DA QUESTÃO TÉCNICA À AÇÃO COMUNICATIVA:

contributos teóricos para a mediação da informação

Jetur Lima de Castro[1]

Universidade Estadual Paulista

jetur.castro@unesp.br

Oswaldo Francisco de Almeida Júnior[2]

Universidade Estadual Paulista

ofaj@ofaj.com.br

______________________________

Resumo

Discute a ação comunicativa como meio para reconstruir o entendimento da mediação da informação em relação à discussão da ideologia da técnica. Como método, apresenta uma pesquisa qualitativa baseada em uma pesquisa bibliográfica.  A mediação da informação é entendida como um fenômeno emancipatório, analisado da base técnica ao saber-fazer, com uma perspectiva crítica da teoria da ação comunicativa. O estudo confirmou elementos para uma compreensão dialógica entre a técnica e a ação comunicativa, o que pode permitir uma orientação com base em pretensões de validade argumentativa para mediação de tarefas práticas. Considerar a crítica dos instrumentos da ideologia da técnica, para que os usuários não sejam condicionados a normas ou regras, sem uma representação da realidade social, onde as ideias estão dissociadas dos processos sociais. 

 

Palavras-chave: Ação comunicativa. Razão técnica. Mediação da Informação. Biblioteconomia.

 

 

FROM THE TECHNICAL QUESTION TO THE COMMUNICATIVE ACTION:

theoretical contributions to the mediation of information

 

Abstract

It discusses communicative action as a means to reconstruct the understanding of information mediation in relation to the discussion of the ideology of the technique. As a method, it presents a qualitative research based on a bibliographic research. The mediation of information is understood as an emancipatory phenomenon, analyzed from the technical basis of know-how, with a critical perspective of the theory of communicative action. The study confirmed elements for a dialogical understanding between technique and communicative action, which may allow guidance based on claims of argumentative validity for mediation of practical tasks. Consider the criticism of the instruments of the ideology of the technique, so that users are not conditioned to norms or rules, without a representation of social reality, where ideas are dissociated from social processes.

 

Keywords: Communicative action. Technical reason. Information Mediation. Library Science.

 

1  INTRODUÇÃO

Dado que as estruturas sociais atuais se fundamentam na Ciência e Tecnologia, o desenvolvimento humano requer uma atenta análise dessas relações, bem como dos moldes estabelecidos para o aprendizado. Sendo assim, torna-se evidente que a ação humana é, por conseguinte, um ato que os indivíduos têm para serem considerados cidadãos.

Ao analisar o universo prático no qual a Biblioteconomia está inserida pelo historicismo, visa-se nesse texto discutir a ideologia da técnica para tomar as ações comunicativas como mediadoras para reconstruir o seu entendimento da mediação da informação.

Esse estudo proporciona aos leitores a oportunidade de refletir sobre a mediação da informação na Biblioteconomia, procurando evidências e pistas para construir concepções teóricas a partir das razões comunicativas. A mediação da informação é relevante para a Biblioteconomia, uma vez que requer conceitos teóricos para não ser simplificada como um paradigma pragmático das ciências empírico-analíticas.

 O estudo aqui desenvolvido partiu de uma perspectiva teórico-hermenêutica para compreender a mediação da informação como um fenômeno emancipatório na biblioteconomia, marcada pela incompreensão da razão técnica, podendo assim ser contextualizada e ressignificada para um olhar crítico a partir da teoria da ação comunicativa em Habermas.

O esboço metodológico da pesquisa (Figura 1) visa compreender a relação da mediação da informação como fenômeno emancipatório.

 

Figura 1- A relação hermenêutica da pesquisa a

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

A metodologia avalia as provas das qualidades atribuídas à mediação, pois existe a desconfiança de que o fenômeno da informação está sendo problemático e inadequadamente mediado na biblioteconomia. A hermenêutica é utilizada para interpretar essas implicações teóricas e ter uma postura de investigação diante do fenômeno. Os sinais e emblemas chamam a atenção para uma discussão crítica da Mediação da informação sob o aspecto epistemológico.

Considerando esses princípios, estuda-se como a ação comunicativa pode caracterizar os sujeitos informacionais em sua intersubjetividade na busca pelo interesse emancipatório da informação. Portanto, a mediação é uma ação que promove a liberdade e deve ser estudada criticamente.

