FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

como ser reconhecido no mundo da vida: uma análise do sistema socioeducativo alagoano na ótica habermasiana dos direitos fundamentais

Vitor Gomes da Silva[1]

Universidade Federal de Alagoas

profespvitorgomes@gmail.com

Anderson de Alencar Menezes[2]

Universidade Federal de Alagoas

anderufal@gmail.com

 

1 INTRODUÇÃO

A discussão à luz da Teoria Critica cuja teoria se reporta aos precursores da denominada “Escola de Frankfurt” e que tinha na sua formação intelectuais judeus alemães, que sofreram perseguição do regime totalitário Nazi-Fascismo, que dominava a Europa e especialmente a Alemanha, os membros da citada escola foram tomados como “inimigos” por se oporem intelectualmente e socialmente aos pensamentos hitlerianos. A questão de fundo é estudar a perspectiva filosófica e pedagógica nesta esteira histórica e com esta identidade teórica reler os processos educativos que se apresentam no sistema socioeducativo e que articulam a ideia de reconhecimento numa sociedade marcada por patologias sociais. A ausência de reconhecimento social e o declínio da subjetividade simbólica são fatores primordiais para a degradação das relações sociais e a sua consequente desumanização.

A partir das premissas apresentadas temos como ponto de partida a discussão da relação entre a filosofia oriunda da escola de frankfurt e as ações governamentais de políticas públicas de prevenção e combate à criminalidade infanto juvenil, bem como, ao atendimento daqueles que saíram das unidades de internação ou de semi internação cumpriram as medidas socioeducativas após a pratica de atos infracionais análogos a crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mesmo que o sentimento em relação a “punição” imposta aos menores traga uma ideia de ser “branda”, o reflexo psicossocial imposto aos jovens e adultos que cumprem tais medidas é inominável, pois eles são expostos ao “regime prisional”, e desta forma mesmo que com nome diferente são tratados como “ex presidiários”, e sofrem toda sorte de discriminação carregando essa pecha ao longo de sua vida.

Esses fatores não levados em consideração pela maioria da sociedade, são fatores preponderantes para a reincidência ou mesmo para a morte desses “egressos”, já que as oportunidades para estes “delinquentes” são cada vez mais escassas, e desta forma a tão sonhada reintegração à sociedade depende cada vez mais de politicas públicas que tratem essa população de forma séria e com medidas eficazes, respeitando as suas peculiaridades, trazendo assim uma possibilidade de reinserção destes no meio social, melhores de que quando entraram no sistema socioeducativo.

O sistema socioeducativo brasileiro vem apresentando mudanças significativas, onde tem como marco inicial o surgimento do SINASE, assim como o plano decenal que preconiza as ações a serem implementadas para total atendimento das crianças e adolescentes em situações de acolhimento nas unidades de internação, visando não só reinserção destes na sociedade bem como, apresentar possibilidades para que não ocorra a reincidência, fato esse que vem diminuindo conforme será apresentado ao longo desse trabalho. A nossa perspectiva é de pensar o Sistema Socioeducativo alagoano a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da Teoria Crítica da Educação relidos à luz das categorias da Emancipação e do Reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito.

É cediço a efetivação de políticas que consideram a criança e o adolescente como sujeitos de direito consoante previsão normativa constitucional brasileira ao prever o gozo de direitos fundamentais inerentes à pessoa e, assegurando-lhes dentre outros, o desenvolvimento moral, espiritual e social.

Nessa guisa, as propostas pedagógicas de formação desses menores através do sistema socioeducativo/SINASE estão vinculadas a normas morais universal e não institucionalizada, desta forma vem fazendo a ligação com os processos educativos, bem como, fazendo uma conexão direta com o interesse público da participação de todos visando reorganizar o grande desafio da formação da criança e adolescente inseridas no sistema socioeducativo falido, descentralizado, desconstrutivo, e deformativo, e onde às normas e o desenvolvimento pessoal, profissional e humano em sociedade, são relegados.

Assim, o direito, a democracia e a moral estão entrelaçadas, desta forma não há de se falar em participantes do sistema socioeducativo sem antes os inserir no sistema democrático, principalmente no que tange ao direito formal aplicado.

