MEDIAÇÃO E SUA INTERAÇÃO MULTIDISCIPLINAR PARA A PRODUÇÃO DA INFORMAÇÃO
Cayo Madson Borges Silva de Oliveira[1]
Universidade Federal de Alagoas
Filipe Torres de Melo[2]
Universidade Federal de Alagoas
Olga Mylenna Diniz Botelho Santana[3]
Universidade Federal de Alagoas
Francisca Rosaline Leite Mota[4]
Universidade Federal de Alagoas
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Resumo
Para o campo da Ciência da Informação (CI), é de grande relevância a discussão sobre o fluxo informacional, que é um objeto focal das pesquisas desenvolvidas nessa área. Por esse motivo, não são estudados apenas os meios e os conceitos, mas as relações que eles têm entre si e as suas mediações, sempre levando em consideração os processos que envolvem sua comunicação, usabilidade e acessibilidade pelo tecido social. Também, observam-se as distintas visões que envolvem a mediação tida na Ciência da Informação e os diversos ramos do conhecimento, tais como a Comunicação, a Psicologia e a Ciência do Direito. Diante disso, este trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica que visa conceituar a mediação da informação em áreas distintas e analisar a importância dessa atividade em cada segmento. Quanto aos aspectos metodológicos, esta pesquisa é de natureza aplicada, enquadrando-se nos objetivos exploratório e descritivo.
Palavras-chave: Mediação da informação. Mediação. Ciência da Informação.
MEDIATION AND ITS MULTIDISCIPLINARY INTERACTION FOR THE PRODUCTION OF INFORMATION
Abstract
For the field of Information Science (CI), the discussion about the information flow, which is a focal object of the research developed in this area, is of great relevance. For this reason, not only means and concepts are studied, but the relationships they have with each other and their mediations, always taking into account the processes that involve communication, usability and accessibility by the social fabric. Also, there is a close relationship between the mediation seen in Information Science and the various branches of knowledge, such as communication, psychology and the Science of Law. Therefore, this work aims to conceptualize the mediation of information in different areas and analyze the importance of this activity in each function. As for the methodological aspects, this research is of an applied nature, fitting in the exploratory and descriptive objectives.
Keywords: Mediation of information. Mediation. Information Science.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o termo Mediação tem sido adotado pelas mais diversas áreas do saber, a partir de diferentes abordagens e perspectivas.
Na conjuntura atual, a mediação tornou-se uma prática comum a diferentes domínios do conhecimento, sempre com o olhar voltado para suas necessidades e particularidades, dadas as ações sociais que foram modificadas no decorrer do tempo, fato que propiciou o avanço dos processos mediadores e sua aplicação em diferentes contextos.
Entre as áreas que se apropriaram do termo para fundamentar sua prática, está a Ciência da Informação (CI), na qual observa-se a expansão da tese de que a mediação consiste no seu objeto de estudo — papel que, para outros, deveria competir apenas à própria informação. Segundo Almeida Júnior (2008), essa reconfiguração emergiu a partir da conceituação da informação como subjetiva, intangível e dependente dos referenciais dos usuários, cuja mediação ocorre por meio de interferências.
Sobre isso, destaca-se:
A interferência se contrapõe à ideia de isolamento, passividade. O espaço informacional se constitui ao mesmo tempo como objeto e sujeito da história, do destino da sociedade. É objeto, pois recebe influências e é sujeito em todos os momentos em que influencia, em que interfere. A unidade informacional não é um espaço isolado, ilhado, alheio e isento de interferências. Todas as transformações sociais, de uma ou outra forma, influem e exigem posturas e mudanças tanto do espaço informacional, como dos que nele atuam e dos serviços implantados e oferecidos (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 47).
A mediação, por sua vez, ocupa espaço em diferentes domínios, para as quais possui significados distintos, e desperta inquietações sobre como se dá esse processo e sua usabilidade, também, entre os demais campos do saber. Por isso, este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica acerca do tema, a partir do olhar de quatro domínios: Comunicação, Direito, Psicologia e Ciência da Informação, com destaque para a última, que corresponde à nossa área de interesse e à nossa linha de pesquisa.