A biblioteconomia, mediante a informação, pode fomentar ações de mediação emancipatórias, se houver um pensamento crítico e se considerar a relevância de uma razão compreensiva. A mediação surge da capacidade de compreender a informação e as inquietações sociais que dizem respeito à essência do olhar histórico-hermenêutico, das razões comunicativas.

 

RAZÃO INSTRUMENTAL E TÉCNICA

A CI é uma revolução tecnológica e científica, relevante por dominar/controlar e organizar, tecnologia e informação. Como Saracevic (1996) aponta, ela é técnica/objetiva (positivista) e, dessa forma, é preciso analisar este fenômeno para dialogar, compreender e refletir. Sua relação está relacionada as ciências empírico-analíticas por assim influenciaram profundamente as relações humanas em diversas áreas como a CI, na América Latina, América do Norte, Europa, Ásia, África, Leste com a expansão da informação científica. Estas ciências estudam a realidade como se manifesta em tarefas práticas. Seus princípios estão, dessa forma, presos a um determinado contexto de uso, capturando a realidade como um objeto técnico possível.

Ao examiná-la como um caso de reducionismo nas ciências, que ignora a estrutura de interesses que interfere na sua objetividade, e a visão tecnocrática do poder, que ignora o substrato político de ações racionais. Embora isso implique rever momentos reprimidos, revelará a interação da teoria falsa e da prática falsa (positivismo e capitalismo tardio), mas também a interação, de modo geral, da teoria e da prática (FREITAG; ROUANET, 1993). 

Este paradigma, ao ser denominado de razão instrumental, se afastou completamente, reduzindo o campo de estudo, tornando-se um entendimento objetivo em relação à ciência. Um conhecimento que se fundamenta em cálculos e medidas; mas, cada dia mais, a matematização e a formalização estão aniquilando os seres e as coisas, deixando de lado as fórmulas e equações que regem as entidades quantificáveis. Destaca, o pensamento simplista é incapaz de conceber a união da unidade e da multiplicidade (unitat multiplex). Ou anula a diversidade para unificar, ou justapõe sem unir (MORIN, 2011). 

Uma análise questiona a racionalidade tecnológica como um dos elementos opressores da sociedade atual. Essa forma de “hiper-razão” envolve uma obsessão pelos meios, e não pelos fins. Os teóricos críticos sustentam que a racionalidade instrumental/técnica é mais concentrada no método e na eficiência do que no objetivo, limitando suas dúvidas a “como”, e não a “por que”. Também dizem que muitos pesquisadores racionalistas se concentram tanto em problemas de técnica, processo e método que esquecem o objetivo humanista da pesquisa. A racionalidade técnica separa o fato do valor, perdendo assim a capacidade de ver os valores nas escolhas que produzem os “fatos” (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Com base nas ciências empírico-analíticas, temos o pressuposto de que a mediação da informação está apenas vinculada ao serviço de informação e à referência da biblioteca. Seguindo de maneira reducionista, pode ser reinterpretada pelo progresso social e consolidada com um olhar crítico a partir da teoria crítica de Habermas.

Como pensamos, a democracia e o acesso à informação, portanto, é vista de forma favorável pelo ponto de vista científico. Ou seja, o conhecimento é “interfactual”, ou seja, submetido a métodos empiristas das ciências positivistas. A mediação da informação, de maneira implícita, segue uma lógica técnico-instrumental, sendo uma representação da dominação e um instrumento de representação da informação.

 Seu processo de apreensão das tradições culturais nem sempre é conduzido pela razão coletiva dos sujeitos, nem por uma consciência histórica voltada para o futuro. A liberdade é entendida de forma diferente por diferentes pessoas, logo, a ideia de autonomia como um meio pelo qual o indivíduo se relaciona com as informações se torna irrelevante pelo instrumentalismo.

 Em tal situação, não há uma ligação apropriada com nenhuma tradição (HABERMAS, 1997). Todavia, o modelo de consciência é desconstruído pelos instrumentos das ciências experimentais, uma vez que, a partir da comunicação, as bibliotecas terão um viés de emancipação. Sendo assim, é válido dizer que a conexão entre a técnica e a biblioteconomia surge devido ao foco nos processos regulatórios de descrição e notação das fontes de informação. 

