HONNETH FRENTE À VIRTUALIDADE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA[1]

 

Vanessa dos Santos Nogueira[2]

Universidade Federal de Santa Maria

snvanesa@gmail.com

 

Jovino Pizzi[3]

Universidade Federal de Pelotas

jovino.piz@gmail.com

 

1 INTRODUÇÃO

 

Busca-se nesse trabalho apresentar uma reflexão acerca das relações sociais de reconhecimento intersubjetivo, valendo-se de espaços virtuais, especificamente em um curso de formação de professores, na modalidade de Educação a Distância (EAD), no âmbito do Sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB). A base teórica que guia essa investigação está na luta pelo reconhecimento, proposta pelo filósofo alemão Axel Honneth.

Parte-se do pressuposto de que os estudantes do Curso de Pedagogia EAD/UFSM/UAB lutam por reconhecimento no entrelaçamento do virtual com o presencial. Nesse processo, apresentam padrões de reconhecimento intersubjetivo, embora haja variações conforme a trajetória pessoal e o percurso de formação de cada estudante. O Reconhecimento Intersubjetivo Virtual apresenta uma dinâmica social cuja mediação ocorre através da internet e tem como base os papéis sociais institucionalizados ao longo da história. Esses papéis passam a se modificar com as vivências dos envolvidos tanto no virtual quanto no presencial.

Assim, a internet representa tanto o lugar onde acontece o fenômeno pesquisado, quanto o lugar em que se desenvolve a pesquisa empírica. Nesse estudo considera-se a internet tal como se configura atualmente, enquanto uma representação simbólica, tanto quanto o presencial. A partir do entendimento de que é possível, ao mesmo tempo, habitar diferentes espaços, também somos compelidos a aprender como e onde habitá-los.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

 

A elaboração da reflexão acerca do Reconhecimento Intersubjetivo Virtual se deu a partir da teoria do reconhecimento de Honneth aliada a uma pesquisa empírica, realizada no ambiente virtual de aprendizagem Moodle, tendo como público os estudantes do Curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no âmbito da UAB.

A coleta de dados para constituição do corpus de análise foi desenvolvida através da entrevista semiestruturada. No sentido definido por Triviños, “[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa [...] fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as repostas do informante” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).

A opção pelas entrevistas via internet justifica-se, principalmente, por dois motivos: (1) a localização geográfica dos sujeitos de pesquisa; (2) o potencial de comunicação e a fluência digital dos sujeitos. Em relação ao primeiro, procuramos levar em conta que os participantes da pesquisa estavam em diferentes lugares. O segundo motivador se deve ao fato de acredita- se na potencialidade da Comunicação Mediada por Computador (CMC). Assim, a escolha pelas entrevistas on-line justifica-se à medida que a CMC é a forma de comunicação mais utilizada nos processos de ensino e aprendizagem à distância. Através dela, os sujeitos da pesquisa comunicam-se com seus professores, realizam suas atividades e criam laços afetivos. Por fim, consideramos também que os sujeitos da pesquisa, estudantes da modalidade de Ensino a Distância, possuem fluência digital para utilização desse recurso.

Neste estudo, para pesquisar o movimento constitutivo das relações sociais de reconhecimento intersubjetivo dos estudantes do Curso de Pedagogia a Distância, optou-se pela utilização do espaço virtual do Moodle para a realização das entrevistas.

Os sujeitos participantes da entrevista online foram estudantes matriculados no Curso de Pedagogia EAD/UFSM/UAB, no segundo semestre de 2014, oriundos de dois grupos: uma turma do quarto e outra do sexto semestre do curso. O primeiro grupo era formado por 232 alunos matriculados na disciplina de Didática. Ao segundo pertenciam 175 estudantes matriculados na disciplina de Pesquisa em Educação II: Bases Epistemológicas da Pesquisa.

Os estudantes foram convidados a colaborar com a pesquisa através de mensagem enviada via Moodle. Dos 232 estudantes matriculados em Didática, 13 responderam a entrevista. Na disciplina de Pesquisa em Educação II: Bases Epistemológicas da Pesquisa, 20 alunos, dos 175 matriculados, aceitaram responder a entrevista. Assim, em um universo de 407 alunos matriculados, 33 concordaram participar da pesquisa e responderam a entrevista online. Desse universo, foram selecionados doze entrevistas para constituição do corpus da pesquisa, seis de cada disciplina. Para definir as entrevistas a serem analisadas, priorizou-se o seguinte critério: estudantes que não tiveram contato com ambientes virtuais antes de ingressarem no Curso de Pedagogia EAD/UFSM/UAB e que ainda não atuavam como professores da Educação Básica.

Para analisar os dados empíricos da pesquisa, utilizou-se noções da teoria do reconhecimento, apresentada de forma sistemática na obra Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, a partir de um projeto descritivo-normativo das relações sociais de reconhecimento intersubjetivo, organizado a partir de três esferas, a saber: amor, direito e solidariedade. Como objeto de estudo tomamos o movimento constitutivo das relações sociais de reconhecimento intersubjetivo dos estudantes do Curso de Pedagogia a Distância da Universidade Federal de Santa Maria, utilizando como método de coleta de dados a realização de entrevistas semiestruturadas online e uma Autoetnografia Virtual. A interpretação do corpus teve como base a Análise Textual Discursiva (MORAES, 2005).

