PLURALISMO TERMINOLÓGICO E DESORDEM DA INFORMAÇÃO
As redes sociais digitais como ambientes de comunicação e de divulgação científicas
Edivanio Duarte de Souza[1]
Universidade Federal de Alagoas
Virgínia Bentes Pinto[2]
Universidade Federal do Ceará
João Rodrigo Santos Ferreira[3]
Ministério Público do Estado de Alagoas
jrsf@academico.ufpb.br
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Resumo
A pesquisa discute as condições que motivaram as mudanças nos processos de disseminação da ciência, considerando o ambiente das redes sociais digitais como espaço unificado de comunicação e de divulgação científica. A partir desse contexto, busca-se evidenciar como esses canais estão vulneráveis à desordem da informação. Para tanto, foram levantados os principais fatores relacionados à desordem no espaço digital, especialmente, nesses processos, e indicados alguns cuidados que precisam ser considerados para evitar ou minimizar o problema. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, que, a partir de uma revisão de literatura, de inferências e de interpretações, identifica conexões entre a desordem da informação e os descuidos com as terminologias usadas nos processos de disseminação da ciência. Considera-se que, para minimizar os riscos de desordem informacional nas redes sociais, é preciso que produtores e disseminadores de conteúdos científicos percebam as peculiaridades desses canais que combinam um público heterogêneo e uma forma particular de comunicação.
Palavras-chave: Desordem da Informação; Terminologia das Redes Sociais; Comunicação Científica; Divulgação Científica.
THERMOLOGICAL PLURALISM AND INFORMATION DISORDER
Digital social networks as scientific communication and dissemination environments
Abstract
The research discusses the conditions that motivated changes in scientific dissemination processes, considering the environment of digital social networks as a unified space for communication and scientific dissemination. From this context, it seeks to show how these channels are vulnerable to informational disorder. To this end, the main factors related to disorder in the digital space were raised, especially in these processes, and some precautions that need to be considered to avoid or minimize this problem were indicated. This is a bibliographic research of a qualitative nature, which, based on a literature review, inferences and interpretations, identifies connections between informational disorder and carelessness with the terminologies used in scientific dissemination processes. It considers that, in order to minimize the risks of informational disorder in social networks, it is necessary for producers and disseminators of scientific content to perceive the peculiarities of these channels that combine a heterogeneous public and a particular form of interaction.
Keywords: Information Disorder; Terminology of Social Networks; Scientific Communication; Scientific divulgation.
1 INTRODUÇÃO
A evolução da ciência está essencialmente associada à disseminação de seus frutos, que podem se constituir em artigos, relatórios, teses e patentes, entre outros, a partir de processos de ratificação e/ou de refutação, que conduzem ao desenvolvimento de novos questionamentos, estudos que, consequentemente, geram novas descobertas. O compartilhamento de achados científicos, especialmente os de caráter público, ajuda, por exemplo, a superar teorias e práticas arcaicas e/ou ineficazes, e a transpor barreiras que inviabilizam a percepção e a solução de adversidades. Com efeito, espera-se que a difusão da ciência atinja os pares (pesquisadores/cientistas), mediante a comunicação por vias formais e alcance a sociedade em geral, através de um movimento de divulgação, que pode resultar na popularização da ciência. Vale destacar que essa divisão de públicos é um dos fatores que condiciona a tradicional distinção entre os termos comunicação científica e divulgação científica.
Ao buscar evidenciar características que diferenciam os dois termos, Bueno (2010) esclarece que o primeiro envolve, fundamentalmente, um público especializado que, por sua formação específica, está familiarizado com os temas, com os conceitos e com o próprio processo de produção em ciência e tecnologia. Toma-se como base o entendimento de que esse público compartilha os mesmos conceitos e jargões técnicos e, portanto, dispensa a decodificação, ou mesmo recodificação, do discurso. A comunicação científica costuma envolver peritos de um mesmo campo científico, porém, pode abranger, também, um público de especialistas que não se situam, por formação ou atuação específica, nesse mesmo campo. Esse tipo de comunicação extra pares, por circunscrever áreas ou temáticas que dizem respeito a inúmeras competências ou especialidades, pressupõe um discurso sempre mais aberto, nitidamente, com perspectiva multidisciplinar, de tal modo que possa interessar a uma audiência mais eclética, ainda que especializada (BUENO, 2010). Apesar das particularidades que caracterizam o arcabouço terminológico das diferentes áreas do conhecimento, compreende-se que a comunicação inter ou extra pares acontece, em maior ou menor medida, de forma facilitada, em virtude da prática científica inerente aos seus participantes. Esse compartilhamento terminológico serve de base para a construção de uma linguagem científica, ou de uma linguagem controlada, necessária para que haja um maior entendimento na comunidade científica, pois, de modo geral, aumenta a precisão e a adequação do texto, facilita sua compreensão e, consequentemente, reduz a ocorrência de interpretações equivocadas. O mesmo pode não acontecer na divulgação científica, que contempla um público mais leigo, desprovido de uma “[...] formação técnico-científica que lhe permita, sem maior esforço, decodificar um jargão específico ou compreender conceitos que respaldam o processo singular de circulação de informações especializadas.” (BUENO, 2010, p. 2). É essa discrepância terminológica que exige maior esforço por parte do mediador (divulgador) na tradução dos discursos científicos para uma linguagem mais compreensível e, complementarmente, por parte do sujeito que acessa essa informação (cidadão comum), na percepção desses discursos. Contudo, ambos os processos estão intimamente ligados ao progresso, à materialidade e à concretude da ciência.