Habermas (1998) argumenta que o modelo atual de ciência é guiado pela racionalidade das ciências experimentais e analíticas. Como consequência, a sociedade está submetida a um “regime de tecnificação do conhecimento”. Ele sugere, sob essa perspectiva, compreender os processos de racionalização do pensamento, uma vez que a modernidade segue processos acumulativos, os quais considera como uma diversidade de processos.

 A modernidade, para ele, é:

 

[...] um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação de identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas etc. (HABERMAS, 1998, p.5).

 

Nesse cenário, é plausível considerar a mediação como uma ação que possibilita a liberdade, uma vez que há problemas práticos no processo de quantificar informação. Além disso, é ignorado o constante desempenho de técnicas de organização, recuperação e divulgação de informações. 

Considerando que o processo deve ser monitorado por tecnologias, usuários e bibliotecários, para uma ação coletiva que promova diálogos sobre a informação, para analisar o processo teórico e prático de compreensão da mesma. Sendo assim, surgiriam questionamentos teóricos de forma prática através da interpretação dos atores, o que significa que é uma nova maneira de pensar a relação entre teoria e prática. Promover ações discursivas que ultrapassem os limites das ciências experimentais, permitindo que aqueles que propõem o discurso, possam se expressar livremente.

A técnica é, portanto, uma ação derivada das ciências empírico-analíticas, ou seja, de processos lineares comprovados pela ciência e racionalizados pela lógica que, no entanto, cria uma comunicação distorcida.

 

O conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo ideologia. Não só a sua aplicação, mas, já a própria técnica é dominação metódica, científica, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). A técnica é, em cada caso, um projeto histórico-social; nele se projeta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer com os homens e com as coisas (HABERMAS, 2009, p. 46-47).

 

A necessidade da informação é confirmada pelo trabalho e pela necessidade da sociedade e do ser humano, que só podem produzir com o saber-fazer, força de produção e normas, confirmadas pela ação da razão técnica. O mediador, a informação e o usuário se deslocam, mas o saber-fazer, a força de produção e as normas são validados pela razão técnica e não pela mediação sem coerção. É possível inferir que a mediação da informação pelos pressupostos da razão técnica é regulada pelo “regime de informação”, que limita a linguagem de forma cultural, política e social.

Conforme Gonzalez de Gomez (2012, p. 43), “regime de informação” é considerado como:

 

O modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância.

 

A partir do diálogo é possível uma reflexão social, para que as instituições (bibliotecas) possam ultrapassar as regras técnicas baseadas no saber empírico (HABERMAS, 2009). A mediação pode ser vista através da ação comunicativa, que propicia diálogo recíproco e ação coletiva, e não apenas como processo de informação.

Dessa forma, a mediação, as normas profissionais para bibliotecários, as ações dos usuários e a análise da informação devem ser examinadas para uma melhor compreensão com a ação comunicativa. Precisa haver uma mediação comunicacional entre bibliotecário e usuários como ação emancipatória e democrática para o diálogo consensual. 

A comunicação entre bibliotecários e usuários é objetiva, por meio das técnicas e paradigmas das organizações. Portanto, a mediação ainda se alimenta de cadeias de informação condicionadas pelo conhecimento prático. Gonzalez de Gomez (2012) defende que a “cadeia de informação”, ultrapassa o sistema de tratamento e recuperação de Informação, bem como as ações gnosiológicas específicas de seus usuários, ainda quando poderiam ou deveriam estar inclusas.

 Habermas (2009) fala sobre ação racional e uma alternativa à técnica existente, que é a interação simbolicamente mediada. Dessa forma, a mediação da informação é apresentada aqui como um fenômeno, uma ação emancipatória coletiva, livre do regime de informação normativo propiciado por um canal de transferência de informação.

 

3 AÇÃO COMUNICATIVA E MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO

A CI concentra-se enquanto mediação da informação em detrimento da Sociedade da Informação, que usufrui de processos organizacionais e tecnologias de armazenamento e recuperação de dados. A mediação da informação como ação coletiva emancipatória é questionada pelos fatores que apresentam a emancipação como um processo normativo do agir instrumental, guiado por regras técnicas baseadas no conhecimento empírico. A mediação é pelo conhecimento hermenêutico, que interpreta culturas (horizontalmente) e apropria tradições (verticalmente).

