OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA NOS ARQUIVOS

 

Thaís Rodrigues de Freitas[1]

Museu Nacional de Belas Artes / IBRAM

thaisrfreitas@hotmail.com

Eliezer Pires da Silva[2]

Arquivo Nacional / Unirio

eliezerpires@gmail.com

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Resumo

Os instrumentos de pesquisa nos arquivos são ferramentas utilizadas para facilitar o acesso e a localização de documentos em acervos arquivísticos. Eles são criados com base na organização e na descrição realizadas pelos profissionais de arquivo, permitindo que os usuários possam realizar pesquisas com mais facilidade. Neste artigo estão apresentadas articulações conceituais no âmbito do processamento técnico dos arquivos, com base na revisão de literatura. Esses instrumentos de pesquisa são importantes para o acesso e uso desses documentos pela sociedade em geral. Os arquivos precisam ter uma preocupação constante com seus usuários, buscando garantir que eles tenham acesso aos documentos e informações que precisam de forma eficaz, além de garantir a segurança e preservação dos acervos.

Palavras-chave: Instrumentos de pesquisa. Descrição arquivística. Acesso a informação nos arquivos.

THE RESEARCH INSTRUMENTS IN THE ARCHIVES

 

Abstract

Research instruments in archives are tools used to facilitate access and location of documents in archival collections. They are created based on the organization and description performed by archival professionals, allowing users to more easily perform searches. This article presents conceptual articulations within the scope of the technical processing of archives, based on a literature review. These research instruments are important for access and use of these documents by society in general. Archives need to be constantly concerned with their users, seeking to ensure that they have access to the documents and information they need effectively, in addition to guaranteeing the safety and preservation of collections.


Keywords: Research instruments. Archival description. Access to information in files.

 



1  INTRODUÇÃO

O acesso aos arquivos é fundamental para a compreensão do passado e para a construção do conhecimento histórico. Ao explorar os documentos e informações contidos nos arquivos, as pessoaspodem entender melhor como as sociedades se desenvolveram, quaisforam as mudançasocorridasao longo do tempo, como as instituiçõesforam formadas.

Além disso, arquivos acessados podem desempeñar um papel importante na promoção da justiça e da verdade, permitindo que as pessoas disponham de informações relevantes para investigações ou outras iniciativas destinadas a resolver questões históricas ou contemporâneas. Poder utilizar os arquivos é fundamental para a preservação da memória social, e suadisponibilidade para consulta e pesquisa é essencial para o enriquecimento do conhecimento histórico.

A acessibilidade aos arquivos pode ter um impacto significativo sobre a cidadania, uma vez que a disponibilidade de informações e documentos pode contribuir para uma maior compreensão e participação ativa dos cidadãos na vida política, social e cultural de suas comunidades.

Atualmente, a divulgação dos acervos arquivísticos está marcada pela busca de maior acessibilidade e visibilidade dos arquivos, especialmente para o público leigo. As características que marcamessemovimento são: arquivos que promovem ações educativas e culturais, como exposições, experiências imersivas com uso de recursos audiovisuais, palestras, oficinas e visitas guiadas, para divulgar seus acervos e aproximar o público dos documentos; e uso de tecnologias de informação para divulgar seus acervos, como portais de internet e redes sociais.

Nesta pesquisa buscou-se, a partir da revisão de literatura, uma articulação conceitual dos elementos que caracterizam o processamento técnico dos acervos arquivísticos, considerando o trabalho de organização dos documentos, descrição arquivística dos acervos e elaboração de instrumentos de pesquisa disponibilizados aos usuários dos arquivos. Essa perspectiva ajuda a aumentar a conscientização sobre o valor dos arquivos e o papel que desempenham na preservação da memoria coletiva.

