O RIZOMA E A FIGURA DO LIVRO NA INFORMAÇÃO VIRTUAL E DESMATERIALIZADA

discussões na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento

Richele Grenge Vignoli[1]

Universidade Estadual Paulista-Unesp

rivignoli@gmail.com

Silvana Drumond Monteiro[2]

Universidade Estadual de Londrina-UEL

silvanadrumond@gmail.com

Mariana Rodrigues Gomes de Mello[3]

Universidade Estadual Paulista-Unesp

mariana.rg.mello@unesp.br

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Resumo

O rizoma é a proposta de um pensamento filosófico aplicado à informação virtual e, ao mesmo tempo, as realidades não contempladas na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento na desmaterialização de seu objeto. a pesquisa visa discutir a informação desmaterializada sob o conceito filosófico do rizoma e seus princípios na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento, assim, como a figura do livro. A discussão é perpetuada em aspectos críticos em que a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento estabelecem limites, traçados, estruturas ou hierarquias em seu modo de tratar, organizar e compartilhar a informação e o conhecimento. A pesquisa tem como procedimentos metodológicos um estudo teórico, bibliográfico, que inter-relaciona aspectos da filosofia da diferença, mais precisamente, o estudo do rizoma de Deleuze e Guattari com a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento. Ao ser contrário à ideia de árvore, o rizoma desponta automaticamente nas relações das árvores do conhecimento utilizadas como base para organizar e representar o conhecimento. Esses modelos representacionais não podem mais organizar o conhecimento e a informação diante a liquefação de suas estruturas no polo virtual. O problema é compreender como a Ciência da Informação se ajustará à realidade rizomática da informação virtual.

Palavras-chave: Rizoma. Informação desmaterializada. Ciência da Informação.

THE RHIZOME AND THE FIGURE OF THE BOOK IN VIRTUAL AND DEMATERIALIZED INFORMATION

discussions in Information Science and Knowledge Organization

Abstract

The rhizome is the proposal of a philosophical thought applied to virtual information and, at the same time, the realities not contemplated in Information Science and Knowledge Organization in the dematerialization of its object. the research aims to discuss dematerialized information under the philosophical concept of the rhizome and its principles in Information Science and Knowledge Organization, as well as the figure of the book. The discussion is perpetuated in critical aspects in which Information Science and Knowledge Organization establish limits, traces, structures or authority in their way of treating, organizing and sharing information and knowledge. The research has as methodological procedures a theoretical, bibliographical study, which interrelates aspects of the philosophy of difference, more precisely, the study of the rhizome of Deleuze and Guattari with Information Science and the Organization of Knowledge. Contrary to the idea of ​​a tree, the rhizome automatically emerges in the relations of the trees of knowledge used as a basis for organizing and representing knowledge. These representational models can no longer organize knowledge and information in the face of the liquefaction of their structures in the virtual pole. The problem is to understand how Information Science adjusts to the rhizomatic reality of virtual information.

Keywords: Rhizome. Dematerialized information. Information Science.

1          INTRODUÇÃO

O pensamento compartilhado entre os filósofos Deleuze e Guattari (1995)[4], que expõe-se nesta pesquisa, em linhas gerais, versa sobre a filosofía da diferença, ou seja, do respeito à singularidade que habita em cada ser. Não implica em uma filosofía de absolutos e nem de transcendentes, mas imanente na conjuntura de cada pessoa. Neste contexto, a multiplicidade, os rizomas, e os devires formam sistemas que operam segundo a lógica da diferença, a qual foi excluída com o império dos universais no Ocidente. Tal fato adentra os mais diferentes domínios, inclusive o da Ciência da Informação e o da Organização do Conhecimento, em temas como conceitos da informação e do conhecimento, sistemas classificatórios, recuperação da informação, entre outros.

Portanto, trata-se de uma discussão que compreende a informação desmaterializada, sem matéria, sem corpo, a informação virtual. Compreende-se a desmaterialização da informação por meio do rizoma, uma entidade disforme, movente e fluida em suas ramificações e natureza. A informação desmaterializada está no polo virtual e, especialmente, no ciberespaço.

Ou nas palavras dos filósofos: “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 5). O rizoma é feito de platôs e está no devir, no continuum em que a informação no polo virtual encontra uma de suas essências, a sua desmaterialização. O rizoma é discutido por meio de princípios elencados por Deleuze e Guattari (1995), quais sejam: de conexão, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura, cartografia, decalcomania e também a partir da figura do livro. O conceito de rizoma de Gilles Deleuze e Felix Guattari (1995) fornece a base teórica e filosófica para a reflexão que se deseja instaurar. O rizoma traz para a Ciência da Informação e para a Organização do Conhecimento uma visão contrária aos fechamentos semânticos e hierárquicos de qualquer tipo e a tentativa em realizá-los.

Logo, a pesquisa visa discutir a informação desmaterializada sob o conceito filosófico do rizoma e seus princípios na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento, assim como, a figura do livro. A discussão é perpetuada em aspectos críticos em que a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento estabelecem limites, traçados, estruturas ou hierarquias em seu modo de tratar, organizar e compartilhar a informação e o conhecimento.

O estudo do rizoma na Ciência da Informação e também na Organização do conhecimento tem sido objeto de pesquisa de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Conforme levantamento de Mostafa (2010), apesar da diversidade das pesquisas, a maioria delas concentra-se nos estudos do rizoma na Organização do Conhecimento. Também de acordo com Benevenutto, Silva e Mostafa (2015), o estudo do rizoma na Ciência da Informação já está consolidado. Contudo, acredita-se que a proporção de estudos a respeito do rizoma em comparação a outros temas filosóficos, ou filósofos discutidos na Ciência da Informação, não é substancial para tal afirmação. Para tanto, essa pesquisa visa contribuir com outras discussões acerca do rizoma na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento em temas diversos.