 Davallon (2007) pontua que a ação de intermediário não é estabelecida por uma relação binária, mas que produz algo a mais. Na verdade, a mediação surge como um processo técnico e não como uma ação interpretativa libertadora que se isenta das ciências empíricas, a do agir funcional instrumental (técnica).

 Segundo Almeida Júnior (2009, p. 93), o conceito de mediação da informação “[...] destaca-se na afirmação de que é ela uma interferência. Ao contrário da crença generalizada de que o profissional da informação deve ser imparcial e neutro em seu trabalho”. O autor argumenta que a interferência é intrínseca e inerente à atuação profissional, pois a informação tem significados e conotações que ultrapassam o óbvio. 

Com base nesta premissa:

 

O profissional da informação, mesmo buscando a imparcialidade – e sabendo que ela nunca será alcançada – deve se preocupar com a relação muito próxima entre interferência e manipulação. Esta, sim, deve ser totalmente abolida das ações do profissional, embora no trabalho cotidiano, mesmo que inconscientemente, todo o profissional está sujeito a se defrontar com ela em seu fazer. A linha que separa a interferência da manipulação é extremamente tênue. Apesar disso, o profissional da informação deve procurar o difícil equilíbrio sobre essa linha. A interferência no fazer do profissional da informação nega a postura, enfaticamente defendida, de que esse profissional é passivo, subserviente, destituído de uma atitude proativa, sem iniciativa, que apenas contribui, auxilia e apoia. (ALMEIDA JUNIOR; BORTOLIN, 2007, p.7).

 

Ao se aproximar dos pensamentos dos autores citados, Klein enfatiza a necessidade de rever os princípios que fundamentam os objetivos sociais dos serviços públicos, como as bibliotecas, para compreender como ajudamos os cidadãos a se autoeducarem e participarem na construção das regras de convivência. Para não pensarem que a gestão de informação é acrítica ou que a biblioteconomia, ao manter o status quo, está sempre no mesmo estado, é importante a neutralidade biblioteconômica (KLEIN, 2003).

A teoria do agir comunicativo de Habermas (1987) demonstra, inclusive, sua capacidade de lidar com a questão da mediação. Compreendê-la como um processo formativo que, visando o consenso, pode contribuir para a formação da competência comunicativa dos Profissionais da informação é, sobretudo, relevante.

A ação comunicativa de Habermas (2009) parte da premissa de que a ação coletiva de emancipação surge de uma intersubjetividade ainda não completa. Ou seja, segundo o autor, a ação libertada só será possível quando os atores se conhecerem mutualmente, sem a dominação de seus ideais. Só quando os homens comunicarem sem coações e cada um se puder reconhecer no outro, poderia o gênero humano reconhecer a natureza como outro sujeito — e não, como queria o idealismo, reconhecê-la como o seu outro, mas, antes, reconhecer-se nela como noutro sujeito.

 A mediação da informação ocorre quando há uma discussão entre os atores, facilitando suas ações e o senso crítico. A linguagem é um instrumento que torna o entendimento mútuo possível. Ela é o motor da integração social, com a comunicação como construtor de uma identidade comum entre indivíduos (HABERMAS, 2009).

A relação será perceptível quando houver racionalidade intersubjetiva dos sujeitos e provimento de suas ações. Dessa forma, Habermas dá fundamento para explicações sobre a racionalidade técnica, o que pode ser compreendido pelo olhar hermenêutico dos atores. Segundo seu entendimento, explicações causais (analíticas) podem se tornar um saber técnico, e explicações narrativas (hermenêuticas). Sem a teoria, seria apenas um fenômeno curioso, mas é transcendentalmente necessária para explicar e fundamentar este saber prático (HABERMAS, 1987).

A mediação da informação se nutrirá de concepções de práticas de saber-fazer na instrumentalidade da biblioteconomia. Silva (2013) demonstra que o saber fazer direciona as técnicas da mediação para ações práticas, concebendo uma relação entre o agir funcional instrumental e o agir comunicativo como formas ideológicas do conhecimento prático.

Contudo,

 

O agir comunicativo distingue-se, pois, do estratégico, uma vez que a coordenação bem sucedida da ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos planos individuais de ação, mas na força racionalmente motivadora de atos de entendimento, portanto, numa racionalidade que se manifesta nas condições requeridas para um acordo obtido comunicativamente. (HABERMAS, 1990, p. 74).