Enfatiza-se, portanto, que, nas próximas seções deste trabalho, será apresentada a forma como a mediação, que já ocupa um espaço relevante nos estudos acerca da informação, tem ganhado notoriedade em outras ciências, com conceituações e aplicações próprias. Também, observar-se-á um breve escorço histórico sobre o conceito de Mediação e, ainda, a sua relevância para a difusão da informação dentro da sociedade hodierna.
1.1 OBJETIVO GERAL
Este trabalho visa conceituar a mediação em domínios distintos e analisar a importância dessa atividade em cada função.
1.2 OBJETIVO ESPECÍFICOS
a) Analisar se há pacificação no conceito da Mediação da Informação;
b) Descrever a importância da Mediação para a produção da informação;
c) Analisar a variabilidade do conceito na Comunicação, no Direito e na Psicologia.
2 UM BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO E SUAS PLURALIDADES
A Mediação pode ser conceituada sob o prisma de diferentes abordagens e das mais variadas áreas do saber. Essa situação pode ser exemplificada sob o olhar da Filosofia, no ano de 1998, quando surgiu, por Signates, a pesquisa que dava vida à mediação à luz da Filosofia e da História:
O conceito de mediação procede principalmente de duas vertentes filosóficas: a idealista, de origem cristã, e a hegeliana, bem como a tradição marxista. Tais vertentes são obviamente distintas, a primeira ligando-se sobretudo à herança teológica (mediação do Cristo entre Deus e o mundo; mediação dos santos entre os pecadores e Deus) e, em seguida, tomando-se corrente no existencialismo, e a segunda, numa preocupação específica de explicar os vínculos dialéticos entre categorias separadas. Ambas as orientações, contudo, às vezes se tocam, como parece ser o caso do quase insuperável problema do dualismo, que o conceito implica (SIGNATES, 1998, p. 38).
Diversos pesquisadores que trabalham com mediação, como Varella, Barbosa e Farias (2014), conseguiram identificar as áreas que vêm trabalhando o uso da mediação ao longo das últimas décadas. Entre elas, destacam-se: Comunicação Social, Psicologia, Sociologia, Direito e Ciência da Informação (CI). Diante disso, Santos Neto (2017, p. 254) ressalta que “o termo mediação começou a aparecer, nas publicações, atrelado a alguma área do conhecimento, o que instigou os autores a procurar por outros tipos de mediação”, ou seja, à medida em que o interesse pela área e sua relevância para as relações sociais cresceram, foram explicitadas formas de mediação e as particularidades e funções de cada uma, conforme demonstrado por Santos Neto (2014, p.63) no quadro a seguir:
Quadro 1 - Modalidades de Mediação
Fonte: Santos Neto (2014, p.63).
À luz disso, fica evidente a utilização do termo mediação em diversas áreas do conhecimento, dadas as ações sociais que foram modificadas ao longo do tempo, fato que propiciou o avanço dos processos de mediação e sua aplicação em diferentes contextos — a partir de perspectivas e fundamentações distintas, baseadas em cada tipo de saber —, o que corrobora com a identificação de uma pluralidade nas formas de mediação, para cada caso de motivação, seja individual ou coletiva.
E, em todas elas, a mediação converge ao apresentar-se como um fenômeno que “envolve em sua dinâmica vários processos, com o objetivo de ajudar o sujeito a descortinar a realidade, mediante uma ação orientada por elementos intervenientes, como pessoas, instituições, ferramentas e objetos” (VARELA; BARBOSA; FARIAS, 2014, p. 141).
3 MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO
No domínio da informação, cresce a incidência de correntes teóricas que consideram a mediação um objeto de estudo da CI, não apenas um elemento — o que traz um protagonismo para esse processo, sobretudo pela sua representação social e pela conjuntura sociohistórica em que tais teorias emergiram. Sobre isso, ao dialogar acerca das contribuições da mediação para a fundamentação teórico-epistemológica da categoria nos estudos da informação, Martins (2019) recupera o panorama histórico da disseminação do conceito nos campos da Comunicação e da Informação, na América Latina, durante a década de 1980.