A pesquisa tem como procedimentos metodológicos um estudo teórico, bibliográfico, que inter-relaciona aspectos da filosofia da diferença, mais precisamente, o estudo do rizoma de Deleuze e Guattari com a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento. Como tal, a pesquisa bibliográfica revisa livros e artigos já publicados de modo mais exaustivo e aprofundado (Gil, 2002). A busca bibliográfica foi realizada no Google Scholar, na Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI) e na Library and Information Science Abstract (LISA), em inglês e em português, sem limite temporal, a partir das palavras-chave: Rizoma, Rizoma and Ciência da Informação, Rizoma and Organização do Conhecimento, separadas e combinadas. A abordagem da pesquisa é a qualitativa, pois este tipo de pesquisa possui caráter exploratório e induz à maior reflexão para análise dos resultados (Gil, 2002).

 

2 O RIZOMA E A FIGURA DO LIVRO

 

O rizoma recontextualiza a noção do livro, as formas de escrita (Monteiro, 2003) e de leitura, e, por isso, é de interesse imediato à compreensão das novas linguagens e formas de comunicação desmaterializadas existentes no cotidiano e no ciberespaço. O livro procura imitar o mundo (Deleuze; Guattari, 1995) e é como uma árvore presa em suas raízes. O livro e a árvore são a oposição do rizoma. O livro não tem objeto nem sujeito, porque é feito de matérias, datas e velocidades formadas distintivamente. O livro em rizoma não deve ser lido por uma linearidade (Moreira, 2010).

Quando à atribuição de livro a um sujeito (autor) acontece retira-se de suas correlações suas matérias e exterioridades. Neste sentido, um autor ou autoridade institucionaliza o livro e suas exterioridades são ceifadas. O autor poderia ser a sua raiz. Mas, apesar de seus condicionantes e de possuir territorialidades, linhas de articulação e estratos, o livro possui e proporciona movimentos de fuga, de desterritorialização e desestratificação (Deleuze; Guattari, 1995).

Ao mesmo tempo que o livro é fechado em si e em seu enredo, se abre a outros significados e reconstruções – suas próprias rotas de fuga. O livro é uma máquina pequena, uma máquina de guerra, de amor, uma máquina que entretém e que se alastra e se arrastra (Deleuze; Guattari, 1995).

Para Deleuze e Guattari (1995, p. 11), “[...] escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir.” Não há um corpo de significações constantes ou oclusas, os movimentos e significados são livres a recontextualizações, tal qual são as linguagens e suas significações. A autoria é uma moldura diante dos sentidos outros que o livro receberá. Conforme Lévy (2014) salientou com as tecnologias da inteligência, a concepção de autoria ou de autor são reconsideradas diante as tecnologias e inteligências múltiplas e coletivas da virtualização. Sob essas circunstâncias, a autoria se aproxima da concepção rizomática, porque o autor se torna um corpo múltiplo.

O autor não é mais Uno, senão somente durante a institucionalização de sua intelectualização. A partir de sua virtualização e atualização (Lévy, 1993), o livro e a linguagem se reconstroem indistintamente. Não há materialidade que resista a força da atualização do virtual sobre qualquer criação. Condicionantes normalizadores ou normativos como editoras ou direitos autorais demarcam territórios que não impedem e impedirão, suas renovações na multiplicidade de autores e licenças abertas. Não se encontram pretextos para a materialização acirrada da informação e do conhecimento no ambiente virtual.

Em sequência, o primeiro livro mencionado por Deleuze e Guattari (1995) é o livro-raiz. A árvore já é a imagem do mundo e o “[...] livro imita o mundo, como a arte, a natureza: por procedimentos que lhes são próprios e que realizam o que a natureza não pode ou não pode mais fazer.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 12). A reflexão é a lei do livro, do Uno que se torna dois, tal qual ocorre nas autorias, nas significâncias, nas possibilidades do objeto em natureza virtual. Já a natureza, não age assim porque suas raízes são pivotantes e não dicotômicas no sentido em que é mais rápida que o espírito. O livro em realidade espiritual se desenvolve continuadamente na lei do Uno que divide em dois e depois em quatro e assim sucessivamente (Deleuze; Guattari, 1995, p. 11).

Na segunda figura do livro, há o sistema-radícula ou raiz fasciculada que agrada a Modernidade (Deleuze; Guattari, 1995). A raiz destitui-se de sua extremidade, desprende-se de sua raiz principal, embora subsista sua unidade anterior sempre por vir. É como a sombra do passado do período medieval que assombra a Modernidade e os modernos. É a própria Modernidade em busca de seu empoderamento e evolução. Mas para Deleuze e Guattari (1995, p. 13) “Toda vez que uma multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu crescimento é compensado por uma redução das leis de combinação.” Na dobra ou dobragem, a unidade textual não linear e desmaterializada continua a fluir, as estruturas determinantes não impedirão seu movimento.

O rizoma é a proposta em oposição à árvore. “A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 36). O rizoma são esses “es” que não se fecham e que são líquidos por natureza – estão sempre a refazer-se, a construir-se.

No rizoma:

[...] há força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. (Deleuze; Guattari, 1995, p. 4).

 

Portanto, o rizoma não quer ser, ele quer estar. O rizoma aponta para todos os lados e, assim, ele está, ele não é. “O rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos [...].” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 4). A grama ou uma matilha de ratos é um rizoma devido às suas características de sobrevivência e ordem e desordem, e quando os ratos andam uns sobre os outros, como exemplo dos autores. Há o melhor e o pior do rizoma, como há na batata, a erva daninha; na informação, a materialização que visa impedir seu fluxo e movimento em direção a sua fluidez no polo virtual.

