OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO ENSINO OFERTADO PELA REDE PÚBLICA DE MACEIÓ/AL

políticas públicas e dignidade sob as perspectivas de Habermas

Anderson de Alencar Menezes[1]

Universidade Federal de Alagoas

anderufal@gmail.com

Antonio Tancredo Pinheiro da Silva[2]

Universidade Federal de Alagoas

tancredo.juridico@gmail.com

Martha Vanessa Lima do Nascimento Cardoso[3]

Universidade Estadual de Alagoas

martha.nascimento@cedu.ufal.br

 

1 INTRODUCÃO

Levando-se em consideração a prerrogativa referente à Saúde, expressa no Artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que diz: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Foi decretada no dia 23 de março do ano de 2020, a situação de emergência em saúde pública no município de Maceió em Alagoas[4]. A referida conjuntura, decorrente da pandemia do novo coronavírus[5] (COVID-19), apontou para a necessidade do emprego de medidas urgentes relativas à prevenção, ao controle, a contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública.

Diante disso, e para o enfrentamento da situação emergencial de caráter internacional, passaram a ser adotadas as seguintes medidas: o isolamento social, a quarentena, a determinação de realização compulsória de exames médicos, de testes laboratoriais, de coleta de amostras clínicas, de vacinação, entre outras medidas profiláticas, além de tratamentos médicos específicos, do estudo e da investigação epidemiológica. Com o isolamento social, também foi decretado o fechamento temporário de órgãos públicos e de unidades educacionais que prestam serviços essenciais para a manutenção da vida dos cidadãos brasileiros. Salienta-se que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) [6], tais medidas tiveram como objetivo: evitar a contaminação e/ou propagação do novo coronavírus.

Nesse contexto, observa-se que a suspensão das aulas presenciais nas redes pública e privada de ensino foi uma das inúmeras consequências da Pandemia do Covid 19 e que afetou tanto crianças e adolescentes, quanto jovens e adultos matriculados em escolas nos mais diferentes níveis e segmentos educacionais[7] e que apenas após um período considerável de adaptação para (escola e familía), passaram a ter aulas no formato remoto (síncrono e assíncrono)[8].

Cabe ressaltar, que o modelo de ensino no formato remoto não contemplou um número significativo de estudantes da rede pública de ensino[9], e por diversos motivos, a saber: a precariedade ou a falta de equipamentos (celulares e computadores), a falta de acesso a internet, a falta de propriedade para o manuseio das ferramentas digitais ou a falta de familiariedade com as plataformas e aplicativos gratuitos disponibilizados no período da pandemia, a falta de capacitação dos professores para ministrar aulas no formato remoto, a falta de compromisso com a determinação de uma rotina de estudo individual dos estudantes em seus lares, entre outros fatores igualmente importantes.

Portanto, passados dois anos de isolamento social[10], ainda é possível constatar que algumas unidades de ensino do município de Maceió/Alagoas, sequer iniciaram o ano letivo para algumas turmas, noutras, observa-se que o retorno às aulas embora tenha inicado, ainda ocorre de maneira lenta e com bastante dificuldade no sentido de fornecer um ensino de qualidade mediante um cenáro tão caótico em sala de aula.

Enquanto professores, nos deparamos com estudantes que durante a pandemia se encontravam na fase da alfabetização e letramento, e que após a reabertura das escolas (pós-pandemia), passaram para as séries seguintes sem ter construído conhecimentos essenciais que contemplam essa importante fase e que servem de base sólida para a construção de outros conhecimentos. Muitos desses estudantes, não sabem sequer ler e escrever seus prórpios nomes.

 Para Habermas, o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos. Contudo, faz-se necessário salientar que além dos prejuizos a longo prazo no ensino formal, como a defazagem na aprendizagem, também são notórios os efeitos negativos em relação as questões emocionais desses sujeitos, pois o contato com outras pessoas da mesma idade nessa importante fase da vida é fator essencial para o amadurecimento das crianças e adolescentes que foram privados dessa convivência.

O presente artigo aborda sobre a educação formal num contexto pós-pandêmico e contribui para as reflexões acerca dos desafios enfrentados pelos educadores ao lidar com as atuais exigências que versam sobre a recomposição e a aceleração do ensino-aprendizagem, tendo que nivelar o ensino para todos os alunos, sem muitas vezes, a devida orientação para lidar com as necessidades tão diversas e individuais que esse público atravessa e no qual não se tem um diagnóstico médico para uma condição especial, como por exemplo, o autismo ou se o atraso na aprendizagem apresentado pelo estudante no decorrer do seu processo de escolarização caracteriza-se de fato pelo cenário pandêmico vivenciado, ou seja, pela falta de frequência nas aulas (presenciais ou remotas).