Segundo Martins (2019), a adoção do termo mediação nessas áreas do conhecimento dá-se, principalmente, a partir dos seguintes marcos históricos: a) reorganização do capitalismo após aguda crise de acumulação; b) processos de democratização no continente; e c) emergência de novos movimentos sociais, que vão além das reivindicações trabalhistas e do debate sobre a luta de classes, por abarcar outras problemáticas entranhadas no seio social — de questões de gênero a pautas ambientais.
Observa-se, assim, um cenário de grandes transformações sociais e produtivas, que abriu o terreno para os avanços e as adequações das Ciências Sociais às complexidades da contemporaneidade.
Desse modo,
Na Ciência da Informação estas reorientações tiveram como base questionamentos sobre os referenciais fisicistas e cognitivos a partir dos quais era compreendida a informação, o que resultou na emergência de perspectivas epistemológicas “alternativas” que passam a destacar o caráter fundamentalmente social, cultural, histórico e político dos processos informacionais (MARTINS, 2019, p. 4-5).
Com o processo de Globalização, em que houve a ruptura de barreiras e o acesso desenfreado a todas as formas de tecnologia, observou-se que a ciência e os aparatos tecnológicos, por terem se desenvolvido de forma desenfreada, acabaram trazendo necessidades específicas e, assim, mudaram a forma de pensar e agir dos seres humanos. Neste sentido, esse avanço exponencial das tecnociências e a consequente difusão das informações nas últimas décadas propiciaram um:
[...] mundo marcado pela explosão informacional, destacam-se, portanto: a abordagem da realidade complexa através de ferramentas cognitivas; a construção de representações mentais; o desenvolvimento de competências e habilidades; e a reflexão em torno da apreensão e da compreensão da informação pelo sujeito (VARELA, 2007, p. 19).
Ademais, em relação aos serviços concernentes à informação:
Os profissionais devem pressupor que suas ações mediarão o conhecimento entre os documentos e seus usuários. É nesta relação que as estratégias de organização do conhecimento, por meio de suas diversas ferramentas, contribuem para efetivar o acesso do usuário às informações de que precisa para apreender, transferir e transcender o conhecimento. Pode-se assim afirmar que a razão para organizar o conhecimento é possibilitar o processo futuro de mediação, que será vivenciado posteriormente pelo usuário, ainda que autonomamente (VARELA; BARBOSA; FARIAS. 2014, p.206).
Nesse entendimento, foram originadas pesquisas práticas que envolviam a mediação da informação e suas implicações para o corpo social. Fato este que demonstrou um grande esforço do meio científico brasileiro do domínio da Ciência da Informação, que buscou se ater a estudos com variáveis associadas “à intersubjetividade que permeia os processos de comunicação, de significação e de compartilhamento da informação, o que demonstra aproximação com as áreas nucleares da mediação e apropriação da informação” (SANTOS NETO; ALMEIDA JÚNIOR. 2017, p. 256).
Diante disso, surge a primeira conceituação de Mediação da Informação dentro do domínio da CI no território brasileiro, que foi apresentada no Encontro Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciência da Informação (Enancib), em 2008, por Almeida Júnior (2008), ao demonstrar que mediação é toda interferência realizada por um profissional da informação. Sobre isso, o autor especifica:
Mediação da informação é toda ação de interferência — realizada pelo profissional da informação —, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; que propicia a apropriação de informação que satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 46).
O teórico é ainda mais específico ao posicionar a mediação na consolidação da CI, ao postular que “o que diferencia a área da Ciência da Informação das outras áreas que lidam, também, com a informação seria o fato de que o objeto da Ciência da Informação não é a informação em si, mas a mediação dela” (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 46). E, para que esse processo ocorra, efetivamente, “entende-se que é importante que se tenha, além da interação, o foco na necessidade do usuário, levando em consideração os fatores relacionados a seus sentimentos (angústia, ansiedade, incertezas), a sua personalidade e a sua cognição (conhecimento)” (SOUTO, 2010, p. 78).