 

2.1 OS PRINCÍPIOS DO RIZOMA

 

O rizoma é estabelecido em princípios, quais sejam:

1º e 2º - Princípios de conexão e de heterogeneidade: “[...] qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 4). Os rizomas não fixam um ponto ou uma ordem como uma árvore ou raiz. Deleuze e Guattari (1995) fazem comparação a linguística gerativista/gerativa de Noam Chomsky, que possui sua estrutura em diagrama arbóreo, e que fixa traços linguísticos como oposição ao rizoma. A árvore e gramaticalidade por meio do sintagma S demarcam poderes no sentido de construção de frases redigidas corretamente. O rizoma não pode manter estabilidade, pois as cadeias semióticas, as organizações de poder, e as ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais e outros elementos seriam interrompidos, como na linguística gerativa. A linguística gerativa realiza fechamentos na linguagem como faz a árvore em sua estrutura e fixidez.

3º - Princípio de multiplicidade: “[...] é somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 15). Uma multiplicidade não é composta nem de sujeito nem de objeto, mas por grandezas e dimensões que não podem crescer sem que sua natureza seja alterada. (Deleuze; Guattari, 1995). A proposta é pelo desmantelamento dicotômico, das decisões de um ou outro. O Uno em si não cria multiplicidades. O sujeito Uno, o objeto Uno também não. A multiplicidade a que os filósofos se referem é descentralizada e para todos, não visa unificar ou dicotomizar.

  Deleuze e Guattari (1995) exemplificam que os fios de uma marionete seriam o rizoma, mas esse rizoma não se submeteria a visão do autor ou de quem o opera. O rizoma não é ou pode ser controlado e não responde por seu autor. Os filósofos relatam que os agenciamentos intercorrem exatamente no movimento e na mudança de direções. A releitura, a reconstrução de sentidos no livro mundo ou na ideia inicial demonstram a multiplicidade e seus agenciamentos em pleno acontecimento. Portanto, “[...] as multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 16).

As multiplicidades se formam a cada conexão, a cada nó, a cada encontro. Nessas relações, toda a natureza da multiplicidade é modificada formando outras multiplicidades. O devir continua constante e o rizoma nunca rompe seu fluxo, especialmente nos ambientes virtuais. Utiliza-se a manifestação de Deleuze e Guattari (1995, p. 16) para o livro ideal que seria o de “[...] expor toda coisa sobre um tal plano de exterioridade, sobre uma única página, sobre uma mesma paragem: acontecimentos vividos, determinações históricas, conceitos pensados, indivíduos, grupos e formações sociais [...]”, para aplicá-la à informação virtual e desmaterializada.

4° - Princípio de ruptura a-significante: “[...] contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou que atravessam uma estrutura.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 17).  Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retomar segundo uma ou outra de suas linhas e de acordo com outras linhas. O rizoma se autoconstrói a cada ruptura. Não é difícil reconhecer sua reconstrução quando as redes sociais na web são observadas. Nesse sentido:

É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. (Deleuze; Guattari, 1995, p. 17).

 

No exemplo das formigas, as rupturas ou quebras de sua estrutura flácida demonstram que como uma realidade pós-moderna, não é possível ater-se a nenhum aspecto de irredutibilidade ou solidez. Mesmo que danificados, os rizomas se formam novamente. São realidades não estabilizantes, mas que possuem por algum tempo, uma organicidade, segmentação e territorialidade. Contudo, a territorialização e organicidade não conseguem se manter por muito tempo, porque os escapes ou rotas de fuga já estão previstos no rizoma. Isso significa aferir que nenhum elemento consegue ser totalizante no tempo-espaço dos rizomas.

Os rizomas se quebram, despedaçam-se. Nenhuma organização rizomática consegue fechar suas portas de saída, suas linhas de fuga. Em suas rupturas, surgem outros rizomas como rizomas marginais. Nesses escapes, o sujeito pode encontrar formas de dominação e poder, como em toda realidade e formação social.

Deleuze e Guattari (1995) asseveram que entre todos os grupos e seus indivíduos, sempre haverá microfascismos ou microfascistas à espera de cristalização. A erva daninha da batata é outro rizoma, outro rizoma em formação e pronto para atuar, coexistir ou operar sobre outros grupos, outros rizomas. “Não há imitação nem semelhança, mas explosão de duas séries heterogêneas na linha de fuga composta de um rizoma comum que não pode mais ser atribuído, nem submetido ao que quer que seja de significante.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 8).  A força dos grupos sociais ou comunidades científicas apresentam relações de poder eminentes e com alguma dominação. As formações rizomáticas também podem dominar, não são conexões com grupos neutros. 

5º e 6º - Princípio de cartografia e de decalcomania: “[...] um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer idéia [sic] de eixo genético ou de estrutura profunda (Deleuze; Guattari, 1995, p. 19). Toda lógica da árvore é formada por decalque e reprodução.  Para explicar a assertiva, Deleuze e Guattari (1995) utilizam como exemplo a linguística e a psicanálise, que possuem um objeto inconsciente como representante, como a linguagem e o inconsciente, mas cristalizados em estruturas sintagmáticas, codificadamente complexas e repartidas em eixos. A finalidade das áreas é a descrição de fatos, a exploração do inconsciente que já é camuflado, assim como a memória e a linguagem. Assim, “Ela[s] consiste[m] em decalcar algo que se dá já feito, a partir de uma estrutura que sobrecodifica ou de um eixo que suporta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os decalques são como folhas da árvore.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 20). As áreas operam sobre alguma estruturação já enraizada, apesar de não fixada a posteridade: na língua e linguagem e nos estudos do inconsciente humano. Esses estudos já estão decalcados é o que os autores querem dizer. Mas o rizoma não é decalque, é o mapa e o mapear – é como desbravar. O mapa é ancorado no real e não é reproduzido em um inconsciente fechado nele mesmo já que ele o constrói. “O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 20).

No rizoma e em seus princípios, a Ciência da Informação, a Organização do Conhecimento e a informação podem ser reconsideradas. A projeção encontra-se nas áreas e no reposicionamento da informação, do conhecimento e dos sujeitos da informação pensados para além de estruturas ou hierarquias como fatores determinados ou determinantes para o seu avanço. No polo virtual, o rizoma recondiciona as estruturas estabilizantes para novos olhares da informação nas conexões ininterruptas, nos aspectos múltiplos da heterogeneidade, multiplicidade, de novos significados, contra o decalque e no movimento da cartografia, no mapear da informação desmaterializada.

