Política de informação

poder, comunicação e controle - uma revisão narrativa

Roberto Unger [1]

Universidade Federal do Rio de Janeiro

rjgunger@gmail.com

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Resumo

Trata-se de uma revisão narrativa da literatura cujo foco está voltado para aspectos históricos temporais da política de informação, não relacionando objetivamente com os numerosos estudos, definições e conceituações do tema. O objetivo está voltado para as facetas de poder, comunicação e controle que permeia boa parte da literatura encontrada, o que fortalece essa atividade eminentemente política como prática de governo. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados Web of Science, Science Direct, JStor, e o repositório informacional Google acadêmico.

Palavras-chave: Política de informação; Poder; Comunicação; Controle.

INFORMATION POLICY

power; communication; control – a narrative review

Abstract

This is a narrative review of literature whose focus is on historical and temporal aspects of information policy, not objectively relating to the numerous studies, definitions and conceptualizations of the theme. The objective is focused on the facets of power, communication and control that permeate much of documentation found, which strengthens this eminently political activity as a practice of government. The bibliographical research was carried out in Web of Science, Science Direct, JStor, and Google Scholar, an informational repository.

Keywords: Information policy; power; communication; control.

1  INTRODUÇÃO

No final da primeira década do século XXI, uma pesquisa bibliográfica relacionou o termo "política de informação", em dezenas de periódicos acadêmicos. A lista apresentava revistas cujo escopo eram sobre negócios e administração, saúde, energia, economia e desenvolvimento econômico, política alimentar, inteligência, estudos regionais, sociologia, gestão de crises, proteção ambiental e ecologia, marketing, humanidades, opinião, ciência da computação, segurança nacional, filosofia, biotecnologia e sociologia organizacional, bem como governo e administração pública, ciência da informação, biblioteconomia, comunicação e estudos de ciência e tecnologia (Braman, 2011).

Os estudos e definições sobre política de informação se "multiplicam e se fragmentam", por conta da interdisciplinaridade que a cerca, sejam nos aspectos econômico, como o administrativo, o técnico-tecnológico, o estatístico, e antropológico (González de Gómez, 1999). Política de informação é uma ferramenta milenar contida nas relações sociais desde os primórdios. Repousa, historicamente, no berço dos soberanos, governos e autoridades.

No âmbito desse estudo baseamos nossa abordagem na política de informação criada para controle, comunicação e poder. De forma subjacente, a forma de poder ideológico para o argumento é calcada em Bobbio (1980), que o define como a influência que as ideias têm sobre a conduta das pessoas, quando formuladas de um determinado modo, emitidas em determinadas circunstâncias, por uma pessoa investida em determinada autoridade e difundidas através de determinados procedimentos. O termo política é basicamente visto sob a concepção de Montviloff (1990), que esclarece que as políticas desenvolvem-se em nível orgânico ou institucional (micropolítica), ou a nível nacional, regional ou internacional (macropolítica). Os instrumentos de políticas são identificados como legais (constituição, leis, decretos, tratados, etc), profissionais (códigos de conduta, ética, etc), e culturais (costumes, crenças, tradições, valores sociais, etc).

Com efeito, foram desconsideradas neste estudo as abordagens conceituais da política de informação. Nosso empenho e esforço na construção desse trabalho foi apresentar uma revisão narrativa da literatura sobre a política de informação de forma a considerar a aplicação da atividade como ferramenta de poder, comunicação e controle, relacionando fatos históricos e temporais.

 

 

 

