A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO E OS DESAFIOS PARA A SUA DEMOCRATIZAÇÃO

 

Maria da Graça Gomes Almeida[1]

Universidade Federal da Bahia

mggomesster@gmail.com

 

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a importância da educação para a informação em diferentes contextos e etapas da vida humana, com vistas à consolidação da aplicação prática e democratização da competência em informação na sociedade brasileira, que, ainda, carece de atenção e novos esforços. Apoiadas na literatura da Ciência da Informação e áreas afins, a exemplo de Kuhlthau (2001), ACRL(2016), Belluzzo (2017), Dudziak (2005, 2016), Pereira e Alcará (2020), Menze (1981) e Le Boterf (2000, 1982), as reflexões apresentadas apontam que, considerando a igualdade de oportunidades educacionais para todos, a educação para a competência em informação precisa ser ofertada em instituições educativas, culturais e sociais, responsáveis pela promoção da educação relativa à formação dos indivíduos. Esta ainda não possibilita a todas as pessoas a oportunidade de acesso à educação para a informação na etapa da vida e contexto social em que se encontram, constituindo um exemplo de uma realidade social injusta; que nega um direito humano básico.

Palavras-chave: Competência em informação. Educação. Bibliotecas.

INFORMATION LITERACY AND THE CHALLENGES TO ITS DEMOCRATIZATION

 

Abstract

This work aims to reflect on the importance of information education in different contexts and stages of human life, with a view to consolidating the practical application and democratization of information literacy in Brazilian society, which still lacks attention and new efforts. Supported by the literature of Information Sciences and related areas, such as Kuhlthau (2001), ACRL(2016), Belluzzo (2017), Dudziak (2005, 2016), Pereira e Alcará (2020), Menze (1981) and Le Boterf (2000, 1982), the reflections presented point out that, considering the equality of educational opportunities for all, education for information literacy needs to be offered in educational, cultural and social institutions, responsible for promoting education related to the formation of individuals. This still does not provide all people with the opportunity to access education for information at the stage of life and social context in which they find themselves, which constitutes an example of an unjust social reality; that denies a basic human right.

Keywords: Information literacy. Education. Libraries.

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

A necessidade de informação surge a todo o momento em nossa vida pessoal, profissional e social, mas, com o crescimento exponencial relativo à produção da informação, potenciado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), em todas as esferas da sociedade, chegar até a informação de qualidade para satisfazer uma necessidade concreta de informação é uma questão crítica, ante a dispersão da informação em múltiplas fontes e em variados formatos e suportes.

Por essa razão, faz-se necessária a democratização da competência em informação na sociedade. A competência em informação está relacionada ao saber atuar com conhecimento e habilidades ante a informação, e é um processo que se concretiza na compreensão crítica do universo informacional e na capacidade de acessar, recuperar, organizar, usar e comunicar a informação de forma reflexiva, eficaz e ética. Em 2005, em um colóquio em Alexandria, especialistas reconheceram a competência em informação como um dos faróis da sociedade da informação e recomendaram sua integração nos mais diversos segmentos da sociedade, considerando-se que é uma competência além do uso das tecnologias digitais contemporâneas, pois abrange, também, o aprendizado e as habilidades interpretativas e de pensamento crítico (IFLA, UNESCO, 2005).

Diante da importância da competência em informação para a sociedade, definições, modelos, padrões, diretrizes, linhas de pesquisas e comunicações científicas foram criadas por diferentes instituições, grupos de trabalhos e pesquisadores independentes em todo o mundo. Além disso, surgiram declarações nacionais em diferentes países (Declaração de Praga, 2003; Declaração de Alexandria, 2005; Declaração de Toledo, 2006; Declaração de Maceió, 2011; Declaração de Havana, 2012; Carta de Marília, 2014).