 

3 A INFORMAÇÃO DESMATERIALIZADA NO RIZOMA, NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E NA ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

 

Assim como o rizoma, a informação desmaterializada aponta para todos os lados (conexão), mas não se fixa em nenhum. A informação sem corpo não se fecha em sistemas, hierarquias ou estruturas, tal como é um rizoma. O discurso segue na direção de uma revisão do objeto informação tratado na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento como um documento materializado e preso a estruturas. Tal materialidade e estrutura, por muitas vezes, buscam impedir a informação de sua força de expansão e de movência entre entidades virtuais no próprio ciberespaço. Ainda que o registro da informação como uma espécie de gravação ilusória aconteça no polo virtual, será sempre uma circunstância efêmera e fugidia. Como não é possível garantir localidades, permanências, formas ou formatos, além de outros elementos, a busca do registro e da materialidade da informação e do conhecimento no polo virtual é sempre o desejo de encontro de estruturação tanto da informação quanto do conhecimento movido por interesses que não cabem na esfera da informação desmaterializada, virtual.

O rizoma proposto por Deleuze e Guattari (1995) é discutido como modo de evidenciar o distanciamento de entidades que anunciam e forçam a matéria e materialização dos objetos na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. Tanto as entidades como os sentidos únicos e, portanto, fixados, podem ser visualizados nas representações a que o conhecimento e a informação recebem na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. As representações do conhecimento e da informação seguem como condicionantes estruturados em hierarquias, em que seus sistemas de tratamento são deterministas e determinantes (Sales, 2018). 

O primeiro ponto de discussão na teoria do rizoma de Deleuze e Guattari (1995) se refere aos modelos de livros mencionados pelos filósofos. Nas analogias, o livro, o enredo ou a história, assim como seu (s) ator (es) são fechados em si como na árvore mundo que é a sua própria projeção. No rizoma, essa estruturação encontra como contratempo a ressignificação, a coautoria, a autoria coletiva, a autoria colaborativa, aquilo para o que o livro - mundo não se preparou. O rizoma que segue na direção oposta do livro - mundo é uma indicação que o mundo não funciona ou não funciona mais preso às suas raízes.

No primeiro e segundo livro dos filósofos, a busca do Uno é como um processo da Modernidade que fracassou e que, ao mesmo tempo, vigorou na pós-modernidade. O Uno se transformou em vários, diversos, múltiplos e em evidência no ciberespaço e no sujeito hibridizado à máquina. Aquilo que ainda está preso ao sistema-radícula e que é estrutura determinante não pode impedir os movimentos e manifestações dos objetos e tampouco de seus sujeitos. O Uno não se mantém como um, não no polo virtual. À Ciência da Informação e à Organização do Conhecimento cabe a compreensão de que os objetos únicos estão se desfazendo. A busca pelo Uno e unificação na virtualização (desmaterialização) acarretará em frustrações prováveis.

Em relação ao autor e ao Uno, este se torna múltiplo no rizoma e diante de sua manifestação no polo virtual. Com base rizomática, o autor ou autoria são recontextualizados e sua individualidade decorre apenas no momento de sua criação ou de sua institucionalização em editoras, bibliotecas. Os significados ou sentidos atribuídos pela criação ou obra são desconhecidos e indefinidos. Não é possível antevê-los ou precisá-los e é nesse sentido que o rizoma apresenta suas rotas de fuga mesmo no livro, mesmo no mundo. Na informação desmaterializada e rizomática, o corpo social possível e manifestado nos ambientes virtuais representa esses significados e sentidos, que são diversos e não presos a visões radículas. Também no ciberespaço, o autor se transforma de Uno para Coletivo na situação em que sua criação se torna uma parte de muitas outras. As próprias fanfictions, de criação e autorias colaborativas, demonstram um exemplo de reconfiguração de autoria, dos significados atribuídos e das rotas de fuga no ciberespaço.

O livro continua a representar o mundo, num mundo de caos em que o sujeito não pode fazer dicotomia e nem se render ao múltiplo (Deleuze; Guattari, 1995). A busca dos pontos de equilíbrios forçam o sujeito a se manter no controle. Mas, ainda assim, o sujeito não deve se prender à árvore-mundo e suas raízes. As suas identidades desamarram-se na virtualidade e são admitidas no ciberespaço, na pós-modernidade e diante da informação desmaterializada.

 

3.1 A INFORMAÇÃO DESMATERIALIZADA NOS PRINCÍPIOS DE DELEUZE E GUATTARI

 

A informação desmaterializada é debatida entre os princípios de Deleuze Guattari (1995). No 1º e 2º - Princípios de conexão e de heterogeneidade, que ocorrem quando a conexão entre qualquer ponto é ressaltada como uma das características do rizoma, estende-se sua representação a informação desmaterializada. Na conexão que pode ser compreendida entre sujeitos da informação, informações, hiperlinks, redes, tecnologias e outros elementos conectados uns aos outros, a informação desmaterializada como um rizoma, não interrompe suas conexões. Seus fluxos continuam em conexão e em devir e, por isso, não há necessidade de cessação ou finalização conectiva. Para Monteiro (2003), o princípio de conexão e heterogeneidade de Deleuze e Guattari (1995) remete aos próprios hipertextos com seus hiperlinks que conectam nós híbridos em outros nós semióticos, sonoros e imagéticos. Os hipertextos não interrompem as conexões, que de nó em nó continuam seu movimento, assim como a informação desmaterializada.

