GRAMÁTICAS E ESPAÇOS DE RECONHECIMENTO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

o sistema socioeducativo alagoano

 

Anderson de Alencar Menezes[1]

Universidade Federal de Alagoas

anderufal@gmail.com

 

1 À PROBLEMÁTICA – DISTINÇÕES ENTRE DIREITO E MORAL

Partindo do diagnóstico weberiano de que o Direito é uma esfera independe da Moral. Habermas persegue a ideia original kantiana de pensar numa linha de complementaridade a relação entre Direito e Moral. O fato é que o avassalador aumento do ordenamento jurídico substitui a integração social  pela integração sistêmica. Considerando que o mundo da vida é o espaço de liberdade negativa, e, se constitui como um espaço de ação que não é descrito de forma institucional. Com o surgimento do estado burguês numa linha hobbesiana, o instrumental jurídico vai permitir a institucionalização de uma racionalidade regida pelo poder e pelo dinheiro.Habermas distingue o Direito como medium, associado ao poder e ao dinheiro, do Direito entendido como Instituição. Este último requer uma fundamentação racional, uma vez que se origina diretamente das exigências do mundo da vida, formando, junto com as normas informais, o pano de fundo da ação comunicativa. Assim, não é suficiente o apelo à legalidade, mas clama-se pela legitimidade de tais normas. Na esteira de Habermas o Direito moderno tem uma dupla exigência: positivação e fundamentação. É precisamente porque as instituições jurídicas pertencem ao mundo da vida que se pode ir além das respostas dadas pelo positivismo jurídico. Sobretudo por conter no seu bojo, uma dimensão ética, que se pode perguntar se uma norma jurídica é ou não legítima. 

 

2  IMPREGNAÇÃO ÉTICA DO ESTADO DE DIREITO

A patir da compreensão de Moreira (1999) Habermas parte do diagnóstico weberiano em que se percebe a perda do formalismo no âmbito jurídico.

A primeira a partir da ideia de Reflexividade que passa a acompanhar o direito. Ligadas às questões da arbitragem, em que se delega aos sujeitos a resolução de suas querelas, litígios. Num segundo momento, apontam-se lacunas do ordenamento jurídico, estas sendo preenchidas pela ação do juiz.  A tendência adesestatização da conduta jurídica.  Uma terceira é abertura do direito aos imperativos funcionais e um quarto a oposição constante da moralidade à positividade do direito.

Moreira (1999) Habermas debruçou-se sobre estas questões em duas aulas sob o título Direito e Moral ministradas na Universidade de Harvard em 1986. De fato, Habermas analisa a concepção weberiana na qual o Direito dispõe de uma independência em relação à Moral. Nesta perspectiva weberiana a legalidade se legitima a partir de si mesma.  Por isto que a tentativa weberiana é de perceber que o atrelamento do Direito à Moral significa a perda de sua racionalidade. Partindo desta concepção o conceito weberiano não consegue articular as relações entre moralidade e juridicidade.

            Nos processos de juridicização ocorridos durante a passagem para o Estado Social, houve não somente um alargamento do ordenamento jurídico, mas uma vinculação mais forte entre prescrições jurídicas e prescrições morais.

Por sua vez, deve-se salientar que a introdução de elementos éticos e morais no Direito, ocorrido com a emergência do Estado Social, isto provocou uma fissura nas bases liberais do sistema jurídico.  Pois, na perspectiva weberiana o Direito só poderá ser racional à medida que se afastar dos elementos morais. A tese weberiana é que o Direito é determinado por elementos formais, impondo-se uma racionalidade neutra em relação à Moral.

            Segundo Habermas (1997), Weber renuncia ao núcleo prático-moral, como instância deontológica do Direito, pois a moralidade era entendida a partir de uma perspectiva unicamente subjetiva.  Salienta-se, portanto que a pergunta weberiana qual legalidade geral legitimidade não consegue se resolver ao modo da compreensão weberiana da esfera jurídica. Pois, torna-se problemática a questão de uma racionalidade jurídica autônoma, isenta de moral.