 

3 LUTA POR RECONHECIMENTO: A GRAMÁTICA MORAL DOS CONFLITOS SOCIAIS

 

A gramática moral dos conflitos sociais proposta por Honneth oferece elementos teóricos para uma leitura da sociedade atual, bem como suas relações de reconhecimento intersubjetivo. Contudo, a intenção dessa pesquisa é realizar um deslocamento dessa estrutura das relações sociais de reconhecimento para uma leitura das relações de reconhecimentos que são desencadeadas em espaços virtuais institucionalizados de formação de professores a distância, especificamente no âmbito da UAB. Acredita-se que a organização dos modos de reconhecimento de Honneth oferecem elementos teóricos capazes de mobilizar os saberes e determinar o movimento constitutivo das relações de Reconhecimento Intersubjetivo Virtual.

Destaca-se que as relações de Reconhecimento Intersubjetivo Virtuais e presenciais estão entrelaçadas, pois as duas fazem parte do mesmo mundo da vida. A organização das relações de reconhecimento virtual se dá, em um primeiro momento, com a transposição dos modelos presenciais, que vão paulatinamente sendo alterados pela permanência e conexões estabelecidas no virtual, passando a refletir e modificar as relações presenciais. O Reconhecimento Intersubjetivo Virtual se dá num movimento espiral de aprendizagem dos elementos necessários para a comunicação e luta por reconhecimento no entrelaçamento dos espaços online e offline do mundo da vida.

Busca-se na obra Luta por reconhecimento: uma gramática moral dos conflitos sociais, insumos teóricos que sustentem a relação prática das esferas de reconhecimento a partir análise da pesquisa empírica desse trabalho. Para tanto, considera-se que: “A teoria de Honneth é explicativa, pois busca esclarecer a gramática dos conflitos e a lógica das mudanças sociais com a finalidade de entender a evolução moral da sociedade [...]” (SALVADORI, 2003, p. 195).

Honneth organiza sua proposta de uma teoria normativo-descritiva baseada na atualização da teoria do reconhecimento proposta por Hegel, retomando as teorias de George Herbert Mead e Donald Woods Winnicott. A psicologia social, para Honneth, oferece uma materialidade para o movimento constitutivo das relações sociais propostas pelo jovem Hegel e permite o aprofundando das três esferas de reconhecimento e seu funcionamento no mundo da vida.

A teoria do reconhecimento, através do reconhecimento intersubjetivo, surge como uma possibilidade para repensar as relações sociais estabelecidas pelos indivíduos na sua organização social. Além disso, auxilia na fundamentação do ponto de vista moral e normativo, encarnado no cenário histórico, cultural e politico da sociedade e no movimento de reconhecimento recíproco dos autores e co-autores sociais.

Nesse sentido, é possível perceber as três esferas da teoria do reconhecimento: o amor (relações primárias), o direito (relações jurídicas) e a solidariedade (comunidade de valores) como categorias abrangentes que, de certo modo, garante uma leitura da organização social, a construção da identidade dos sujeitos e o balizamento jurídico dos princípios e regras colocados em funcionamento a partir da validação dos indivíduos e instituições sociais.

A primeira esfera de reconhecimento, descrita por Honneth, é o amor. Em especial, trata-se da relação primária estabelecida entre mãe e filho baseada na noção de maternagem de Winnicot. Honneth apresenta o amor a partir do processo de maternagem como uma representação simbiótica. Ao descrever a simbiose Honneth fala que “[…] os dois parceiros de interação dependem aqui, na satisfação de suas carências, inteiramente um do outro, sem estar em condições de uma delimitação individual em face do respectivo outro. Pois, por um lado, a mãe vivenciará o estado carencial precário do bebê” (HONNETH, 2009, p. 166).

Cabe destacar que, embora Winicott entenda a maternagem como circunscrita a relação entre mãe e filho, nessa pesquisa, entende-se que a relação de maternagem pode ser vista de forma mais ampla, pois outra pessoa, além da mãe, pode desempenhar o papel afetivo correspondente a esfera do amor, oportunizando à criança pequena as experiências de autoconfiança necessárias nessa fase da vida humana.

Além das relações primárias de maternagem, a esfera do amor abrange relações amorosas da vida adulta, incluindo contato intimo, relações sexuais e também relações de amizade. Contudo, o processo de maternagem é base para as outras relações de reconhecimento dessa e das outras esferas. O amor é o “[…] cerne estrutural de toda eticidade: só aquela ligação simbioticamente alimentada [...] cria a medida de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a participação autônoma da vida pública” (HONNETH, 2009, p. 178).

Honneth considera que toda relação amorosa está ligada à empatia e à atração, numa relação simultânea da afirmação da autonomia apoiada pela dedicação (HONNETH, 2009). Ao falar sobre a experiência do amor, o referido autor explica que: “Um semelhante modo de auto-confiança constitui o pressuposto elementar de toda espécie de auto-realizacão, na medida em que faz o indivíduo alcançar aquela liberdade interior que lhe permite a articulação de suas próprias carências " (HONNETH, 2009, 276).

A vivência do amor, como relação simbiótica expressa no sujeito as primeiras experiências de reconhecimento. A esfera do amor serve como base para o desenvolvimento das outras formas de reconhecimento. Quando o processo de maternagem não é satisfatório: “[...] a criança torna-se um acumulado de reações à violação; o self verdadeiro da criança não consegue formar-se, ou permanece oculto por trás de um falso self que a um só tempo quer evitar e compactuar com as bofetadas do mundo” (WINNICOTT, 2005, p. 17).

