A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO À LUZ DA EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE
Laís Lupim Santos Gomes[1]
Universidade Federal do Espírito Santo
laislupim@gmail.com
Gleice Pereira[2]
Universidade Federal do Espírito Santo
Lucileide Andrade de Lima do Nascimento[3]
PPGCI/UFES
lucileide.nascimento@ufes.br
______________________________
Resumo
Para o profissional da informação, é necessário compreender como seus objetos
de estudo se interligam, pois esta interligação é parte essencial na construção
diária do saber científico. Além disso, é também a base para que estes conhecimentos
possam ser aplicados na prática profissional. A interdisciplinaridade é a
essência dessa questão, pois permite a união de diversas áreas do saber para
que se consiga entender os fatos ocorridos. A Teoria da Complexidade também vem
de encontro a essa necessidade de inter-relação entre os objetos, pois prega o
estudo dos fenômenos respeitando suas complexidades. Portanto, este estudo visa
promover a compreensão da Teoria da Complexidade inserida na prática
profissional de bibliotecários e arquivistas, por meio da análise de artigos
publicados no âmbito das revistas da área de ciência da informação,
disponibilizados pela plataforma BRAPCI nos anos de 2012 a 2022. Pode-se
observar que diversos parâmetros da Teoria da Complexidade estão inseridos
naturalmente na rotina do profissional da informação, dependendo apenas que se
compreenda a que eles se referem.
Palavras-chave: Ciência da Informação; Teoria da Complexidade; Interdisciplinaridade.
INFORMATION SCIENCE IN THE LIGHT OF COMPLEXITY EPISTEMOLOGY
Abstract
Understanding that everything is interconnected is an essential part in the daily construction of scientific knowledge. Currently, it is necessary for Information Professionals to understand how their objects of study are interconnected, so that they can be applied in their professional practice. Interdisciplinarity is the essence of this issue, because it connects several areas of knowledge in order to comprehension the facts that have occurred. Complexity Theory also meets this need for the inter-relationship between objects, since it advocates the study of phenomena while respecting their complexities. This study aims to promote the understanding of Complexity Theory inserted in the professional practice of librarians and archivists, through the analysis of articles published in journals in the field of Information Science, which available on the BRAPCI platform in the years 2012 to 2022. It can be noted that several parameters of Complexity Theory are naturally inserted in the routine of the information professional, depending only on the understanding of what they refer to.
Keywords: Information Science; Complexity Theory; Interdisciplinarity
1 INTRODUÇÃO
Pode-se entender, hoje, a interdisciplinaridade como a visão mais adequada para se pensar a construção e transmissão do conhecimento humano. Por meio dela, compreender as problemáticas surgidas no âmbito da ciência, tangenciadas nas diversas áreas do conhecimento, considerando que um único problema pode ser tratado por diferentes visões científicas.
A ideia de interdisciplinaridade surge na Europa, em meados da década de 1960, como uma crítica ao saber cada vez mais fragmentado e como uma solução para o problema da disciplinaridade (SANTOS; RODRIGUES, 2013). A interdisciplinaridade é uma das características mais marcantes da Ciência da Informação (CI), e ,em concordância com isso, Borko (1968, p. 3) afirma que a CI “[...] é uma ciência interdisciplinar derivada e relacionada com a matemática, a lógica, a lingüística, a psicologia, a tecnologia de computadores, a pesquisa operacional, as artes gráficas, as comunicações, a biblioteconomia, a administração e outros campos similares”.
No mesmo período de surgimento da ideia de interdisciplinaridade, também se criou o conceito de Epistemologia da Complexidade, cunhado por Edgar Morin (2005). Essa teoria tornou-se uma crítica ao pensamento fragmentador que a ciência impunha, pois, de acordo com seu criador, nada no universo está verdadeiramente isolado, e tudo se compõe e se relaciona (MORIN, 2005).
Portanto, tendo isso em mente, o objetivo geral desta pesquisa foi compreender como a Teoria da Complexidade foi inserida no campo da CI e de que maneira ela pode ser utilizada no trabalho destes profissionais. Logo, o questionamento basilar desta pesquisa foi: como a Complexidade tem sido entendida e trabalhada pelo profissional da informação?