No princípio da conexão, a informação desmaterializada busca conectar-se a qualquer ponto, mas conectar e não fixar conexões. Como fluida, suas conexões se autorrealizam e se autodestroem em devir ininterrupto. Dessas conexões fugidias, outras apontam para outros lados e conexões. As conexões entre os sujeitos da informação no ciberespaço e as realizadas entre uma informação e outra são exemplos na contextura da virtualidade da informação nos rizomas. Essas conexões não são dicotômicas – estão sempre entre os objetos e suas realidades em devir. No princípio da heterogeneidade visto na língua e na linguagem, a informação desmaterializada projeta-se sobre todas elas e suas possibilidades em agenciamentos vários e maquínicos. Não há traçados, demarcações ou fechamentos. O que ocorre é a hibridez de todas as linguagens (Lévy, 1993, 1999, 2011, 2014; Santaella, 2007, 2014).

No tocante à linguagem com estrutura arbórea, Deleuze e Guattari (1995) inferem que se trata de estruturações demarcadas que impedem seu crescimento, sua expansão e conectividade. Como crítica, Deleuze e Guattari (1995) evidenciam que uma cadeia semiótica é composta também por atos perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos e que a língua não existe em si. Sem seus executantes, a língua não seria uma entidade viva. Não há do mesmo modo, uma universalidade da linguagem, mas muitos dialetos, gírias, línguas especiais. Se a língua se fecha em si, demonstra sua impotência. Qualquer tentativa de universalização ou fechamento estrutural da língua ou da linguagem seria condicioná-la a um tipo de ostracismo ou ao que de fato não são.

No sentido dos autores, Monteiro (2003) acrescenta que a linguística com seu estruturalismo, não compreende a multiplicidade da língua e da linguagem e que, por isso, não pode ser rizomática. Os processos linguísticos não podem apontar para somente um lado quando a natureza da linguagem é dinâmica e enérgica. 

Também na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento, a busca por significações ou linguagens exatas que representarão seus objetos está fadada ao insucesso. Em específico, na Organização do Conhecimento, o uso de sistemas, hierarquias e linguagens de indexação atuam no sentido oposto do rizoma. São estruturas que condicionam o conhecimento e a informação em uma espécie de círculo vicioso em que os sistemas, hierarquias e linguagens não se modificam ou se modificaram muito ao longo do tempo, mas continuam em utilização na Organização do Conhecimento. Essas estruturas em uso são determinantes porque já foram assentadas e estão além do tempo, da contemporaneidade. Não acompanham o desenvolvimento da língua, da linguagem, do conhecimento, da informação e das formas pelas quais os sujeitos da informação se comunicam ou se informam. São como objetos amorfos para organizar entidades vivas e pululantes, como o que se compreende no dinamismo da informação desmaterializada e no rizoma. Moreira (2010) também compreende que o primeiro princípio do rizoma dos filósofos se aplica à organização do conhecimento, porque é contrário às diversas formas de hierarquia, estrutura ou moldes utilizados nos processos de representação do conhecimento.

No mesmo sentido, Moreira (2010) aponta que, no ciberespaço, as representações hierarquizadas, vistas na indexação, por exemplo, assumem ponto de vista no Uno. Como sistemas Uno, os sistemas de informação se colocam no isolamento ou assumem validade de diálogo apenas entre pequenos grupos ou agrupamentos (Moreira, 2010). Retoma-se, assim, a questão da Ciência da Informação e da Organização do Conhecimento acabarem por atuar para si mesmas ou para sua própria comunidade científica. Se as áreas não atuam sobre as realidades contemporâneas e para os sujeitos da informação dessas realidades, parece não se projetar para um corpo social ativo, mas, ao contrário, para os problemas existentes apenas em seu próprio núcleo. Na situação, é como se as áreas existissem para a resolução de problemas que só são encontrados em seus próprios entornos, não há sujeitos ou aplicação da área na sociedade.

No 3º princípio de Deleuze e Guattari (1995), que trata da multiplicidade, sua relação com o Uno e entre dicotomias como entre sujeito e objeto são ceifadas. Na informação desmaterializada o princípio da multiplicidade é aplicado ao se distanciar de dicotomias e do desejo de unificações que, ao mesmo tempo, se relaciona a necessidades estruturais ou hierárquicas que a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento possuem ou já possuíram.

A multiplicidade se distancia de unificações, individualizações - é uma instância de agregação e de heterogeneidade, no que segue no fluxo no 1º e 2º princípios do rizoma. O princípio da multiplicidade segue na oposição da Ciência da Informação e da Organização do Conhecimento em alguns aspectos, porque há colisão de princípios. As áreas buscam desde os seus surgimentos, a unificação, a dicotomia - um caminho ou outro. A unificação das obras, do autor, do local, do conceito, do assunto, da representação, do sentido, do significado, da linguagem, do sistema. Representar parece ser a personificação das relações dicotômicas na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. Há sempre um único caminho a seguir, o que é uma situação arbitrária na condição rizomática.

Em sua multiplicidade, as figuras de sujeito e objeto, obra e autor são ilusórias, irrelevantes e não aplicadas. É preciso transcender o ideal de coisas feitas por uma única pessoa, e dessas coisas feitas para possuírem um significado pré-determinado. É nesse sentido que o livro tem suas rotas de fugas e suas velocidades, e isso independe do que seu autor antecipadamente demarcou. Nos ambientes virtuais, o conhecimento e a informação, da mesma forma, não respondem a determinantes pré-estabelecidos e a condicionantes autorais.

Nessa perspectiva, Monteiro (2003) comenta a multiplicidade citada pelos filósofos por meio do paradoxo de sentido e das relações dicotômicas que apontam sempre para um único sentido, o sentido único. Com base em fechamentos físicos e semânticos, Monteiro (2003) informa que é possível seguir em duas direções, ao mesmo tempo, ao ligar contextos de criação e sentidos múltiplos. Não é somente o sentido único que deforma o rizoma, mas a falta de consideração de sua multiplicidade. Ao realizar um fechamento físico, por exemplo, ignora-se toda a multiplicidade de formas, formatos, suportes e possibilidades virtuais do objeto informacional. O fechamento cessa o rizoma e, assim, ele não pode mais apontar. Os fechamentos ou incisões dicotômicas interrompem o movimento e a fluidez da informação.

