuperação da informação visual com seus propósitos de uso: ilustrar ou informar. “Muitas vezes pensamos em imagens puramente por seu valor ilustrativo, mas as imagens também têm conteúdo que competem com o texto associado para valor informativo.” (Fidel, 1997 apud MCCAY-PEET, TOMS, 2009)
Segundo MacCay-Peet e Toms (2009, p.2418) existem dois tipos de uso das imagens em artigos, livros ou outras atividades baseadas em textos e imagens: o uso informativo ou o uso ilustrativo. Esta diferença norteia a pesquisa em sistemas de recuperação de informação, arquivos ou bancos de imagens.
Em “Flutuações conceituais, percepções visuais e suas repercussões na representação informacional e documental da fotografia para formulação do conceito de Informação fotográfica digital” (GUERRA, 2013), com base no texto de MacCay-Peet e Toms, buscamos estabelecer a distinção entre ilustrar e informar utilizado como parâmetro a fotografia científica:
Quando a imagem fotográfica é tratada em seu conteúdo informativo, tem um atributo descritivo, faz parte da pesquisa, geralmente como prova dos resultados adquiridos no decorrer dos experimentos, ou então é o próprio objeto da pesquisa, como em de áreas que utilizam fotografias, como antropologia, história, comunicação, biologia, astronomia etc. Neste caso ela adquire papel central no processo de pesquisa e constituição de conhecimento. (GUERRA, 2013, P.190)
André Rouillé em seu livro “A fotografia, entre documento e arte contemporânea” (2009) aborda essa distinção utilizando como exemplo dois tipos de imagens: seriam imagens com valor predominantemente ilustrativos aquelas fotografias de bancos de imagens, cujo caráter indiferenciado e abstrato, aqui as fotografias são definidas por Rouillé como dissolvidas de aspectos singulares, de autoria, de temporalidades. São imagens quase abstratas e rasas de informação. As fotografias genuinamente informativas, para o autor, são as imagens fotojornalísticas que visibilizam o acontecimento único, que podem chocar, gerar sentimentos (ROILLÉ, 2009), seriam as fotografias jornalísticas aquelas cujo valor informativo encontra seu grau máximo de informação: “[...] o visível podia ser a garantia do verdadeiro” (ROUILLÉ, 2009, p. 131)
Se, anteriormente, o argumento utilizado era que é preciso diferenciar o propósito que levou à captura daquela fotografia estabelecendo uma tipificação, a utilização dos conceitos de ilustrar e informar devem também passar pelo crivo da especificação do tipo de fotografia: informar e ilustrar o quê e para quem.
3 INFORMAR NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
No âmbito da Ciência da Informação encontramos subsídios para avançar na reflexão. Para Wersig e Nevelling (1975) a informação não é uma certeza: sendo um termo inevitável, mas marcado por ambiguidade e polissemia, é preciso “deixar claro, a todo instante, o que significa.
A dificuldade de definir informação está no seu caráter polissêmico e flutuante. Polissêmico porque existem diferentes definições do termo e flutuante porque em cada área de conhecimento adquire diferentes facetas. Floridi (2009, p.13) afirma:
Informação é notoriamente um fenômeno polimorfo e um conceito polissêmico que, como um explicandum, pode ser associado a diversas explicações, dependendo do nível de abstração adotado e do grupo de requerimentos e desideratos que orientam a teoria.
Estudando o emprego da imagem digital fotográfica em campos como a Astronomia, Economia, Arte, entre outras, percebemos que não podemos considerá-la como uma, assim como Capurro considera as dificuldades oriundas da busca de uma definição universalmente aceita do termo informação em seu conhecido Trilema (1999): a univocidade – informação com o mesmo significado em todos os níveis [e áreas do conhecimento]; a analogia – informação como algo similar, quando se deve definir qual é o significado original; a equivocidade – informação como algo diferente. Sob esses conceitos aplicados à informação fotográfica, é possível perceber que a fotografia não é unívoca e nem análoga a outras formas gráficas, é preciso, conforme observamos anteriormente, definir que tipo de fotografia a que se refere cada informação visual.