2 METODOLOGIA
O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório. A técnica utilizada para análise dos artigos selecionados foi a análise de conteúdo.
De acordo com Severino (2016, p. 131), a revisão bibliográfica consiste na avaliação de material disponível e registrado “[...] em documentos impressos como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados”.
Em concordância com o exposto, para Marconi e Lakatos (2007, p. 71), a pesquisa bibliográfica consiste no estudo e análise “[...] de toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, [colocando o pesquisador] [...] em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto”. Porém, ela não é “[...] mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem” (p. 71).
A análise de conteúdo é definida por Bardin (2011, p. 47) como
[...]
um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens.
Esse tipo de análise permite que o pesquisador busque compreender características que estejam por trás das mensagens, o que acarreta um esforço duplo do analista, que é “[...] entender o sentido da comunicação [e buscar] [...] outra significação, outra mensagem passível de se enxergar” (CÂMARA, 2013, p. 182) por meio de sua análise.
A análise de conteúdo utiliza registros que já existem, para que o pesquisador realize suas inferências a partir deles. Dessa forma, o método tornou-se ideal para esta pesquisa que utiliza, como amostra, publicações da área de Ciência da Informação disponibilizados por meio da plataforma BRAPCI. Os materiais selecionados abrangem os anos de 2012 a 2023 com o intuito de entender a forma como a Teoria da Complexidade tem sido trabalhada pelos profissionais da informação.
Percebeu-se, no decorrer deste trabalho, que o tema ainda pode ser amplamente abordado e trabalhado na Ciência da Informação. Em pesquisa realizada em maio de 2023, foram recuperados dez artigos envolvendo os temas centrais. Foram utilizados os termos “teoria da complexidade” AND “ciência da informação”, e “epistemologia da complexidade” AND “ciência da informação” na etapa da pesquisa no banco de dados, para que ela pudesse ser o mais objetiva possível.
3 EDGAR MORIN E A EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE
A Epistemologia da Complexidade, elaborada pelo sociólogo francês Edgar Morin, pode ser entendida como uma nova maneira de interpretação de mundo. De acordo com o autor, a complexidade é,
[...] à primeira vista, é um fenômeno quantitativo, a extrema quantidade de interações e de inferências entre um número muito grande de unidades [...]. Mas a complexidade não compreende apenas quantidades de unidades e interações que desafiam nossas possibilidades de cálculo: ela compreende também incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios. A complexidade num certo sentido sempre tem relação com o acaso (MORIN, 2005, p. 35).
Entende-se, portanto, que a Teoria da Complexidade se propõe criar bases para organizar sistemas de informações complexos e multidisciplinares, mas interdependentes. Conforme essa teoria, tudo está correlacionado, e um ponto alterado pode gerar mudanças em outros pontos.
Para que se possa criar um sistema complexo de forma mais completa o possível, é necessário compreender que tudo faz parte de tudo. Um grande exemplo da Teoria da Complexidade é a própria origem da vida, quando entendida como a soma de diversos fatores aleatórios perfeitos, que culminaram na existência do ser humano. Ou seja, é a análise de todas as variáveis interdependentes, a partir de um certo ponto capaz de manter uma organização autoconsciente.
O pensamento complexo surgiu a partir da crítica feita por Morin (2005, p. 23) ao processo reducionista pelo qual passaram os saberes tradicionais, acarretando a uma “[...] perda das noções de multiplicidade e diversidade”. Assim, pode-se dizer que a simplificação leva a uma falsa racionalidade, “[...] que passa por cima da desordem, e das contradições existentes em todos os fenômenos” (p. 23).
Essa simplificação criticada por Morin (1996) pode ser entendida como o desmembramento do conhecimento, ou seja, a separação das matérias de estudo pela ciência e pelo homem. Em concordância com esse pensamento, Morin (1996, p. 276) afirma que “ [...] a ciência clássica dividiu a sociedade e os estudos em parcelas, decompondo e isolando os problemas globais”.