 

2 O DESAFIO DO ACESSO AOS ACERVOS ARQUIVÍSTICOS

 

A organização arquivística de acervos que são considerados patrimônio cultural deve seguir algunas diretrizes específicas para garantir sua preservação e acessibilidade. A complexidade da atividade de contextualização e organização do acervo, inherente ao trabalho desenvuelto com arquivos, é um fator estratégico que contribui por permitir a corretacompreensão do caminhomaisexato para a prática arquivística. Logo, o acesso aos arquivos é importante para as pessoas e grupos, incluindo as minorias, pois permite o acesso a informações e documentos históricos que são fundamentais para a preservação da memória e identidade desses grupos.

Para atender às necessidades dos usuários, os arquivos devem ofrecer uma variedade de serviços, incluindoacessoaos documentos físicos em suas instalações, viabilidade para consultanas bases de dados e catálogos online, serviços de pesquisa e reprodução de documentos, entre outros. Além disso, precisam dar orientação e suporte aosusuários para ajudá-los a localizar informações relevantes em seus acervos e compreender a estrutura e organização dos documentos.

Para isso os instrumentos de pesquisa são a mediação entre os usuários e os documentos, e sua principal função é tornar mais fácil a localização e o acesso às informações contidas nos acervos.

Esses instrumentos podem ser divididos em dois tipos principais: os inventários e os catálogos. Os inventários são instrumentos que descrevem as series documentais existentes nos acervos, enquanto os catálogos são instrumentos que descrevem os documentos individualmente, permitindouma busca mais detalhada.

Os instrumentos de pesquisa também podem ser físicos ou virtuais. Os instrumentos físicos incluem  guias, catálogos impressos, inventários em fichas e outrosmateriais que são disponibilizados nas salas de pesquisa dos arquivos. Já os instrumentos virtuais incluem bancos de dados, catálogos online, plataformas de busca e outros recursos digitais que permitem o acesso remoto aos acervos.

Independentemente do tipo ou formato, os instrumentos de pesquisa são cruciais para a divulgação das fontes arquivísticas, pois permitem que os usuarios compreendam a organização e a estrutura dos acervos, identifiquem os documentos que desejam consultar e compreendam o conteúdo dos mesmos. Eles sãouma importante ferramenta de mediação entre os usuários e o patrimônio documental, facilitando o acesso e a pesquisa em arquivos e outrasinstituições similares.

O modelo de representação da informação arquivística deve ser projetado de forma a garantir o acesso amplo da populaçãoaos acervos arquivísticos, possibilitando a pesquisa e a consulta aos documentos de maneira eficiente e eficaz (ORRICO; SILVA, 2019).

Há uma transformação global em curso desde o período pós-guerras, a partir da qual houve um salto de aceleração principalmente nas últimas décadas. Após a segunda metade do século XX, a sociedade entra em alta velocidade de transformações, conforme destaca McSwite, em prefácio dedicado ao livro de Cavalcanti (2005), em que o autor aborda estratégias de gestão no setor público. No citado prefácio, McSwite afirma que “[...] lidar com a transformação como condição permanente” passou a ser a maior certeza da sociedade, além de uma condição causadora do que ele denomina de aforismo (CAVALCANTI, 2005, p. 13-14).

O desenrolar desses cenários denotam o que McSwite chama de cataclismo, com o fim da era moderna e sucessão pela pós-modernidade (CAVALCANTI, 2005, p. 14). Destaca-se que, apesar de se ter ciência e conhecimento de algumas teorias relacionadas ao fim da pós-modernidade e início de hipermodernidade, conforme suscitada pelo teórico Lipovetsky (2004, 2005 apud CRUZ, 2018), não se deve entrar nesta seara de discussão de temporalidades. O enfoque deve ser específicamente a questão de a atualidade ser uma fase em que a humanidade está em momento completamente díspare ao vivenciado até então pelas gerações anteriores. Como bem destacado ainda por McSwite “Talvez o que mais se aproxime da nossa mudança atual seja aquela que a precedeu, isto é, a mudança do período medieval para o período moderno” (CAVALCANTI, 2005, p. 14).