Consideramos também o pensamento de Bernd Frohmann (2004) quanto desenvolve uma abordagem fenomenológica acerca da informatividade de um documento. Esta informatividade depende de certos tipos de práticas a que o documento é submetido e como a informação emerge como um efeito de tais práticas. Essa abordagem visa a transformar o documento em informação viva (living information), buscando a informatividade do documento como ato mental de “projetar seus signos em sua significação”:
Quando a informatividade de um documento é vista como o conteúdo presente na mente, um estado de compreensão, então, “usos informativos” ganham a estabilidade que precisam para serem contados, tabulados e processados por métodos estatísticos (FROHMANN, 2004, p.393).
A informatividade do documento como processo mental, filosófico e de interpretação requer determinadas práticas documentárias a fim de se tornar informação viva:
● Documentos existem em alguma forma material; sua materialidade configura suas práticas;
● As propriedades das práticas documentárias estão profundamente embutidas nas instituições;
● Práticas documentárias englobam uma disciplina com propriedades sociais; requerem tratamento, ensino, correção e outras medidas disciplinares;
● Práticas têm historicidade; surgem, se desenvolvem, declinam e desaparecem por circunstâncias históricas (FROHMANN, 2004, p.396-397).
No caso da informatividade das imagens fotográficas, determinações contextuais e práticas embutidas no próprio ato fotográfico e posteriormente, na publicação, podem influir no valor informacional da fotografia.
Tomamos como exemplo a primeira fotografia de um buraco negro, divulgada em 2019. Milhares de sinais desse astro foram captados por um complexo de observatórios, o Telescópio Horizonte de Eventos[3] (Event Horizon Telescope) e compilados por um programa muito sofisticado por uma rede de universidades e centros de pesquisa reconhecidos como a vanguarda da pesquisa astronômica. A fotografia foi divulgada em periódico da área e ganhou notoriedade por meio da divulgação científica.
Para um leigo em astronomia, a imagem parece com poucos detalhes e desfocada, mas acreditamos ser efetivamente uma fotografia de um buraco negro. O que torna essa imagem uma informação viva, nos termos de Frohmann? O desenvolvimento de um software para “ler” os dados elétricos/espectrais do astro capturados pelo telescópio, formando assim uma imagem visualizada pelos computadores, televisões ou livros, conferem sua materialidade. As instituições dão o aval de credibilidade à imagem, acreditamos ser um buraco negro porque foram feitas por instituições reconhecidas internacionalmente. As práticas documentárias, passando pelo desenvolvimento de um programa específico para tratar essa imagem e a forma protocolar de divulgação (primeiro num periódico reconhecido na área e depois pela imprensa leiga). Sendo a primeira foto, supõem-se que outras imagens, até melhores, serão acrescentadas no rol de imagens de buracos negros no futuro.
No âmbito da Ciência da Informação, o caráter informativo da imagem fotográfica não pode ser estabelecido de forma generalizante ou abstraída de contextos. Precisamos sempre nos perguntar: esta fotografia é informativa em que sentido e para quem.
4 INFORMAR NA TEORIA FOTOGRÁFICA
O estudo do aspecto informacional da fotografia demanda desafios inerentes às suas próprias características. Devido ao seu caráter automático e realista, sempre vigorou o senso comum de que a fotografia é um espelho do real. Nas décadas de 1970/1980 surgiram abordagens teóricas que buscavam lidar com os aspectos objetivos e de veracidade com relação à realidade da fotografia, reforçando ainda mais este paradigma.