Ainda para o autor, “[...] um pensamento mutilador conduz necessariamente a ações mutilantes, pois o princípio da simplicidade acaba por dividir o que está ligado (disjunção) ou unifica o que é diverso (redução)” (MORIN, 2005, p. 52), sem respeitar as particularidades do que está sendo analisado.
Sendo assim, esta é a premissa da epistemologia da complexidade, a ideia de que tudo no universo se relaciona, ou seja, nada está verdadeiramente isolado. Portanto,
[...] O paradigma complexo resultará do conjunto de novas concepções, de novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão se acordar, se reunir. Estamos numa batalha incerta, e não sabemos ainda quem será o vencedor. Mas pode-se dizer, desde já, que se o pensamento simplificador se baseia no predomínio de dois tipos de operações lógicas: disjunção e redução, que são ambas brutais e mutiladoras, então os princípios do pensamento complexo serão necessariamente princípios de disjunção, de conjunção e de implicação (MORIN, 2005, p. 77).
Morin (2005, p. 41) classifica sua Teoria da Complexidade em sete princípios, com o intuito de auxiliar nossa compreensão, visto que estes são complementares e interdependentes.
PRINCÍPIOS DA COMPLEXIDADE DE MORIN |
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SISTÊMICO (ORGANIZACIONAL) |
O conhecimento do todo é improvável sem o conhecimento das partes, e o conhecimento das partes é improvável sem o conhecimento do todo. Entretanto, o todo é muito mais do que apenas a soma das partes. |
HOLOGRAMÁTICO |
O estudo das partes também deve ser visto como um “todo”, pois expressa sua cultura. A ideia reducionista deve ser apenas amenizada, e não extinta. |
CÍRCULO RETROATIVO |
Toda ação gera fenômenos e efeitos, em um ciclo de causas e efeitos, gerando um feedback entre os processos. |
CÍRCULO RECURSIVO |
O sujeito produz sua cultura, enquanto é produto dela. Esse princípio enfatiza a representação de uma parte por um todo. |
AUTO ECO-ORGANIZAÇÃO |
Processo de regeneração e superação. Constante recomeço do sujeito, independente dos problemas encontrados. |
DIALÓGICO |
Elementos antagônicos podem ser complementares. A ordem e a desordem podem, em conjunto, construir e desconstruir determinados elementos ou situações. |
REINTRODUÇÃO DO CONHECIMENTO EM TODO CONHECIMENTO |
Possibilidade do sujeito cognoscente produzir conhecimento, a partir de outros conhecimentos. Para este princípio, todo conhecimento é bem vindo, e passível de crítica e inovação, pois não há uma verdade absoluta |
Quadro 1: Elaborado pelas autoras, baseado em Morin (2005)
O princípio sistêmico ou organizacional pode ser compreendido a partir da ideia de que o todo e as partes são indissociáveis. A ligação existente entre ambos é estabelecida de forma permanente e uma não pode existir sem a prévia compreensão da outra. A cultura pode ser entendida como parte de um todo, o contexto social e econômico de uma região. A parte e o todo são envoltos em constantes processos de interações.
O princípio hologramático permite deixar de lado a ideia simplista do reducionismo, pois “[...] não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte” (MORIN, 2011, p. 25). Os princípios e expressões culturais, por exemplo, dependem da compreensão de características singulares e plurais do contexto em que surgiram. Trata de reconhecer “[...] a unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana” (MORIN, 2010, p. 25).
O princípio do círculo retroativo trata da causa e do efeito. A causa age sobre o efeito, e o efeito sobre a causa. A ideia de “círculo” permite estabilizar o sistema, pois promove o feedback desses processos, sem desvios.
O princípio do círculo recursivo aborda a influência existente entre a parte e o todo, pois a parte cria o todo, que também é impactado por ela. Há a produção de cultura pelos indivíduos, ao mesmo tempo em que estes são influenciados por ela.
O princípio da auto-organização aborda os indivíduos como auto-organizadores que se autoproduzem constantemente, mas que também dependem de energia, informação e organização do próprio ambiente que produziram (MORIN, 2011).