Gallotti (2021) explica que a evolução científica só ocorre mediante difusão da informação científica, ou seja, a partir da criação do conhecimento científico disseminado por meio da comunicação entre os pares. Esse entendimento tem o respaldo de Targino (2000), quando afirma que as novas informações e concepções formuladas pela comunidade científica, para que se tornem contribuições científicas reconhecidas pelos pares, devem ser comunicadas de forma a favorecer sua comprovação e verificação, e, a seguir, sua utilização em novas descobertas.
Esses apontamentos acerca da relação entre a evolução da ciência e sua disseminação, além de ressaltar o valor dos processos de comunicação e de divulgação científica, servem de base para as discussões sobre as transformações que eles têm sofrido em virtude do avanço tecnológico. O fato é que esse avanço tecnológico trouxe novos canais infocomunicacionais, dentre os quais se destacam as redes sociais digitais, que vêm sendo utilizados, ampla e progressivamente, na promoção da ciência, provocando a reconfiguração das tradicionais vias, formais e informais, e criando um ambiente onde a comunicação e a divulgação acontecem simultaneamente. Embora esses canais, por sua capilaridade, penetrabilidade e acessibilidade, entre outras, se apresentem como ambientes potenciais de comunicação e de divulgação científica, são espaços relativamente autônomos que possibilitam a produção e divulgação de conteúdos de toda ordem, inclusive de caráter enganador. Além disso, a informalidade das redes sociais enquanto canais de disseminação da ciência, aliada ao limitado uso de filtros e de critérios de qualidade, desencorajam o tratamento adequado dos conteúdos veiculados, podendo provocar um desarranjo no fluxo informacional.
Partindo dos pressupostos de que os canais digitais possuem um público usuário heterogêneo e permitem a livre circulação de conteúdos, nas suas mais variadas formas, indaga-se: qual a relação entre os processos de disseminação da ciência e a desordem da informação no ambiente das redes sociais digitais? Com isso, esta discussão objetiva evidenciar como esses ambientes, usados, ao mesmo tempo, para comunicação e para a divulgação científica, estão vulneráveis à desordem da informação. Nesse intento, especificamente, foram levantados os principais fatores relacionados à desordem no contexto em questão, dentre os quais se destacam as especificidades da terminologia adotada no ambiente social digital, e os cuidados que precisam ser considerados para evitar ou minimizar esse problema.
Esta pesquisa assume, procedimentalmente, a forma ensaística proposta por Rodríguez (2012, p. 92), operacionalizada a partir de uma revisão de literatura, na medida em que busca “[...] enunciar elementos concretos e abstratos com suficiente conflito, a fim de facultar que o leitor acompanhe o processo de combinação e transformação de ideias, podendo complementá-las ou delas duvidar [...]”. É certo que o ensaio transcende a rigidez metodológica e o objetivismo puro próprios das ciências exatas e propõe a inclusão do sujeito reflexivo e inventivo na escrita científica, necessário às ciências humanas. Desse modo, utiliza-se materiais elaborados, como artigos científicos, capítulos de livros, livros e comunicações científicas, entre outras, caracterizando a pesquisa como bibliográfica (MENEZES et al., 2019). Além disso, a abordagem adotada nas inferências e nas interpretações dos achados científicos garantem a natureza qualitativa da pesquisa.
O artigo está dividido em seis seções, incluindo esta introdução, seção um. A seção dois explana, de forma breve, as principais características dos tradicionais modelos de comunicação e de divulgação científica e aponta suas principais adequações motivadas pelo avanço das tecnologias digitais e o surgimento de novos canais infocomunicacionais. A seção três evidencia a relação entre o uso das redes sociais nos processos de disseminação da ciência e a desordem da informação. A seção quatro enquadra o pluralismo terminológico como um dos principais fatores de desordem da informação científica no ambiente das redes sociais digitais. Por fim, as seções cinco e seis trazem, respectivamente, as considerações finais, que retoma pontos importantes da contextualização e da problemática que motivaram este estudo e apresenta a síntese das principais inferências, e a lista das fontes que compõem o referencial teórico adotado.
2 OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO E DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICAS NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
O uso massivo e relativamente consolidado das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) têm atingido, de forma generalizada, os processos de disseminação da ciência. Um breve levantamento histórico acerca da evolução dos principais modelos de comunicação e de divulgação científicas é capaz de mostrar como o surgimento e a inserção das TDIC nesse domínio motivou transformações nos processos tradicionais.
O modelo Garvey-Griffith, por exemplo, tido como a base para a construção e/ou o aperfeiçoamento de outros modelos, que descreve os passos fundamentais da comunicação entre os produtores e usuários da informação (SILVA; ALVES; BARREIRAS, 2019), refere-se, basicamente, à comunicação em veículos impressos. O modelo apresentado por Hurd (2004), por outro lado, representa uma reconfiguração do modelo de Garvey-Griffith e já considera as mudanças provocadas pela massificação de canais eletrônicos, pela inclusão de produtos e serviços desta categoria e pela popularização do uso da Internet. (SILVA; ALVES; BARREIRAS, 2019).