Na continuidade de toda conjuntura de aceleração nos processos de uma sociedade analógica para imersão em cenários híbridos ou até mesmo totalmente digitais, assisti-se ao transmutar de metodologias, rotinas de trabalho em diferentes escalas. Nota-se, portanto, maior impacto no cenário brasileiro no decorrer das últimas décadas, principalmente:

Nas últimas décadas, particularmente após as guerras mundiais, vimos uma profusão de inovações. Particularmente assistimos ao advento dos microprocessadores, da fibra ótica e, principalmente, da internet. Vivemos agora mais uma era de profundas transformações sociais e tecnológicas, ambas significativamente estimuladas principalmente pela incessante e crescente geração de inovações em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Uma era em que uma nova sociedade parece estar emergindo a partir da tão alardeada e transformação digital. (WEISS, 2019, p. 203)

 

Logo, mais recentemente, observa-se atransformação digital global e seus impactos. Elemento o qual faz os arquivos conseguirem ter bases de dados que permitam o acesso e a pesquisa de informações contidas em seus acervos. Essas bases de dados podem ser desenvolvidas e gerenciadas pelos próprios arquivos ou por um portal que centraliza informações sobre varias instituições.

Atualmente estamos diante das posibilidades trazidas pelo Records in Contexts (RiC). Este éumpadrão internacional de descrição arquivística que visa aprimorar o acesso aos acervos arquivísticos por meio de uma descrição mais completa, contextualizada e interconectada dos documentos. O RiC é uma iniciativa do Conselho Internacional de Arquivos (CIA), uma organização internacional que reúne instituições e profissionais responsáveis pelos arquivos em todo o mundo.

O padrão RiC foi desenvolvido para substituir o padrão de descrição arquivística ISAD(G), que é amplamente utilizado em todo o mundo. O objetivo do RiC é fornecer uma descrição mais completa dos documentos arquivísticos, incluido informações sobre o contexto de produção, a proveniência, as relações entre os documentos e outras informações importantes que podem ajudar os usuários a entender e interpretar o conteúdo dos documentos.

O RiC usa uma estructura múltipla para descrever os documentos, permitindo a navegação pelos acervos e a pesquisa pelos documentos desejados. Além disso, o padrão RiC suporta a criação de pontos de acesso padronizados e a interconexão com outros sistemas de informação, melhorando a interoperabilidade entre diferentes sistemas. Trata-se de um padrão internacional de descrição arquivística que busca melhorar o acesso aos acervos arquivísticos por meio de uma descrição mais completa, contextualizada e interconectada dos documentos.

 

3 Considerações sobre a descrição arquivística       

Descrever documentos de arquivo é uma atividade essencial do trabalho arquivístico. A boa execução pode contribuir para maior alcance dos dados armazenados por um número maior de pessoas ou tornar o acervo algo sem muito acesso pelos interessados da área. Para a organização de um acervo, é imprescindível o uso da descrição:

A organização arquivística de qualquer acervo pressupõenão apenas as atividades de classificação, mas também as de descrição. Somente a descrição arquivística garante a compreensão ampla do conteúdo de um acervo, possibilitando tanto o conhecimento como a localização dos documentos que o integram. Nesse sentido, podemos afirmar que as atividades de classificaçãosóconseguem ter seus objetivos plenamente atingidos mediante a descrição documental. Sem a descrição, corre-se o risco de criar umasituação análoga à do analfabeto diante de umlivro, que ele pode pegar e folhear, masaoqualnão pode ter acesso completo por nãopossuirmeios que lhepermitamcompreender a informação. A classificaçãoarquivística, desprovida das atividades de descrição, somente é inteligível para as pessoas que organizaram o acervo. (LOPEZ, 2002, p. 12)

 