             Segundo Moreira (1999) para corroborar a compreensão de que a validade e a legitimidade do ordenamento jurídico se estabelecem numa relação complexa e interna entre Direito e Moral.  Numa perspectiva pós-metafísica a validade encontra plausibilidade na medida em que apresenta argumentos dotados de conteúdos morais.

Para Habermas em oposição a Weber só é legítima a legalidade circunscrita em uma racionalidade cujo procedimento se situa entre processos jurídicos e argumentos morais. Abre-se, portanto para uma racionalidade procedimental prático-moral na esfera deontológica.

Por fim, sob o ponto de vista procedimental o Direito e a Moral distinguem-se. Daí que segundo Habermas “Uma ordem jurídica só pode ser legítima quanto não contrariar princípios morais” (Habermas, 1999, V.1 -. p.140).

 

3 A CONCEPÇÃO HABERMASIANA DO DIREITO ENQUANTO INTEGRAÇÃO SOCIAL

Na esteira de Moreira (1999) a partir de um ponto de vista funcional a Moral apresenta algumas fragilidades e sofre de duas debilidades. A primeira fragilidade seria de ordem cognitiva. Em sociedades multiculturais e complexas já que se entende que os a moral enceta processos falibilistas criando certezas estruturais.

A segunda fragilidade diz respeito a uma fragilidade motivacional, sobretudo pelo fato de que a moralidade sozinha não seria capaz de criar motivações para o agir no nível da obrigatoriedade. Pensando a partir de uma moral pós-tradicional. Retomando esta perspectiva do ponto de vista da perspectiva cognitivista da moral abro um parêntese para tratar da genealogia do teor cognitivo da moral.

Habermas (2002) defende, no texto ―Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral, que a Ética do Discurso justifica o conteúdo racional de uma moral do respeito para cada um e da responsabilidade solidária pelo outro. Contudo, ele faz isso, inicialmente, através da “reconstrução racional dos conteúdos de uma tradição moral abalada em sua base validativa religiosa”. (Habermas, 2002, p. 55) O questionamento que o autor em questão coloca é: se ainda pode ser justificado o teor cognitivo dessa moral?

Veremos, a seguir, os passos que Habermas dará para defender o conteúdo racional da moral.

A análise genealógica do teor cognitivo da moral, proposta por Habermas (2002), pode ser dividida (didaticamente) em três etapas: 1) na primeira, a análise genealógica se dirige ao exame da tradição religiosa judaico-cristã, pois essa tradição religiosa consegue conferir às normas de um teor cognitivo; 2) na segunda etapa, a genealogia investiga, após a desvalorização do fundamento religioso de validação das normas na modernidade, algumas propostas da filosofia moral moderna que buscam reconstruir o conteúdo cognitivo das intuições morais; e 3) na terceira etapa, após constatar que os esforços da filosofia moral moderna não conseguiram reconstruir o conteúdo das intuições morais cotidianas, a análise genealógica ajuda a Ética do Discurso a responder, primeiro, quais intuições morais são reconstruídas e, em segundo, como é possível fundamentar, a partir da teoria moral, o ponto de vista moral.

Segundo Habermas, em sua Obra A Inclusão do Outro (2002) frases ou manifestações morais têm, quando fundamentadas, um teor claro cognitivo.  Precisa-se distinguir 2 aspectos iniciais:

 

1. Aspecto: Compreender esta questão quanto à teoria da moral, ou seja há algum saber nas manifestações morais e como elas podem ser fundamentadas?

2. Aspecto: A questão fenomenológica, ou seja qual teor cognitivo os participantes desses conflitos percebem em suas reivindicações ou apelos morais.

 

Habermas (2002) situa a sua fala a partir de uma fundamentação moral de maneira descritiva. Ou seja, inserindo-a no contexto das interações cotidianas do mundo vivido. Fundamentalmente, seria a reconstrução e a reconstituição destas falas no horizonte da prática comunicativa cotidiana, como elas refletem e revelam os apelos e as reivindicações de ordem moral. Não só a sua compreensão semântica, mas, sobretudo pragmática e epistêmica da linguagem e de seus vários usos no tecido do mundo fenomênico.

Neste âmbito de compreensão, as manifestações morais portam consigo um potencial de motivos que pode ser atualizado a cada disputa moral.