Da mesma forma, a reestruturação do modelo proposto pelo United Nations International Scientific Information System (UNISIST) apresentada por Fjordback, Andersen e Hjørland (2005), denominada The revised UNISIST model integrating printed and Internet resources and modified according to the domain analytic approach, representa um importante marco do uso de novos recursos tecnológicos, mais especificamente da Internet, nos processos de comunicação e de divulgação científicas. Este novo modelo propôs “[...] uma revisão teórica e tecnológica do modelo original por duas razões principais: enfatizar diferenças entre domínios diferentes e refletir sobre as mudanças e sobre o impacto na comunicação científica e acadêmica, causados pela internet.” (SILVA; ALVES; BARREIRAS, 2019, p. 80). Ao elencar as principais razões que motivaram a atualização do modelo original UNISIST, Hjørland, Andersen e Søndergaard (2005, p. 5) destacam “O impacto crescente da Internet sobre a ciência e comunicação erudita.”
Estes modelos ilustram e reificam a presença da Internet e de outras tecnologias associadas nos processos de disseminação de produtos científicos. Gallotti (2021, p. 68) reconhece “[...] que a tecnologia digital produziu efeitos importantes em todo o processo da CC [comunicação científica], incluindo novos processos educativos e comunicativos, fazendo com que os cientistas reavaliem suas práticas de modo a adaptarem-se a este novo cenário.” Contudo, os modelos até então propostos não mencionam, explicitamente, o uso das redes sociais digitais nesses processos, talvez por terem sido revisados antes da massificação e da percepção desses canais enquanto importantes ferramentas infocomunicacionais, evidenciando uma lacuna na escala evolutiva ainda pouco discutida no meio científico brasileiro. Em que pese esta constatação, é certo que esses ambientes digitais vêm sendo, ampla e progressivamente, utilizados na comunicação e na divulgação científicas, mesmo que de forma suplementar, a partir de processos crescentes de compartilhamento de informações científicas ou por meio de seu nível de interoperabilidade com outras fontes de informação.
O avanço das TDIC colocou em cena novos canais que redimensionaram os processos infocomunicacionais, inclusive científicos. Ao explanar os três principais elementos do direito de se comunicar (buscar, receber e transmitir), Buchanan (2015) mostra que tais elementos passaram por transformações significativas com a chegada dessas tecnologias, pois, entre outras mudanças, houve um processo de aperfeiçoamento dos mecanismos de busca, um aumento do número de informações disponíveis e de suas formas de acesso, e, principalmente, uma ampliação do poder dos usuários. É, de fato, certo que, atualmente, as redes sociais digitais estão entre as mais notáveis consequências desse avanço e compõem o rol dos principais canais usados nos processos infocomunicacionais, científicos ou não. Esse entendimento é respaldado, por exemplo, pelo crescente número de perfis sociais de cientistas/pesquisadores, de instituições ligadas ao ensino e à pesquisa, de periódicos científicos etc.
A criação desses perfis simboliza um relativo reconhecimento, por parte da comunidade científica, do potencial das redes sociais como mecanismos de comunicação e de divulgação científica. Essa nova condição ficou mais evidente com a migração de atividades típicas da comunicação científica, como os congressos técnico-científicos e profissionais, onde acontecem palestras, exposição de trabalhos, mesas-redondas etc., e com a realização de práticas acadêmicas, como as aulas remotas, que, recentemente, foram impulsionadas pelas medidas sanitárias evocadas pelo contexto pandêmico da Covid-19. Soma-se a isso, o aumento do volume de informações científicas relacionadas à doença veiculadas nas redes sociais, como forma de conscientizar a população acerca dos riscos, das formas de prevenção, dos sintomas, dos tratamentos etc., e como tentativa de inibir a propagação de informações de caráter desinformativo.
Assim, esse contexto atípico serviu para evidenciar que o ambiente das redes sociais já está sendo povoado, também, por um público especializado que está disposto a comunicar e a divulgar seus trabalhos, seja para massificá-los, seguindo uma tendência de popularização da ciência, e fazer com que eles cumpram seu papel social, seja para antecipar um estudo inédito e sair à frente de seus pares, seja para obter o feedback, positivo ou negativo, da comunidade científica e/ou do público geral, dentre outros objetivos. Em consonância com esse entendimento, Oliveira (2018), ao ressaltar a distinção entre os públicos-alvo da comunicação e da divulgação, afirma que uso das mídias massivas e dos espaços de compartilhamento em mídias sociais está mais associado à divulgação científica, e, portanto, mais direcionado ao público leigo ou, de modo mais preciso, aos sujeitos comuns. Contudo, nota-se que a presença maciça da comunidade científica nesses ambientes, está corroborando com a formação de um espaço compartilhado, onde a distinção entre comunicação e divulgação não é tão evidente, criando um ambiente mais complexo e heterogêneo e, acredita-se, mais vulnerável a transtornos de ordem informacional e comunicacional. É importante considerar que muitos perfis criados por cientistas/pesquisadores ou por entidades científicas são usados, essencialmente, como links para os canais formais de comunicação, servindo, portanto, apenas para divulgação.
Apesar de não serem aceitas, ainda, como canais formais dos processos de disseminação da ciência, as redes sociais estão sinalizando uma tendência recente que se materializa nos espaços onde as discussões entre cientistas e a ampla popularização da ciência podem ser praticadas simultaneamente, sem que sejam encerradas as distinções entre comunicação e divulgação científicas ou mesmo entre canais formais e informais.