Destarte, compreende-se o profissional da informação não como um ator passivo e subserviente, mas como um agente ativo — política e socialmente — no processo informacional e destituído de imparcialidade, visto que, como todo indivíduo, é dotado de subjetividades, indissociáveis do seu fazer. De tal modo, conforme apontam Prado e Santos (2020), esse processo tem como princípios fundamentais o protagonismo social, o acolhimento e o empoderamento do profissional — de modo que, por protagonista, entende-se o “agente consciente do seu papel e da sua função social e imbuído dessas responsabilidades age proativamente pelas suas competências adequando recursos que gerem autonomia crítica aos envolvidos” (PRADO; SANTOS, 2020, p. 7).
A mediação, por sua vez, dentro do contexto da CI, apresenta-se em diferentes graus. Em seus apontamentos sobre a disseminação seletiva de informações, Souto (2010), aponta os cinco níveis de mediação de Kulthau: a) organizador, limitada à organização do sistema informacional; b) localizador, relacionada à intervenções pontuais, caracterizadas pela resposta ou localização de informação; c) identificador, quando a interação com o usuário dá-se em um único momento, para que o mediador possa entender o problema e indicar fontes potenciais; d) conselheiro, situação em que o mediador assume o posto de conselheiro, assim como busca e indica fontes relacionadas às demandas do usuário; e e) orientador, nível no qual o mediador participa do processo de construção do conhecimento, em permanente diálogo com o usuário, até o encerramento do processo.
No entanto, a mediação, apesar de tratar-se de uma interferência, não pode ser confundida com a manipulação, como reforça Almeida Júnior (2008). Não à toa, o autor supracitado enfatiza que “a linha que separa a interferência da manipulação é extremamente tênue. Apesar disso, o profissional da informação deve procurar o difícil equilíbrio sobre essa linha” (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 48). Assim, a partir desse cuidado e ciente de sua responsabilidade social, o profissional da informação pode atuar a serviço da construção do conhecimento, do fortalecimento do ambiente crítico e democrático, bem como na condução do futuro da história da humanidade.
Constata-se que, para o domínio da CI, é de grande relevância a discussão sobre o fluxo informacional, que é um objeto focal das pesquisas desenvolvidas nesse campo. Por esse motivo, não são estudados apenas os meios e os conceitos, mas as relações que eles têm entre si e as suas mediações, sempre levando em consideração os processos que envolvem sua comunicação, usabilidade e acessibilidade pelo tecido social.
Assim, as conceituações e as pesquisas concernentes à mediação da informação dentro da CI têm levado a reflexões sobre como se dá esse processo e sua usabilidade, também, pelos demais domínios do saber. De tal modo, neste trabalho, apresentamos como a mediação, que já ocupa um espaço relevante nos estudos acerca da informação, tem ganhado notoriedade em outras ciências, com conceituações e aplicações próprias, a exemplo da Comunicação, do Direito e da Psicologia.
4 MEDIAÇÃO PARA A COMUNICAÇÃO
Informar para comunicar, uma frase muito repetida entre os comunicólogos. Se faz necessário absorver grande quantidade de informação para transmitir um conteúdo que permita ao público, seja leitor, ouvinte ou telespectador, absorver o assunto e partir para a construção da análise pessoal, a fim de formar uma opinião.
Mas para onde foi o processo de comunicar? Este ficou com o interlocutor — comunicador, que fará o papel de mediar a informação com clareza e assertividade, porém, com distanciamento sobre suas opiniões e questionamentos pessoais.
Nessa lógica, a ideia da “imparcialidade” ao fazer jornalístico tem sido superada e contraposta por diferentes teóricos, como dispõe Alsina (2009):
Os acontecimentos são gerados através de fenómenos que são externos para o sujeito; 2. Mas os acontecimentos não fazem sentido longe dos sujeitos, pois são eles os que lhes conferem sentido. 3. Os fenômenos externos que o sujeito percebe tornam-se acontecimento por causa da ação deste sobre aqueles. Os acontecimentos se compõem das características dos elementos externos nos quais o sujeito aplica seu conhecimento (apud SANTOS; RODRIGUES, 2017, p. 526).