Neste passo, torna-se fundamental a implantação de mecanismos capazes de obter soluções sensatas para as demandas sociais, no que diz respeito aos menores em conflito com a lei, principalmente em relação a educação. Tradicionalmente, o processo pedagógico formal vem defendendo a busca e defesa do direito dos menores a partir da inclusão destes pelo processo educacional, desta forma e importante tratar também da educação profissional como ferramenta para reinserção, tendo em vista que a profissionalização pode apresentar oportunidades de quebra de paradigmas ao coloca-los no mercado de trabalho formal.

            A teoria do agir comunicativo aplicada no sistema educacional mostra-se como uma importante ferramenta para a implantação de uma cultura mais democrática, possibilitando aos sujeitos de direito chegarem ao entendimento quanto as pretensões e o papel de cada um na sociedade, promovendo a cidadania e o garantindo o acesso aos direitos fundamentais, restabelecendo laços formais imprescindíveis para a harmonização, inclusão e a paz social.

 

2 CONCLUSÃO

É mister a efetivação de políticas que consideram como premissa básica a criança e o adolescente como sujeitos de direito consoante previsão normativa constitucional brasileira ao prever o gozo de direitos fundamentais inerentes à pessoa e, assegurando- lhes dentre outros, o desenvolvimento moral, espiritual, social e econômico.

Nesse passo, as propostas pedagógicas, eficazes de formação desses menores através do sistema socioeducativo/SINASE estão vinculadas a normas morais universal e não institucionalizada, desta forma vem fazendo a ligação com os processos educativos, bem como, fazendo uma conexão direta com o interesse público da participação igualitária visando reorganizar o grande desafio da formação da criança e adolescente inseridas no sistema socioeducativo falido, descentralizado, desconstruído, e deformativo, e onde às normas e o desenvolvimento pessoal, profissional e humano em sociedade, são relegados.

Assim, o direito, a democracia e a moral estão entrelaçadas, desta forma não há de se falar em participantes do sistema socioeducativo sem antes os inserir no sistema democrático, principalmente no que tange ao direito formal aplicado.

No complexo mundo da vida, segundo Habermas, os indivíduos interagem entre si em uma sociedade através de diferentes grupos culturais cada qual com suas tradições, mas sob o prisma da formação moral e da educação como um direito universal e obrigatório.

Nesse passo, Habermas entende que “a moral possui uma força socializadora e integradora na sociedade, cuja potencialidade só é possível pela propagação de seus conteúdos através dos canais das regulamentações jurídicas”. Assim, há de refletir a importância do positivismo no mundo contemporâneo, o qual tem, segundo Habermas (1997), um papel importante na propagação dos conteúdos morais.

De acordo com Habermas (1997,199):

 

[...] quando os interesses políticos chocam-se e busca-se decidir quais valores deverão ser acatados, o critério fundamental de decisão, para não ser arbitrário, deverá ser o critério moral que proporciona a universalização de perspectivas.

                             

O Estado Democrático de Direito onde essas crianças adolescentes estão inseridas para Habermas (2015,19), principal garantidor da liberdade no mundo contemporâneo.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 os destinatários do direito assim compreendidos por Habermas passaram a ter garantias fundamentais, e nesse meio termo crianças e adolescentes só foram, de fato, compreendidos como sujeitos de direito a partir de 1990, com a edição da Lei Federal no 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

De acordo com Habermas em dois dos três caminhos apresentados na sua obra direito e democracia, a moral e a política são princípios básicos no que diz respeito a universalidade procedimental, onde se caracteriza como uma lei surgiu respeitando o estado democrático de direito, no Brasil assim como nas outras democracias se faz necessário que se mantenha a independência, e seguindo a premissa que a sociedade além de ser representada também tem que ser ouvida através dos costumes que ao longo do processo modificam leis e as modernizando para atender o real interesse social.