2 Metodologia

A estratégia de busca foi elaborada com as palavras chaves "política de informação", "policy information", "information policy", "opinião pública", "public opinion", "ciência e tecnologia", "science and technology", "governo", "govern". As chaves de busca utilizadas para a pesquisa bibliográfica foram ("política de informação" OR "policy information" OR  "information policy" AND "opinião publica" OR "public opinion"); ("política de informação" OR "policy information" OR  "information policy" AND "ciência e tecnologia OR science and technology"); ("política de informação" OR "policy information" OR  "information policy" AND governo OR govern). As pesquisas foram feitas nas bases de dados "Web of Science", "Science Direct", "JStor", e o repositório informacional Google acadêmico (Google scholar). Os critérios de inclusão foram texto completo, idiomas português e inglês, corte temporal nos anos de 1900 a 2023. A revisão de literatura narrativa foi a indicada para o estudo por apresentar uma temática mais abrangente, sem uma questão específica definida, não orientada para um protocolo rígido de busca e com indicativo de inspirar novas pesquisas, somando ao esforço de reconciliar os estudos analisados (Cordeiro et al., 2007, p. 429; Carvalho, 2019, p. 917). Também adotamos, estrategicamente, o modelo da técnica do "snowballing", utilizado quando durante o avanço dos estudos fazíamos um rastreamento nas referências bibliográficas dos estudos analisados e que poderiam trazer substância ao trabalho (Greenhalgh; Peacock, 2005).

 

3 Desenvolvimento

No século V tem início a circulação do livro na Grécia, surgiram livrarias que incrementaram o comércio livreiro pela Europa. Em Roma, sob a influência grega, o livro adquiriu divulgação, circulação comercial e social, seguidos de um forte controle sobre a produção de informação. Os políticos romanos controlavam a literatura e, oportunamente, falsificavam a história em nome de mistificar Roma e as suas próprias trajetórias (Linares Columbié; Patterson Hernandez; Viciedo Tijera, 2000, p. 231).

No Ocidente, nos anos 1500, as regulamentações governamentais da informação, diante  do potencial de disseminação da palavra escrita por meio de um crescente mercado editorial, passam a  considerar a necessidade de controle e estabelecem o Index Expurgatorius, que relacionava uma lista de livros de obras proibidas aos católicos romanos pela autoridade da igreja. Este índice foi incluído no Index Librorum Prohibitorum de 1571 até 1966 (Jacob; Rings, 1986, p. 120). Como exemplo de obras relacionadas citamos "O Príncipe", de Nicolau Maquiavel, que causou controvérsias pelo seu teor e foi condenado pelo Papa Clemente VIII (1536-1605).

A política de informação remonta à colonização americana quando os colonos utilizavam temas de direito que eles retiraram de seus países de origem para a consolidação de regras e costumes no novo continente (Hernon; Relyea, 1968 citado por Browne, 1997, p. 261). Browne afirma que baseado nessa premissa muitos exemplos anteriores de política de informação poderiam ser identificados.

A igreja do século XVI estendia seu poder na política de informação na ciência, Galileu (1564-1642), ao publicar seus estudos sobre a teoria copernicana sofreu severa restrição pelo Vaticano que considerava seu trabalho moralmente ofensivo e herético. Ainda nessa época, os britânicos aprovaram leis que exigiam licenças para os impressores publicarem, a taxação de impostos sobre papel de jornal em anúncios e os responsáveis pelas postagens de crítica ao governo eram processados. A ascensão da impressão que produzia livros em massa e o aumento da alfabetização promoveram mudanças na difusão dos textos científicos, filosóficos e religiosos, acentuando a necessidade de controle estratégico da informação pelo governo (Browne, 1997).

A dimensão da prática das políticas de informação estavam, desde o início, relacionadas com o poder, seja ele religioso ou governamental e o que importava, na medida que a educação e o saber ganhavam destaque entre a sociedade, era dominar e controlar a opinião pública. Os trabalhos de Braman e Giddens, citados por Ceron (2012), destacam a relativa importância que a política de informação tem para o exercício do poder nos Estados nação. Os estudos apontam que os governos, ao longo dos séculos, sempre identificaram que o controle da informação era fundamental para o exercício do poder.

O Tratado de Westphalia foi assinado no ano de 1648 por entidades políticas baseadas geograficamente e reconhecidas entre si, colocando fim ao período de força e centralização política estabelecidos pelo Sacro Império Romano, e dando início ao "sistema internacional" (Braman, 2006, p. 32 citado por Ceron, 2012, p. 28). Giddens, por sua vez, considera que a informação, bem como seu registro e sistematização são sempre centrais na atuação do Estado. A escrita, desde a sua invenção, foi utilizada como instrumento de poder e controle do Estado sobre as pessoas e os territórios. A escrita possibilita a codificação da informação. Como principal agente controlador do ordenamento e coordenação das atividades humanas, a vigilância da informação para fins administrativos é um elemento essencial de poder. Para Giddens, o uso legítimo da força também é um atributo de poder do Estado (Giddens, 2008, p. 70-73, citado por Ceron, 2012, p. 30).