Tais pressupostos evidenciam a presença da subjetividade na prática jornalística, “não havendo como dissociar esses elementos sem prejuízos à construção de sentido, já que a subjetividade do sujeito enunciador (do jornalista) é parte constituinte e determinante desse sentido” (SANTOS; RODRIGUES, 2017, p. 526).
À luz disso, é perceptível que a mediação na comunicação atua, dentro dos padrões éticos, na tentativa de manter a isonomia do discurso, o que, ainda assim, não exclui a interferência e a subjetividade do profissional — mesmo que, a exemplo do Jornalismo, o centro da atenção seja o fato em si.
Ainda no escopo da Comunicação, muitos pesquisadores dialogam sobre a temática ao traçar um paralelo entre mediação e midiatização, por possuírem conotações próximas, como sugere Barros (2012):
Enquanto “midiatização” vem sendo pensada como uma nova forma de sociabilidade, decorrente de uma lógica midiática, “mediação” traz já de algum tempo o sentido das interações sociais, que nos dias de hoje se dão essencialmente – mas não exclusivamente – por intermédio da mídia (BARROS, 2012, p. 88).
Observa-se, nesse contexto, uma divergência crucial no que tange ao controle informacional e à disseminação do conhecimento. Dessa forma, diferentemente da comunicação, o cientista da informação tem, explicitamente, a compreensão e a validação do seu livre arbítrio de interferir na condução da informação — que se transformará em conhecimento — ao usuário.
Essa interferência se traduz em um direcionamento à busca de informação, como conceitua Almeida Júnior, em Mediação da Informação: ampliando o conceito de disseminação, “[...] o conceito de disseminação ainda é entendido como mero acesso físico ao documento e outros termos surgidos deixam ainda mais claros essa relação: disponibilizar, oferecer, transferir, veicular, divulgar, etc” (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p.43)
Nesse ínterim, vê-se que a mediação da informação é trabalhada em aspectos informacionais distintos, mas que, ao mesmo tempo, levam em consideração a participação do usuário, em que, de acordo com o conhecimento de visão de mundo deste interlocutor, existirá uma maior ou menor interferência no processo mediacional.
Depreende-se, desse contexto, que o que diferencia, de fato, o domínio da Ciência da Informação das demais áreas do conhecimento que lidam, também, com informação, seria o fato de que o objeto da CI não é a informação em si, mas a mediação dela. Nessa lógica, é visível que esse fato se contrapõe ao sentido de informação na comunicação, que se apropria de uma temática sem se envolver com a natureza do objeto, o que permite que o usuário decida por qual lente deseja observar a construção da informação.
Thomas Kuhn, em seu livro Estruturas das revoluções científicas, apresenta o conceito de lentes inversoras — lentes para telescópio —, que modificam a forma como o usuário enxerga um objeto, que passa a estar invertido, e que permite entender por qual lente o usuário irá observar os processos informacionais que o aproximará da mediação da informação. Assim, “o que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver” (Kuhn, 2006, p. 148).
Para Kuhn, “o homem acostumado às lentes invertidas experimentou uma transformação revolucionária da visão” (KUHN, 2006, p. 147), ou seja, a partir dessa premissa, entende-se que os cientistas da informação não podem se deter apenas nas estruturas imóveis dos processos informacionais, por mais claros e objetivos que estes paradigmas possam ser, como o modelo de mediação apresentado pela área da comunicação.
Ainda para o autor, “o cientista que abraça um novo paradigma é como o homem que usa lentes inversoras” (KUHN, 2006, p.157). Nesse sentido, depreende-se que essa é a principal diferença entre as duas grandes áreas, aqui abordadas, já que a CI abraça esse novo paradigma frequentemente, em um exercício produzir novos saberes a partir de novas lentes sem exitar em mudar de perspectiva caso precise, por outro lado, a comunicação está envolta em um modelo de circuito fechado, e dificilmente abrirá portas para novas formas de observar os processos que circulam ao redor.
Por fim, fica nítida a importância de ambas para a construção do processo informacional e dos modelos de mediação, contudo, não se pode deixar de enfatizar que a Ciência da informação, como área de conhecimento interdisciplinar, abrange espectro bem maior que a Comunicação no que concerne à produção e apropriação do conhecimento.