Quanto ao princípio dialógico, trata da união entre forças opostas para gerar uma nova unidade complexa. A ordem e a desordem são ideias divergentes, mas dependem uma da outra para existir, permitindo a renovação do indivíduo e da sociedade.
Por fim, o princípio da reintrodução vê o conhecimento como algo não linear, no qual ele se torna uma reconstrução, por meio de um indivíduo, em uma certa cultura e em um certo tempo.
Ainda de acordo com Morin (2011), o pensamento complexo é um lembrete de que a realidade é mutante, pois o novo irá surgir de qualquer modo. Entretanto, ele não possui uma “saída mágica” e a solução de todos os problemas depende da evolução constante de seus pesquisadores em relação à execução de projetos influenciados pelo pensamento complexo. Dessa forma, o pensamento complexo apresenta grandes contribuições para o desenvolvimento da Ciência da Informação.
4 A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO SOB O PRISMA DA TEORIA DA COMPLEXIDADE
A CI pode ser considerada uma ciência “nova”, tendo seu surgimento e consolidação na década de 1960, por meio da Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, com o objetivo de salvaguardar os registros materiais do seu conhecimento nos documentos de diversos tipos (ARAÚJO, 2014).
Atualmente, a CI mantém não apenas o seu caráter de preservação do conhecimento adquirido pelo homem, como também vem se adaptando às mudanças ocorridas no âmbito do desenvolvimento do conceito e uso de informações na sociedade. Para Francelin (2003, p. 66), a informação “[...] tomou proporções tais no mundo contemporâneo, que uma disciplina que se propõe estudá-la em seu contexto de atividade não pode omitir-se ao estudo do indivíduo e também do contexto que o envolve”.
Uma das características principais da CI é o seu caráter interdisciplinar, pois permite o diálogo de diferentes áreas dentro dela, como a Psicologia, Linguística, Computação, Sociologia, dentre outras (ARAÚJO, 2014). Logo, essa interdisciplinaridade característica da CI possibilita que o pesquisador enxergue os problemas que envolvem os estudos dessa disciplina.
Francelin afirma que a identidade disciplinar da CI é a interdisciplinaridade, por ser constituída de identidades dinâmicas, para que possa ser capaz de abranger todo o seu objeto de pesquisa:
[...] fundamentada em uma complexa malha de relações não casuais que, em seu conjunto, formam uma sólida base de competências profissionais e científicas. Paradoxalmente, temos a consciência de que, para a manutenção desta ‘solidez’, é necessária muita flexibilidade e, cada vez mais, manter distância do engessamento resultante do ideal clássico de ‘uma única’ unidade científica – é necessário compreender a Ciência da Informação como uma ciência contemporânea, que se baseia em pressupostos de uma ciência (nova) dinâmica, plural, complexa e pluridimensional. (FRANCELIN, 2003, p. 3)
Uma teoria que pode ser estudada no âmbito da CI é a Teoria da Complexidade, de Edgar Morin. Com base em seus conceitos e sua aplicação, é possível compreender alguns contextos mais complexos da atividade informacional (FRANCELIN, 2003).
Essa inserção da Teoria da Complexidade no âmbito da CI se deu pela mudança de certos paradigmas em relação a CI, pois esta tem sido vista não apenas pelo seu caráter técnico ao lidar com seu objeto de estudo, a informação. Tem se tornado cada vez mais frequente a preocupação com as peculiaridades que envolvem a sociedade e o indivíduo. Logo, leva-se em consideração a realidade social em que o indivíduo se insere, pois é a partir de suas vivências que ele passará a buscar e interpretar as informações que deseja.
Ainda de acordo com Francelin (2003), cabe a CI rever suas epistemes para sua construção científica, principalmente no que se refere ao mecanicismo da disciplina, pois entende-se, hoje, que os processos que envolvem a informação podem ser tratados tanto pela sua forma lógica, como também pela ilógica, tendo em consideração fatores como ruído, ordem e desordem.