Barnes (1943), descreve no "The Public Opinion Quarterly", o combate às notícias propagadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A principal estratégia no trabalho do "Overseas War Information", uma espécie de ministério criado pelo governo dos EUA para manter o público em geral, dentro e fora das fronteiras americanas, consciente de que "a verdade é poderosa e deve prevalecer". A política de informação estabelecida pelo OWI visava, sobretudo, desenvolver uma compreensão inteligente sobre a "guerra de nervos", a estratégia de terror e a técnica da falsidade. Para Hitler e Goebbles, segundo Barnes, o conceito de "guerra psicológica", era orquestrada numa guerra de palavras na qual lealdade e convicções dos homens são manipuladas em grande escala com controles que tornam as falsidades tão eficazes quanto as verdades para manipular as pessoas (Barnes, 1943, p. 35).

Com efeito, durante o período da SGM, as agências governamentais americanas de informação centravam seus esforços técnicos no lema "make the world safe for democracy". Entretanto, Childs (1943, p. 64-65), descreve que a falta de unidade das agências e divisões de políticas de informação, eram sentidas na ausência de uma política geral de informação entre os setores legislativos e administrativos, coordenação efetiva dos órgãos federais do governo por meio de emissão de diretrizes, consulta aos órgãos envolvidos e verificação cuidadosa dos resultados, e, inclusive, notadamente, a assertividade das informações; o que influenciava, na época, a opinião pública sobre o direcionamento dos esforços de guerra feitos pela nação.

Comparativamente, Brunes (1944), observa em seu estudo sobre política de informação, opinião pública e política externa que a opinião pública raramente tem influência direta na política de informação, a opinião pública é eficaz na medida em que é organizada. O autor afirma da necessidade de o público estar bem informado - com uma política de informação vigorosa e bem elaborada -,  para participar da discussão dos pós e contra de assuntos externos. Convém considerar, que, pouco tempo depois, em 1945, a ONU foi criada.

Na ONU, à propósito, por se tratar de um organismo recém criado, na época o que imperava entre os correspondentes membros das nações anfitriãs e que tratavam da política de informação era exatamente a isenção de censura, considerado, então, um direito moral. O "Department of Public Information", dedicado à organização e disseminação da informação buscava neutralizar as tentativas de monopólio de informação pelos grandes sindicatos de agências de notícias. No entender do DPI as agências noticiosas sofriam a influência de interesses nacionais e patriotismos, fatores estes determinantes no sentido de coibir o direito dos povos de formar opinião própria sobre os assuntos internacionais baseados na informação imparcial, oportuna e compreensiva (Zanotti, 1947, p. 26).  As garantias, dadas pela ONU, de livre acesso à informação tinham pouco significado para regiões com governos totalitários, mas em outras regiões, era um complemento valioso para àqueles favoráveis à liberdade internacional de comunicação comprometida, inclusive, com a "realização de esperança de um mundo mais justo e pacífico" (Cory, 1953, p. 231-232).

Outro fato de relativa importância no que concerne à ausência de informação  na época do pós guerra era a corrida armamentista. A política de informação utilizada pelo governo americano versava sobre "progressos substanciais" sobre a tecnologia, o que criava uma atmosfera de falta de conhecimento generalizada pelo grande público. A estratégia do governo, naqueles tempos, era se a informação estivesse transparente e clara, estaria dando armas para o inimigo. Todavia, sob outra perspectiva, o inimigo já tinha posse de toda a informação precisa e necessária para saber do poder de fogo contido, o que fazia com que houvesse uma "paz inevitável, obrigatória, imprescindível", ou seja, a falta de informação promovia uma espécie de "guerra preventiva"  (Oppenheimer, 1953, p. 204).