5 MEDIAÇÃO PARA A CIÊNCIA DO DIREITO
Antes de tudo, é fundamental destacar a estreita relação entre a mediação tida na Ciência da Informação e o seu alicerce para a Ciência do Direito, já que o jurista também é considerado um mediador. Assim, a mediação dentro desse ramo pode ser tida como um meio extrajudicial específico para que conflitos possam ser resolvidos, tendo sempre a finalidade precípua de resolver ou, até mesmo, evitar casos de litígio que possam gerar impasses inviabilizadores da comunicação.
À luz disso, depreende-se que, do mesmo modo que a mediação é utilizada em diversos ramos do conhecimento, tais como a Arquivologia, a Biblioteconomia, a Psicologia, também há a existência da Ciência do Direito que trabalha diversas áreas, como a Mediação de Conflitos e a Mediação Jurídica, em que o mediador busca um resultado pautado no interesse de ambas as partes, sempre desempenhando um papel de conciliador, demonstrando que a mediação na Ciência Jurídica acaba por assumir uma perspectiva diferente daquela na Ciência da Informação e nas demais. Assim, a mediação para a Ciência do Direito:
Trata-se de um método alternativo e consensual para a tentativa de resolução de conflitos que necessita do envolvimento e da colaboração para que a negociação seja facilitada com presença e participação do mediador, que deve ser um sujeito neutro e imparcial para ajudar as partes no diálogo que resulte num acordo que seja bom para ambas as partes (JOVANOVICH; CAVALCANTE, 2020, p. 57).
Observa-se, nesse viés, que o fato de o pesquisador da área do Direito ser mediador é possibilitado devido ao fato de a mediação ser uma atitude que causa interferência em determinado processo, independentemente de ser de forma direta ou indireta. Nesse mesmo entendimento, Almeida Júnior (2007) elucida sobre a questão quando discorre que a Ciência do Direito tem o jurista como um mediador em suas práticas laborais, tendo respaldo nos diversos documentos legais e nas doutrinas que foram elaboradas ao longo das últimas décadas, logrando enormes proporções dentro da sociedade:
Há que se ficar bem claro, também, que na mediação existe “interferência” do profissional que atua no espaço em que ela é deflagrada. A interferência contradiz o senso comum dos profissionais da área que defende uma impossível neutralidade no âmbito do fazer desses profissionais. Não só a interferência é salutar, como é, também, imprescindível. Os limites entre a interferência e a manipulação, no entanto, são frágeis e passíveis de não serem percebidos (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 34).
Nessa perspectiva, é visível que os advogados são mediadores de informação e, em grande parte dos casos, das informações vinculadas ao universo jurídico, fato que deixa clara sua importância para a mediação. Desse modo, é possível inferir que "o advogado é, essencialmente, o profissional recomendado para conduzir, de forma parcial, o processo de construção de soluções para as desavenças enfrentadas por seus clientes" (BRASIL, 2014, p. 7).
Também, sabe-se que, quando a mediação da informação é utilizada com um vocabulário jurídico, isso pode facilitar a difusão da informação para todos os usuários desse campo, inclusive, para o próprio tecido social, proporcionando, dessa forma, uma democracia plena e a efetividade da inclusão social. Ademais, quando se fala nas esferas de poder, como é o caso do poder judiciário, percebe-se a relevância de um espaço propício, em que a sua acessibilidade e usabilidade são tidas como fatores preponderantes para que haja, de fato, o exercício da cidadania.
Em tempo, importante se faz salientar que existem leis específicas que disciplinam o processo de mediação, apesar de serem relativamente novas, fruto de muita inquietação no meio jurídico. Uma delas é a Lei n. 13.140, que traz mais segurança para o exercício da atividade de mediadora e discorre "sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública" (BRASIL, 2015, p.1).
6 MEDIAÇÃO PARA O CAMPO DA PSICOLOGIA
Assim como em outras áreas do conhecimento, a mediação também se faz presente no exercício da Psicologia, embora a maior parte da literatura faça referência ao seu diálogo com outros segmentos, como Direito — aprofundado anteriormente — e Educação — sobretudo, nos processos de ensino-aprendizagem e de desenvolvimento humano.