Conforme Habermas (2002), uma nova concepção de moral emerge desta compreensão, ela não diz respeito apenas como os membros da comunidade devem se comportar; ela simultaneamente coloca motivos para dirimir consensualmente os respectivos conflitos de ação.

            A partir do fato de haver normais morais “em vigor” para os integrantes de uma comunidade, não segue necessariamente que as mesmas tenham, consideradas em si, um conteúdo cognitivo. O intuito seria recolher reconstrutivamente, mais ou menos, elementos do conteúdo cognitivo das nossas intuições morais cotidianas.

            Neste sentido, o não-cognitivismo severo quer desmascar o conteúdo cognitivo da linguagem moral como sendo, em tudo, ilusão. Ele tenta mostrar que, por trás das manifestações morais passíveis de justificação, se escondem apenas sentimentos, posicionamentos ou decisões de origem subjetiva.

 

 

 

4 A LUTA POR RECONHECIMENTO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO DEBATE HABERMAS E TAYLOR

Segundo Habermas é consensual a declaração de Amy Gutmann, o Reconhecimento público pleno conta com duas formas de respeito: 1) o respeito pela identidade inconfundível de cada indivíduo, independentemente de sexo, raça ou procedência étnica. 2) o respeito pelas formas de ação, práticas e visões peculiares de mundo que gozam de prestígio junto aos integrantes de grupos desprivilegiados, ou que estão intimamente ligados a essas pessoas.

Evidentemente, o mesmo vale para croatas na Sérvia, russos na Ucrânia, curdos naTurquia; vale também para deficientes, homossexuais. Essa exigência não visa em primeiralinha ao igualamento das condições sociais de vida, mas sim à defesa da integridade de formas de vida e tradições com os quais os membros de grupos discriminados possam identificar-se. Normalmente, segundo Habermas ocorre que o não reconhecimento cultural coincide com o demérito social, de modo que as duas coisas se fortalecem de maneira cumulativa.

Polêmico é definir se a exigência 2 resulta da exigência 1, ou seja, se ela resulta do princípio de que deve haver igual respeito por cada indivíduo em particular, ou se essas duas exigências têm mesmo de colidir, ao menos em alguns casos. Habermas em sua obra, A Inclusão do Outro, ao citar Taylor nos diz que o asseguramento de identidades coletivas passa a concorrer com o direito a liberdades subjetivas iguais - com o direito humano único e original, portanto, segundo Kant, de modo que no caso de uma colisão entre ambos é preciso decidir sobre a precedência deum ou de outro. Significa uma política de respeito por todas as diferenças, por um lado, e uma política de universalização de direitos subjetivos, por outro.

Por sua vez, liberais da grandeza de Rawls ou Dworkin propugnam por uma ordem jurídica eticamente neutra que deve assegurar chances iguais a todos, de modo que cada um possa orientar-se por uma concepção própria do que seja bom. Em face disso, comunitaristas como Taylor e Walzer contestam que haja neutralidade ética no direito. Com o Liberalismo 1, Taylor designa uma teoria segundo a qual se garantem liberdades de ação subjetivas iguais para todos os jurisconsortes, sob a forma de direitos fundamentais; em casos controversos os tribunais decidem que direitos cabem a quem. Essa interpretação do sistema dos direitos continua sendo paternalista, porque corta pela metade o conceito de autonomia.

Quando tomarmos a sério a concatenação interna entre o Estado de Direito e a democracia radical ficará claro que o sistema dos direitos não fecha os olhos nem para as condições de vida sociais desiguais, nem muito menos para as diferenças culturais. Portanto, feminismo, multiculturalismo, nacionalismo e a luta contra a herança eurocêntrica do colonialismo, todos esses fenômenos aparentados entre si, lutam porreconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito. Seu parentesco coincide quando as mulheres, as minorias étnicas e culturais, as nações e culturas, todas se defendem da opressão, marginalização e desprezo, lutando, assim, pelo reconhecimento de identidades coletivas, seja no contexto de uma cultura majoritária, seja em meio à comunidade dos povos.