A informação desmaterializada almejará a multiplicidade dos acontecimentos por meio do conhecimento e informação vívidos e atuais; por sujeitos da informação descentralizados e como autores coletivos, múltiplos e conectados a outros; por grupos e formações sociais concebidas em sua própria multiplicidade, assim como deve ser o tratamento da informação e do conhecimento na Organização do Conhecimento e na Ciência da Informação. Se a informação desmaterializada é múltipla e plural, não pode se fechar em dicotomias.

Nesse sentido, defende-se que a informação desmaterializada age do mesmo modo no polo virtual ao se conectar e reconectar a outros objetos, sujeitos, espaços, rizomas. Cada conhecimento novo tem sua natureza transformada em cada nova conexão. O processo é infindável, assim como é a polarização do conhecimento como entidade virtual.

No 4° princípio do rizoma, que se refere a rupturas, inclusive nos significados únicos (a-significante), também é esperado que estas ocorram na informação desmaterializada, na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. Assim como no 1º, 2º e 3º princípios, o 4º está totalmente relacionado ao raciocínio dos demais e segue na contramão de estruturas condicionantes em seus entornos e de modo equivalente na informação desmaterializada. As rupturas estão previstas nos rizomas como em suas rotas de fuga ou na formação de outros rizomas como grupos marginais. Os grupos marginais são outros rizomas que se formam a partir das frestas ou fissuras dos rizomas originais. São seus escapes ou rotas de fuga que estão previstos e esperados.

Sob esse prisma, com a realidade contemporânea, não é mais possível calcar significados e significantes e conter a formação de grupos marginais. Os significados e sentidos como a-significantes estão abertos e não fechados em univocidades. Os grupos marginais tanto podem tentar conter o poder em um rizoma, quanto pode buscar ou sucumbir a ele. A comparação com as relações de poder que uma informação pode causar em instância política ou em decisões de saúde, são exemplos de microfascismos a que Deleuze e Guattari (1995) fizeram alusão nas rupturas rizomáticas. Quando grupos marginais se formam, novos elementos de poder podem emergir. Não é possível prever ou conter essas formações ou seus movimentos.

Ademais, no campo científico, linhas de poder são exaltadas e unificações são instauradas por comunidades científicas, cientistas, áreas do conhecimento. As conjecturas da Organização do Conhecimento atuam no sentido de demarcações ou fechamentos antes condicionados à existência aceita por sua comunidade científica. Seus sistemas de organização do conhecimento são prescritos e há pouca ruptura para além de sua ordenação. Não há formas muito disformes das aceitas para organizar o conhecimento e a informação fora da alçada da linha de pensamento da Organização do Conhecimento. Nesse sentido, é preciso que rupturas ocorram na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento.

Para tanto, Deleuze e Guattari (1995) dissertam acerca das raízes que encontram uma rota de fuga, que fogem para a formação de rizomas. Essas raízes ultrapassam a terra que as penetra, e com vivacidade surgem na superfície. Elas buscam fazer rizoma com outras plantas, com os animais, com os homens – com toda a multiplicidade que estão à sua volta. A informação sem corpo, virtual é essa raiz rebelde que busca na multiplicidade de seus entornos, ramificar-se com outras realidades para além do que já se tem como demarcado na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. Tais demarcações, como as relacionadas à materialidade ou registro da informação são rupturas necessárias à informação para que o objeto possa ser compreendido como uma entidade fluida e que engloba esferas para além de estruturas limitantes.

A informação desmaterializada, assim como o rizoma em suas rupturas previstas, quer se conectar com outros objetos heterogêneos, múltiplos e na analogia, não quer ser árvore ou raiz. Essa informação quer realizar conexões e nós entre grupos, entre concepções, e com toda a multiplicidade de entornos que a ela se apresentam. A informação desmaterializada se aplica ao princípio da ruptura, porque também se encontra entre quebras (paradigmas, conceitos, discursos e teorias estagnadas), rupturas (materialidades, registro) e construções (seu papel na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento). Mais que um desejo, a informação desmaterializada e como rizomática alerta a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento para a necessidade de rompimentos com o que já foi superado, amplamente discutido e, principalmente, para discussões que abram novos objetos de investigação. A Ciência da Informação tem em seu objeto, crenças e objetivações enraizadas, que já não representam o mundo. Urge a necessidade de romper com tais crenças e suas raízes.

Todavia, no 5º e 6º princípio da cartografia e decalcomania de Deleuze e Guattari (1995), os autores são efetivamente contrários a modelos de mundo estruturais, de estruturação profunda ou gerativos. O decalque interrompe o mapa, a sua mobilidade e cartografia. Por isso, analisa-se o decalque na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento a partir de frações dos filósofos em que o decalque:

“Ele é antes como uma foto, um rádio que começaria por eleger ou isolar o que ele tem a intenção de reproduzir, com a ajuda de meios artificiais, com a ajuda de colorantes ou outros procedimentos de coação.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22). O decalque pode ser referido nos fechamentos classistas ou semânticos do processo de tratamento da informação, em que seus conteúdos são eleitos ou isolados por escolhas. Os meios artificiais não seriam outra coisa senão as próprias linguagens controladas como os tesauros, cabeçalhos de assuntos e outros, que juntamente com as escolhas ou decisões exercem papel coercitivo sobre o conhecimento e a informação a serem inclusos na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento.

“É sempre o imitador quem cria seu modelo e o atrai.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22). Não seriam os próprios profissionais da informação, imitadores do conhecimento por meio de produtos informacionais derivados deles mesmos? A arte de representar não deixa de criar modelos em uma constante de atração e repetição, são espécimes de cópias. O ato de representar não são as cópias, o decalque, mas o uso da representação de maneira igual por outras unidades de informação sem considerar suas peculiaridades e seus sujeitos da informação, por exemplo, é cópia da representação e, logo, são decalques, imitações.