No primeiro momento Habermas trata como exercido o controle do legislador através da razão comunicativa, e da teoria do discurso que apesar de demonstrar sofisticação e eloquência, não deixa de ser controverso, pois, busca comprovar a similaridade da moral e da política no período da historicidade na qual são editadas as normas jurídicas, não tem como se falar dos aspectos citados acima e não lembrar da facticidade com os dias de hoje, onde as políticas públicas costumam ser apolíticas e amorais, vitimando a sociedade como um todo, mas em especial as crianças e adolescentes que ficam cada vez mais cedo expostos as mazelas sociais, comprometendo sobremaneira a sua formação como seres humanos de personalidade jurídica, e futuros formadores de opinião.

Cuida-se analisar que educação é um direito constitucional, primordial para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, Habermas (2008,0141-162), destaca que a educação é uma forma de emancipação humana e, assim sendo, deve garantir dignidade e condições de realização pessoal e profissional por meio da ação pedagógica e do agir comunicativo na escola e com as crianças e adolescentes:

 

A emancipação humana não depende de qualquer tipo de determinismo transcendental ou técnico-instrumental, ela só pode realizar enquanto estiver à formação da vontade democrática por intermédio da esfera pública e de processos de libertação dos discursos. (Habermas, 2003, p. 161-162).

 

É notória a ausência de políticas públicas com a finalidade de fomentar a formação educacional de qualidade no Brasil, a ausência da democracia por intermédio da esfera pública traz à baila uma séria violação do discurso governamental e que afeta a gênese da sociedade, as crianças e adolescentes.

            Ainda de acordo com a legislação pátria a defesa da criança e do adolescente, onde a proteção está prevista tanto na lei8.069/90 que o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, quanto na Lei 12.594/12 que é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo/SINASE.

Através destes ordenamentos jurídicos, mesmo que de forma tardia, se procurou estabelecer as modalidades de prevenção, proteção, atendimento, além, também das medidas de correição próprias para os pre puberes, para os adolescentes, bem como, para os jovens e adultos (medida socioeducativa extrema com cumprimento de até três anos, para os adolescentes que ao final da Medida terá atingido a maior idade, mas a cumprirá em uma unidade de internamento).

No que tange a primazia do reconhecimento da criança e do adolescente como pessoa humana está preconizado no Capítulo II, do Art.15 até o 18A, do ECA. Destarte à época que foi editado tal ordenamento jurídico além do papel social ser diferente, cabe ao legislador tipificar as condutas de proteção, bem como, as de sanções para as crianças e adolescentes, para que não haja a possibilidade de a ausência de lei cause danos, desta feita irreparável para a sociedade, tendo em vista que os jovens são à base do futuro da sociedade.

Em relação ao perfil do menor infrator no Brasil de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos diz:

 

Em relação ao perfil dos adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade pela prática de ato infracional, o levantamento mostra que a maior parte - 96% do total - era do sexo masculino e 59,08% foram considerados negros. A maior proporção (57%) estava na faixa etária 16 e 17 anos.

 

Em relação Estrutura das Unidades de internamento de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos:

 

O país contava em 2016 com 477 unidades de atendimento socioeducativo, sendo 419 exclusivamente masculinas, 35 femininas e 23 mistas. Com o maior quantitativo de adolescentes em privação ou restrição de liberdade, São Paulo também é o estado que concentra o maior número de estabelecimentos para atendimento desses adolescentes: 146, no total. Da mesma forma, Roraima, com a menor quantidade de internos do país, possui somente uma unidade. O levantamento identificou ainda um total de 32.465 profissionais atuando nos seus respectivos sistemas estaduais, uma média nacional é de 1,22 profissionais por adolescente.

 

Segundo o que preconiza o ECA em relação as medidas socioeducativas e os estabelecimentos de internação: 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a aplicação de seis medidas para responsabilizar adolescentes em conflito com a lei de acordo com a gravidade da infração, sendo internação em estabelecimento educacional e inserção em regime de semiliberdade, ambas classificadas como meio fechado, e as demais cumpridas em meio aberto: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Qualquer adolescente a partir dos 12 anos de idade pode ser sentenciado ao cumprimento de medida de internação, dependendo da gravidade do ato infracional. O período máximo de internação é de três anos.