Ademais, é umaatividade intelectual complexa, que precisa de aprofundamento do saber em relaçãoao acervo trabalhado. Como ponderam Andrade e Silva (2008), em seus estudos sobre aspectos teóricos e históricos, para a explicitação de contextos e conteúdos são necessárias habilidades e competências relacionadas a entendimentos sobre produtores, períodos históricos e idiomas da documentação:

 

A descrição arquivística é o processo em que o arquivista cria representações de um determinado acervo arquivístico, explicitando o contexto e conteúdo deste acervo. É claramente uma atividade intelectual que demanda competências de interpretação de texto, conhecimento histórico acerca do produtor e de sua época, além de habilidade com a linguagem que estão sendop roduzidas as informações descritivas. (ANDRADE; SILVA, 2008, p.15)

 

Tendo por base a afirmação de Oliveira (2010, p. 46) de que a descrição também é “[…] uma forma de representação arquivística da mesma maneira que o arranjo”, pode-se ampliar a perspectiva quantoaos aspectos históricos e teóricos desta temática, além de acrescentar considerações que são características próprias da função, quando se dialoga sobre os conceitos específicos da área.

A existência da descrição em antigos registros da Mesopotâmia, desde 1.500 A.C., é apontada por estudiosos dos primórdios da Humanidade. Observada através de práticas que englobavam a compilação de repertórios para o uso administrativo pelos produtores dos documentos, esta forma de cuidarem da informaçãona época contribuiu para a preservação de muitos dos documentos daquele momento remoto. Isto possibilitou a recuperação de muitos itens daquele período, com base nos arranjos físicos realizados principalmente através da utilização de anos e assuntos para classificação.

Já nos períodos de apogeu das civilizações da antiga Grécia e Roma, a descrição passou sem destaque, com exceção apenas para o reconhecimento do uso de cópias, medida aplicada de serventia exclusiva aos escribas ou usuários. Afinal, estes tinham o hábito de copiar documentos apenas com a intenção de posteriormente consultá-los. A isto Duranti (1993) considerou como algo que ajudou futuros pesquisadores a resgatá-los, sendo estes dados recuperados conforme suadisposição física e a forma.

Denominado por Duranti (1993) como a descrição em seu significado simples, tal como “escrever sobre registros”, o autor ainda registra que o ato de descrever só passou a ser uma atividade específica do arquivo após o Século XII, com o surgimento da autonomia municipal, o que exigiu o conhecimento de precedentes e documentação de direitos, em decorrência da necessidade de defesa dos interesses públicos e privados.

Leão (2006 apud ANDRADE; SILVA, 2008) ressalta que, inicialmente, a descrição era empregada para controlar os acervos. Portanto, isso apenas se transformou no final do século XIX, a partir do Iluminismo e das respectivas reformas administrativas na França, que promoveram impactos profundos ao ponto de causarem o fechamento de acervos resultantes de estruturas burocráticas do período pré-reformas. Segundo Leão (2006 apud ANDRADE; SILVA, 2008), apósesses fatos, os acervos passaram a ter função cultural, com instituições responsáveis pela custodia daqueles documentos:

Nesse momento, a descrição arquivística se tornou a solução para um problema que ocorreu quando os primeiros profissionais, historiadores contratados pelas instituições de custódia, passaram a organizar os acervos por tema, descaracterizando o que seria a identidade vinculante mais importante da documentação com seu respectivo produtor, culminando em uma situação irreversível no que se refere à organização física do acervo. (LEÃO, 2006 apud ANDRADE; SILVA, 2008, p. 16) produtor, culminando em uma situação irreversível no que se refere à organização física do acervo. (LEÃO, 2006 apud ANDRADE; SILVA, 2008, p. 16)

 

 

No final do século XIX, a Associação dos Arquivistas Holandeses publicou o clásico Manual de Arranjo e Descrição de Arquivos (ARQUIVO NACIONAL, 1973), influenciando as futuras gerações. A exposição dos procedimentos é apontada como um marco para a arquivística moderna e contemporânea, por apresentar normas, regras e métodos para essaprática dentro do universo dos arquivos.