 

Essas instâncias permitem o agir comunicativo, que, por meio da emancipação, redefine as estruturas monológicas da técnica.  Habermas (1987) apresenta a hermenêutica como um aspecto indispensável para isso.  Isto quer dizer, para o escritor:

 

A interpretação, que precisa entrar em ação no momento em que entra em crise uma experiência comunicativa, comprovada sob os esquemas comuns da apreensão do mundo e da ação, não visa só às experiências adquiridas no seio de um mundo constituído pela linguagem ordinária, mas também às regras gramaticais, correspondentes ao ato-de-constituir o mundo enquanto tal. (HABERMAS, 1987, p. 215).

 

O agir comunicativo é uma ação que leva a uma emancipação, uma vez que na biblioteca a técnica deve buscar a compreensão entre os agentes para mediar as informações. Habermas (1999) sugere que a linguagem é um meio pelo qual falantes e ouvintes se comunicam e se entendem.  A partir do horizonte pré-estabelecido, há algo no mundo objetivo, social e subjetivo para que todos negociem as situações.

Como funciona o processo de emancipação nas bibliotecas? O processo emancipatório foca três áreas de interesse, como explica Stieljes (2001, p. 74):

 

a)      O interesse técnico-instrumental, que procura a libertação do homem das forças da natureza e das contingências econômicas;

b)      O interesse prático, cujo objetivo é libertar o homem das forças históricas e das tradições culturais impostas pela dominação política ou ingenuamente aceitas;

c)      O interesse pela emancipação através da reflexão crítica, sem distorções de comunicação.

 

Na mediação, o bibliotecário reflete a comunicação com os usuários, para a conscientização do conhecimento sobre a realidade. Segundo Habermas (1990), a autorreflexão é guiada pelo entendimento intersubjetivo dos atores, uma vez que é permeada de ações que permitem a compreensão no espaço emancipatório.

A autorreflexão estabelece isso, pois o sujeito torna-se consciente dos seus pressupostos inconscientes até agora, e do seu conhecimento da realidade. Logo, a consciência hermenêutica é o resultado de uma reflexão pelo qual o indivíduo, ao se tornar ciente de suas liberdades e dependências específicas em relação à linguagem (HABERMAS, 1990).

O entendimento coordena a ação conforme a validade pretendida das emissões, ou seja, os participantes reconhecem as pretensões mútuas de validade (HABERMAS, 1989). O agir comunicativo reforma os espaços entorpecidos pelo objetivismo. 

Nela, as pretensões de validade de ações de fala podem ser consideradas, isto é, através das ações de fala, são levantadas pretensões de validade criticáveis, as quais apontam para um reconhecimento intersubjetivo (HABERMAS, 1990). Pode confluir de forma emancipatória, considerando as ações de mediação, os fins do entendimento, a compreensão dos atores e o reconhecimento do diálogo. 

Coletivamente, pode-se buscar a informação de forma emancipatória, sem procedimentos regimentares e normativos, garantindo uma melhor participação social dos sujeitos. Habermas (1993) sustenta que a emancipação é um dos princípios fundamentais dos direitos humanos, uma vez que acompanha os processos de autoentendimento que estabelecem uma nova compreensão. A emancipação é a libertação da parcialidade que, não sendo natural ou do próprio entendimento, é responsabilidade nossa (HABERMAS, 1993).

 Nas ações de mediação, a Emancipação é fundamental e o bibliotecário deve buscá-la enquanto reflexão, assinala Almeida Júnior ao dizer (2004, p. 86):

 

[...] mais do que a informação, o bibliotecário deve estar preocupado com a mediação dessa informação. Hoje, nossa reflexão aponta para a mediação – muito mais do que a informação – como o objeto principal da biblioteconomia e, portanto, do fazer do bibliotecário. Tendo a mediação como diretriz, como norte, como objeto, o bibliotecário pode alterar, pode transformar sua ação social, não a ideal, mas a real.

 

No entanto, para a quebrar o paradigma da consciência, compreendida pelo conjunto de instrumentos das ciências empíricas. Isto é, a partir da ação comunicativa, as bibliotecas terão um viés de emancipação. A mediação da informação é fundamental, sobretudo para as bibliotecas, pois o agir comunicativo é uma teoria crítica baseada no conceito de ação que se traduz na capacidade de atores sociais dialogarem de forma cooperativa.