5 ANÁLISES E RESULTADOS
A partir da análise de conteúdo aplicada aos artigos selecionados, pode-se observar que a Teoria da Complexidade está inserida nos mais diversos tipos de unidade de informação e em todas as etapas que envolvem a rotina de trabalho dos profissionais da informação.
Podemos observar que, dos dez trabalhos recuperados: três tratavam da Complexidade e a Ciência da Informação sob a ótica da Filosofia da Informação, trazendo à tona a abordagem transdisciplinar que envolve a temática; dois artigos se reportaram ao tema sob o ponto de vista da Gestão da Informação; outros três trabalhos analisaram a complexidade em relação à educação; uma publicação teve como enfoque a gestão de bibliotecas sob o prisma da complexidade; e o último trabalho abordou o tema sob a perspectiva da Competência em Informação e Acervo Arquívistico.
5.1 Complexidade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade
Santos Neto, Santos, Teles e Valentim (2017), no artigo “Interdisciplinaridade no contexto da Ciência da Informação: correntes e questionamentos”, inter-relacionam o estudo da interdisciplinaridade na Ciência da Informação com a Teoria da Complexidade, pois entendem que deve haver o reconhecimento da complexidade das coisas por meio de uma visão ecológica e ecofísica. E afirmam que, por ser uma área de estudo relativamente “nova”, a Ciência da Informação consome muito de outras áreas, com o objetivo de demarcar seu espaço e obter reconhecimento de sua própria base.
Tendo isso em vista, para os autores, torna-se necessária a compreensão da Teoria da Complexidade por meio de um longo processo e tempo de maturação necessários para a realização de estudos interdisciplinares (SANTOS NETO; SANTOS; TELES; VALENTIM, 2017).
Eles ainda defendem que a construção do conhecimento só ocorre por meio da “[...] dialogia, entre ordem e desordem, entre construção e desconstrução” (SANTOS NETO; SANTOS; TELES; VALENTIM, 2017, p. 31). Nessa perspectiva, a Teoria da Complexidade permite esse trabalho, pois reúne e generaliza ao mesmo tempo em que também separa e individualiza.
Daher Junior e Borges (2021), em “Ciência da Informação: uma utopia transdisciplinar?”, questionam a transidisciplinaridade da CI, principalmente quando se leva em consideração o juízo cartesiano que ainda domina os rumos da ciência.
Para tanto, esses pesquisadores tratam a dimensão transdisciplinar da Ciência da Informação a partir da complexidade. De acordo com os autores, a CI “[...] revela sua vocação transdisciplinar por apresentar potenciais metodológicos de investigação capazes de sustentar estudos mais aprofundados sobre a própria dimensão humana, diante das transformações do mundo” (DAHER JUNIOR; BORGES, 2021, p. 95).
Logo, a transdisciplinaridade existente nos estudos da Ciência da Informação permite que esta entenda a “[...] indissociabilidade entre sujeito e objeto” (DAHER JUNIOR; BORGES, 2021, p. 95). Essa é uma característica fundamental da Teoria da Complexidade que necessita da interpretação do mundo considerando sua diversidade e interconexões.
5.2 Complexidade e Gestão da Informação
Nos estudos que abordaram a Gestão da Informação sob o viés da Teoria da Complexidade, a conclusão principal foi que é necessária a compreensão de que mudanças ocorrem constantemente no âmbito da Gestão da Informação, e todas as etapas dessas mudanças estão interligadas.
Sob o título “A gestão da informação sob a ótica do pensamento complexo: uma reflexão”, os autores Santos, Valentim e Damian (2020) tiveram como objetivo compreender a possibilidade de agregar valor às práticas da gestão da informação, por meio dos princípios do pensamento complexo.
Para os autores, a Teoria da Complexidade visa a desfazer processos, termos, ferramentas e pensamentos de antigos paradigmas, para reconstruí-los sob características que valorizem a união e a integração do todo.
Fundamentados em Gonzalez (2004), Santos; Valentim e Damian (2020, p. 37), afirmam ainda que a complexidade tem a “[...] potencialidade de aumentar a ação criativa dos indivíduos envolvidos em diversos contextos de transformação e desenvolvimento”.