Atualmente, debates em torno das práticas descritivas são constantemente realizados como tentativas de se traçar formas estáveis para sua realização na comunidade arquivística. De canadenses, americanos, europeus a profissionais de tantas otras nações, as percepções sobre descrição foram amadurecendo e seguem em constante evolução. Isto se debe ao fato de os arquivistas estarem em constante busca por uma forma de viabilizar o maior número possível de elementos consistentes para a construção de conteúdo substancial quanto à produção de descrições fidedignas:

O resultado da descrição arquivística precisa conter elementos acerca do contexto de criação e outros retirados do próprio conjunto documental descrito. Dessa forma, os arquivistas devem sempre descrever o conteúdo, a estrutura e o contexto dos documentos, resguardando a imparcialidade e autenticidade da evidência, característica própria do documento arquivístico. (HAWORTH, 2001 apud ANDRADE; SILVA, 2008, p. 17).

 

O ato de classificar documentos, establecer conexões desde a fase de criação, para facilitar a gestão de acervos e até a próprialocalização de um dado dentro de determinado universo com grande volume de dados armazenados, pode ser considerado como uma das primeiras formas de descrição de acervos arquivísticos. De acordocomLopez (2002):

Muitas vezes, as atividades de descrição são iniciadas durante a própria classificação dos documentos. A sistematização de informações geradas para o controle durante a organização pode ajudar a constituir ótimos instrumentos de pesquisa. Dados como o plano de classificação, os critérios de ordenação dos documentos nas séries, o arrolamento das datas-limite dos tipos documentais, entre outros, serão ótimos pontos de partida. Na organização arquivística, é necessário ter sempre em mente a importância das atividades de descrição. Igualmente importante é prever os instrumentos de pesquisa que poderão ser produzidos como resultado direto da classificaçãoarquivística. Muitas vezes, uma informação, secundária no momento da classificação, pode vir a ser importante para a descrição do documento. Um bom planejamento pode concentrar esforços, ao coletar essa informação durante a classificação, agilizando a produção dos instrumentos de pesquisa. (LOPEZ, 2002, p. 11)

 

Muito debatida, e sem que se tenhaum consenso universal estabelecido através dos tempos, a descrição é o mecanismo que permite aos gestores de acervos umasérie de medidas que vão desde suaidentificação e controle, até suadifusão e acesso. Segundo Yeo (2016, p. 135): “A descrição é tanto processoquantoproduto. É amplamente aceita como elemento essencial no controle de documentos de arquivo, mas muito de seus aspectos, inclusive seus papéis e suasfunçõessempreforam tema de debate”.

A contextualizações do acervo a ser descrito é de suma importância como técnica a ser aplicada no fazer arquivístico. Reconstruir lacunas que remontam a perspectivas de criação, produção e a razão pela qual uma instituição e seu acervo foram criados, é parte estratégica a ser seguida em um programa descritivo. E, como Oliveira (2010) relata, precisa ser mais que um processo minucioso, umaopção metodológica que depende de um trabalho de pesquisa detalhado.

A representação de ideias, viabilizada pela descrição de documentos, tem a função de explicitar conteúdos informacionais que auxiliam o trabalho investigativo dos usuários. Ao mesmo tempo, a construção de instrumentos de pesquisa a partir do ato descritivo contribui para a preservação dos documentos, evitando o seu manuseio excessivo, além de otimizar o tempo de busca e uso das informações arquivísticas.

Assim, a descrição arquivística é umprocesso que tem como objetivo identificar, analisar, organizar e descrever informações sobre os documentos de arquivo, para que possam ser facilmente encontrados e utilizados pelos usuários. O acesso aos arquivos, por sua vez, refere-se à possibilidade de consulta aos documentos pelos pesquisadores, estudantes, profissionais e otros interessados.