“O decalque já traduziu o mapa em imagem, já transformou o rizoma em raízes e radículas. Organizou, estabilizou, neutralizou as multiplicidades segundo eixos de significância e de subjetivação que são os seus.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22). À Ciência da Informação e à Organização do Conhecimento são o próprio decalque e a semelhança ao ler a descrição dos filósofos é fatídica. A afirmação se refere aos paradigmas, às teorias, aos discursos já decalcados nas áreas. Aludem também aos sistemas e às formas de organizar e tratar a informação e o conhecimento nas áreas. Essas formas, que decorrem de processos e sistemas, são, na maioria das vezes, calcadas em modelos prontos e utilizados de modo universal, são decalques.

Contudo, a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento já se organizaram em modelos arbóreos, radículos e em raízes estruturantes e estruturadas. Nesse enraizamento, a multiplicidade do conhecimento e da informação tem dificuldade de se sobrepor, por exemplo, nos ambientes virtuais, em objetos pululantes, cambiantes, não estruturados, flexíveis e descentralizados. Conforme aponta Sales (2018), a busca na organização do conhecimento deve ser por rizomas do conhecimento, por entidades fluidas, móveis e indomáveis. A crítica do autor se refere aos modos estáticos e fixados que a Organização do Conhecimento tem utilizado para tratar e organizar o conhecimento humano. Em sua proposta, mais valeria à área se prospectar em esquemas rizomáticos do conhecimento ao torná-lo uma entidade flexível e não estruturante.

“Ele gerou, estruturalizou o rizoma, e o decalque já não reproduz senão ele mesmo quando crê reproduzir outra coisa. Por isto ele é tão perigoso. Ele injeta redundâncias e as propaga.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22). A respeito do destaque na afirmação dos filósofos, é importante questionar se a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento já não agem desta maneira. Se as áreas trabalham no sentido de suas estruturas e se apresentam fechadas em si mesmas, para quem ou para o que atuam? Dito de outra forma, para quais sujeitos da informação e para quais realidades a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento visam à aplicação de seus construtos teóricos e práticos? Como explanado por Deleuze e Guattari (1995), esse movimento é perigoso e as áreas podem sucumbir a demandas centralizadas em seu ofício, esquecendo de sua utilidade social. É preciso cautela para que a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento não atuem ou produzam conhecimentos sobre e para si mesmas, se já não o fazem.

Assim, nos termos dos filósofos: “O que o decalque reproduz do mapa ou do rizoma são somente os impasses, os bloqueios, os germes de pivô ou os pontos de estruturação.” (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22). O que a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento fazem em rizoma no sentido de conexões é, muitas vezes, a propagação de problemas ou discussões anacrônicas, indissolúveis ou de necessidade não mais aplicada ao contexto histórico, cultural e social atuais. São discussões ou problemas já superados, vistos, por exemplo, em novas formas de mediar a informação a cada novo suporte lançado, no debate dos autores mais citados, no uso da tecnologia mais utilizada, em discussões paradigmáticas que em nada superam os estudos anteriores, em como seria se a Ciência da Informação tivesse incorporado a epistemologia social ou outros assuntos correlatos. Há a disseminação consistente de pressupostos estruturantes que o tempo deve manter inalterável e não de teorias que, como epistemologia da Ciência da Informação, devem fundamentar subáreas e abordagens consecutivas.

Já no mapa e na cartografia, a intenção é por sua abertura e descoberta nos rizomas e na informação desmaterializada. O mapa é líquido, o mapa é a informação sem corpo em uma de suas facetas, a da abertura, da mudança constante, da reconexão, reconstrução ininterrupta.

Na discussão rizomática na Organização do Conhecimento, o decalque necessita ser vencido. O decalque é o que amarra a Organização do Conhecimento às suas raízes, ao que não deve ser alterado, às suas tradições. Deverá ocorrer o reconhecimento da potência dos devires, o que é “[...] algo bastante cruel à organização e representação do conhecimento [...]” pois necessitará ocorrer o reconhecimento de que existe algo ou objetos que não podem ser “[...] capturados pelos sistemas, reconhecer a força de algo indescritível, móvel, múltiplo e indomável.” (Sales, 2018, p. 267). Se e quando a Organização do Conhecimento estabelecer esse reconhecimento, suas estruturas, práticas, teorias, manuais e forças coercitivas passarão por mudanças drásticas em sua operalização. Resta saber quando a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento estarão aptas a esses rompimentos e renovações que modificarão suas utilidades na sociedade. Sobeja também compreender se a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento estão aptas para aceitar os desafios impostos na liquefação de seu objeto, a informação. Quando as mudanças ocorrerem, a informação e o conhecimento já deverão ser recontextualizados e, principalmente, tratados de outras maneiras ainda desconhecidas. O que se pode afirmar, até aqui, é que a informação desmaterializada não pode ser compreendida e organizada sob as estruturas limitantes e fixadas da Organização do Conhecimento.

Em relação aos decalques, as tentativas de universalização ou mundialização do conhecimento realizadas, por exemplo, na Biblioteconomia ou Documentação despontam para o seu fracasso, pois a multiplicidade é e já foi ignorada nesses construtos (Moreira, 2010). As tentativas de universalização são vistas nos códigos de classificação como a Classificação Decimal de Dewey e, na documentação, no Mundaneum. O passado demonstra que a universalização do conhecimento e disponibilização da informação não é uma prática ideal diante da multiplicidade de atores, contextos, objetos e outros elementos da pós-modernidade e da informação desmaterializada.

Monteiro (2003, p. 21) assume posicionamento diante dos processos inerentes ao tratamento do conhecimento e da informação e afirma: “[...] descartamos a classificação e a catalogação como ferramentas de organização do conhecimento no ciberespaço.” A defesa da autora é por modelos rizomáticos para organizar o conhecimento que não representarão fechamentos físicos e semânticos como no modelo de árvore praticado na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. Na mesma linha de pensamento encontra-se a informação desmaterializada, virtual e rizomática que se afasta de fechamentos e sistemas de Organização do Conhecimento tangenciados no mesmo sentido.