 Aqui, apresenta-se o profissional da informação que se mostra como aquele que medeia a informação, um ator comunicativo que não se baseia somente em normas morais ou ideais políticos, mas consegue ouvir a voz das situações cotidianas, mesmo quando está abafada, distorcida e desfigurada. Refletir sobre uma desconstrução dos valores estabelecidos da produção e fundamentação do trabalho nas bibliotecas e organizações de difusão de conhecimento, e recuperar a liberdade de prática e a autorreflexão como partes fundamentais do processo de evolução (STIELJES, 2001).

Em comum acordo, os profissionais da informação devem considerar expectativas, contribuições e interesses de todos para criar um espaço relevante na construção social, debate e participação política de forma que os sujeitos atuem na transformação de sua realidade. (LEITE,1996). A mediação deve ser feita segundo as necessidades culturais, materiais e intelectuais próprias, resultado das interações com o público que não é só o efetivo e potencial.  Além de configurar as ações culturais, o público deve ser representado pelo próprio usuário da informação, sobretudo os públicos subalternos e vulneráveis. Como Pombo (2003) aponta, uma aproximação interdisciplinar não é somente aquela feita pelo sujeito cientista. A questão é algo relacionado ao objeto de estudo e à sua complexidade.

Em outras palavras, pensar na crítica dos instrumentos da ideologia da técnica, para não condicionar os usuários em normas ou regras, sem uma representação da realidade social, onde as ideias estão dissociadas dos processos sociais. 

 

Figura 2 - Triangulação comunicativa

Fonte: Dados da pesquisa, 2023.

 

 A figura acima representa a triangulação da ação comunicativa mostrando que a mediação da informação é um fenômeno que se dá “pelo entendimento”, guiado por uma razão racional que motiva a razão técnica e o saber-fazer enquanto ação comunicativa.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa discutiu a importância da ação comunicativa que pode reconstruir, através das ações de mediação, as fronteiras instrumentais nos espaços das bibliotecas. Uma mediação da informação que extrapola o reducionismo nas ciências, ignorando a estrutura de interesses que interfere na sua objetividade. O objetivo é discutir algo que motive essa reconstrução na maneira que se faça compreender a mediação numa complexa relação da realidade de fora para dentro. Habermas (1987) explica essa relação pelo tecido das ações comunicativas, ou seja, da autorreflexão dos atores e da sua validade de percepção e ação, principalmente, no contexto informacional.

O agir instrumental (relacionado à informação) não deve ser considerado apenas como uma forma de poder ou de riqueza, mas como uma oportunidade de redistribuição para o crescimento da humanidade, por ações éticas. Ou seja, as informações precisavam ter um propósito social, para serem produtos úteis para a sociedade como um instrumento para o crescimento, assinala Milanesi (2002). A mediação como ato emancipatório apresenta um potencial de transformação que pode ser conduzido pela percepção de um diálogo em busca da razão coletiva. Habermas (1993) faz uma reflexão sobre os problemas que afetam a sociedade moderna, apresentando a inutilidade das teorias socioculturais que carecem de um entendimento, sobretudo com as tecnologias.

No entanto, a mediação da informação em bibliotecas não precisa ser um ponto de referência para as normas de funcionamento de processos de representação de informação para os profissionais bibliotecários. Precisa de uma ação coletiva para o diálogo entre os atores, incluindo as pretensões de validade das práticas normativas e não-informacionais que emergem como poder comunicativo, ou seja, as pretensões de ação devem focar a liberdade de pensamento amplo de cada um dos atores envolvidos nas ações de mediação no contexto da biblioteca. 

A mediação nas bibliotecas deve ser comunicativa, onde os usuários tomam uma perspectiva diferente quando, em vez de seguir comandos morais, usam a justificação, difundindo-se em grupos sociais e períodos históricos; e as ações comunicativas, não somente dependentes das fontes das tradições culturais e das ordens legais, mas também das identidades dos indivíduos socializados.

A razão comunicativa pode, portanto, permitir uma orientação com base em pretensões de validade; todavia, ela não fornece nenhuma orientação específica para o desempenho de tarefas práticas, pois não é informativa nem prática de imediato. Em outras palavras, ela contempla todas as pretensões de validade da verdade proposicional, da veracidade subjetiva e da correção normativa, extrapolando o âmbito moral e prático.