A experiência do amor na maternagem funciona como base tanto o desenvolvimento de uma vida plena, pautada na busca por um projeto de vida boa, tanto como para desencadear processos de reificação. Considera-se aqui a reificação como o esquecimento do reconhecimento social, onde: “[...] o outro não é apenas imaginado como um simples objeto, mas perde-se efetivamente a percepção de que ele seja um ser com características humanas” (HONNETH, 2008b, p. 78).

A esfera do amor proposta por Honneth baseada no pensamento hegeliano ganha novos elementos quando entrelaçada ao pensamento de Mead e Winnicot. Esses autores consideram que o reconhecimento do amor “[...] é a função especial que lhe há de caber no processo de formação da autoconsciência de uma pessoa de direito” (HONNETH, 2009, p. 79). Nessa perspectiva, o amor é a esfera basilar para formação das outras esferas de reconhecimento, quando o processo de maternagem oportuniza relações de afeto e autoconfiança necessária para a formação de novos esquemas de aprendizagem.

A segunda esfera de reconhecimento é a do direito, que se diferencia do amor, no sentido que “[...] só pode se constituir na sequência de evolução histórica” (HONNETH, 2009, p. 180). Ainda sobre a diferenciação entre o amor e o direito:

 

Da forma de reconhecimento do amor, como a apresentamos aqui com o auxílio da teoria das relações de objeto, distingue-se então a relação jurídica em quase todos os aspectos decisivos; ambas as esferas de interação só podem ser concebidas como dois tipos de um mesmo padrão de socialização porque sua lógica respectiva não se explica adequadamente sem o recurso ao mesmo mecanismo de reconhecimento recíproco (HONNETH, 2009, p. 179).

 

O mecanismo de reconhecimento recíproco proposto por Honneth, com base na dinâmica de reconhecimento de Hegel, não é um encontro superficial de interesses próprios ou ainda a representatividade de uma ideologia para sustentar a cultura vigente. O funcionamento de cada uma das categorias carrega consigo como pré requisito um movimento de alteridade, onde o reconhecimento só é válido se um sujeito é capaz de encontrar no outro a reciprocidade no deslocamento da sua consciência de si no confronto da consciência de si de um outro. Assim: “[…] só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos de observar em face do respectivo outro” (HONNETH, 2009, p. 179).

Honneth esclarece que existe uma diferenciação entre as propostas de Mead e Hegel sobre o funcionamento da esfera jurídica. Enquanto para Hegel a esfera jurídica funciona “[…] quando ela se torna dependente historicamente das premissas e dos princípios morais universalistas” (HONNETH, 2009, p. 181), para Mead o reconhecimento jurídico se materializa a partir de um 'outro generalizado' atrelado ao funcionamento jurídico tradicional. “Diferentemente das definições de Mead, as de Hegel só valem para a ordem social do direito na medida em que esta pôde se desligar da autoridade natural de tradições éticas, adaptando- se ao princípio de fundamentação universalista” (HONNETH, 2009, p. 181).

A organização da esfera jurídica apresenta uma questão central para seu pleno funcionamento, onde é necessário “definir a capacidade pela qual os sujeitos se respeitam mutuamente, quando se reconhecem como pessoas de direito” (HONNETH, 2009, p. 187). Assim como a esfera do amor contém em si elementos de aprendizagem sociais desencadeados a partir do processo de maternagem, que funcionam na interação e reconhecimento reciproco dos envolvidos, a esfera jurídica também carece de elementos fundamentais para que os sujeitos sustentem seu amplo funcionamento.

As ações que competem a esfera do direito são embasadas na capacidade de agir racionalmente. Para tanto, os sujeitos necessitam aprender ao longo da vida os valores considerados universais e ter conhecimento do sistema de comunicação que coloca em funcionamento as normas e princípios sociais.

Esse processo de aprendizagem ganha novos elementos com as transformações históricas que resultam de conflitos sociais e lutas por um lugar melhor para viver. Não se nega que essa elaboração é atravessada por sintomas e patologias sociais que dificultam a elaboração de um projeto de bem viver. Contudo, as relações negativas carregam em si um potencial de contra-identificação que mobiliza o cenário cultural e social a partir dos conflitos sociais. Nesse cenário de mudanças, houve um aumento das capacidades que garantem ao sujeito sua atuação como cidadão. Nesse sentido: “[...] um sujeito é respeitado se encontra reconhecimento jurídico não só na capacidade abstrata de poder orientar-se por normas morais, mas também na propriedade contrate de merecer o nível de vida necessária para isso” (HONNETH, 2009, p. 193).

No modo de reconhecimento do direito, o que garante a não violação da integridade social a partir da constituição do auto respeito é o ordenamento jurídico, aliado a sua materialidade no funcionamento das relações sociais encarnadas no mundo da vida. Diante disso, “[...] um sujeito é respeitado se encontra reconhecimento jurídico não só na capacidade abstrata de poder orientar-se por normas morais, mas também na propriedade concreta de merecer o nível de vida necessário para isso (HONNETH, 2009, p. 193).

O direito e o desenvolvimento de autorrespeito moral alteram-se conforme o período histórico, transcendendo o ordenamento abstrato ao entrar em funcionamento gerando autorrespeito nos sujeitos e, por conseguinte, refletindo nas instituições sociais. Quando o autorrespeito é comparado a autoconfiança da esfera do amor, Honneth diz que: “O autorrespeito é para a relação jurídica o que a autoconfiança era para a relação amorosa é o que sugere pela logicidade com que os direitos se deixam converter como signos anonimizados de um respeito social […]” (HONNETH, 2009, p. 194).