No viés dos arranjos e utilização de política de informação outro fato tem destaque na Alemanha do pós guerra. O país que até então tinha, por forças externas, sido obrigado a imposição de desarmamento da população de forma justificada e aceita, a partir de 1950 passa por um processo de rearmamento, por conta do avanço comunista na região. A opinião pública alemã versava sobre o fato de o alemão ser um bom soldado, contudo, ser um soldado forçado não fazia jus à reputação. A eleição de um governo democrata liberal e anticomunista, bem como uma nova aproximação com a Europa, incentivava o rearmamento. Ao contrário das exigências do desarmamento, as de rearmamento não podem ser impostas. A controvérsia fica por conta do possível renascimento militar alemão - base que apoiava o nazismo - e a democratização da nova república (Speier, 1954).

Não obstante, Wiener acentua que os problemas de informação americanos durante a Guerra Fria estavam relacionados com o aspecto de "commodity" da informação, mesmo considerando suas eminentes "raízes militares".  Wiener enfatiza que a técnica da falta e ou obstrução da informação tem a preocupação de um dos lados fazer uso dos recursos informacionais de um modo mais eficaz, visando a soberania, que o outro lado. Esse processo desinformacional influí, de acordo com Wiener, na capacidade de cada pessoa de processar a informação, aumentando sua inteligência (Wiener, 1954).

Em 1960, quinze anos após a criação da ONU, grupos distintos estavam formados em torno das alternativas apresentadas à organização e planejamento da política de informação pública da instituição. Os grupos mais robustos eram dos partidários da "Office of Public Information" e o grupo dos "economizadores". Do lado dos economizadores estava uma parcela ideológica, entre eles, a União Soviética; enquanto os menos coesos e indecisos aglomeravam as forças em conjunto com o Secretariado Geral que liderava a OPI. Esse último conjunto formava sempre a maioria fazendo com que a OPI tivesse seu programa de política de informação público inalterado (Gordenker, 1960).

Morato (1985), no cenário da guerra fria, entende a política de informação na influência que se faz conscientemente sobre o público, por intermédio da difusão de determinado grupo de notícias ou da supressão de notícias de outro grupo. O autor propõe a abordagem metodológica de dois tipos de política de informação, denominadas, política informativa capitalista e política informativa comunista. Informar e/ou propagandear é a finalidade destes extremos. As propostas contidas nessa atividade são informar e educar, informar e desinformar, informar e propagandear. Tanto a informação contida na política informativa capitalista quanto a informação contida na política informativa comunista tem o poder de modificar a opinião pública. Toynbee, citado por Morato (1985, p. 74), afirma "quem domina a informação, domina o homem". A forma como usamos a informação determina como vivemos e como nossas sociedades evoluem. Ela é essencial para a operação e sobrevivência dos governo nacionais. Nas nações, individualmente, prevalecem as políticas de informação apoiadas por uma rede de leis, regulamentos, costumes e crenças.

Jacob e Rings (1986), discutem as políticas de informação desenvolvidas pelas nações no último quarto de século e o caráter explícito e restritivo com que são implementadas visando manter seu status político, cultural e econômico. Para se entender as razões da formação e implementação de uma política de informação de uma nação específica é necessário adquirir uma ampla visão da história e tradição dessa nação. Para os autores, as nações não fazem políticas de informação baseadas em sua própria história e valores. A política de informação é feita em resposta e antecipação à política de informação de outras nações, motivadas pelas condições econômicas, sociais e políticas prevalecentes, e o atual estado da tecnologia (Jacob; Rings, 1986, p. 119).

Tendemos a pensar na política de informação como um fenômeno recente. O imbroglio é antigo e atual, alguns conselhos de bibliotecas dos EUA ou autoridades locais tentaram remover certos títulos das coleções de bibliotecas por causa de visões sexuais, políticas ou filosóficas consideradas ofensivas para esses grupos. Não obstante, a inclusão e exclusão de determinados temas "tabus" são até hoje considerados inapropriados para os livros escolares (Jacob; Rings, 1986).