A relação entre a descrição arquivística e o acesso aos arquivos é estreita, uma vez que a descrição adequada e precisa dos documentos é fundamental para garantir o acesso efetivo aos mesmos. Quando os documentos de arquivo são descritos de forma clara e consistente, os usuarios podem localizá-los com mais facilidade e entender melhorseu contexto, conteúdo e valor histórico.

Uma descrição arquivística eficiente é capaz de fornecer informações detalhadas sobre o conteúdo, a data, o formato e o autor dos documentos, bem como sobre as condições de sua produção, utilização e preservação. Essas informações permitem aos usuarios selecionar os documentos mais relevantes para suas pesquisas, avaliar sua confiabilidade e verificar sua autenticidade.

Atualmente a padronização da descrição arquivística é importante para garantir que as informações sobre os documentos sejam consistentes, precisas e confiáveis, facilitando a recuperação e o uso dos mesmos pelos usuários. Para alcançar esse objetivo, foram criados diversos padrões e normas internacionais que orientam o processo de descrição arquivística. Com a adoção de padrões e normas comuns, é possível compartilhar as descrições arquivísticas entre diferentes instituições, facilitando a colaboração e o intercâmbio de informações.

Outro aspecto a ser balizado está naquestão de a instrumentalização de acervo por meio de inventário ser uma forma primordialmente estratégica na administração de qualquer arquivo. Conforme Bellotto: tomadas de decisões até conferências de consistências e dar solidez ao que está contido, de fato, no acervo. Conforme Bellotto:

A qualidade de um arquivista transparece na precisão do instrumento de pesquisa que ele elabora e na medida em que seu trabalho satisfaz ao pesquisador. Ao tornar claro e profícuo o encontro entre documento e historiador, ele está cumprindo a missão que lhe foi confiada. Um instrumento de pesquisa incompleto pode esterilizar uma pesquisa, uma vez que o consulente não tem acesso ao acervo e que nenhum meio de busca será refeito, dada a vastidão da documentação a ser descrita. (BELLOTTO, 2005, p. 177)

 

Entender toda a construção deste processo é o que pode garantir ao arquivista o desenvolvimento de um trabalho mais próximo da realidade das organizações e/oupessoas. Conforme corroborado por Oliveira:

A simplificação da descrição, restringindo-a à elaboração de um instrumento de pesquisa para o usuário final, não reconhece o trabalho de pesquisa realizado pelo arquivista. O instrumento de pesquisa constitui-se apenas como um dos produtos do proceso descritivo e não traduz todo conhecimento produzido pelo arquivista sobre o acervo. (OLIVEIRA, 2010, p. 52)

 

Outro aspecto a ser refletido está na aplicação de instrumentos de pesquisa como uma forma de padronização, de acordó com modelos e recomendações previstas em normas. Esta medida possibilita observar os processos de padronização de métodos através das normatizações. As normas, muito trabalhadas principalmente a partir do final do século XX, demonstram ser um reflexo da própria maturação da área por si só, o que contribui para um fazer arquivístico mais objetivo e eficaz.

Na arquivística nacional, trabalha-se comalgum número de publicações cabíveis de serem aplicadas como alternativas e possibilidades para normatização de instrumentalização de acervos arquivísticos. São normas publicadas e difundidas pelo Arquivo Nacional, como a ISAD(G), ISAAR (CPF), ISDF, ISDIAH e Nobrade.

Desde a publicação do clássicoManual de Arranjo e Descrição de Arquivos, dos Arquivistas Holandeses, conforme ressaltam Andrade e Silva (2008), a sociedade busca por uma linguagem universal ou, pelo menos, mais padronizada, para a realização da descrição.

O estabelecimento da Norma Brasileira de Descrição arquivística (Nobrade), como a adaptação da ISAD(G) (CIA, 2000) para a realidade local, foi publicada somente em 2006, através do Arquivo Nacional (CONARQ, 2006)

Ao se abordar o proceso descritivo no contexto de registros documentais em acervos arquivísticos, mesmo com a delimitação de um universo de arquivo permanente, em que se nota a predominância de itens com mais de século de existência, não se pode desconsiderar a interconexão dos suportes para salvaguarda do acervo. Na era atual, a forma de pensar o proceso descritivo engloba mais do que confeccionar mecanismos de padrão clássico, por meio de instrumentos de pesquisas no suporte papel, dentro das instituições.