O que em determinada época era considerado válido enquanto normas e princípios apropriados não são permanentes. Ainda assim, o modelo referencial para formação de direitos permanece. Nessa direção: “[…] podemos conceber como “direitos”, grosso modo, aquelas pretensões individuais com cuja satisfação social uma pessoa pode contar de maneira legitima [...]” (HONNETH, 2009, p. 216).

Sobre a variação dessa esfera de reconhecimento a partir do cenário histórico, o autor faz referência a uma aplicação específica: “[...] um direito universalmente válido deve ser questionado, à luz das descrições empíricas da situação, no sentido de saber a que círculo de sujeitos ele deve se aplicar, visto que eles pertencem a classes de pessoas moralmente imputáveis” (HONNETH, 2009, p. 186).

A terceira esfera de reconhecimento é a estima social. Ela se distingue do amor e do direito, pois trata das propriedades particulares que definem o sujeito na sua singularidade, pois: “[...] diferentemente do reconhecimento jurídico em sua forma moderna, a estima social se aplica às propriedades particulares que caracterizam os seres humanos em suas diferenças pessoais […] (HONNETH, 2009, p. 199). Assim, o direito caracteriza o reconhecimento do sujeito valendo-se das normas da sociedade.

A forma de reconhecimento de uma comunidade valores (solidariedade) se organiza por uma integração do processo de formação individual e cultural, operando numa via de mão dupla onde individual e coletivo integram-se e alteram-se mutuamente. Para descrever o funcionamento normativo-descritivo desse modo de reconhecimento, Honneth recorre ao pensamento de Hegel e Mead.

A partir das formulações de Hegel (sobre o sistema de eticidade) e Mead (divisão democrática do trabalho), Honneth conclui que essa esfera só funciona de forma adequada quando os sujeitos: “[…] sob a condição de partilharem a orientação dos valores e objetivos que lhes sinalizam reciprocamente o significado ou contribuição de suas propriedades pessoais para a vida do respectivo outro.” (HONNETH, 2009, p. 198-199). Para Honneth, Hegel e Mead “tentaram caracterizar apenas um tipo, particularmente exigente em termos normativos de comunidade de valores, em cujo quadro toda forma de reconhecimento por estima está incrustada de modo necessário” (HONNETH, 2009, p. 199).

A estima social é um modo de reconhecimento de mediação que funciona: “no nível social, por um quadro de orientações simbolicamente articulado, mas sempre aberto e poroso, no qual se formulam os valores e objetivos éticos, cujo todo constitui a autocompreensão cultural de uma sociedade” (HONNETH, 2009, p. 200). Essas orientações simbólicas que articulam os valores e objetivos éticos são alteradas com as transformações sociais, onde: “[…] se a estima social é determinada por concepções de objetivos éticos que predominam numa sociedade, as formas que ela pode assumir são uma grandeza não menos varável historicamente do que as do reconhecimento jurídico” (HONNETH, 2009, p. 200).

A estima social passou por um processo de transformação histórica, assim como a esfera do direito. Os conceitos mudam com o passar o tempo e isso provoca um deslocamento das características atribuídas ao que é culturalmente importante e tende para um entendimento universal válido. Como exemplo dessas alterações, Honneth cita a transformação da honra para prestigio social e na sequência histórica em integridade. Nesse sentido: […] o 'prestígio' ou a 'reputação' referem-se somente ao grau de reconhecimento social que o indivíduo merece para sua forma de autorrealização, porque de algum modo ela contribui com ela à implementação prática dos objetivos da sociedade, abstratamente definido [...]. (HONNETH, 2009, p. 206).

O valor de uma reivindicação dos grupos sociais está ligado ao alcance das suas reivindicações realizadas de forma coletiva. Nesse cenário: “[...] o que decide sobre o desfecho dessas lutas, estabilizado temporariamente, não é apenas o poder de dispor dos meios da força simbólica, específico de determinados grupos, mas o clima, dificilmente influenciável, das atenções públicas [...]” (HONNETH, 2009, p. 207).

Essa luta por reconhecimento de caráter social na sociedade moderna representa, por exemplo, a busca por equilíbrio econômico, relações de gênero e igualdade racial. Desse modo, “[…] as interpretações culturais que devem concretizar em cada caso os objetivos abstratos da sociedade no interior do mundo da vida continuam a ser determinadas pelos interesses que os grupos sociais possuem na valorização das capacidades e das propriedades representadas por eles […]” (HONNETH, 2009, p. 208).

Essa relação dos sujeitos que pertencem ao mesmo grupo social, compartilhando questões de reivindicação por alguma violação de direitos, encontra uma relação assimétrica de reconhecimento. O outro que divide das mesmas aspirações de mudança social se iguala a mim, no sentido de pertencimento e interesse em comum. Os interesses em comum de um grupo sustentam o conceito de solidariedade que aplica “[…] às relações de grupo que se originam na experiência de resistência comum contra a repressão política […]” (HONNETH, 2009, p. 209).

As relações sociais modernas se desencadeiam num reconhecimento recíproco, que Honneth chama de uma estima simétrica, onde: “[…] simétrico significa que todo sujeito recebe a chance, sem graduações coletivas, de experiências a si mesmo, em suas próprias realizações e capacidades, como valioso para a sociedade” (HONNETH, 2009, p. 211). Esse movimento de reinvindicações coletivas remete ao encontro do individual com o grupo, onde as violações de autoestima unem os sujeitos num movimento de encontro com o coletivo e com a sua consciência individual.