 

 

 

4 Literatura científica, política de informação e o poder

Weinberg (1963), aponta o aspecto determinante da literatura científica na sociedade norte-americana, que, além do Conselho Científico do Presidente, é tida como o principal instrumento organizacional para fazer escolhas, estabelecer prioridades, ou seja, decidir o que é ou não importante para a comunidade e assegurar junto desta que a ciência que ela ajuda a sustentar é válida e merecedora de apoio. Essa é uma função social da literatura científica pouco reconhecida (Weinberg, 1963, p. 162).

O Brasil, por sua vez, no que diz respeito ao incremento do acesso à literatura científica, estabelece como prioridade a capilaridade do Ministério das Relações Exteriores, através do Itamarati, para a coleta e disseminação de informações técnico-científicas que, em seguida, canalizaria os dados para as agências internas: o MIC (Ministério da Indústria e Comércio), o CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas), e o IBBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação), que faria o tratamento, armazenamento e difusão dos dados. O objetivo era a criação de um sistema nacional de captação, tratamento e difusão de informações científicas e tecnológicas para acelerar o processo de desenvolvimento econômico nacional. O objetivo do SNICT (Serviço Nacional de Informação em Ciência e tecnologia), é a implementação de uma política de informação em C&T no país estabelecendo uma rede nacional de cooperação e intercâmbio dos conhecimentos adquiridos no país e estrangeiro (Costa, 1973, p. 96; 100).

Braga (1974), esclarece sob a ótica da equação de Solla Price (1922-1963), a importância da literatura científica no status da moderna ciência tão afeita pela sociedade chegando ao ponto de controlar os poderes políticos e econômicos das nações. O célebre físico, em adição, além dos estudos bibliométricos da literatura científica, enfatizava a necessidade da verificação das soluções para os problemas de educação científica, técnica e tecnológica, bem como a produção local de textos básicos em C&T, mesmo em nível de educação primária, destacando que estas tarefas nacionais seriam executadas pelo governo e só teriam êxito se estivessem enraizadas na população (Braga, 1974, p. 169).

No cenário do pós-guerra e o fator do crescente desenvolvimento científico tecnológico, a relação informação com a política seria estabelecida pelo domínio do Estado que entende a Ciência como força essencial nas estruturas intelectuais, econômicas e de poder da nação (Braga, 1974; Gonzalez de Gomez, 1999).

Ziman (1979), destaca que a literatura científica, não representa apenas a opinião do autor, leva também o selo de autenticidade científica obtida por meio do imprimatur dado pelo editor e dos avaliadores que identificam interesse científico, autenticidade, credibilidade e metodologia. O autor propõe que a literatura científica deixa o limbo em que a mantém a sua aceitação tácita quando é mencionado em um artigo de revisão (Ziman, 1979, p. 124; 134).

Hernandez Cañadas (1987), descreve a literatura científica como um meio de comunicação entre a comunidade de cientistas e a sociedade em geral e indica dois requisitos fundamentais, manter a sociedade informada sobre a produção científica, ou seja, o que está se fazendo em termos de ciência, e divulgar a ciência como um processo visando a aplicação do produto científico. A autora também destaca a literatura científica como um termômetro que pode ser utilizado para verificar em que medida um país está sendo dependente, em termos de produção científica, de outros países mais desenvolvidos (Hernandez Cañadas, 1987, p. 3).

González de Gómez (2002), descreve a relação entre política e informação, a partir da década de 1950, ganhando substância e corpo evidenciados pelos programas de governo e as políticas públicas. Os destaques nesse sentido, aponta a autora, são o "Weinberg Report" e as agendas internacionais estabelecidas pela UNESCO. No Weinberg Report definem-se escopo e abrangência de uma política de informação voltada para a transferência de informação científica, sob a responsabilidade do governo, enquanto as intervenções da UNESCO estariam direcionadas para o estabelecimento de um programa intergovernamental e cooperativo para a promoção e otimização do acesso e uso da informação entre países centrais e periféricos (Jardim, 1995, p. 19 citado por González de Gómez, 2002, p. 28).