Dessa maneira, o “encaixotamento” realizado por sistemas determinados acaba por ignorar as essências humanas formadas por incertezas e indefinições que se assemelham muito mais à realidade da mente humana (Sales, 2018).  Tais essências são o que formam e definem os seres humanos, os sujeitos da informação nessa condição. Quando a organização do conhecimento se esquiva de pensar nos sujeitos da informação e em suas peculiaridades enquanto agentes transformadores da produção e ações do conhecimento, desmerece, ao mesmo tempo, o que impulsiona as realidades sociais.

Sob esse prisma, podem ser caros à Ciência da Informação e à Organização do Conhecimento, os fechamentos que as áreas têm protagonizado na definição do conhecimento e da informação que definem como aptos ao tratamento e organização. É nesse sentido que Deleuze e Guattari (1995, p. 24) assentam que o pensamento não funciona por árvore ou é arborescente, e que o cérebro não é uma matéria enraizada ou ramificada, já que não é estanque. É também sob esse raciocínio que a visão mentalista da Ciência da Informação necessita ser esquecida.

A simplificação do conhecimento não organizado diante de suas representações sociais (folksonomias, redes sociais) leva a Ciência da Informação e a Organização do Conhecimento à objetivação pela objetivação. Tenta-se objetivar o conhecimento ao crer que a partir de seu registro ou materialização, sua condição de sê-lo se perde. O conhecimento não deixa de ser conhecimento porque foi materializado. O conhecimento não rompe seu fluxo quando objetivado na materialidade. A representação apenas o transforma em estratos, frações desse conhecimento inicial e originário. A informação e/ou os produtos informacionais são esses estratos do conhecimento representados, na assertiva a qual o conhecimento não é arborescente e o cérebro não é uma caixa ou depósito desses.

Também na Organização do Conhecimento, Moreira (2010) constatou, a partir de abordagem rizomática, que a construção de linguagens documentárias modernas ocorre por meio de redes de informação, isto é, por conexões em ambientes virtuais. A conclusão de seu estudo consiste em que a lógica da árvore (em referência a Aristóteles, Bacon e outros) utilizada para representar o conhecimento, não expõe “exatamente” o modelo ideal de representação do conhecimento. Diante de sua afirmação, o modelo rizomático poderia ser a proposta para uma remodelação desses processos e sistemas na informação virtual e desmaterializada.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O rizoma se configura na informação virtual e desmaterializada como um objeto em oposição ao livro, à árvore-mundo, ao Uno, ao que unifica e busca estabilização e dicotomização das ideias, sentidos, significados, linguagens e interpretações.

Na informação virtual, desmaterializada e rizomática suas conexões estão no ciberespaço e entre sujeitos da informação, grupos sociais ou científicos, no conhecimento e na informação desmaterializados que, de conexão em conexão criam outros rizomas. A informação virtual e desmaterializada é conectiva por natureza.

Portanto, o rizoma é a proposta de um pensamento filosófico aplicado à informação virtual e, ao mesmo tempo, às realidades não contempladas na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento na desmaterialização de seu objeto. Ao ser contrário à ideia de árvore, o rizoma desponta automaticamente nas relações das árvores do conhecimento utilizadas como base para organizar e representar o conhecimento. Esses modelos representacionais não podem mais organizar o conhecimento e a informação diante a liquefação de suas estruturas no polo virtual. O problema é compreender como a Ciência da Informação se ajustará à realidade rizomática da informação virtual.

Nesse sentido, a heterogeneidade na informação virtual é a própria existência de sujeitos e objetos heterogêneos existentes nas mais variadas realidades da sociedade. Os espaços, lugares e não lugares são heterogêneos, assim, como são o conhecimento e a informação, suas formas, formatos e modos de criação, apropriação e disseminação. Sujeitos maquínicos e simulações virtuais também constroem conhecimento e informação, e, por isso, a informação virtual é formada na heterogeneidade em todos os seus entornos. E no múltiplo ela encontra seus sentidos, não unificadores, de onde emana sua diversidade desmaterializada e versátil, capaz de englobar sujeitos, realidades, linguagens, entre outros elementos.

Dessa maneira, nos decalques, a informação desmaterializada, virtual, se distancia propositalmente das condições estruturantes e tradicionais que o objeto informação recebeu na Ciência da Informação e na Organização do Conhecimento. A busca é por sua condição como objeto também desmaterializado e suas formas de organização que não preveem fechamentos de qualquer espécie.

 

 

REFERÊNCIAS

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[1] Bolsista e Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Unesp. Doutora em Ciência da Informação no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Unesp, campus de Marília, SP. Docente na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) no curso de Biblioteconomia desde 2021.

[2] Pós-doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2014), doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), mestrado em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1996). Professora Sênior (Departamento de Ciência da Informação) da UEL.

[3] Doutoranda pelo Programa em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), bolsista do CNPq. Mestra pelo mesmo programa e instituição.

[4] Gilles Deleuze (1925-1995) foi um filósofo, escritor e professor universitário francês. Suas obras contribuíram muito na formação de correntes filosóficas, como o pós-estruturalismo e certas abordagens da psicanálise. Deleuze foi influenciado por filósofos, tais como:  Hume, Kant, Spinoza, Nietzsche, Bergson e Foucault (muito amigo deste último). Félix Guattari (1930- 1992) possuía uma formação plural: Farmácia, Música, Filosofia, Psicanálise, mas sem ter concluído nenhum curso de graduação, foi filósofo, escritor, ativista político do movimento da esquerda e escritor francês, muito amigo de Deleuze, possuindo obras em conjunto com ele. Foi também grande discípulo do psicanalista e filósofo Jacques Lacan (HUR, 2015). Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2015000200012. Acesso em: 02 jul. 2023.