PREFÁCIO
A atualização da teoria crítica concerne à discussão a respeito do significado e dos usos das teorias. No caso de Habermas, um aggiornamento da teoria crítica da sociedade. Afinal, qualquer teoria requer uma demonstração de aplicabilidade, a não ser que o estudo seja apenas especulativo e, portanto, se reduza a aforismos específicos de um mentalismo inconsistente. Com o avanço da ciência, a noção de aplicabilidade indica um caráter “prático” no seu mais amploo significado.
O debate abarca também a perspectiva habermasiana em toda sua extensão. Por um lado, o pensamento de Habermas supõe “correções” no seu escopo e na sua abrangência, por outro, suas possibilidades e modos de aplicabilidade nos distintos âmbitos do agir. Por isso, ao transformar o agir comunicativo em teoria (TAC), Habermas conseguiu afiançar um escopo, até certo ponto sistemático, em torno ao procedimento deliberativo. Esse é o ponto crucial de sua teoria, com um núcleo relativamente consistente, preocupado em delinear alternativas concernentes às decisões e orientações a respeito do agir. Os três tipos de agir salientam, portanto, possibilidades de escolhas a respeito das orientações das ações.
A pergunta é, de fato, a seguinte: Para que serve a teoria do agir comunicativo?
Evidentemente, não se trata apenas de classificar os tipos de agir, mas de examinar a aplicabilidade da teoria habermasiana concernente ao nosso quefazer. O desafio é importante porque requer não apenas o estudo e a interpretação do pensamento de Habermas, pois as pretensões de validez condizem também ao tipo de orientações que assumimos diante das situações e contextos situacionais do dia a dia.
Aproximar-se a Habermas, conhecer os meandros de sua proposta, as interlocuções e, inclusive, dissertar sobre seu pensamento, é apenas um pretexto para a análise das aplicabilidades deliberativas que vamos realizando, individual ou coletivamente. Não poucas vezes, o debate entre intérpretes e curiosos realça aspectos relevantes, seja em relação aos pressupostos hegelianos, kantianos, marxistas, da fenomenologia, entre outros. Todavia, não há dúvidas que sua teoria apresenta meandros muito mais complexos. Por certo, a renovação da teoria crítica é um dos elementos decisivos da TAC, que também foi e seguirá sendo reatualizada.
Nesse sentido, as indagações “para que serve” e de “como ela vem sendo utilizada” poderá ser constrangedora. Por um lado, porque o estudo da teoria do agir comunicativo supõe uma apropriação à tese deliberativa, e não apenas a elementos específicos de seu escopo teórico. Isso, às vezes, acontece por parte de um academicismo que foi reduzindo-se à super-especialidade, no qual alguém pode ser exímio conhecedor de elementos de uma teoria, mas não consegue transitar através das nuanças e perceber os elos, avanços e modificações que a teoria como tal vai oferecendo, seja por intervenção de seu autor ou, então, desde ingerências alheias ou remotas.
Considerando a aplicabilidade das teorias, as questões para que serve e quais suas repercussões na vida prática incitam, então, à análise das decisões realizadas pelos sujeitos. Ao assumir o papel de sujeito coautor, os participantes podem deliberar de forma consensual, de modo a resguardar os interesses individuais, sempre que eles não representem embaraços ao desejo comum aos demais coautores. Como seres que se realizam na socialização, os coautores se enfrentam sempre aos demais concernidos. Este é o desafio que o núcleo da TAC como afiançador para a tomada de decisões. Deste modo, a tipologia do agir presume também as consequências inerentes ao procedimento, de forma que as escolhas do modelo de ação designa a espécie de “consideração” ou, então, o status designado aos demais coautores (direta ou diretamente envolvidos) e, ao mesmo tempo, a pretensão de um telos, isto é, o fim a ser alcançado.
O agir racional com respeito a fins salienta sempre o tipo de participação oferecido aos coautores e, ao mesmo tempo, pretensões que devem realizar-se. Daí, então, o significado intrínseco dos tipos de agir com relação ao núcleo da TAC. As deliberações evidenciam, portanto, o papel designado aos sujeitos coautores e, ao mesmo tempo, a maneira de encaminhar as decisões e seus impactos na vida dos coautores.