Cada um dos três modos de reconhecimento oferece um potencial descritivo-normativo das relações sociais, apresentando um horizonte prático que desencadeia experiências tanto positivas, quanto negativas. Ainda que cada modo de reconhecimento tenha suas características próprias, eles se articulam, integradas entre corpo e pensamento de cada sujeito e sua práxis social.

Em síntese, a busca por reconhecimento se apresenta como “[…] uma luta (que) só pode ser caracterizada de ‘social’ na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para além do horizonte das intenções individuais, chegando a um ponto em que eles podem se tornar a base de um movimento coletivo” (HONNETH, 2009, p. 256). Além do mais, as três esferas do reconhecimento, fundadas na luta de classes e no desrespeito, buscam descrever as formas de como o sujeito se reconhece na medida em que reconhece o outro, ao mesmo tempo em que se reconhece na sociedade.

Desde essa vertente teórica, a partir das três esferas de reconhecimento abre-se a possibilidade de reconstrução de uma teoria social abrangente. As formas de reconhecimento apresentadas por Honneth possuem, em seu interior, uma estrutura de funcionamento com características próprias. As referidas esferas de reconhecimento de forma integrada entre as particularidades de aprendizagem e desenvolvimento da personalidade de cada sujeito. Constituindo-se em sua relação com o outro a partir da interação sócio-histórica e o seu funcionamento prático no interior de cada grupo social, considerando seus costumes, sua cultura, suas normas e princípios que refletem na organização jurídica.

A partir das ponderações descritas até aqui, acredita-se que a teoria do reconhecimento oferece um potencial normativo-descritivo capaz de sustentar uma interpretação dos modos de reconhecimento intersubjetivos, constituídos em espaços virtuais de formação de professores, institucionalizados a partir da política de reconhecimento da UAB.

 

4 RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO VIRTUAL

 

Entende-se que a internet é um meio de comunicação em potencial. Mas não só isso. O sistema da internet oferece recursos que permitem um sentimento de pertencimento, onde: “Fazer coisas online é parte e parcela do dia a dia” (MILLER, 2015, online). Destaca-se ainda que as vivências em espaços virtuais não podem ser generalizadas, elas representam uma transnacionalidade, mas preservam muito da cultura local. Conforme o pensamento do antropólogo Daniel Miller:

 

[…] em estudos da internet que procuram observar quantos amigos uma pessoa tem que ter numa rede social para ser considerada muito popular pelos outros. E, então, eles extrapolam disso para uma declaração geral sobre a amizade no Facebook. Mas eu sei que esse experimento daria um resultado diferente para qualquer outra população. Então, quase todos os estudos recorrentes sobre o uso de tecnologias digitais falham em mostrar o que nós sabemos sobre o uso da internet (MILLER, 2015, online, grifo nosso).

 

O referido autor levanta questões sobre os resultados de pesquisas onde a internet é descrita como universal, baseada em estudos de caso específicos, sem considerar que, se fossem pessoas de outra cultura utilizando a mesma mídia, os resultados poderiam ser muito diferentes. Ao iniciar suas pesquisas voltadas para a internet, Miller questionava-se: “Mas toda vez que lia algo, ficava pensando: mas isso se mantém igual tanto para chineses quanto para brasileiros? Essa “internet” é a mesma para mulheres e homens, pessoas mais velhas e mais novas?” (MILLER, 2015, online).

As pesquisas desse autor apontam para resultados diferentes, que nos interessam na medida em que deslocam os estudos atuais sobre o uso da internet e consideram o virtual como um artefato cultural. Ele esclarece que “estudos sociológicos implicam que o uso da internet tem levado a uma abordagem da rede mais focada no ego, e, ao mesmo tempo, com forças de estado e superestado cada vez mais poderosas, que constituem a nova infraestrutura digital” (MILLER, 2015, online).

Ao mencionar seu estudo sobre redes sociais, o autor destaca que, com a pesquisa “mostramos que a casta é central na forma como a rede social é usada, enquanto nos estudos na Turquia ela é mais tribal e, em outros estudos, tem mais base na família” (MILLER, 2015, online). Ao ser questionado sobre o uso das tecnologias digitais e sua contribuição para as tensões entre cultura global e local e como esses aspectos se articulam cultural e socialmente, o autor se reporta ao fenômeno da selfie: “Porque a selfie parece, a princípio, ser um exemplo extremamente claro de homogeneização global rápida”. O gênero se espalhou por todo o mundo através da internet, mas apresentou especificidades. Para ilustrar, cita sua pesquisa realizada na Inglaterra e em Trinidad:

 

Por exemplo, a maior parte das selfiesem nosso site britânico é de grupos de pessoas, enquanto em Trinidad são individuais. Em nossa amostra sistemática, 557 das amostras de Trinidad são individuais, enquanto apenas 138 das amostras inglesas apresentam o mesmo formato. Em contrapartida, 474 das amostras inglesas são de várias pessoas juntas, enquanto o mesmo acontece apenas com 116 das amostras de Trinidad. Na verdade, gêneros inteiros de selfie, como as selfie-sem- maquiagem e selfie-falsa-lésbica, são importantes na Inglaterra, mas inexistentes em Trinidad. Então não é realmente uma questão de mais global ou mais local, mas, como observei acima, nosso ponto teórico sobre tecnologias digitais é de que elas simultaneamente ampliam a possibilidade não só da universalidade como da particularidade (MILLER, 2015, online).

 

Em virtude dessa dimensão de simultaneidade entre o universal e o particular remete também aos usos que são feitos desses espaços virtuais, à facilidade de ampliação do acesso ao conhecimento, como também da possibilidade de reforçar padrões de preconceito e desrespeito. Para pensar as relações intersubjetivas dos espaços virtuais recorremos a teoria do reconhecimento, como alternativa de interpretação dessa nova realidade.