Deve-se salientar que quanto mais profundas forem as diferenças religiosas, raciais ou étnicas, ou quanto maiores forem os assincronismos histórico-culturais a serem superados, tanto maior será o desafio; e tanto mais ele será doloroso, quanto mais as tendências de autoafirmação assumirem um caráter fundamentalista-delimitador, ora porque a minoria em luta por reconhecimento se desencaminha para regressões, por causa de experiências anteriores de impotência, ora porque ela precisa primeiro despertar a consciência em prol da articulação de uma nova identidade nacional, gerada por uma construção através da mobilização de massa. Ressalta-se, portanto, que a mudança de coloração da cultura majoritária, por sua vez, fez emergir outras novas minorias.

Quanto à impregnação ética do Estado de Direito, sob uma visão da teoria do direito, o multiculturalismo suscita em primeira linha a questão sobre a neutralidade ética da ordem jurídica e da política. Gramaticalmente, o que está inscrito nas questões éticas é a referência à primeira pessoa e, com isso, a remissão à identidade de um indivíduo ou de um grupo.

A perspectiva de Taylor e Walzer segundo a qual o sistema dos direitos ignoraria reivindicações de defesa em prol de formas culturais de vida e identidades coletivas, agiria com indiferença em face delas, e careceria, portanto, de correção.

Porém, deve-se salientar que uma cultura majoritária que não se vê ameaçada só conserva sua vitalidade através de um revisionismo irrestrito. Isso vale em especial para as culturas de imigrantes, as quais, pela pressão assimiladora das novas circunstâncias, vêem-se desafiadas a um isolamento étnico relutante e à revivificação de elementos tradicionais, mas estabelecem logo a seguir uma forma de vida igualmente distanciada da assimilação e da origem tradicional.

Neste sentido, em sociedades multiculturais, a coexistência equitativa das formas de vida significa para cada cidadão uma chance segura de crescer sem perturbações em seu universo cultural de origem. Pois, a mudança acelerada das sociedades modernas manda pelos ares todas as formas estacionárias de vida. As culturas só sobrevivem se tiram da crítica e da cisão a força para uma autotransformação. Garantias jurídicas só podem se apoiar sobre o fato de que cada indivíduo, em seu meio cultural, detém a possibilidade de regenerar essa força. E essa força, por sua vez, não nasce apenas do isolamento em face do estrangeiro e de pessoas estrangeiras, mas nasce também – e pelo menos em igual medida – do intercâmbio com eles.

            Neste âmbito de compreensão, Taylor propõe 3 concepções de identidade que se opõem à visão anglo-saxônica:

 

1   TESE – É a formação da Identidade individual para uma orientação do bem moral. Minha Identidade é definida pelos engajamentos e pelas identificações que constituem as molduras ou horizontes no interior dos quais posso definir passo a passo, o que é bom ou valorável.

2  TESE – É a tese Hermenêutica -  O indivíduo é um Self capaz de responder por si mesmo à questão: quem sou eu? Mas essa auto-supõe, de forma transcendental, um espaço de interlocução no interior de uma comunidade de Reconhecimento.

3  TESE – Como o indivíduo pode conferir um sentido singular à sua existência? Taylor adota uma posição Narrativa da existência se apoiando na analítica existencial heideggeriana e nas bases ricouerianas. Nesta perspectiva, a Narração é necessária à auto-compreensão e à orientação no espaço moral.

 

5 RECONHECIMENTO MORAL E CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES: NARRAÇÃO, INTERPRETAÇÃO, ARGUMENTAÇÃO E RECONSTRUÇÃO

Não falo de gramática a partir de uma realidade linguística. Parto de uma distinção kantiana, entendo-a partir de um conceito cósmico (Weltbegriff) e não-escolástico (schulbegriff). A gramática constitui então, uma realidade ontológica, ela exprime as diferenciações das nossas relações com o mundo.

Essas diferenciações resultam da história pragmática do espírito humano, feita de desilusões, desencantamentos e frustrações. A gramática nesta percepção não comporta apenas as pessoas, mas os tempos e os modos. A gramática é uma mediação que permite a tradução das línguas uns dos outros. Ela se apoia em diferentes registros do discurso: narração, intepretação, argumentação, reconstrução.