Com efeito, ao apresentar uma discussão que ultrapassa a tradicional distinção entre comunicação formal e informal, Targino (2000) mostra que a comunicação mediada por canais eletrônicos mescla características que atendem aos públicos leigo e especializado. Esta é a consequência de um movimento que motiva os cientistas a buscarem formas alternativas para difundir seus trabalhos, apelando para diferentes recursos que vão desde os mais convencionais à utilização de quaisquer meios destituídos de formalismo. O Quadro 1 sintetiza as principais diferenças entre os canais.
Quadro 1 - Distinções entre canais formais, informais e eletrônicos de comunicação
CANAIS FORMAIS |
CANAIS INFORMAIS |
CANAIS ELETRÔNICOS |
Público potencialmente grande |
Público restrito |
Público potencialmente grande |
Informação armazenada e recuperável |
Informação não armazenada e não recuperável |
Armazenamento e recuperação complexos |
Informação relativamente antiga |
Informação recente |
Informação recente |
Direção do fluxo selecionada pelo usuário |
Direção do fluxo selecionada pelo produtor |
Direção do fluxo selecionada pelo usuário |
Redundância moderada |
Redundância, às vezes, significativa |
Redundância, às vezes, significativa |
Com avaliação prévia |
Sem avaliação prévia |
Sem avaliação prévia, em geral |
Feedback irrisório para o autor |
Feedback significativo para o autor |
Feedback significativo para o autor |
Fonte: Adaptado de Targino (2000).
Targino (2000) esclarece que a comunicação eletrônica, em termos amplos, guarda características dos sistemas formal e informal, com maior inclinação para o informal, ademais, é viabilizada, por exemplo, através de e-mails, bate-papos, grupos de discussão etc. Nota-se, a partir do Quadro 1, que os canais eletrônicos têm potencial para alcançar um público maior, que trazem informações mais recentes, que apresentam dificuldades no armazenamento e consequente recuperação de informações e que ampliam a probabilidade de feedback dos usuários, tanto dos pares quanto do público geral. Por compartilharem, também, essas características, as redes sociais digitais se aproximam dos canais eletrônicos.
As redes sociais digitais podem, então, ser inseridas no rol de ferramentas informais, que diferem das formais por não respeitar a procedimentos rigorosos que envolvem, por exemplo, a avaliação criteriosa dos pares. Apesar das distinções entre os processos de comunicação e de divulgação da ciência, que incluem o perfil do público, o nível de discurso, a natureza dos canais ou ambientes utilizados para sua veiculação e a intenção explícita de cada processo em particular (BUENO, 2010), é possível perceber que as redes sociais digitais estão mitigando essa tradicional distinção por criar um ambiente habitado por diferentes públicos.
Com isso, infere-se que aquela proposta de comunicação eletrônica apresentada por Targino (2000) dá às redes sociais, simultaneamente, as qualidades de canal de comunicação e de divulgação científica.
Na medida em que as redes sociais passaram a estar mais presentes, não apenas no cotidiano das pessoas, mas também nas práticas científicas, ficou mais claro perceber como os processos de disseminação da ciência estão, gradativamente, abarcando esses canais. Contudo, tendo em vista as peculiaridades dos discursos nos contextos de comunicação e de divulgação, é possível inferir que, em um ambiente de comunhão de usuários, a falta de cuidado com eles pode provocar ruídos e falhas nos processos infocomunicacionais. Ademais, por oferecerem ambientes abertos, que permitem, em certa medida, a livre participação dos usuários, as redes sociais se configuram como potenciais canais de desordem informacional.
3 A DESORDEM DA INFORMAÇÃO NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: IMPLICAÇÕES DO COMPARTILHAMENTO DE AMBIENTES
De modo geral, a desordem da informação se apresenta como um conjunto, um ambiente ou um ecossistema de informações equivocadas capazes de provocar, intencionalmente ou não, algum tipo de desarranjo no fluxo informacional. (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017). Para melhor compreender essa desordem, os autores a conceituam a partir de três categorias: informação incorreta, desinformação e má-informação, conforme a Figura 1 ilustra, além de domínios de intersecções entre as categorias da desordem.
Figura 1 - Desordem da Informação
Fonte: Wardle e Derakhshan (2017, p. 5, tradução nossa).
A desinformação está associada à veiculação de conteúdos falsos que foram criados deliberadamente para prejudicar. Essa propagação de conteúdos falsos também pode ser observada na categoria informação incorreta, mas, neste caso, não foram criados com a intenção de causar danos. Já a má informação trata de informações verdadeiras, porém nocivas, uma vez que são usadas para infligir danos. (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017).