Na dedicação emotiva (relações primárias), de natureza carencial e afetiva, são mobilizadas na medida em que os estudantes passam a desenvolver uma fluência tecnologia que de suporte a uma comunicação mediada pela internet. A comunicação com o outro, mesmo sem a sua presença física, oportuniza relações de afeto e amizade entre os participantes do curso, Assim como, a percepção que essas relações podem ser superficiais. Essas vivências de formação pessoal desencadeaiam uma autorrelação prática de autoestima.

Nessa direção a Estudante H relata sua percepção acerca das relações de afeto no virtual como positivas enquanto a Estudante I acretida que as relações virtuais são superficiais:

Acredito que as relações virtuais podem ter afeto sim. Eu criei um vínculo afetivo muito legal com as tutoras de seminário, é uma pessoa que adorei, parecia que falávamos pessoalmente, pareciam às professoras conselheiras, eu contava meus conflitos, minhas dúvidas e ela me entendia, me respondia. Depois foi a Mariane no semestre passado e nesse de novo. Ela é uma amiga que posso contar sempre. A maioria dos tutores é legal, com uma ou duas exceções, que eram "curtas e grossas" e às vezes estúpidas, mas cada um é cada um (Estudante H).

 

Minha interação com os demais colegas que ocupam o espaço virtual é muito superficial. Discutimos apenas o necessário através dos fóruns, mas sem poder aprofundar além do superficial, até mesmo pela falta de tempo. Contribui também para isto o fato de eu morar em uma cidade um tanto quanto distante do polo (Estudante I).

 

As relações primárias emergem da fala dos sujeitos quando descrevem as relações de afeto e amizade criadas a partir do convívio virtual. A relação com os colegas também vai além do convívio no ambiente virtual de aprendizagem, expandindo-se para outras redes sociais e aplicativos multiplataforma de mensagens instantâneas. Contudo, nem todos os estudantes percebem o virtual como um espaço de convivência evidente, descrevendo essa convivência como superficial.

Quanto ao respeito cognitivo (relações jurídicas), ele é mobilizado, na questão dos estudantes, pela apreensão dos saberes curriculares que permitem uma compreensão de mundo diferenciada, oferecendo novos elementos para que esse sujeito se reconheça como membro de uma comunidade e portador de direitos. Reconhecer-se como um estudante, nesse caso, um estudante virtual, é legitimar o acesso ao ensino superior como um direito válido, sentindo-se como um membro de igual valor na sociedade. Podemos visualizar isso na fala da Estudante L:

Ter um diploma modifica sim o reconhecimento por parte das pessoas, você passa a ser apresentada não apenas como fulana, mas sim como, esta é fulana, ela é formada em..., A sociedade age diferente. Mas eu, particularmente, não acho que uma pessoa não é melhor que a outra pelo simples fato de ter um diploma (Estudante L).

 

O respeito cognitivo aparece na fala dos estudantes ao relatarem que fazer um curso superior é ter novas oportunidades na vida, projetando na sua inserção no mercado de trabalho. Ter uma colocação como professor no mercado de trabalho é para eles uma etapa importante para realização do seu projeto de bem viver. O amor também está presente nos arranjos familiares que compõem a vida dos estudantes, ao relatarem o apoio ou as dificuldades enfrentadas, nas relações familiares, para continuar estudando.

A estima social (comunidade de valores) se reorganiza no virtual com a formação de um grupo de estudantes, separados fisicamente, mas reconhecidos pelo outro na sua singularidade Seu funcionamento no virtual se dá na articulação entre individual e coletivo, onde o individual encontra no coletivo a chance de uma realização individual a partir das suas capacidades. Esse pertencimento sinaliza a formação de comunidade de valores que permite ao estudante da EAD uma autorrelação prática de autoestima.

 

Geralmente as pessoas perguntam qual o curso superior que você tem, e muitas vezes a gente acaba se sentindo diminuído ao perguntarem isto e não haver uma resposta. Primeiramente mudam as nossas atitudes, a gente aprende sobre comportamento, a melhor maneira de tratar o outro, sobre questões realmente objetivas que desconhecemos. Enfim, para mim está mudando em tudo a minha vida, inclusive o meio que eu frequento para trabalhar já mudou bastante, eu era taxista em tempo integral e agora estou como monitora em uma escola municipal (Estudante J).

 

A estima social é caracterizada pelos estudantes na medida em que relatam seu esforço para a obtenção de um diploma de curso superior, tanto pela expectativa de uma nova realidade de vida, oportunidade de trabalho e acesso ao conhecimento. O ingresso na universidade promove um novo papel social. Estudar é um passaporte para uma vida nova, é um reconhecimento do ser humano, na sua singularidade, pelo seu esforço e dedicação na luta pela superação das dificuldades.

Mesmo com uma categorização das esferas de reconhecimento, entende-se que elas não acontecem separadamente, existe uma coexistência entre elas. Como por exemplo a normatividade das relações jurídicas. Essa esfera é uma via de mão dupla ao passo que sustenta uma garantia de oportunidade de acesso ao ensino superior, criada por uma demanda social, também molda as referências para a formação de uma comunidade de valores.