Desse modo, a gestão da informação, sob o olhar da Teoria da Complexidade, pode “[...] representar certo caos e desordem em um paradigma já padronizado, mas [...] torna-se potencial em agregar valores democráticos que sigam o pensamento complexo”, pois as atividades da gestão da informação precisam estar inter-relacionadas,
[...] tendo como principal objetivo gerir a informação, a fim de agregar valor a ela, bem como utilizá-las na tomada de decisão. No entanto, não se deve descartar o desenvolvimento de cada etapa (parte), ou seja, o resultado do todo das interações é maior que a soma das partes, o que está em acordo com os princípios sistêmico e hologramático (SANTOS; VALENTIM; DAMIAN, p. 35).
O estudo de Santos, Valentim e Damian (2020) permitiu averiguar que alguns dos princípios da Teoria da Complexidade estão mais evidentes, de maneira indireta, nos processos empresariais: o princípio hologramático, da “auto-eco-organização”, do círculo retroativo e do círculo recursivo, nos quais esses processos se mostram integrados ao dia a dia.
No estudo de Santos, Pereira e Damian (2018), “Gestão da informação e do conhecimento e teoria da complexidade no contexto empresarial: um estudo no setor de comunicação e tecnologia”, pode-se observar o desenvolvimento do pensamento complexo dentro das práticas de trabalho de uma empresa de comunicação. Os autores entendem que as organizações são organismos vivos, possuindo diversos sistemas complexos, tanto em sua estrutura formal, quanto nas relações que estabelecem com a sociedade em que se inserem. Logo, “[...] considerando que a valoração do sujeito enquanto ser subjetivo e multifacetado é um dos pilares basilar da referida teoria, torna-se de fundamental importância que a GI e a GC partam da premissa complexa” (SANTOS; PEREIRA; DAMIAN, 2018, p. 8).
Portanto, as pesquisas constataram que a Gestão da Informação e a Gestão do Conhecimento “[...] estão muito relacionadas com a Teoria da Complexidade, e [...] com o futuro pós-moderno da sociedade da informação e do conhecimento” (SANTOS, PEREIRA E DAMIAN, 2018, p. 15). Ao agregar o viés complexo à Gestão da Informação, novas formas de lidar com essa gestão podem ser entendidas por meio de novos modelos e novas atividades, tendo em vista a troca de relações entre os ambientes envolvidos nos processos.
Além disso, torna-se necessário o conhecimento das etapas da Gestão da Informação, mas sem deixar de lado os efeitos causados pela junção delas. Todas as etapas devem ser executadas em conjunto, pois são interdependentes, mas também devem ser conhecidas de forma individual e detalhada.
5.3 Complexidade e Educação
No que se refere à Teoria da Complexidade em relação à educação, a pesquisa se fundamentou em três estudos: Silva, Mello, Valentim e Formentini (2018); Camilo, Mello, Silva e Lima (2020); e Gutierrez e Valentim (2021).
Gutierrez e Valentim (2021, p. 297), em seu trabalho “A transversalidade sob o enfoque da teoria da complexidade: aprendizagem significativa e metodologias ativas”, entendem que o pensamento complexo pode ser trazido ao ambiente educacional e que, mesmo sendo um desafio,
[...] é passível de implementação nos ambientes de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma possibilidade que deve ser cuidada com atenção, para que haja um trabalho metodológico planejado e dinâmico diante das possibilidades que o profissional pode encontrar no decorrer de suas atividades.
Gutierrez; Valentim (2021)relacionam a Teoria da Complexidade com a aprendizagem significativa e com metodologias ativas, que são fundamentais para a construção do conhecimento, pois a interligação dessas áreas proporciona vantagem tanto para alunos quanto para a sociedade. A transversalidade das áreas permite o desenvolvimento de competências e habilidades que enriquecem o currículo dos alunos, além do fortalecimento das metodologias por meio da sua interação (GUTIERREZ; VALENTIM, 2021).