A este respeito, é interessante observar, nos textos de Habermas, sua contraposição entre monolinguismo versus procedimento comunicativo. O núcleo da TAC oferece, então, a normatividade que pode garantir aos sujeitos coautores o papel de participantes; ou simplesmente negar-lhes. De um lado, o procedimento monolíngue, centrado apenas nos interesses individualistas e, em outra direção, a intersubjetividade comunicativa, mediada linguisticamente. A contraposição entre a tipologia do agir com as duas disposições demonstra o exercício da “boa vontade” – se quisermos – ou dos interesses e motivações subjetivas – expressões mais adequadas – para procedimentos e deliberações concernentes ao con-viver na hospitalidade. Nesse sentido, não há dúvidas de que o constrangimento concerne a decisões monocráticas.
Em razão disso, é possível que haja muitos estudos a respeito de Habermas e da TAC, mas poucas práticas. Em outras palavras, parece haver, nos estudiosos habermasianos, um interesse muito grande, mas isso não significa a adoção do procedimentalismo interativo e comunicativo. Com frequência, as decisões seguem os ditames monocráticos, um tipo de procedimento monológico e, portanto, sem a devida sintonia com as exigências pragmáticocomunicativas e, portanto, com o escopo da TAC.
Para ser bem claro, o monolinguismo está embutido e se constitui como praxe na maioria das decisões e procedimentos, o que evidencia a força do monolinguismo, persistente nas áreas da política e social, nas instituições de ensino, na organização de eventos e, inclusive, no encaminhamento didático-pedagógico de pesquisadores, professores e docentes. Não se trata apenas de meritocracismo, mas em criar e sustentar “cercadinhos”.
No Brasil, o cercadinho começou a ganhar força nos últimos anos, demostrando a excentricidade e o aspecto assediador por parte de personagens monocráticos e, por essa razão, eles são extremamente daninhos à convivência. São sujeitos que se utilizam de artimanhas e malandrices para propagar as inconsequências de seus pontos de vista.
A origem de cercadinho está no verbo assediar, que significa literalmente “estabelecer cerco para impor sujeição a determinado espaço”. Em outras palavras, “sugerir com insistência” em determinadas suposições e, além disso, “perseguir” e ameaçar aos que resistem a este apelo. Assim, criar e alimentar cercadinhos significa insistir impertinentemente no monolinguismo, de modo a afiançar a necessidade de dominar estratégica e instrumentalmente os demais. A finalidade do cercadinho não condiz com o núcleo da TAC e, portanto, se refere a um tipo de assédio tripudiante e criminoso.
O individualismo monolíngue não diz respeito somente ao indivíduo fechado em si mesmo, ou seja, ao solipsismo de um cuidado apenas às pretensões e interesses individuais, pois aparece e se evidencia também naqueles grupos que simplesmente se organizam ao redor do Overlapping malicious. Através de suas artimanhas, eles se articulam e impõem um estilo de vida com base em mentiras, simulações e a proposições patologicamente nocivas e insanas à coletividade e ao con-viver hospitaleiro.
Como tentativa e um exemplo de agir comunicativo, destaca-se o procedimento que combina os Fatores C+T, adotado, atualmente, no Observatório Global de Patologias Sociais. A aproximação de pesquisadores de áreas distintas – como filosofia, educação e odontologia – exigiu a conjugação de aspectos resultantes do somatório de distintos matizes. A força criativa de palavras com o prefixo “co” – cooperação, coautoria, compartilhamento, colaboração, comunicação etc. – recebeu o acréscimo da noção de transversalidade (“T”). Os Fatores C+T concerne ao quefazer coletivo, exigindo portanto uma solidariedade mútua. Ele se traduz em coautoria, reforçando a diversidade entre as áreas Sociais, Humanas e da Saúde. Essa noção se expressa através do esforço solidário em pesquisa, tanto em relação aos recursos materiais, força de trabalho, conhecimentos técnicos, capacidades organizativas e de gestão, com também em produções coletivas e feedback relativo aos impactos no mundo acadêmico e social.
Daí, então, a insistência em uma gramática comunicativa, a qual se reserva a precaução e a disposição para evitar cair na tentação de um procedimentalismo monolíngue. O arranjo dos Fatores C+T está demonstrando a riqueza de um trabalho de pesquisa conjunto e cooperativo, uma forma eficaz diante da perda da solidariedade. Essa combinação cria as condições para transpor o imperialismo do sujeito monocrático. Os Fatores C+T não deixam lugar para cercadinhos de sujeitos idiotas, que não assumem sua responsabilidade e seus deveres cívicos. Ir além dos muros significa também o reconhecimento da coautoria de todos os participantes. Por isso, a TAC não é somente uma teoria, pois designa práticas relacionadas uma forma de vida intersubjetiva e com pretensões compartilhadas entre os coautores.
Jovino Pizzi