Antes de tudo, é importante situar o processo de mediação no âmbito psicológico, que constitui-se por meio da “relação do homem com o mundo e o outro, assim o desenvolvimento humano acontece por meio das relações mediadas entre os indivíduos e a realidade” (VARELA; BARBOSA, FARIAS, 2014, p. 143). Portanto, segundo essa perspectiva, a mediação motiva o ato mental.
Contudo, quando pensada a partir de suas interlocuções com o campo forense, tal mediação costuma estar relacionada à praxis do psicólogo no contexto de conciliação e mediação de conflitos na esfera jurídica, que, segundo Germano (2013), divide-se em duas visões: a que compreende a mediação como ferramenta para acordos e a que se preocupa com o gerenciamento dos conflitos das partes. Essa última, de acordo com o autor, estaria destinada a profissionais da saúde e de assistência, a exemplo dos psicólogos, que “não estariam preocupados com os resultados legais do litígio e, sim, com o estabelecimento de canais de comunicação entre as partes” (GERMANO, 2013, p. 20).
Assim, o autor supracitado sugere que à Psicologia interessa a Mediação Transformativa de Parkinson (2005), por meio da qual “a função do mediador é facilitar que as partes entendam sua dinâmica relacional. O acordo aparece como consequência disso” (GERMANO, 2013, p. 20).
Nesse contexto, diferente do que identificamos na mediação aplicada à informação, na qual o processo de interferência é uma máxima — implícita ou explicitamente, Sales (2004) aponta que “o que caracteriza o mediador é a postura participativa/não-interventiva, pois não possui a intenção de intervir no mérito das questões afirmando o que é certo ou errado, justo ou injusto, mas questionando o que eles (partes) entendem ser certo ou errado (apud GERMANO, 2013, p. 21). Assim, aqui, a intervenção é, teoricamente, refutada, no que diz respeito ao posicionamento do mediador, trazendo à reflexão o indivíduo que passa pelo processo, emergindo dele o pensamento crítico acerca do fenômeno. Contudo, a própria construção de questionamentos, por parte desse mediador, implica em sua interferência e intervenção, a partir de suas próprias construções — portanto, esse panorama nos leva à reflexão sobre a possibilidade de tal relação dar-se implicitamente.
Além do campo forense, a Psicologia também discorre sobre a mediação nos âmbitos Escolar e Social. Entre os principais teóricos que trazem à luz esse conceito, a partir da lente psicológica, está Lev Vygotsky (1896-1934), psicólogo bielo-russo defensor do ensino como processo social. Para ele, “a mediação é a ação que se interpõe entre o sujeito e o objeto de aprendizagem e, neste caso, a palavra é de fundamental importância. A mediação é a própria relação dialética entre os sujeitos” (VARELA; BARBOSA, FARIAS, 2014, p. 144).
A teoria de Vygotsky aponta os mediadores como “instrumentos que transformam a realidade em vez de imitá-la; sua função não é adaptar-se passivamente às condições ambientais, mas modificá-las ativamente” (VARELA; BARBOSA, FARIAS, 2014, p.144), divididos em duas categorias: ferramenta e cultura — a primeira corresponde àquela com atuação material modificadora e a segunda, sistema de signos que medeiam as ações dos indivíduos.
O sistema de sinais utilizado com maior frequência é a linguagem falada, porém existem muitos outros sistemas simbólicos que permitem uma atuação sobre a realidade. Ao contrário das ferramentas, o sinal não modifica materialmente o estímulo, mas modifica a pessoa que o utiliza como mediador e, definitivamente, atua sobre a interação dessa pessoa com seu meio (VALERA; BARBOSA; FARIAS, 2014, p. 144).
Vygotsky também introduz uma discussão acerca da interação e destaca a indissociabilidade entre desenvolvimento e aprendizado. Em sua perspectiva sociointeracionista, “Vygotsky confirma a mediação entre o universo objetivo e o subjetivo” (ZANOLLA, 2012, p. 6). Assim, o teórico tomou como base a concepção dialética de Marx e fincou raízes nas ciências da mente e do comportamento humano.