Sabe-se que no ambiente das redes sociais circulam informações que podem ser enquadradas nas três categorias apresentadas por Wardle e Derakhshan (2017). Isso é uma consequência da autonomia e do livre arbítrio, relativos, que os usuários possuem para produzir e disseminar (des)informações nesses espaços. Tomando como base essas condições, os principais canais sociais já dispõe, porém, de um conjunto de ferramentas e de normas que buscam disciplinar a atuação dos seus usuários e inibir a propagação de conteúdos com potencial de causar danos. Essas ferramentas, contudo, ainda não são capazes de prevenir ou de sanar, em sua totalidade, os problemas ligados à desordem da informação. O intenso e constante volume de notícias e informações falsas veiculadas diariamente nas redes sociais ratificam a afirmação. Essa assertiva pode ser constatada no estudo de Soares et al. (2021) que buscou analisar as estratégias de apropriação do Instagram para a produção e a propagação de desinformação. Os autores identificaram que, dentre as publicações analisadas, 33,5% apresentaram discursos desinformativos, mas, apesar da constatação, desse universo, apenas duas foram assim marcadas pelo canal social. Ou seja, aproximadamente 1/3 das publicações veiculadas naquele ambiente possuem capacidade de provocar desordem.
Para melhor entender quaisquer exemplos de desordem da informação, Wardle e Derakhshan (2017) recomendam considerá-los a partir de três elementos: a) Agente – deve-se pensar sobre os sujeitos que criam e distribuem mensagens, bem como em suas motivações para isso; b) Mensagem – deve-se observar o tipo, o formato e/ou as características das mensagens, pois elas refletem muito sobre as intenções dos agentes; c) Intérprete – deve-se pensar nos receptores/usuários das mensagens, pois suas ações e reações serão conduzidas por estas. Ao considerar esses elementos no contexto da comunicação e da disseminação científicas mediadas pelas redes sociais, é possível perceber que eles influenciam diretamente na (des)ordem informacional. Primeiro, considera-se que, ao produzir e veicular conteúdos, o agente imprime, nas mensagens, sua expertise e suas ambições. Se, por exemplo, ele quiser alcançar os pares especialistas, certamente as mensagens estarão carregadas de termos técnico-científicos. Por outro lado, se desejar contemplar o público geral, as mensagens passarão por um processo de tradução para que se tornem mais claras e acessíveis.
Nesse ponto, atender às recomendações de Wardle e Derakhshan (2017) e observar os elementos (agentes, mensagens e intérpretes) envolvidos no processo de divulgação e comunicação científicas é essencial para prevenir, ou até mesmo sanar, a desordem da informação. Além disso, ao considerar que as redes sociais são espaços abertos e estão sendo habitadas por um público heterogêneo, é importante, também, que os agentes produtores encontrem um equilíbrio entre as linguagens técnica e popular.
4 A TERMINOLOGIA COMO ELEMENTO DE DESORDEM DA INFORMAÇÃO CIENTÍFICA
As redes sociais, por natureza, exigem brevidade e objetividade das informações veiculadas em seus espaços. Isso resulta, primeiramente, dos limites de ordem estrutural inerentes a estes canais, que inviabilizam a publicação de textos excessivamente grandes, e da fluidez e da dinamicidade que envolvem as novas práticas infocomunicacionais mediadas por tais redes. Assim, o aumento exponencial da produção e da disseminação de informação, especialmente no ambiente digital, condicionou as pessoas ao imediatismo em busca de respostas rápidas aos seus anseios informacionais. Talvez, parte do sucesso dessas redes sociais esteja associado à capacidade de atender, de forma satisfatória ou não, a esta demanda.
Sabe-se que no ambiente das redes sociais, por sua ampla abertura, circulam informações de diferentes tipos (verdadeiras e falsas) e origens (fontes confiáveis e não-confiáveis). Contudo, este não é o momento de questionar o valor do conteúdo veiculado, mas de evidenciar que estes canais estão em sintonia com uma demanda infocomunicacional que combina fluidez e dinamicidade, características, estas, que exigem um atento trabalho terminológico no processo de composição das mensagens, especialmente as de teor científico. Nesse sentido, nos processos de disseminação da ciência, é possível perceber que as informações científicas poderão receber, por parte dos consumidores acríticos e desatentos, o mesmo tratamento que quaisquer outras informações que circulam no canal, sejam elas verdadeiras ou falsas, relevantes ou irrelevantes, benéficas ou nocivas etc. Isso reforça a necessidade do cuidado com os termos empregados na criação das mensagens, principalmente nos processos de divulgação para o público geral, para que informações científicas, redigidas de forma excessivamente técnica e/ou rebuscada, não sejam mal interpretadas e/ou não atinjam satisfatoriamente os usuários.
Para compreender melhor essa condição, é importante esclarecer que a perspectiva poliédrica da terminologia, em termos de seus fundamentos (concepções), suas abordagens (orientações), e suas práticas (aplicações) (CABRÉ, 1995), bem como o caráter polissêmico do termo se tornaram grandes obstáculos na busca de uma definição encerrada ou de um consenso acerca de seu significado. Para Cabré (1995) a polissemia da terminologia é bem conhecida e se refere a pelo menos três noções: a) a disciplina; b) a prática; c) o produto gerado por essa prática. Como disciplina, a terminologia é o domínio de estudo que trata de termos especializados; como prática, é o conjunto de diretrizes ou princípios que regem a coleção de termos; e como produto, é o conjunto de termos de uma determinada especialidade. A definição adotada nesta discussão considera, contudo, a terminologia como um conjunto de termos que se referem à uma realidade especializada (CABRÉ, 1995). Ademais, é a dimensão prática da terminologia que permitirá associar possíveis falhas nos processos de comunicação e de divulgação científicas à desordem da informação e, consequentemente, encontrar soluções para esse tipo de desarranjo infocomunicacional.