Considerando-se que já há numerosos estudos sobre competência em informação, por um lado, a documentação publicada demonstra sua repercussão mundial e afirmação como área de estudo no campo da Ciência da Informação. Mas, por outro lado, ainda há muito a ser feito para a formação de pessoas com competência em informação, uma vez que toda essa repercussão teórica, ainda, não possibilitou uma educação para a informação, de forma democrática e contextualizada, nas reais necessidades informacionais de indivíduos e instituições.

Com o propósito de dar igualdade de oportunidades a todo o indivíduo para desenvolver a competência em informação, neste trabalho, apoiado na literatura publicada sobre o tema e áreas afins, trata-se de refletir sobre a importância da educação para a competência em informação em diferentes contextos e etapas da vida humana. Justifica-se a importância deste estudo por sua abordagem promover a competência em informação com vistas à consolidação de sua aplicação prática para a sociedade brasileira, que, ainda, carece de atenção e novos esforços.

 

2 A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO É NECESSÁRIA EM DIFERENTES CONTEXTOS E ETAPAS DA VIDA HUMANA

 

O movimento em prol da competência em informação foi desencadeado nos Estados Unidos quando Zurkowski (1974) propôs a educação para o desenvolvimento de competências e habilidades para o uso da informação, visando à formação de profissionais em sintonia com as novas tecnologias da informação presentes na sociedade à época. Desde então, com o avanço cada vez maior das TIC e a intensa produção de estudos e pesquisas sobre a temática necessidades e usos da informação, a competência em informação evoluiu e vem se consolidando como uma competência crítica e essencial para que as pessoas possam participar com mais autonomia informacional nas sociedades democráticas.

Considerando-se a competência como uma combinação de múltiplos recursos (conhecimentos, saber-fazer, capacidades cognitivas, sentimentos, emoções ...) que podem ser transferidos a várias situações (LE BOTERF, 2000), a competência em informação resulta no desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários ao acesso, ao uso crítico, à produção e comunicação ética da informação, que podem ser aplicados a diferentes contextos de atuação. A competência em informação, segundo a Association of College and Research Libraries (ACRL), se articula aos seguintes eixos: descoberta reflexiva da informação, compreensão de como a informação é produzida e valorizada, uso da informação para a criação de novos conhecimentos, participação ética em comunidades de aprendizagem (ACRL, 2016, p.3) e outros tipos de comunidades da sociedade.

A crise gerada pela pandemia de Covid -19 de 2020, por exemplo, demonstrou o quanto as pessoas, em diferentes contextos e de todas as idades, precisam mobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para usar as TIC e a informação de forma crítica e ética. No Brasil, por exemplo, muitos cidadãos brasileiros sentiram dificuldades para preencher o formulário eletrônico para receber ajuda financeira emergencial do governo federal. Estudantes e professores tiveram de se adaptar aos ambientes virtuais de aprendizagem, às modalidades do ensino e aprendizagem online e a fazer um uso mais intenso da informação acadêmica/científica mediada digitalmente. E, mundialmente, informações falsas e fraudulentas sobre a Covid-19 foram produzidas, disseminadas e consumidas, trazendo prejuízos para toda a sociedade.

Situações contemporâneas desafiadoras evidenciam, na prática, o quanto é importante que todas as pessoas, em diferentes etapas da vida (na infância, na adolescência, na juventude, na fase adulta e na velhice), tenham competência em informação, para afrontar com conhecimento e responsabilidade o ecossistema complexo e mutável da informação, bem como para reconhecer suas distorções e manipulações. Nesse sentido, segundo Assmann (2000, p. 9, grifo do autor):

 

Para que sejam aproveitadas todas as vantagens econômicas e sociais do progresso tecnológico e melhorada a qualidade de vida dos cidadãos, a sociedade da informação deve assentar nos princípios da igualdade de oportunidades, participação e integração de todos, o que só será possível se todos tiverem acesso a uma quota parte mínima dos novos serviços e aplicações oferecidos pela sociedade da informação.