Trata-se da interpretação na qual, o conceito semiótico de índice, criado por Charles Sanders Peirce, foi utilizado para explicar o aspecto objetivo fotográfico. Segundo Rouillé (2009) noção de rastro ou índice alimentou, desde seu surgimento, um pensamento global, abstrato, essencialista, propondo uma abordagem totalmente idealista, ontológica da fotografia ao “[...] relacionar as imagens à existência prévia das coisas, cujas marcas elas, passivamente, apenas registram”. (ROUILLÉ. 2009.p.17)
Podemos resumir este aspecto indiciário citando Roland Barthes em seu ensaio A Câmera Clara (escrito em 1979):
Seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que vemos. Em suma, o referente adere. E essa aderência singular faz com que haja uma enorme dificuldade para acomodar a vista à Fotografia. (BARTHES, 1984, p.16)
Esta interpretação teórica pode trazer questões ao debate sobre o caráter informativo das fotografias. Como exemplo, citamos ainda Barthes em um texto anterior: A mensagem Fotográfica” (2000) no qual afirma que, no nível denotativo, fotografias são “mensagens sem código” por serem “reproduções analógicas da realidade” (2000, p.327). O nível denotativo se refere ao nível das coisas como são, como se apresentam. O autor afirma também que, devido a essa particularidade da imagem fotográfica, seria inexato e incompleto sua descrição (BARTHES, 2000, p. 320).
Barthes utiliza apenas fotos jornalísticas como exemplos de mensagens fotográficas e seus aspectos informativos. Porém, não se limita em seus atributos denotativos. Apesar do senso comum, Barthes (2000) sustenta que as fotografias conferem também um nível conotativo, interpretativo, e aponta como “procedimentos de conotação” práticas relacionadas com as escolhas do fotógrafo: trucagem, pose, objetos (o que entra ou não na composição), fotogenia, esteticismo e sintaxe.
Ao definir os atributos informativos da fotografia, Rouillé (2009) também recorre às imagens foto jornalísticas. Informar como condição (informar algo/informar sobre algo) só seria possível por sua associação com o fazer jornalístico. Apesar de ter sido pensado com o uso predestinado do documento fotográfico, o seu fim ainda é a representação de clichês visuais (problema relacionado à impossibilidade da fotografia lidar com o movimento contínuo). “As imagens permaneceram na ordem restrita do reproduzível, informar continuou uma utopia” (ROUILLÉ, 2009, p.126).
Em seu ensaio sobre fotografia, A Filosofia da Caixa Preta, Vilém Flusser (2002) define imagens informativas como aquelas em que o fotógrafo subverte as possibilidades de captura da câmera fotográfica:
Há regiões na imaginação do aparelho que são relativamente bem exploradas. Em tais regiões, é sempre possível fazer novas fotografias: porém, embora novas, são redundantes. Outras regiões são quase inexploradas. O fotógrafo nelas navega, regiões nunca dantes navegadas, para produzir imagens jamais vistas. Imagens informativas. (FLUSSER, 2002, p. 32, grifo nosso)
O pensamento de Flusser vai ao encontro das proposições de Barthes e Rouillé quando relaciona a informatividade das fotografias com as escolhas do fotógrafo. Além disso, seus exemplos de fotografias também derivam do jornalismo.
A natureza objetiva (espelho do real) da fotografia é abordada por Flusser como fenômeno que representa o mundo por intermédio do aparelho - a caixa preta - que apreende os raios luminosos e fixa em superfície sensível numa compactação das quatro dimensões e duas: elimina-se a profundidade e o tempo e permanece a largura e o comprimento:
O mundo a ser representado reflete raios que vão sendo fixados sobre superfícies sensíveis, graças a processos óticos, químicos e mecânicos, assim surgindo a imagem. Aparentemente, pois, imagem e mundo se encontram no mesmo nível do real: são unidos por cadeia ininterrupta de causa e efeito, de maneira que a imagem parece não ser símbolo e não precisar de deciframento. (FLUSSER, 2002, p.14)
O pensamento de Barthes (mensagem sem código) e de Flusser (imagem que parece não ser símbolo) se aproximam da questão da dificuldade de se pensar, e descrever, as imagens fotográficas. Barthes contra-argumenta apresentando os fatores de conotação e Flusser aponta para a legenda e o texto que acompanha as fotografias de jornais como uma das soluções para esse impasse. Mais uma vez um tipo de fotografia é evocado: a fotografia jornalística.