 Mas o discurso não é o poder primeiro. Antes vem o sentir, após o agir e por fim o discurso.  Reporto-me à Hegel para falar de um conceito amplo de razão, que não se inicia com a argumentação. A razão já está lá no próprio processo de construção do espírito que retorna a si mesmo. Por sua vez, as sensações ocupam o primeiro lugar, recobra as sensações passadas, produzindo assim uma profunda reflexão: a memória sensível.  A memória qualifica as sensações e lhes preenche de reservas de sentidos e significados, recobrando os sentimentos de prazer e plenitude. Este recobrar faz nascer o desejo que abre o caminho do agir.

Na esteira de Jean-Marc Ferry na sua obra – Le Puissances de L`Experience, ele nos propõe dois percursos que se complexificam. A questão central proposta por Ferry é de que forma se pode reconstruir as condições efetivas do Reconhecimento. A ideia central é que a gramática é mais do que uma gramática. Ela se constitui o núcleo em que as Identidades se descobrem num espaço ético de Reconhecimento. Na expressão de Ferry pode-se falar de um mundo compartilhado gramaticalmente.

Ele propõe em sua obra – Os Poderes da Experiência – antes mesmo de falar do discurso é preciso sentir e agir.

A preocupação de Ferry é com as mutações identitárias na contemporaneidade. Ele propõe uma hierarquia nos registros discursivos: passar de narração, explicação à argumentação e Reconstrução.

Neste sentido, a Narração permanece indiferente à distinção entre ficção e verdade. Já a Interpretação fica presa aos grandes relatos e não consegue separar de modo suficiente a razão da religião.

Por sua vez, a Argumentação é a instância crítica de todo o discurso. Ou seja, o poder emancipador da argumentação na perspectiva habermasiana.

Segundo Ferry – a função da Argumentação é de justificar uma ação ao olhar as boas razões. Já a Reconstrução significa reconhecer e identificar as posições em que as boas razões podem ser emitidas.

É justamente à pretensão à verdade que a Reconstrução quer não somente preservar, mas promover nos mais diferentes contextos históricos. Como fazer isto? Integrando o trabalho formal da Argumentação ao Reconhecimento de boas razões dos Outros. As boas razões dos outros serão também as nossas. O discurso reconstrutivo reconhece em suas bases os outros discursos e a história dos outros se constitui também como a sua própria história.

             Ferry, por sua vez, aproxima-se muito da perspectiva Taylorista apontada acima. Assim como, Taylor, Ferry critica a perspectiva insuficiente de uma visão puramente argumentativa (formalista) do lugar ético. Mas, não adota uma perspectiva Narrativa e sim Reconstrutiva (proximidade ao pensamento de Habermas)

            Segundo Ferry (1991) a Narração e a Interpretação constituem dois registros do Discurso que não conferem suficientemente um pleno reconhecimento moral do Outro como Outro. Fixar-se nestes dois registros é esbarrar nas concepções de violência e egoísmo.

Ao contrário, a Argumentação reconhece o outro como sujeito de direito. Na compreensão de que na Argumentação abrange duas dimensões centrais: teórica e prática. Os discursos argumentativos não se reduzem apenas a justificar os enunciados em vista das boas razões, pelo contrário, ele tem uma função prática como reconhecer o outro como sujeito de direito.

Essa razão é uma razão comunicacional descentrada encarnada no interior da linguagem. Por sua vez, Ferry não adere ao pressuposto de Apel de uma versão da pragmática transcendental. Ele discorda da ideia do fundamento último. Pois, segundo Ferry o respeito ao outro não se origina dos seus predicados universais – natureza, razão. Mas na sua dignidade.

Neste sentido, os processos éticos de reconhecimento não se assentam no lugar jurídico em que dois sujeitos de direito abstratos se encontram, mas se apoiam profundamente numa predisposição pré-discursiva (sentir, agir, discursar) de abertura comunicativa à singularidade do outro. Isto significa que o discurso ético abre-se a uma dimensão crítica e não se reduz a justificar a validade das normas numa base puramente jurídica. Pelo contrário, o discurso ético deve tematizar a identidade singular a fim de produzir a história do reconhecimento ou do não-reconhecimento.