Cabe destacar que a busca por reconhecimento acontece tanto presencial como virtualmente. No entanto, o Reconhecimento Intersubjetivo Virtual constitui-se diferente do presencial. Ele não ocorre de forma isolada na vida do ser humano, mas no entrelaçamento dos diversos espaços, apresentando algumas características específicas ao oferecer outros recursos e possibilidades de comunicação e linguagens diferenciadas. Além disso, as discussões nos espaços virtuais são propensas a ocasionar uma desconexão dos fatos, os quais podem gerar ruídos e, não raro, a crítica pela crítica. Desse modo, distancia a união de esforços para uma efetiva mudança social e a luta pela garantia da manutenção das políticas que garantam uma justiça coletiva e não individual (NOGUEIRA; PIZZI, 2012).

A interpretação de determinado fenômeno pode divergir muito de acordo com o arcabouço de vivências e teorias de quem o analisa. Quando se fala da internet, essa interpretação é deveras complexa. Usar a internet como recurso simples de comunicação ou perceber mudanças significativas no seu dia-a-dia, na medida em que a representação simbólica do que acontece no virtual passa a alterar os sentidos do corpo e das relações sociais. É possível produzir sentidos, tantos quantos o sujeito for capaz de imaginar/suportar, transitar por tempo/lugares/espaços virtuais e alterar as reações corporais que produzem emoções, angústias, indignação, medo... Tanto como em experiências presenciais.

Ler um livro ou falar ao telefone também produz sentidos e sentimentos, ainda sim, o virtual difere desses recursos, na medida em que congrega diversas mídias e apresenta modos de representação da identidade. Eu não existo dentro da história do livro que me provoca medos ou desejos. Ainda que “entre” na história, outra pessoa, ao abrir o mesmo livro, não vai me encontrar ali. A conversa ao telefone se esvai no tempo/espaço, mas um telefone conectado a internet pode guardar parte da composição do que torna o sujeito como ele é. Somos a soma de uma complexa produção de sentidos das histórias vividas e sonhadas, ou, ainda, carregamos a possibilidade de ser/estar em mais de um lugar presencial e virtualmente, de representar mais de um papel (pai/mãe/filho/amigo/estudante/trabalhador). Nesse sentido:

 

Os limites externos, fluidos, que não podem ser estumados nem por seus próprios membros, são um traço característico dessas novas vidas públicas na rede, como também a capacidade de estar apartadas de todos os espaços de comunicação racionais (HONNETH, 2015, p. 576-577).

 

Desde modo, em meio a essa nova dinâmica de subjetivação do sujeito, nosso esforço foi analisar, como acontece o movimento constitutivo das relações de reconhecimento em espaços virtuais, valendo-se da Teoria de Reconhecimento do Outro de Axel Honneth. Esse novo horizonte de possibilidades de reconhecimento é caracterizado nessa pesquisa como Reconhecimento Intersubjetivo Virtual. O Reconhecimento Intersubjetivo Virtual define-se no movimento constitutivo do entrelaçamento do presencial e do virtual utilizando-se de padrões normativos e modelos institucionalizados fundados ao longo da história.

As esferas de reconhecimento (HONNETH, 2009) foram fundadas na luta de classes e no desrespeito e buscam descrever as formas como o sujeito percebe-se na medida em que reconhece o outro e se reconhece na sociedade. Nesse sentido, considera-se a virtualidade real (CASTELLS, 2005), como lugar/espaço que também apresenta formas para os sujeitos se movimentarem e lutarem por reconhecimento. Esse espaço virtual, presente na vida de professores e estudantes, que além de mediar os processos de ensino e aprendizagem, oferece possibilidades de comunicação para além do ensino formal. O movimento de reconhecimento produz sentimentos, incertezas, estranhamentos e angústias. Essa dinâmica atravessa o sujeito e organiza sua atuação no mundo da vida e do sistema.

O espaço virtual oferece ao sujeito outros recursos de comunicação para lutar por reconhecimento, para se reconhecer e reconhecer o outro ou ainda elementos que produzem sintomas e patologias, provocando um processo de reificação. No entanto, os parâmetros para mobilizar essas ações ainda funcionam com a matriz original oferecida por Honneth.

Essa produção de sentidos presentes na virtualidade real se constitui, paulatinamente, na mescla de experiências presenciais e virtuais. Ora acontece porque a outra é preexistente, ora somente existe em um desses lugares/espaços, gerando um movimento constantemente alternado. Por sua vez, essas experiências influenciam tanto o reconhecimento intersubjetivo presencial como o Reconhecimento Intersubjetivo Virtual.

Acredita-se que essa produção de sentidos, presente na virtualidade real, constituída gradativamente, se estrutura em um processo de organização e adaptação dos sujeitos. Ao refletir sobre a organização da aprendizagem, considera-se que as experiências com a virtualidade real produzem outros sentidos e novos esquemas intelectuais no processo de desenvolvimento do ser humano. As relações sociais de reconhecimento intersubjetivo que funcionam mediadas pela internet não se configuram como um mundo separado do dia-a-dia  do individuo, dessa forma o Reconhecimento Intersubjetivo Virtual faz parte do mundo da vida.

A virtualidade oferece uma elasticidade nos tempos e limites de cada sujeito, mobilizando outras possibilidades de se comunicar e ser no mundo. As ações sofrem uma mutação da maneira tradicional de ensinar e aprender, da própria linguagem e da relação com os saberes. Ainda assim, acredita-se que os traços de reconhecimento vivenciados pelos sujeitos no virtual seguem os mesmos padrões das formas de reconhecimento normativo já institucionalizado ao longo da história. Esses padrões são ampliados com o tempo de uso e a mescla das vivências on-line e off-line, onde virtual e presencial passam a representar uma via de mão dupla.