 

É preocupante o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Brasil, sob o contexto do mundo da vida, suas causas e consequências diante do mundo sistêmico no passo da necessidade da coesão entre Estado Democrático de Direito e democracia para segundo Habermas, garantir o agir comunicativo, onde a não observância do reconhecimento dos menores em situação de risco como sujeito de direito possibilita o retorno destes( reincidência), ou tem como resultado a ida dos mesmos para o sistema prisional ao atingir a maior idade, isso é reflexo de um sério problema social ,bem como, de saúde pública em virtude alto índice do uso de entorpecentes e dependência química entres os jovens e adultos internos ou egressos do sistema socioeducativo.

Após a análise dos dados disponibilizados pela Secretaria de Prevenção a Violência-SEPREV, através da metodologia da pesquisa experimental, foi possível verificar que a situação do sistema socioeducativo brasileiro, em especial, no Estado de Alagoas o sistema socioeducativo tem 13 (treze) unidades de internação em funcionamento, com capacidade geral de 356 (trezentos e cinquenta e seis) leitos e 282 (duzentos e oitenta e dois) internos (dados de 22/02/19 fornecidos pela SUMESE).

As melhoras percebidas são significativas nos estabelecimentos de internação, onde as boas práticas preconizadas no plano decenal que recomenda as diretrizes do SINASE, no trato, na prevenção, bem como, ao egresso, essas diretrizes somadas a outras oas práticas apresentou como um dos principais resultados o número de fugas que declinaram em 2017 de 46 (quarenta e seis) para 5 (cinco) em 2018 até o mês de fevereiro, usando como referência o mês de fevereiro de 2019 não houve registro de fuga nesse período de um ano, ficando evidente com esse dado uma melhora significativa nas unidades de internação masculina e feminina.

Vale salientar que as ações previstas no planejamento estratégico nacional, tem que ser seguidas pelos estados, no Estado de Alagoas, é cediço que as modificações nas instalações (visando respeitar o que está previsto no SINASE), nas oficinas de laborterapias, assim como nas atividades lúdicas, tem uma contribuição significativa na diminuição não só da violência intramuros, como também na redução da reincidência masculina e consequentemente feminina.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 22 fev.2019.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

HABERMAS, Jurgen. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre: L&PM, 1987.

BRASIL. Direito e democracia: entre factividade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

MACEIÓ 7 SEGUNDOS. Alagoas reduz entradas de adolescentes nas unidades de internação. Disponível em: https://maceio.7segundos.com.br/noticias/ 2017/07/21/92366/al-reduz-em-20-o-numero- de-entradas-de-adolescentes-nas-unidades-de-internacao.html. Acesso em: 22 fev. 2019.

MDH.GOV.  Adolescentes em unidades de internação e semiliberdade. Disponível em: http://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/mdh-divulga-dados-sobre-adoles centes-em-unidades-de-internacao-e-semiliberdade. Acesso em: 22 fev. 2019.

SINASE. Sistema Nacional Socioeducativo. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2018. Diponível em: www.sinase.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

MDH. Ministério dos Direitos Humanos, 2018. Diponível em: www.mdh.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

SEPREV. Secretaria de Prevenção a Violência do Estado de Alagoas, 2018. Diponível em: www.paz.al.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

 

 



[1] Policial Penal do Estado de Alagoas. Bacharel em Direito pela Faculdade da Cidade de Maceió, FACIMA, 2012. Especialista em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra-ADESG/ESG, 2013. Especialista em Inteligência Policial pela AVM Integrada, Mestre em Educação pela UFAL/CEDU,na linha de pesquisa Filosofia e Educação, Doutorando em Educação pela UFAL/CEDU,na linha de pesquisa Filosofia e Educação, Membro do Grupo de Estudos TECER/PPGE/CEDU/UFAL. Professor no ensino superior, Ciências Jurídicas, Tendo experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Penitenciário e Execução Penal, Criminologia, Medicina Legal, Linguagem Jurídica e Redação. Orientador e Avaliador de trabalhos de Conclusão de Curso

[2] Doutor em Educação pela Universidade do Porto – Portugal. Professor no Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado e Doutorado - da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Coordenador do grupo de estudos em Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento – TECER, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas – UFAL.