Portanto, a argumentação e a reconstrução não são conceitos do mesmo nível. A argumentação, como a Narração e a Intepretação são registros do discurso. Já a reconstrução tem uma função no discurso que é de reconstruir uma história singular do reconhecimento em direção à constituição de uma Identidade Individual ou Coletiva.

 

6 HABERMAS E FERRY - GRAMÁTICAS DO RECONHECIMENTO: ADOLESCENTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO

Por fim, a Ética do Discurso reconstrói, parcialmente, o conteúdo cognitivo da moral. Neste sentido, a justificação da validade de normas morais tem de pressupor a existência de dois elementos reconstruídos: justiça e solidariedade.

 Seguindo Moreira (1999) a razão comunicativa afasta-se de uma tradição prescritiva da razão prática. Pois, o princípio do discurso neutro a partir de uma validade deontológica. A partir desta perspectiva se dá a cooriginariedade entre Direito e Moral. No momento em que a normatividade jurídica invade o espaço da liberdade do indivíduo, cessa a legitimidade da produção normativa.

Constata-se, portanto que em sociedades pós-metafísicas o peso da integração social não pode ser solucionado única e exclusivamente pelo agir comunicativo.  A pergunta central seria: de que modo as normas jurídicas e as normas morais são cooriginárias? Segundo Habermas (1997, I, p.110) “o direito não representa apenas uma forma de saber cultural, como a moral, pois forma, simultaneamente, um componente importante do sistema de instituições sociais. O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação”

Portanto, a que se distinguir que em Direito e Moral de 1986 não é mais a mesma perspectiva de Direito e Democracia de 1992.

No texto de 92 fala-se de uma simultaneidade genética, ou seja, simultaneidade na origem e complementaridade procedimental. Isto numa compreensão pós-metafísica em que o processo legislativo permite que razões morais fluam para o direito. Concluindo-se assim que a política e o direito devem estar em sintonia com a moral.

Há uma sacudida das bases validativas oriundas da metafísica e da força dos costumes da tradição.  Neste sentido, a moral fica adscrita uma forma de saber cultural, carecendo de uma obrigatoriedade institucional.  Neste arco de compreensão, a moral não realiza uma passagem obrigatória para a ação. Mas, o Direito além de ser um sistema de saber é um sistema de ação. Neste âmbito de compreensão, alivia a moral da incumbência de integração social que sozinha não consegue realizar. Dado que a moral tem apenas uma ação virtual com a ação. Isto porque a moral não obriga a vontade, não gera obrigatoriedade em sentido jurídico.

Cumprindo, portanto, ao direito a passagem da esfera da vontade individual para uma produção de uma normatividade institucional.