 

Na perspectiva social e individual, a competência em informação, juntamente a outras competências importantes, demandadas pela sociedade da informação (competência digital, midiática e visual, por exemplo), podem influenciar, positivamente, a sociedade e ajudar a formação de sujeitos emancipados. Conforme Shapiro e Hughes (1996, p.3, tradução nossa), ao proporem o entendimento da competência em informação como uma nova arte liberal: “[...] que se estende de saber como usar computadores e acessar informações à reflexão crítica sobre a natureza da própria informação, sua infraestrutura técnica e seus contextos social, cultural e até filosófico […]”.

Ante a imensa quantidade de informação que flui continuamente, é importante que cada pessoa saiba atuar de forma crítica e responsável. Com competência em informação, podemos satisfazer, com mais autonomia, e de forma mais segura, as necessidades de informação que surgirão em casa, na escola e no trabalho.

No contexto da vida cotidiana, um bom exemplo de como a competência em informação pode ajudar às necessidades de informação das pessoas encontra-se no estudo de Pereira e Alcará (2020), o qual relata sobre as necessidades informacionais específicas dos pais de pessoas surdas e alerta sobre a necessidade do desenvolvimento de ações que favoreçam e impulsionem a competência em informação desse grupo. Segundo as autoras:

 

Os pais precisam ter acesso às informações que de fato atendam suas necessidades informacionais e que não apenas diminuam suas incertezas, mas aumentem sua vontade e prazer em aprender, gerando novas necessidades e de modo que as habilidades e estratégias da competência em informação possam ser potencializadas na busca, apropriação, produção e multiplicação de informação e conhecimento sobre a surdez em toda sua força e potência (PEREIRA; ALCARÁ, 2020, p. 21).

 

Acessar, de forma autônoma, a informação confiável e usá-la de forma crítica é imprescindível para os membros desses grupos familiares, uma vez que necessitam recuperar e processar informações sobre diferentes temas para tomar decisões informadas e adequadas para melhor atender as necessidades específicas de seus filhos. Bem como para conhecer e melhor reivindicar os direitos e garantir a seus filhos uma vida digna em sociedade.

São muitas as contribuições que a competência em informação pode acrescentar à esfera da vida cotidiana das pessoas, como mostram diferentes estudos.  Righetto e Vitorino (2019), aborda a respeito da competência em informação no contexto da vida cotidiana de pessoas trans; consoante Eriksson-Backa, Niemelã e Huotari (2012), recomendam a competência em informação para auxiliar idosos na busca de informação para os cuidados com a saúde. O estudo de Gonçalves, Amaral e Batista (2021) aborda como a competência em informação pode contribuir com os consumidores no processo de compra via internet. O estudo de Brito e Belluzzo (2019) trata de como competência em informação pode contribuir para minimizar as necessidades de informação de pessoas em situação de rua; e, no estudo de Greškovičová, Masaryk, Synak e Cavojová (2022), investigaram-se os efeitos da manipulação de diferentes elementos editoriais de mensagens sobre saúde em leitores jovens. Além disso, alerta que os adolescentes deveriam receber capacitação sobre como avaliar a informação online, uma vez que eles têm sérias lacunas de conhecimento nessa área.

No âmbito da educação formal, a competência em informação contribui com a formação global do estudante e com o fortalecimento das habilidades de pensamento crítico, podendo enriquecer todas as disciplinas do currículo da educação básica e superior. É uma competência muito necessária à aprendizagem porque “os estudantes de hoje não conhecem um mundo sem Internet, porém isso não significa que eles saibam como pensar criticamente sobre o que vêem online” (WHITTLE, 2015, p.1, tradução nossa). Ainda no âmbito da educação, a competência em informação pode auxiliar o desenvolvimento da Ciência Aberta e no avanço da pesquisa científica, pois fomenta as habilidades para o descobrimento de recursos educacionais de qualidade, para o acesso a dados de pesquisa e para a avaliação crítica da informação e suas fontes, habilidades necessárias ao avanço da ciência. Como acertadamente destaca o estudo de Antunes, Sanches, Lopes e Rodrigues (2017), para que a comunidade acadêmica possa se beneficiar da Ciência Aberta, ela precisa receber uma formação completa e extensiva em competência em informação.