4.1 As potencialidades terminológicas nas redes sociais digitais
Ao aprofundar as discussões acerca da perspectiva prática da terminologia, Cabré (1995) explica que ela busca e desempenha importante papel em diferentes campos do conhecimento. Na área de documentação, por exemplo, a terminologia é essencial para representar o conteúdo dos documentos e para facilitar o acesso a esse conteúdo. Em um contexto mais genérico, a terminologia é capaz de representar o conhecimento técnico-científico especializado de forma organizada, por meio de manuais e glossários, e de unificar esse conhecimento sob a forma de normas e padrões. Então, na comunicação especializada, os especialistas não conseguiriam se comunicar, nem tampouco representar e disseminar seus conhecimentos sem o uso adequado da terminologia. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Santiago e Araújo (2016, p. 2014-215) dizem que, “Em decorrência de sua peculiaridade de expressar conteúdos específicos, o termo é um componente central dos textos e discursos especializados, razão pela qual não existe comunicação especializada sem terminologia.”. De forma complementar, Krieger e Finatto (2004), concomitantemente, enfatizam a relevância social dos trabalhos terminológicos e afirmam que estes contribuem para solucionar problemas de informação e de comunicação.
Nitidamente os pontos de vista apresentados acima estão inclinados às discussões sobre comunicação científica, ou seja, a comunicação entre pares. No âmbito da disseminação ao público leigo, os termos técnico-científicos teriam que ser traduzidos para que a mensagem possa chegar aos reconhecidamente não-especialistas. Por isso a distinção entre comunicação e divulgação, além de importante e necessária, é amplamente aceita, especialmente na comunidade científica. Os diferentes canais usados nestes distintos processos ratificam a assertiva. Ocorre que, atualmente, existem canais que estão permitindo a comunhão entre esses dois processos (TARGINO, 2000. VICENTE; CORRÊA; SENA, 2015) e isso está trazendo novos desafios para aqueles que os usam. Agora, as mensagens, para chegar ao público cada vez mais heterogêneo das redes sociais, precisam considerar, a um só tempo, o uso termos específicos, para reduzir ruídos na comunicação entre pares, e o uso da linguagem simplificada, para que possa alcançar, também, em maior ou menor medida, a massa tida como leiga.
O espaço das redes sociais, por sua finalidade, exige um discurso acessível a todos. Quem publica nesses ambientes, especialmente aqueles que fazem parte da comunidade científica, precisa considerar que pode atingir um público maior que seus pares, com diferentes níveis de conhecimento, pois é esse entendimento que pode prevenir a desordem da informação. É certo, porém, que existem canais mais direcionados a públicos específicos. Isso, em certa medida, condiciona as formas e as terminologias usadas na redação das mensagens ali veiculadas. Ainda assim, grande parte destes canais está aberta e permite o acesso a quaisquer usuários da rede. Dessa forma, percebe-se que pensar em uma comunicação rica em termos técnico-científicos no ambiente das redes sociais é, ao mesmo tempo, desconsiderar que existe uma população leiga que poderá acessar o mesmo conteúdo acessado por especialistas e, por conseguinte, poderá vivenciar experiências informacionais indesejáveis e obscuras, inclusive com consequências bastantes negativas.
É preciso salientar, mais uma vez, que esta discussão não pretende inibir o uso de termos técnico-científicos nas redes sociais, mas ponderar e, até mesmo, advertir quanto aos problemas que isso pode causar e, quem sabe, reduzir o uso abusivo deles, ou ainda instigar a busca por soluções ao impasse que se apresenta de forma emergente. Afinal, as redes sociais são canais ricos em instrumentos de representação da informação e permitem o uso e a combinação de diferentes recursos de texto, vídeo, som e imagem etc., que podem ser utilizados de forma criativa nesses processos de comunicação e de divulgação. A ilustração científica, por exemplo, é um recurso que vem sendo amplamente explorado também nas redes sociais.
A ilustração científica é um domínio gráfico que concilia e combina a CIÊNCIA e a ARTE num campo de intervenção bastante vasto, diversificado e motivador. Enquanto modelo pedagógico e ferramenta de comunicação visual, reúne em si um enorme potencial para comunicar e divulgar Ciência, de forma simples, expedita e imediata, demonstrando que as ilustrações científicas são ferramentas úteis e credíveis no processo de aprendizagem e investigação, seja para os especialista[s] ou um público menos específico. (CORREIA, 2011, p. 223, grifo do autor).
O autor explica que o desenho científico exibe uma dimensão estrutural que extravasa a comunicação interpessoal e em pequeno grupo e pode atingir a comunicação de massas. Isso representa uma comunhão ainda maior entre a comunicação e a divulgação científica e as redes sociais que exploram e praticam vigorosamente o conceito de comunicação visual. É forçoso reconhecer que usar imagens não significa desconsiderar o compromisso com a clareza terminológica da mensagem. A imagem, pelo contrário, é um recurso auxiliar que, em muitos casos, também exige tradução. Contudo, compreende-se que a combinação de texto e imagem numa mensagem, por caracterizar uma experiência multissensorial (MANESS, 2007), no mínimo, aumenta seu alcance.