A psicologia social marxiana, como área da educação, dialeticamente, encontra espaço em um lugar que até então era reservado à sociologia e à filosofia; a possibilidade de transformação epistemológica de mentalidades, transformação social via apreensão da realidade, ao tempo em que a práxis encontra também o seu lugar no âmbito da psicologia educacional (ZANOLLA, 2012, p. 6).
Ainda na perspectiva dialética, o fenômeno também se faz presente no contexto da Psicologia por meio de mediação grupal, frequente no ambiente escolar, por exemplo, com intuito de “intervir em aspectos obstaculizados da comunicação entre eles [professores e alunos] e com mediadores institucionais” (PARAVENTI; SCAFF; CORD; OLTRAMARI, 2017, p. 7). Segundo os autores, nesses processos, acredita-se que não só o Serviço de Psicologia atua como mediador, ao valorizar as experiências individuais no coletivo, mas o grupo também se apresenta como mediador.
De tal forma, Andaló (2006, p. 34) aponta que "a mediação tem a ver com a passagem de um nível singular ou particular a um nível genérico, abstrato ou universal, e vice-versa. Ela expressa relações concretas e vincula mútua e dialeticamente momentos de um todo, indicando que nada é isolado" (apud PARAVENTI; SCAFF; CORD; OLTRAMARI, 2017, p. 7).
7 PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa consiste em revisão bibliográfica de natureza aplicada, enquadrando-se nos objetivos exploratório e descritivo. Zanella (2009, p. 79) observa que as pesquisas de cunho exploratório visam à ampliação do conhecimento acerca de um determinado fenômeno, bem como tem a finalidade de buscar um maior conhecimento a partir da exploração da realidade, fornecendo um alicerce para o estudo descritivo. Nesse contexto, Gil (2008, p.28) também destaca que “as pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática”.
No que diz respeito aos procedimentos técnicos, estão integradas, ao trabalho, fontes de cunho bibliográfico. Para a construção dessa pesquisa, foram utilizados os portais de busca de maior relevância para a Ciência Informação e demais plataformas científicas referenciadas nacionalmente, a fim de que fosse feito o levantamento da literatura possível. Os acervos utilizados foram a Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI), a Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO), Google Acadêmico, Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC) e os anais do Encontro Nacional de Ciência da Informação (ENANCIB).
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É bem verdade que os pesquisadores ainda não possuem um consenso no que diz respeito ao conceito de mediação, apesar de já haver um entendimento que a mediação perpassa por diversos segmentos, há muitos anos. Também, constata-se que, independentemente do domínio em que o mediador se encontre — como a Ciência da Informação, o Direito, a Comunicação ou a Psicologia - a mediação apresenta-se de forma ativa, atribuindo ao mediador um protagonismo crítico e social, na construção de narrativas e/ou práticas profissionais.
Foi observada a existência de um grande esforço do meio científico brasileiro do domínio da Ciência da Informação para explicitar que o processo de mediação vai mais além do fato de transmitir uma informação ou usá-la em determinado contexto, mas sim que os processos que a envolvem precisam avaliar as particularidades de cada segmento social, a fim de identificar o melhor caminho a ser seguido.
Ademais, foram identificados os domínios que vêm trabalhando o uso da mediação durante os últimos anos, sendo o enfoque deste trabalho o domínio da Ciência da Informação, da Comunicação Social, do Direito e da Psicologia, evidenciando, entretanto, que as demais áreas, a saber: Sociologia, Filosofia, História, Pedagogia, entre outras, são de igual relevância para o entendimento do processo de mediação ocorrido na hodiernidade.
Por fim, esta pesquisa e os conceitos abordados nela tiveram a finalidade de ampliar e fornecer um maior arcabouço teórico para as discussões acerca do conceito não consensual de mediação, bem como promover uma reflexão concernente às relações existentes entre as áreas do conhecimento e como elas operam a mediação da informação.
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[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Alagoas. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas – FAPEAL.
[2] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Alagoas. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas – FAPEAL.
[3] Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Alagoas.
[4] Profa. Dra. Associada do Curso de Biblioteconomia da UFAL e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI/UFAL).