E, no ambiente de trabalho, a competência em informação precisa ser parte da preparação do trabalhador para a qualificação profissional, pois “[...] habilita as pessoas para lidar com todas as fontes de informação, no sentido de organizar, filtrar e selecionar o que de fato é importante para a tomada de decisões no ambiente organizacional” (BELLUZZO, 2017, p. 48). Com competência em informação, os profissionais estão mais capacitados para a tomada de decisões institucionais informadas e mais preparados para fazer um uso reflexivo e ético da informação em diferentes situações, considerando que:

 

É essencial valorizar o profissional reflexivo como aquele que constrói saberes para além das competências, considerando competência como o resultado da mobilização dos saberes (de qualquer tipo) em situação, sendo essencial a transferibilidade desses mesmos saberes, através da recontextualização para outros contextos-interacção, tornando os profissionais mais competentes em novas situações (AMENDOEIRA, 2008, p.7).

 

O debate advindo da literatura científica, publicada sobre competência em informação, reforça o entendimento de que, em diferentes âmbitos de atuação (cotidiano, educação e profissional) e etapas da vida, a competência em informação é importante para que as pessoas, com seus próprios meios, satisfaçam, de forma mais adequada, suas necessidades de informação, bem como expressem opiniões informadas na sociedade. Nesse mesmo sentido, para Le Boterf (1982, p.110), “a informação constitui uma condição necessária ao exercício da participação democrática nas decisões [...].

Além do mais, procurar, receber e transmitir informações é um direito que todas as pessoas devem usufruir, conforme estabelece a Declaração Universal de Direitos Humanos desde 1948:

 

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (UNITED NATIONS, 1948, p.5).

 

Assim, diante do universo informacional da Era Digital, para encontrar e ser um consumidor e produtor de informação de qualidade, os indivíduos precisam continuamente desenvolver a competência em informação, o que requer o acesso à educação para a informação no contexto e momento social em que se encontram, considerando a igualdade de oportunidades educacionais para todas as pessoas.

 


 

3 DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

No Brasil, a educação para a competência em informação, ainda, é limitada, com iniciativas mais explícitas no contexto da educação superior em universidades públicas. Mas, se almejamos uma sociedade informada, capaz de fazer um uso sábio e ético da informação, precisamos promovê-la de forma democrática, pretendida e em conexão com as necessidades informacionais específicas de cada pessoa ou grupo. Como destacam especialistas na Declaração de Praga (UNESCO,2003), a competência em informação ajustada a contextos específicos e às necessidades informacionais das pessoas, precisa ser uma preocupação para todos os setores da sociedade.

Para que aconteça o efetivo processo de formação para o desenvolvimento da competência em informação, faz-se necessária a educação dos indivíduos. Para Menze (1981), a formação é inconcebível sem a educação e não pode ser dada como terminada. Assim, instituições educativas, culturais e sociais (como escolas, institutos, universidades, empresas, bibliotecas, centros de documentação, museus, arquivos e associações comunitárias, por exemplo) estão numa posição estratégica para ajudar a sociedade com a educação para a competência em informação. Uma vez que são instituições responsáveis pelo processo de democratização da educação, do trabalho e da cultura na sociedade e que, direta ou indiretamente, promovem a educação em relação à formação dos indivíduos, em diferentes momentos de suas vidas.