 

5 APONTAMENTOS FINAIS

 

Os estudantes encontram no virtual um espaço de reconhecimento na medida em que conseguem apreender os saberes propostos no currículo do curso, recebem um retorno constante dos professores e tutores, percebendo nesse processo de comunicação tanto uma empatia como também descaso ou rispidez. Esses sentimentos, tanto positivos como negativos, só podem ocorrer se o sujeito estabelece uma comunicação e um pertencimento ao espaço virtual.

A relação de reconhecimento mobilizada a partir da mediação da internet resulta numa via de mão dupla para estudantes e professores. Nesse sentido, as práticas online e off-line são afetadas. A uma alteração no dia-a-dia do estudante e da sua família, estudar ou voltar a estudar, para quem estava a algum tempo afastado da educação formal viabiliza uma autorrelação prática de autoestima, autorrespeito e autoconfiança.

Ao analisar as possibilidades e limitações da teoria do reconhecimento para uma leitura das relações de Reconhecimento Intersubjetivo Virtual percebe-se que ela vem se moldando, no caso do espaço virtual formal da EAD, no âmbito da UAB, no tensionamento entre a criação e implementação de políticas públicas e a demanda dos sujeitos por acesso e permanência ao ensino superior.

Essa pesquisa ocupou-se de uma parte do virtual, uma parte que oferece o respaldo de que os sujeitos possuem uma identidade verdadeira e pertencem a um grupo com objetivos em comum. Contudo, entende-se que o virtual é atravessado também por uma diversidade de sujeitos e espaços desprovidos de normas e princípios vinculados a uma organização social balizada pelo Estado.

Assim como o manejo dos conhecimentos técnicos necessários para utilizar a internet, o virtual ainda carece de normatividade que ofereça segurança. Com esse desregramento é possível reproduzir sintomas das diversas patologias sociais e ainda ter acesso a outras experiências de violação de da integridade social e dignidade dos sujeitos.

Transitar pelo virtual é uma prática que, enquanto sociedade, estamos aprendendo. Nesse sentido, percebe-se a EAD como uma modalidade educacional que apresenta um potencial de comunicação e interação de grande alcance para que se mobilizem essas questões. Para tanto, é preciso uma interação que supere a superficialidade da comunicação.

As relações sociais produzidas pelos estudantes do Curso de Pedagogia EAD/UFSM/UAB a partir da ocupação do espaço/lugar virtual do curso e suas conexões com outros espaços/lugares virtuais e presenciais apresentam traços significativos das categorias de reconhecimento propostas por Honneth. A estrutura das relações sociais de Reconhecimento Intersubjetivo Virtual se constitui de forma integrada com as relações presenciais, ainda que o contato seja somente virtual, a base para que isso ocorra está nas relações pré-existentes. A partir daí, podem surgir novos arranjos de relações intersubjetivas e percepções de si e do outro.

REFERÊNCIAS

 

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1. 8º ed. Paz e Terra, 2005.

 

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de Luiz Repa. 2. ed. Editora 34: São Paulo, 2009.

 

HONNETH, Axel. O direito da liberdade. Trad. de Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

 

MELO, Rúrion. Da teoria à práxis? Axel Honneth e as lutas por reconhecimento na teoria política contemporânea. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 15, p. 17, 2014. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/12888. Acesso em: 01 de mar. de 2016.

 

MILLER, Daniel. A Antropologia Digital é o melhor caminho para entender a sociedade moderna. Z Cultural. Ano X 01 1° semestre de 2015. Disponível em: http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/daniel- miller-a-antropologia-digital-e-o-melhor-caminho-para-entender-a-sociedade-moderna/f. Acesso em: 18 de jan. de 2016.

 

MORAES, Roque. Uma Tempestade de Luz: A compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação. V. 9, n.2. Bauru, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v9n2/04.pdf.  Acesso em 18 de abril de 2016.

 

NOBRE, Marcos. Apresentação. In: HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de Luiz Repa. 2. ed. Editora 34: São Paulo, 2009.

 

NOGUEIRA, Vanessa dos Santos ; PIZZI, J . Reconhecimento Intersubjetivo em Redes Sociais na Internet. In: VII Ciclo de Estudos Educação e Filosofia: tem jogo nesse campo? Pedagogia como Ciência da Educação, 2012.

 

SALVADORI, Mateus. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. CONJECTURA: filosofia e educação, v. 16, n. 1, p. 189-192, 2011.

 

WINNICOTT, W. D. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes; 2005.

 



[1] Nogueira, Vanessa dos Santos; PIZZI, Jovino.  Honneth frente à virtualidade na educação a distância. In: COLÓQUIO HABERMAS, 12.; COLÓQUIO DE FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO, 3., 2016. Rio de Janeiro. Anais [...] Rio de Janeiro: Salute, 2016. Disponível em: https://coloquiohabermas.files.wordpress.com/2016/11/artigos-colc3b3quio-habermas-2016_ corrigido.pdf. Acesso em: 25 abr. 2023.Artigo apresentado originalmente no 19º Colóquio Habernas (2023).

[2] Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância (NEAD) e professora da Faculdade SOBRESP. Professora do Curso de Pedagogia EAD da UFSM. Doutora em Educação pela UFPel, Mestra em Educação pela UFSM. Pós-doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação da UFSM.

[3]Graduação em Filosofia e em Comunicação Social -Jornalismo; mestre em Filosofia (PUCRGS, 1992) e doutor em Ética y Democracia pela UJI (Espanha, 2002). Pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (2015).