A inserção da Teoria da Complexidade é muito bem definida por Camilo, Melo, Silva e Lima (2020, p. 17) em seu trabalho “Missão e finalidade da biblioteca escolar nos meandros do pensamento complexo”, quando entendem que
[...] o todo está contido na parte, bem como a parte está imersa no todo. O que é, então, a biblioteca senão também a junção dos recursos humanos, físicos, tecnológicos, financeiros e de informação? E o que é seu acervo senão também a junção de materiais relevantes aos níveis de ensino infantil, fundamental e médio? Ou, o que é a biblioteca senão o acervo, as atividades, os produtos, os serviços e os profissionais nela coatuando?
Um do princípio, citado por Camilo, Melo, Silva e Lima (2020), que pode ser utilizados em bibliotecas escolares, é o Princípio do Circuito Retrativo. Os autores o definem como a ação de um efeito em relação à causa, quando ocorre também o efeito contrário, a ação da causa em relação ao efeito. Para eles,
Na biblioteca escolar, o aluno pode se identificar ou não com o acervo, atividades, produtos e serviços. Ou ainda com os programas pedagógicos exercidos pelo bibliotecário e professores conjuntamente. Se ele se identifica, então os fenômenos podem ser amplificados. Se não se identifica, há uma estabilização sistêmica (CAMILO; MELO; SILVA; LIMA, 2020, p. 18).
No estudo de Silva, Mello, Valentim e Formentini (2018), estabelece-se um paralelo entre a Teoria da Complexidade e as bibliotecas híbridas, visto que essas bibliotecas se constituem um ambiente em constante evolução para o processo de mediação da informação, no qual o profissional da informação precisa ser cada vez mais articulado em frente às complexidades que o cercam. Os autores veem a Teoria da Complexidade como um fator inerente das bibliotecas híbridas devido a sua essência ser diversa em relação a teorias, tecnologias, saberes, práticas profissionais, públicos e ambientes.
Nesses estudos, é evidenciado também que a complexidade deve ser inerente à prática profissional do bibliotecário, “[...] a fim de que a abordagem da complexidade em bibliotecas escolares seja menos subjetiva e mais concreta aos profissionais das escolas para trabalharem em prol de atingir a missão e a finalidade dessas unidades de informação de modo efetivo” (CAMILO; MELLO; SILVA; LIMA, 2020, p. 26).
Complementando o exposto, Silva, Mello, Valentim e Formentini (2018, p. 2045) afirmam que é necessário que “[...] as práticas profissionais [...] sejam híbridas e mediadas enquanto perspectiva de amplo acesso e uso da informação pelas comunidades em torno dessas bibliotecas”.
5.4 Complexidade e Gestão de Bibliotecas
A pesquisa de Pinheiro, Café e Silva (2018) aborda uma das práticas realizadas na gestão de uma biblioteca: o Desenvolvimento de Coleções. O objetivo foi pensar essa prática inspirados na Análise de Domínio e na Teoria da Complexidade.
Os autores criam um paralelo entre Análise de Domínio e Teoria da Complexidade quando afirmam que os indivíduos pertencem a “[...] diferentes culturas, estruturas sociais e domínios de conhecimento e que não devem ser vistos independentemente disso” (PINHEIRO; CAFÉ; SILVA, 2018, p. 72).
O desenvolvimento de coleções pode ser considerado um processo complexo, pois, ainda de acordo com os autores, existe uma relação entre ordem, desordem e organização, visto que a biblioteca é dinâmica e permite um processo com imprevistos e incertezas.
É citado também um paralelo com o paradigma social da Ciência da Informação pois o desenvolvimento de coleções está vinculado ao conhecimento da comunidade em que a biblioteca estiver inserida. Portanto, é necessário conhecer a realidade dos usuários e futuros usuários da instituição com a finalidade de desenvolver um acervo que se adapte a eles.
Essa afirmação é confirmada quando os autores citam que procuram
[...] mostrar que as coleções podem refletir a identidade dessas bibliotecas, reforçar o seu papel como instituições do saber e como participantes ativas no processo de aprendizagem nas universidades e que, ainda, podem corresponder aos anseios da comunidade e ao mesmo tempo preservar a herança cultural e científica da humanidade (PINHEIRO; CAFÉ; SILVA, 2018, p. 85).