No âmbito do processo de aprendizagem ao longo da vida cotidiana das pessoas, as bibliotecas públicas (municipais, estaduais e comunitárias) podem assumir, com muita propriedade, a capacitação para o desenvolvimento da competência em informação, uma vez que têm, entre suas funções básicas, a formação, a educação, a cultura e a sociabilidade que beneficiam toda a sociedade. Por meio de políticas e programas específicos, as bibliotecas públicas, de forma individual ou em colaboração com seus agentes governamentais, associações/organizações educativas e comunitárias, podem intervir com ações concretas para a educação em informação no contexto da aprendizagem continua e, sobretudo, para grupos mais vulneráveis. Assim a biblioteca pública, como um grande centro que se preocupa com as demandas sociais atuais, acompanha a evolução da sociedade e as mudanças das necessidades formativas dos indivíduos. As funções de uma biblioteca pública “[...] permanecem inerentes à instituição, sendo alteradas em conteúdo, forma e estratégias, na medida em que se modifica o contexto social onde se situam” (CUNHA, 2003, p. 68).

Além disso, ressalta-se, no contexto da aprendizagem ao longo da vida e da biblioteca pública, a necessidade de fomentar o diálogo entre governos, gestores locais, organizações sociais e a comunidade local para definir políticas públicas regionais para o desenvolvimento da competência em informação na sociedade e, assim, firmar a biblioteca pública, cada vez mais, como uma referência comunitária, da qual toda a sociedade se favorece. Destacam-se, ainda, outras unidades de informação como os museus e os arquivos, os quais podem ajudar a disseminar o conceito e a educação para a competência em informação.

No âmbito do processo de educação formal, escolas e universidades podem integrar, de forma planejada e explícita, a educação para a informação ao currículo do estudante. Há alguns anos, pesquisadores individuais e instituições advogam em prol da expansão da educação para a competência em informação em todos os níveis de escolaridade. Autores como Kuhlthau (2001), Dudziak (2005), Head e Eisenberg (2011) e ACRL (1989), defendem a necessidade de se criarem políticas e estratégias que levem a competência em informação para os currículos escolares e acadêmicos, considerando que a competência em informação é aplicável a todas as etapas e níveis do sistema educativo, e agrega valor ao currículo do estudante. Se a competência em informação já era importante para o desenvolvimento dos conteúdos escolares e acadêmicos no contexto da educação presencial, a pandemia da COVID-19 agregou novas demandas às demandas existentes, uma vez que o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades para o acesso, avaliação e uso ético da informação é imprescindível no contexto da educação híbrida e online.

A Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) recomenda que governos invistam em programas de competência em informação e competência midiática para pessoas de todas as idades por meio das bibliotecas e das escolas (ANTUNES, LOPES E SANCHES, 2021). Nos espaços de aprendizagem da biblioteca e/ou da sala de aula, gestores, professores e bibliotecários (cada um com sua expertise) podem planejar e integrar programas completos e/ou ações de competência em informação no projeto pedagógico dos estudantes por meio de diferentes modalidades, tais como cursos breves, disciplinas curriculares específicas e sessões dentro de disciplinas (ALMEIDA, 2014). Em cada nível educacional (da educação básica a educação superior), somente com a participação de todos os envolvidos as bibliotecas acadêmicas e escolares poderão ser protagonistas no processo de formar estudantes com competência em informação. Ressalta-se que, no contexto brasileiro, faz-se necessário o cumprimento da Lei Federal 12.244/2010 que estipula a criação de bibliotecas escolares em todas as instituições de ensino no Brasil.

A respeito da aprendizagem organizacional, ou seja, em relação ao contexto laboral, as bibliotecas corporativas, os centros de informação/documentação e os arquivos corporativos, juntamente aos setores de recursos humanos, no contexto dos programas de estímulo à aprendizagem organizacional de seus colaboradores, podem promover a educação para a competência em informação. Principalmente porque no contexto brasileiro, como destacam Ottonicar, Yafushi, Santos (2019, p. 266), “[...] são raras as organizações que têm preocupação com o desenvolvimento da competência em informação aos seus colaboradores, a priori porque necessitam de uma infraestrutura física, recursos tecnológicos e informacionais [...]”. Usar o espaço educacional e pedagógico da empresa para desenvolver a competência em informação é um importante investimento no indivíduo, em relação à sua autonomia informacional e ao fomento à diversidade de ideias.