Dessa forma, o agir comunicativo revela uma argumentação, na qual os participantes da mediação explicam suas pretensões de validade para um público ideal sem limites. Os participantes de uma argumentação partem da suposição de uma comunidade comunicacional sem fronteiras, numa situação social real. Finalmente, consideramos a mudança de paradigma do agir funcional instrumental (técnica) para um provento de vir-a-ser. 

Precursora das razões emancipatórias, a atuação do bibliotecário se dá na qualidade da informação, na linguagem do compreendimento do "ser" e sua preocupação com o usuário. A mediação da informação se manifesta na forma de reciprocidade em que o ambiente surge das interações. A mediação é os fenômenos que emancipa o usuário através da combinação de atores, ambiente e práticas informacionais.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA JÚNIOR, O. F. Mediação da informação e múltiplas linguagens. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, Brasília, DF, v.2, n.1, p.89-103, jan./dez. 2009.

 

ALMEIDA JÚNIOR, O. F. Profissional bibliotecário: um pacto com o excludente. In: BAPTISTA, Sofia Galvão; MUELLER, Suzana Pinheiro Machado (Org.). Profissional da informação: o espaço de trabalho. Brasília: Thesaurus Editora, 2004. p. 70-86.

 

ALMEIDA JÚNIOR, O. F.; BORTOLIN, S. Mediação da Informação e da Leitura. In:  SEMINÁRIO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 21, 2007, Londrina. Anais eletrônicos... Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2007.

 

DAVALLON, J. A mediação: a comunicação em processo?. Prisma.com, Porto (Portugal), n. 4, p. 4-37, 2007.

 

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitataiva: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006.

 

FREITAG, B.; ROUANET, S. P. Habermas. São Paulo: Ática, 1993.

 

GONZÁLEZ DE GOMEZ, M. N. Regime de informação: construção de um conceito. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 22, n. 3, 2012.

           

HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

 

HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

 

HABERMAS, J.  La lógica de lascienciassociales. Madrid: Tecnos, 1990.

 

HABERMAS, J. Passado como Futuro. Trad.  Flávío Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.

 

HABERMAS, J.  Direito e democracia: entre facticidade e validade I. Trad.  FlávíoBeno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

HABERMAS, J.  Direito e democracia: entre facticidade e validade II. Trad.  FlávíoBeno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

HABERMAS, J. O Discurso filosófico da modernidade. 2. ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998. 

 

HABERMAS, J.  Teoría de la acción comunicativa I: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1999.

 

HABERMAS, J.  Teoría de la acción comunicativa II: Crítica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus, 1999.

 

KLEIN, N. “Why being a librarian is a radical choice”. Dissident Voice, Santa Rosa (CA), July, 15th, 2003. Disponível em: http://dissidentvoice.org/Articles7/Klein_Librarian.htm Acesso em: 25 jan. 2023.

 

LEITE, R. A. O. Novos paradigmas para a socialização da informação e a difusão do conhecimento científico: perspectivas da interação entre a organização dos sistemas e a complexidade da informação. Informare: Cadernos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 57-69, 1996.

 

MILANESI, L. A. Biblioteca. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.

 

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011.

 

MOYA, F. P. Bibliotecología y estúdios culturales: elementos teóricos que posibilitan su vinculación. Bibliotecas. Anales de Investigación, Havana, v. 7, 2011.

 

POMBO, O. Epistemologia da interdisciplinaridade. In: PIMENTA, Carlos (Coord.). Interdisciplinaridade, humanismo, universidade. Porto: Campo das Letras, 2004.

 

SARACEVIC, T. Ciência da informação: origem, evolução e relações. Perspec. Ci. Inf., Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p .41-62, jan./jun.1996.

 

SILVA. L. E. F. da. Ciência como técnica ou técnica como ciência: nas trilhas da Arquivologia e seu status de cientificidade. 2013. 138 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.

 

STIELTJES, C. Jurgen Habermas: a desconstrução de uma teoria. São Paulo: Germinal, 2001.



[1] Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGCI-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCOM/UFPA). Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará.

[2] Professor Associado da Universidade Estadual de Londrina, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Marília) e Professor Colaborador do Mestrado Profissional da Universidade Federal do Cariri.