A temática da violência será estudada a partir de uma perspectiva filosófica e educativa em que a ideia filosófica do reconhecimento possa possibilitar novos horizontes de discussão para além da mecânica relação entre violência-sociedade. Pretende-se compreender esta problemática, a partir do Sistema Socioeducativo(Sumese) em Maceió/Alagoas ligado à SEPREV (Secretaria de Estado de Prevenção à Violência).  Intenta-se compreender o universo e o imaginário dos adolescentes alagoanos que cumprem medidas socioeducativas, sobretudo as conseqüências das ausências de reconhecimento no âmbito familiar e social numa sociedade historicamente autoritária, patriarcal e semifeudal como é a sociedade alagoana. Neste âmbito de compreensão partiremos de uma análise documental cuidadosa e criteriosa do Projeto Político-Pedagógico a partir de dois Programas de Internação Masculina(UIME II- Extensão - Kerigma)  e a Unidade de Internação Feminina (UIF), ou seja, como a dimensão pedagógica e suas ações educativas e preventivas conseguem articular processos de restabelecimento da concepção de Reconhecimento, considerando a fase crítica em que estes adolescentes se encontram num período de identificação com adultos significativos.  A política estadual de Medidas Socioeducativas de Alagoas está estruturada em cinco programas, em meio fechado e em regime de semiliberdade, com a finalidade de executar ações destinadas ao atendimento inicial de adolescente apreendido(a) para apuração de ato infracional, bem como aquelas destinadas a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa privativa ou restritiva de liberdade. Os referidos programas são: Programa de Internação Provisória, com duas unidades de internação provisória e uma de atendimento inicial; Programa de Internação, com quatro unidades de internação e uma unidade de inclusão; Programa de Internação de Jovens e Adultos, com três unidades socioeducativas; Programa Feminino de Internação Provisória, Internação e Semiliberdade; Programa de Semiliberdade Masculino, com duas unidades socioeducativas.  Considerando a proposta pedagógica de atendimento socioeducativo, através deste Projeto Político Pedagógico (PPP) buscamos promover ações que possibilitem ao adolescente autor de ato infracional construir uma nova visão de mundo, vislumbrando outras oportunidades a partir da qualificação escolar, profissional e da formação cultural-esportiva.  Na visão de Veiga (2001), o Projeto Político Pedagógico objetiva traçar um rumo, uma direção, de forma intencional, com sentido explícito e compromisso definidos coletivamente, seguindo uma linha de ações que leve à resolução de eventuais problemas que se traduzem em entraves ao processo educativo.   No caso específico do ambiente socioeducativo, essas ações devem possibilitar a implementação de um plano individualizado de atendimento que fortaleça o crescimento pessoal e social do adolescente, além dos vínculos familiares e comunitários. Para tanto, as propostas pedagógicas devem ser realizadas considerando as peculiaridades inerentes a cada adolescente – a capacidade de cumprir a medida socioeducativa, as circunstâncias e gravidade do ato infracional, as necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, assim como dispõem os artigos 100, 112, § 1º, e 112, § 3º. do ECA.   Segundo Honneth (2003) o indivíduo desenvolve, em cada forma de reconhecimento, um tipo da relação prática positiva consigo mesmo (a autoconfiança nas relações amorosas e de amizade; o autorespeito nas relações jurídicas e a auto-estima na comunidade social de valores), ressaltando os vínculos entre liberdade e autonomia individual e os vínculos comunitários/societários. A ruptura ou violação dessas condições gera formas de desrespeito social que levam a lutas sociais e conflitos políticos motivados por diferentes razões morais. A cada uma das formas de reconhecimento corresponde uma forma de desrespeito: maus-tratos e violação, que ameaçam a integridade física e psíquica, em relação à primeira; privação de direitos e exclusão, que atingem a integridade social do indivíduo como membro de uma comunidade políticojurídica, na segunda; e degradação e ofensas, que afetam os sentimentos de honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de valores, no caso da terceira esfera de reconhecimento. Cada uma delas abala de modos diversos a auto-relação prática da pessoa, privando-a do reconhecimento de determinadas dimensões de sua identidade. 

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, enquanto pessoa moral no bojo de uma cultura, imbuída por um saber faz a passagem do universal ao particular, passa da norma para o fato. Ao fazer estas passagens inscreve-se em três exigências fundamentais. (Cognitivas; motivacionais e organizacionais)

 Na esteira de Moreira (1999) a moral não consegue elaborar um catálogo de obrigações que tentem dissolver os conflitos provenientes do universal para a ação. Justamente esta indeterminação cognitiva é dissolvida e absorvida no momento em que o Direito constitui como fonte mediata para a constituição da normatividade. No sentido de que a normatividade elimina a indeterminação cognitiva constituindo-se como fonte geradora de obrigações.

 

REFERÊNCIAS

EFKEN, Karl-Heinz. O Estado democrático de direito na perspectiva da teoria do discurso de Jurgen Habermas. Tese de Doutorado. Porto Alegre, 2003. (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

ENCARNAÇÃO, João Bosco da.Filosofia do direito em Habermas: a hermenêutica. Taubaté: Cabral Editora Universitária, 1997.

FERRY, Jean-Marc. Les puissances de l`experience. Paris: Cerf, 1991.

HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro. São Paulo: Unesp, 2018.

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade.v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1997.

MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. Belo Horizonte: UFMG /FAFICH, 1999.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética, direito e democracia. São Paulo: Paulus, 2010.

PIZZI, Jovino. O Conteúdo moral do agir comunicativo. São Leopoldo: Unisinos, 2005.

 



[1] Doutor em Educação pela Universidade do Porto – Portugal. Professor no Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado e Doutorado - da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Coordenador do grupo de estudos em Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento – TECER, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas – UFAL.