Quando, por exemplo, pensa-se em acessibilidade no ambiente digital, as publicações costumam estar acompanhadas por artifícios como descrição e/ou áudio descrição, legendas, tradutor de libras, dentre outros recursos. A ideia é que a informação alcance um maior número de pessoas independentemente de suas limitações, sejam cognitivas, motoras, visuais, auditivas etc. Partindo desse entendimento, não é equivocada a ideia de um espaço de comunicação e, simultaneamente, de divulgação científica. Se a informação expressa precisa ser carregada de termos técnico-científicos para evitar ruídos na comunicação entre pares, por que ela não pode trazer, também, um texto auxiliar/complementar, uma tradução, por exemplo? Isso certamente reduziria ainda mais os ruídos, pois a informação estaria clara também para o público leigo e os problemas de desordem seriam minimizados.
Há casos em que os canais sociais são usados apenas como links para trabalhos e/ou produtos científicos publicados nos veículos formais. Quando isso acontece, acredita-se, minimizam-se os ruídos de ordem infocomunicacional, visto que tais canais objetivam apenas direcionar públicos específicos para fontes especializadas. Entretanto, isso não impede, por exemplo, que o conteúdo enunciativo deixado no canal social aberto seja desvirtuado sem a devida consulta ao documento fonte. Ou seja, no que concerne à desordem da informação, o leigo, que interage com este perfil, pode se tornar elemento de desordem na medida que tem a capacidade de deixar naquele espaço um comentário resultante da má interpretação das informações ali disponibilizadas. Mesmo com a indicação da fonte, outros usuários que visitem o perfil podem se deparar com aquele comentário, ser influenciado por ele, e constatar a sua (in)verdade “fundamentada”. Esse tipo de prática, inclusive, é muito comum em contextos e ambientes orientados pela urgência infocomunicacional. (FERREIRA; SOUZA; LIMA 2021).
Todas essas discussões apontam para uma adaptação, para uma tradução ou para o uso moderado de termos técnico-científicos de determinadas áreas do conhecimento, usados nos processos de comunicação e/ou de divulgação científicas no ambiente das redes sociais. Entretanto, existe outra perspectiva que deve ser considerada nesse contexto. O ambiente das redes sociais é marcado pela informalidade do discurso e isso abriu espaço para a circulação de novos termos, próprios do meio digital. Nesse caso, será necessário pensar em uma adaptação ou em uma tradução considerando esses novos termos?
4.2 Da flexibilização terminológica ao internetês
A migração dos processos infocomunicacionais para o ambiente digital permitiu o desenvolvimento de uma linguagem, em certa medida, divergente dos padrões lexicais. É nesse espaço que surgem, por exemplo, “[...] as abreviaturas para a comunicação nas redes sociais e em meios virtuais de comunicação.” (FERREIRA; BORGES; SANGLARD, 2016, p. 85). Essa, inclusive, é uma consequência imposta pela fluidez e pela celeridade exigidas no atual paradigma infocomunicacional. Ferreira, Borges e Sanglard (2016) explicam que, com base na diminuição das construções linguísticas, os internautas usam, com frequência, abreviações ou siglas como “pq” (porque), “tbm” (também), “bjs” (beijos), “vc” (você), “tdb” (tudo de bom), que tornam a digitação mais veloz e ajudam na interação. Para os autores, “Uma característica desta linguagem é o caráter sinalizado como: o uso exagerado de sinais de pontuação, letras maiúsculas, repetições de vogais e sílabas e os chamados emoticons." (FERREIRA; BORGES; SANGLARD, 2016, p. 90).
Além dessa forma abreviada da língua, o ambiente digital traz o que Kilyeni (2015) chama de buzzwords, que representa uma palavra ou uma expressão de uma área específica que passou a ser amplamente usada, especialmente nos canais digitais. Likes, posts, status, unfriend, tweets etc., são alguns exemplos de palavras que designam conceitos de mídia social, relacionados a certas plataformas extremamente populares como Facebook, Twitter, Pinterest e Instagram, dentre outras, que se tornaram presentes nas vidas das pessoas.
Esse processo de terminologização, que simboliza a criação de uma terminologia própria das redes sociais, é denominado por alguns estudiosos como Internetês.
Nossa gramática foi construída com muito estudo. Com o internetês não acontece assim. Um adolescente pode criar uma gíria, que após publicar no facebook, pode estar espalhada no mundo inteiro com click. Quem quer situar-se no mundo conectado, online, precisa aprender o internetês e lidar com as regras e normas dos ambientes que frequenta, pois até para ser aceito em um grupo de amigos do WhatsApp, você precisa do internetês. A forma como se comunica, fará toda a diferença na qualidade do discurso e na aceitação de quem está dentro do grupo. (FERREIRA, BORGES; SANGLARD, 2016, p. 89).
Ao discutir sobre o dialeto, Fruet et al. (2009, p. 103) esclarece que “O princípio básico do internetês é extrair o essencial de cada palavra, descartar o supérfluo e, inevitavelmente, ceder à tentação dos apelos fonéticos.”. Os autores explicam que isso se dá pela necessidade de tornar a comunicação mais ágil e veloz, tal como é na língua falada, resultando em uma economia nas construções linguísticas empregadas no meio digital.