Para Braman (1995), faz-se necessário entender a política de informação e comunicação como ferramenta de poder exercido pelo Estado (o grifo é nosso), em função, da regulamentação do avanço das novas tecnologias de informação e comunicação neste domínio. O protagonismo a ser mantido pelo Estado em um cenário mundial marcado pela interconectividade tecnológica é realizado pelo poder de "transformar a informação", que emerge como consequência das mudanças qualitativas (fluxos de informação e processamento para fins de comércio internacional, táticas militares e policiais, vigilância e propriedade intelectual de direitos), estruturadas na sociedade da informação.

Ainda segundo Braman, o processo de formulação de políticas, as próprias políticas e sua implementação são exercícios de poder por parte do Estado em função de o poder transformacional, com sua orientação rumo à informação, ser estratégia de domínio e poder tornando-se o conjunto chave para definir os horizontes do estado (Braman, 1995, p. 20).

As percepções de informação como poder mudaram e sua utilização como ferramenta de política cresceu. As atividades informacionais, antes com status de técnicas regulatórias, para, na atualidade, questões de política em si. Os acordos entre os Estados para controle de armamento eram focados no hardware das armas. Na década de 1990, um grande percentual dos tratados sobre armas tratavam de informações, não mais de hardware, e no início do século XXI a própria transparência passou a ser o objeto central da negociações. Para Braman (2004, p. 32 ), o uso comum desta política informativa, a transparência, agora é fundamental para o direito comercial internacional e outros tipos de acordos comerciais internacionais, da defesa à agricultura. No início do nosso trabalho mostramos a utilização do controle de armas pelas nações com uma configuração totalmente diferente, o que se utilizava era desinformação ou ausência de informação nos acordos visando domínio e soberania (Oppenheimer, op. cit).

 

5 Considerações finais

Frohmann (1995), observa as limitações impostas pela LIS (Literature of Library and Information Science), nos estudos sobre as práticas de políticas de informação. Entre outras questões propostas pelo autor, a que nos interessa para a reflexão neste estudo, é a oclusão de problemas das relações entre informação e poder, em detrimento das questões instrumentais e epistemológicas.  Frohmann adverte que a forma como o poder é exercido através das relações mediadas pela informação, como o domínio sobre a informação é alcançado e mantido por grupos específicos - como forma específica de dominação - especialmente os de raça, classe, gênero e sexo - estão implicados no exercício do poder sobre a informação. Essa observação, nos parece, representa uma crítica à ausência de propostas dos estudos neste aspecto do domínio, poder e controle da informação sobre políticas de informação.

A informação constitui o ativo transformador das estruturas sociais contemporâneas. O desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, somados à intensa interatividade com jornais, revistas, rádio, televisão, ou seja, a mass media, e acrescidos da Internet e toda a gama de possibilidades e alternativas de interação on line, a realidade do metaverso, dispositivos estes que acentuam a diminuição das barreiras de acesso às informações trarão transparência ou se constituirão de uma nova frente da política de informação que é usada para poder, comunicação e controle? Seria a desinformação institucional, agora seduzida e propagada por youtubers, influencers digitais, podcasters,  e seus respectivos poder de engajamento, uma reconfiguração estrutural da política de informação construída para perpetuar poder, comunicação e controle?

Não é apropriado afirmar que nosso estudo atingiu o objetivo quantitativo e qualitativo de demonstrar parte substancial da literatura sobre o uso e prática da política de informação, longe disso. A recuperação da informação documental sobre o tema é "ocidentalizada". A razão da falta de documentação bibliográfica pertinente de outras grandes nações estaria relacionada com a proposta do objeto de pesquisa do nosso estudo versar sobre poder, comunicação e controle da política de informação? Ou estaríamos afeitos, após a SGM, discutir política de informação com focos na C&T, relações comerciais internacionais, economia, ecologia, meio ambiente, pois a discussão mundial é voltada para esta configuração? Frohmann tem razão...

 

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrado em Ciência da Informação pelo IBICT/UFF; Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal Fluminense. Trabalha no setor de Referência da Biblioteca de Pós Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery, do Centro de Ciências da Saúde, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.