Por certo, o artigo que a fotografia ilustra no jornal consiste em conceitos que significam as causas e os efeitos de tal guerra. Porém o artigo é lido em função da fotografia, como através dela. Não é o artigo que “explica” a fotografia, mas é a fotografia que “ilustra” o artigo. (FLUSSER, 2002, p.55)
Com o advento da fotografia e da imagem técnica, que Flusser afirma ser uma característica pós-industrial, a relação texto-imagem se inverte, priorizando a imagem em relação ao texto. Na passagem acima, a ideia de ilustrar adquire um status semelhante ou superior ao de informar.
5 ILUSTRAR
Temos farta literatura acerca do conceito de informar nos diversos campos de conhecimento, mas ainda não localizamos escritos sobre o ato de ilustrar como conceito. Esta pesquisa está em andamento.
Retornando às proposições de McCay-Peet e Toms (2009), a imagem com valor ilustrativo significa que sua utilização é isolada, independente de um texto, e imagem com valor informativo é parte integrante de um texto e sua ausência compromete a compreensão do texto em sí. Essa atribuição de sentido entre imagem e texto é central para as autoras. A utilização da imagem fotográfica com o intuito de ilustrar um determinado assunto tem um “atributo conceitual e um valor secundário no escopo do conteúdo do texto” (McCAY-PEET, TOMS, 2009, P.2420). Nesse caso, o texto não perde seu valor informativo se forem retiradas as imagens, elas não interferem no resultado da pesquisa que o gerou. Tal proposição coloca o ato de ilustrar como secundário em relação ao ato de ilustrar.
Lembramos Paul Otlet no seu capítulo sobre documentos gráficos, o qual eleva as ilustrações científicas como superiores às fotografias.
Segundo Otlet (1934), a fotografia perde para o desenho, em termos de representação gráfica, pelo fato de não ser capaz de condensar, num mesmo quadro, todas as idéias que comportam um conjunto de divisões da classificação, cujo sujeito não se encontra desse modo condensado na natureza das coisas. Por exemplo: a fotografia nos mostra uma árvore com seu desenvolvimento no ar, mas o desenhista pode nos fazer ver mais com suas ramificações dentro do solo. O desenho científico alcança um significado superior à fotografia, pois possibilita representar o espécime, na sua totalidade e partes constituintes, como um modelo para toda a espécie.
Mais uma vez o tipo de imagem precisa ser evocado para caracterizar que tipo de imagem é: ilustrativa ou informativa. Há uma tradição de representação iconográfica do conhecimento científico por meio do desenho. Temos como exemplo a ilustração botânica que há séculos utiliza o desenho como forma de representação documentária de plantas[4]
Conforme foi dito anteriormente, Rouillé estabelece uma distinção entre ilustrar e informar, no âmbito exclusivamente das fotografias, o qual define que ilustrar é a representação de forma geral, sem ordens predestinadas e sem restrições de uso. Seja na ciência, moda, história, indústria farmacêutica, arquitetura, etc. “O universo da ilustração mobiliza apenas as capacidades médias da fotografia, seja nos planos da técnica e dos assuntos representados, seja nos planos das formas” (ROUILLÉ, 2009. p.124). Como exemplo é citada as fotografias de banco de imagens, criadas exclusivamente para o comércio de publicidade; são imagens clichês de coisas, sem contexto, sem qualquer posicionamento opinativo.
Se considerarmos imagens como enunciados, podemos trazer o pensamento de Foucault ao campo do debate, quando afirma em seu livro “A arqueologia do saber”:
Uma descoberta não é menos regular, do ponto de vista enunciativo, do que o texto que a repete e a difunde: a regularidade não é menos operante, nem menos eficaz e ativa em uma banalidade do que em uma formação insólita. Em tal descrição, não se pode admitir uma diferença de natureza entre enunciados criadores (que fazem aparecer alguma coisa nova, que emitem uma informação inédita e que são, de certa forma, “ativos”) e enunciados imitativos (que recebem e repetem a informação, permanecem por assim dizer “passivos”). (FOUCAULT, 2007, p. 163, grifo nosso)
Podemos pensar em fotografias informativas como enunciados criadores e fotografias ilustrativas como enunciados imitativos, indo ao encontro com as definições de MacCay-Peet e Toms e André Rouillé que situam a função ilustrativa num plano inferior à função informativa. No entanto, Foucault alerta para uma indiferenciação de eficácia entre os dois tipos de enunciados.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da pergunta principal (é possível uma distinção entre os conceitos de ilustrar e informar em fotografias?), este trabalho pretende muito mais levantar questões do que responder, evocando novas leituras de autores conhecidos da teoria da fotografia, como Roland Barthes e Vilém Flusser, e trazendo a questão para o âmbito da Ciência da Informação.