Seja em qual for o âmbito de formação, a competência em informação contextualizada e focada nas necessidades informacionais das pessoas e em práticas pedagógicas ativas é uma perspectiva necessária à educação para a informação. Para Alcará (2021, p. 17), é importante “[...] refletir sobre o contexto e a necessidade do outro e levar em conta essas variáveis ao planejar ações que oportunizem aos aprendizes o desenvolvimento de sua competência em informação [...]”. Também é igualmente importante oferecer a educação para o desenvolvimento das habilidades informacionais em diferentes formatos (presencial e digital) para agilizar o processo e, assim, permitir que a educação para a informação chegue de forma mais rápida a mais pessoas.

E, por fim, ressalta-se o desafio de se avançar na implantação de políticas públicas amplas (regionais e/ou nacionais) para a expansão da competência em informação no Brasil. Como destaca Dudziak (2016, p. 45):

 

A institucionalização da competência em informação nos Estados Unidos foi viabilizada pela participação ativa de profissionais da informação, pela criação de instituições fortes e sustentáveis, e pela proposição de políticas públicas direcionadas à solução de problemas reais [...].

 

Uma política de estado, simultaneamente com políticas em nível local, pode auxiliar o processo de conscientização e evitar a descontinuidade de programas e atividades de competência em informação nas instituições. A criação e execução de políticas de interesses comuns são relevantes nesse contexto, pois “[...] é mobilizando o conhecimento que se conseguirá uma convergência de interesses, de esforços e, finalmente, de ações que consolidem um quadro educativo em que a literacia de informação tenha um lugar chave [...]” (SANCHES, 2016, p.104).

Como podemos ver, o processo de educação para a competência em informação é uma construção coletiva e participativa, requer políticas estruturantes e um grande esforço de gestores e profissionais em parceria e colaboração nas instituições. E a biblioteca está diretamente envolvida nesse processo. Mas essa competência exige um reposicionamento das bibliotecas e de suas instituições em seus diversos contextos, pois requer instituições mais comprometidas com a competência em informação na prática, com a habilidade de colaboração, com a pedagogia crítica, com a aprendizagem híbrida e com a busca, sempre, pela igualdade de oportunidades educacionais para todas as pessoas.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a competência em informação ser indutora do desenvolvimento do pensamento crítico, da educação de qualidade e da aprendizagem autônoma, precisamos promovê-la de forma pretendida, planejada, contínua e extensiva em diferentes instituições (de caráter educativo, cultural e social) da esfera pública e privada, tanto durante a etapa escolar como durante a etapa pós-escolar por meio das diferentes formas de educação continuada para o desenvolvimento humano.

No processo de formação e educação para a competência em informação, as habilidades de colaboração e integração são necessárias. A conexão de experiências de todos os envolvidos no âmbito institucional é fundamental nesse processo, caso contrário, o acesso à educação para a informação continuará favorecendo a poucos e gerando ainda mais desigualdades na acessibilidade, no uso e na apropriação da informação. A educação para a competência em informação requer o engajamento de todos os atores envolvidos nas instituições.

Em suma, uma sociedade em constantes e aceleradas transformações tecnológicas e informacional não dá a todos as pessoas a oportunidade de obter educação para a informação na etapa da vida e contexto social em que se encontram, o que é um exemplo de uma realidade social injusta; é negar um direito humano básico para o acesso à informação de qualidade.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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[1] Bibliotecária da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Documentação: Arquivos e Bibliotecas no Entorno Digital pela Universidade Carlos III de Madri (2014).