O internetês é, então, o nome dado à terminologia das redes sociais digitais formada, basicamente, por siglas, abreviações e buzzwords. Estas palavras denotam conceitos especializados no campo das mídias sociais e representam apenas uma pequena parte de sua terminologia, sendo a maioria dos termos conhecidos, principalmente, por profissionais de mídias sociais. (KILYENI, 2015). A autora ressalta que o conteúdo semântico especializado das buzzwords está, com poucas exceções, ausente nos dicionários gerais, o que aponta para o fato de que elas fazem parte de uma linguagem especializada e, portanto, seu significado pode ser encontrado em dicionários especializados e/ou glossários online disponíveis em vários sites da Internet que tratam de mídias sociais, incluindo os sites oficiais das principais plataformas de redes sociais.
A ideia, com o internetês, é disponibilizar uma terminologia mais transparente, que permita a ampla compreensão de termos e conceitos subjacentes sem uma equivalente tradução. Essa terminologia está sendo tão bem aceita que já é possível notar um movimento de migração de muitos daqueles termos para fora das redes sociais digitais. Ferreira, Borges e Sanglard (2016) observam que termos e/ou expressões veiculadas na grande rede já estão incorporados à linguagem cotidiana, não causando estranheza por parte dos envolvidos, principalmente se estes forem nativos digitais. Kilyeni (2015) entende que este movimento de migração pode ser explicado pelo fato de estes conceitos particulares das redes sociais e os termos correspondentes designarem realidades que se tornaram importantes na vida das pessoas. A autora, inclusive, chega a recomendar que as buzzwords das redes sociais digitais sejam consideradas termos populares, que fazem parte da terminologia geral.
Esta discussão sobre internetês aponta que, de fato, existe uma terminologia própria das redes sociais que, deduz-se, se não agora, brevemente, precisa ser considerada nos processos de comunicação e de divulgação científicas. Essa aproximação com a terminologia das redes sociais é importante não apenas para o processo de disseminação da ciência, mas também para que os usuários consigam agir no canal, para que consigam, por exemplo, identificar termos e saber quais ações representam. Dessa forma, essa familiarização com o internetês certamente ajudará a reduzir os ruídos de ordem infocomunicacional que podem levar à desordem da informação. O fato é que, em ritmo acelerado de mudanças tecnológicas, pondera-se que, para evitar a desordem da informação nos processos de comunicação e/ou de divulgação científicas nas redes sociais, é preciso que aqueles que produzem e disseminam conteúdos considerem que este espaço possui um público muito heterogêneo, de diferentes níveis de conhecimento, e que é regido por terminologias próprias.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A disseminação de informações científicas é amplamente reconhecida como um dos principais mecanismos necessários à concretização e à evolução da ciência. Atualmente, esse processo de disseminação vem sofrendo os impactos do avanço das tecnologias digitais e do consequente surgimento de novos canais infocomunicacionais, que estão mitigando a tradicional distinção entre a comunicação (entre pares) e a divulgação (para o público geral) científicas.
Os novos canais sociais, dentre os quais se destacam as redes sociais, que vêm sendo amplamente usados, inclusive pela comunidade científica, criou um ambiente de comunhão, habitado por um público usuário heterogêneo e com diferentes níveis de conhecimento. Ou seja, as redes sociais assumiram, nesse contexto, a condição de espaços unificados de comunicação e de divulgação científica. Considerando as peculiaridades destes canais, que, basicamente, oferecem ambientes abertos à livre participação dos usuários, que possui uma linguagem com características próprias, e que exige brevidade e objetividade infocomunicacionais, constata-se que as redes sociais se tornaram um ambiente ainda mais vulnerável à desordem da informação, caracterizada pelo desarranjo no fluxo informacional. Situação que se agrava no contexto da comunicação e da disseminação científicas, em virtude das peculiaridades terminológicas inerentes a cada um destes processos. Isso passou a exigir uma maior atenção daqueles que produzem e disseminam conhecimentos nas redes sociais, pois a heterogeneidade do seu público reivindica a combinação de recursos como, por exemplo, a tradução do discurso, o uso moderado de termos técnico-científicos e, especialmente, a equilibrada adaptação à linguagem adotada nesses ambientes, formada, basicamente, por siglas, abreviações e buzzwords.
Se tratadas como espaços de massificação da ciência, as redes sociais precisam de discursos amplamente acessíveis alcançáveis. Em situações atípicas como a da pandemia da Covid-19, por exemplo, que levou parte das atividades de comunicação científica para o contexto digital, as preocupações com o uso moderado de termos técnico-científicos, para se criar discursos mais acessíveis, certamente não serão rigorosamente consideradas, afinal, trata-se de conteúdos dedicados a um público específico. Contudo, nada impede que, nesses casos, textos complementares sejam acrescentados, considerando o formato de divulgação científica, inclusive utilizando termos próprios daquele veículo. Talvez essa adaptação seja um dos pontos necessários para que a ciência cumpra seu papel social e continue evoluindo.
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[1] Professor Associado do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas (ICHCA/UFAL), Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011), Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (2004).
[2] Professora Titular da Universidade Federal do Ceará (UFC); Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI/UFPB); Doutorado em Sciences de l'Information et de la Communication - Institut des Communications et des Média (ICM) - Université Stendhal-Grenoble-3-França (1999);
Mestrado em Ciências da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989).
[3] Biblioteconomista do Ministério Público do Estado de Alagoas, Doutorando em Ciência da Informação - PPGCI/UFPB. Mestre em Ciência da Informação - PPGCI/UFAL. Especialista em Gestão de Documentos e Informação pela Faculdade Unyleya (2017).