O pensamento de Barthes (mensagem sem código) e de Flusser (imagem que parece não ser símbolo) sintetiza o cerne da questão quando se fala de fotografia pois o debate teórico sobre esse tipo de imagem ainda se encontra impregnado pelo paradigma da objetividade indiscutível conferida pelo equipamento (a caixa preta). Como poderia uma imagem tão conectada com o real ser informativa ou ilustrativa? E como seria possível lidar com esses aspectos.
Na Ciência da Informação encontramos possível caminho para responder à questão. Uma vez que não é possível um conceito único e abrangente de informação, conforme a literatura da área, temos, portanto, que definir qual tipo de fotografia é informativa ou ilustrativa para quem.
O fato dos autores aqui estudados utilizarem como exemplos fotografias derivadas do jornalismo só reforça a percepção de que os estudos sobre fotografia precisam deixar claro a todo instante que tipo de informação fotográfica se referem, assim como os cientistas da informação precisam indicar, a todo instante, sobre que tipo de informação se referem.
REFERÊNCIAS
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BARTHES, Roland. A Mensagem Fotográfica. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 325-341.
CAPURRO, R., FLEISSNER, P.., HOFKIRCHNER, W. Is a Unified Theory of Information feasible? a trialogue. In: SECOND INTERNATIONAL CONFERENCE ON THE FOUNDATIONS OF INFORMATION SCIENCE, 2., 1999. Disponível em: http://www.capurro.de/trialog.htm . Acesso em: 24 de out 2022.
FLORIDI, Luciano. Philosophical Conceptions of Information. In: SOMMARUGA, G. Formal theories of information, LNC 5363, Berlin/Heidelberg: Springer-Verlag, 2009. p.13-53.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
FROHMANN, Bernd. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Librarian trends, v. 52, n. 3, p.387-407, 2004.
GUERRA, Claudia Bucceroni. Flutuações conceituais, percepções visuais e suas repercussões na representação informacional e documental da fotografia para formulação do conceito de Informação fotográfica digital. 2013. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Escola de Comunicação, Universidade federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
McCAY-PEET, Lori. TOMS, Elainne. Image use within the work task model: Images as information and ilustration. Journal of the American Society for Information Science and Technology, 60(12): 2416-2429, 2009.
OTLET, Paul. Traité de Documentation: le livre sur le livre. Bruxelas: Mundaneum, 1934.
PINHEIRO, L. V. R.; GUERRA, C. B. As bases transdisciplinares da Ilustração Científica e a representação iconográfica como veículo de Educação Ambiental. In: Encontro Nacional De Ilustrações Científicas, 2010, Brasília. Anais… Brasília: UNB, 2010.
ROUILLÉ, André. A fotografia, entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac, 2009.
WERSIG, G., NEVELLING, U. The phenomena of interest to Information Science. The Information Scientist, v. 9, n. 4, p.127-140, December, 1975.
[1] Professora adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO - Departamento de processos Técnicos Documentais -DPTD.
[2]Graduando de Biblioteconomia pela UNIRIO e bolsista de Iniciação Científica.
[3] Ver: https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2022/05/14/cacador-de-buracos-negros-o-que-e-o-event-horizon-telescope-e-quais-os-marcos-de-sua-exploracao.ghtml.
[4] Ver: PINHEIRO, L. V. R.; GUERRA, C. B. As bases transdisciplinares da Ilustração Científica e a representação iconográfica como veículo de Educação Ambiental. In: Encontro Nacional De Ilustrações Científicas, 2010, Brasília. Anais. Brasília: UNB, 2010.