Andrade e Silva corroboram o trabalho de Haworth (2001 apud ANDRADE; SILVA, 2008), quando este afirma que “[...] a descrição é o coração do trabalho arquivístico”. Para o melhor acesso e uso da informação contida nos documentos, a ampliação do poder de seus conteúdos, além de descrição bem desenvolvida, são fatores cruciais para sua valorização estratégica. Uma descrição bem realizada é capaz de transcodificar dados essenciais que facilitam seu acesso aos usuários de acervos.

 

4 Considerações FINAIS

As iniciativas de ampliação do acesso público aos acervos arquivísticos podem apresentar pontos de convergência e divergência, dependendo das políticas, recursos e contexto de cada instituição. No entanto, a tendencia atual é de que as instituições arquivísticas busquem cada vez mais ampliar o acesso aos seus acervos por meio de tecnologias e estratégias que possibilitem o acesso a um público cada vez mais abrangente.

As possibilidades teóricas e metodológicas para a construção de novos modelos de representação da informação arquivística com ênfase nos usos para a construção de memória e identidade de vários grupos sociais são amplas e variadas, e a combinação de diferentes abordagens pode contribuir para a construção de modelos mais eficientes e inclusivos. Algumas posibilidades nessa área são: abordagem interdisciplinar; incorporação de perspectivas de gênero e diversidade, levando em conta as diferentes formas de experiência e vivência de grupos sociais historicamente marginalizados; participação dos usuários no processo de construção de representação da informação arquivística; utilização de tecnologías digitais.

O arquivo é considerado um patrimônio cultural, pois é um testemunho da história e da memória de uma sociedade, instituição ou indivíduo. Os documentos contidos nos arquivos são um recurso precioso para a compreensão da história e da cultura de uma comunidade.

Não podemos mais ignorar as minorías com sua história pouco representada ou documentada na narrativa oficial, o que pode levar a uma falta de compreensão sobre suas experiências e contribuições para a sociedade. O acesso aos arquivos pode ajudar a corrigir essa lacuna. Isso pode ajudar a fortalecer a identidade e autoestima desses grupos, bem como aumentar a conscientização pública sobre suas experiências e perspectivas. (ORRICO; SILVA, 2019)

O acesso aos arquivos pode ser uma ferramenta importante para a construção da solidariedade entre as minorias e com outras comunidades que enfrentam problemas semelhantes. Incluir as perspectivas das minorias nos instrumentos de pesquisa dos arquivos é fundamental para garantir a diversidade e a pluralidade na história e para possibilitar o acesso de pesquisadores e do público em geral a informações relevantes sobre esses grupos.

Precisamos incluir essas perspectivas na fase de elaboração dos instrumentos de pesquisa, que são as ferramentas de busca e acesso aos documentos.

 

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, R. S.; SILVA, R. R. G. Aspectos teóricos e históricos da descrição arquivística e uma nova geração de instrumentos arquivísticos de referência. Ponto de Acesso, v. 2, n. 3, p. 14-29, 2008.

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ORRICO, E. G. D.; SILVA, Eliezer Pires. Divulgação científica nos arquivos do Brasil: representaçãoarquivísticanaconstrução da memória e identidade. Em Questão, v.25, p.256 - 277, 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/85152/52570. Acesso em: 08 mar. 2023.

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YEO, Geoffrey. Debates em torno da descrição. In: EASTWOOD, Terry: MACNEIL, Heather (org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico, Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016.



[1]Arquivista do Museu Nacional de Belas Artes.

[2]Professor efetivo da UNIRIO e arquivista do Arquivo Nacional.