5.5 Complexidade e Acervos Arquivísticos
O estudo realizado por Santos, Fernandes, Damian e Albuquerque (2017), intitulado “A valorização do grafite como documento de arquivo: uma abordagem interdisciplinar entre a competência em informação e a teoria da complexidade” , aborda a competência em informação e a Teoria da Complexidade como formas de “[...] valorização e institucionalização do grafite como documento passível de tratamento em arquivos públicos” (SANTOS; FERNANDES; DAMIAN; ALBUQUERQUE, 2018, p. 481).
Para Santos; Fernandes; Damian; Albuquerque (2018), o grafite é tido como informação e conhecimento tácito, e as ruas são seu campo de expressão. Por meio de fotografias, o grafite pode se tornar um documento arquvístico e histórico, visto que seu suporte original não pode ser transportado.
Os princípios hologramático, sistêmico, círculo retroativo círculo recursivo, “auto-eco-organização”, dialógico e de reintrodução do conhecimento estão presentes nas etapas de análise do grafite como documento arquivístico.
Os autores citam, em especial, os princípios sistêmico e hologramático no que se refere à concordância em relação à existência de complexidades no processo do grafite, pois,
[...] ao mesmo tempo que a importância dessa arte está no todo que ela representa para cada um, suas fragmentações relacionadas ao momento em que foram desenvolvidas também são pontos importantes para serem elencados. Logo, têm-se a consciência de que o todo não exclui as partes, e nem as partes devem excluir o todo (SANTOS; FERNANDES; DAMIAN; ALBUQUERQUE, 2017, p. 495).
6 CONCLUSÕES
Conclui-se, nas análises realizadas, a compreensão de que a Teoria da Complexidade pode ser inserida na prática do profissional da informação, apesar de alguns autores considerarem o processo de implantação um desafio. Logo, é necessário que o profissional tenha um profundo conhecimento sobre cada processo que faz parte da sua rotina, para que ele tenha a possibilidade de associar esse trabalho aos princípios que regem a complexidade e realizar as mudanças necessárias para o desenvolvimento de seu trabalho.
Entretanto, alguns pesquisadores abordados nesta pesquisa acreditam que a complexidade já existe em todo processo de trabalho do profissional da informação, mas o que falta é o entendimento do que são esses processos e como eles se desenvolvem na prática.
É entendido que a complexidade deve ser uma atividade inerente à prática dos profissionais da informação, para que assim ela se torne menos subjetiva e, consequentemente, mais concreta. De acordo com os estudos selecionados, esse fato já acontece, entretanto cabe ao profissional compreender onde a complexidade está inserida.
O profissional precisa, portanto, conhecer profundamente o seu público, entender suas demandas e dificuldades. Para Morin (2017), há uma tênue relação entre produto e produtor. Logo, os centros de informação devem ser vistos como produtores de serviços de informação e ofertar esses serviços à sociedade, pois esta também é produto da relação dos indivíduos.
Os processos existentes na prática do profissional da informação podem ser considerados processos complexos, pois existe uma relação de ordem e desordem nas atividades, bem como a organização e a necessidade de lidar com imprevistos e incertezas. Quando o profissional entende a função do seu centro de informação, ele também compreende que é preciso levar seus serviços à comunidade.
REFERÊNCIAS
ARAÙJO, C. A. V. O que é ciência da informação?. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 1, p. 1-30, 2014. DOI: 10.5433/1981-8920.2014v19n1p01 Acesso em: 18 set. 2022.
BORKO, H. Information science: what is it?. American Documentation, Washington, v. 19, n. 1, p. 3-5, Jan. 1968
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[1] Mestranda no PPGCI/UFES. Bacharel em Biblioteconomia (UFES). Especialista em Biblioteconomia (FAVENI). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9839-5543.
[2] Doutora em Ciência da Informação (UFMG). Professora no PPGCI/UFES. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5099-112X..
[3]Doutora em Ciência da Informação (UnB). Professora no PPGCI/UFES. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8176-5301.