Para ilustrar a temática buscaremos nas ideias de Habermas um contexto amplo que nos dê subsídios para afirmar que tal Política Pública visa oferecer dignidade aqueles mais vulneráveis uma contribuição de cunho social e que esta fundamenta-se nos direitos humanos fundamentais e devem ser assegurados pelo Estado a partir do reconhecimento dos sujeitos direitos à educação como direito fundamental e de qualidade.

Nesse sentido, Jurgen Habermas afirma que o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos no Estado Democrático de Direito.

Contudo e diante do exposto, enfatizamos os Art. 205. da Constituição Federal de 1988 que dispõe sobre a educação: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, e Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

 

2 OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO ENSINO NA PERSPECTIVA DE HABERMAS

É fato que a pandemia do Covid 19 é um tema ainda bastante sensível no qual nitidamente acentuou profundamente questões historicamente arraigadas, pois, a falta de atenção dada no âmbito da educação por parte do poder público é visível e se materializa com a desvalorização da educação e com falta de investimentos no setor. Com isso, no pós-pandemia, nos encontramos imersos a sentimentos que afirmam e reafirmam a condição de exclusão e de desamparo, com a negação de direitos fundamentais, e, portanto, essenciais e inerentes a uma condição de vida humana digna. O contexto apresentado aponta, sobretudo, para um cenário de frustação e de grandes incertezas quanto ao futuro.

Diante disso e de acordo com dados da pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef Brasil) e do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)[11], um total de 124.106[12] crianças e adolescentes, em idade escolar, que se encontram na faixa etária entre 6 e 17 anos[13], não frequentaram as aulas presenciais no ano de 2020, no estado de Alagoas. A referida pesquisa apontou ainda que, o estado de Alagoas ocupa atualmente a quarta posição em relação aos piores índices educacionais da região nordeste.

Com isso, e em face aos fatos expostos, não apenas o estado de Alagoas, mas o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de crianças e adolescentes que estão com o seu direito à educação, negado. Com isso, salientamos que, retrocedendo, conforme aponta a pesquisa, voltaríamos a alcançar os números alarmantes de evasão escolar, uma dura realidade vivenciada nos anos 2000. Contudo, nota-se que a pandemia acelerou os problemas e acentuou visivelmente as desigualdades sociais existentes em nosso país. E, diante disso, compreendemos que, como forma de reverter o fatídico panorama apresentado, garantir e ampliar os direitos humanos, na perspectiva de Habermas, torna-se fator que além de primordial, se configura como emergente.

            Diante disso e corroborando com Freire (2001), falar em educação e direitos humanos já nos coloca um primeiro direito negado e negando-se que é o direito a educação. Pois, para o autor, é a própria educação que pretendemos que se dê ao esforço de desafiar a quem proíbe que a educação se faça, é a própria educação como direito de todos, que é negada a grande parte da população.

Com isso, observamos, portanto a pandemia com um olhar sensível e diferenciado, compreendendo-se que além de viral, a pandemia se configura como emocional, pois, muitos estudantes além de terem o seu direito de liberdade e/ou convívio com outras crianças cerceado, em plena fase de desenvolvimento e descobertas, na qual a interação se torna fundamental, também tiveram que lidar com episódios de contaminação do vírus e da experiência do luto dentro de seus próprios lares.

Contudo, enfatizamos que o nosso estudo tem como foco os estudantes: crianças, adolescentes e jovens que vivem em situação de vulnerabilidade, que contaram com o acesso precário ou não tiveram condições de acesso à internet, a computadores ou celulares e que na maioria dos casos, não contam com o apoio da família para os estudos em casa, pois, muitos pais, tios, avós e demais responsáveis, são analfabetos, e, no qual alguns deles também são estudantes da Educação de Jovens e Adultos – EJA de Maceió, Alagoas, igualmente afetados com o advento da pandemia.

O retorno às aulas presenciais, no município de Maceió, Alagoas, se deu em 14 de fevereiro de 2022, e, como podemos analisar, muitos problemas relacionados à educação foram aprofundados e muitos desafios foram também intensificados, e, enquanto se comenta sobre uma possível aceleração da aprendizagem dos estudantes da rede pública de ensino (a nível Brasil), enfatizamos o fortalecimento de políticas públicas eficazes, capazes não apenas de reconhecer as mazelas sociais, mas de garantir a efetivação dos direitos da população cotidianamente marginalizada. Frisamos que as discussões em torno da recomposição do ensino, considere, sobretudo, o emocional desse público tão afetado durante a pandemia e constantemente massacrado por ser posto na condição de invisibilização desde a mais tenra idade.

Nesse sentido, compreende-se a necessidade de assegurar o direito a uma educação emancipadora, por meio de uma educação libertadora, que assuma postulados freireanos, à todas as pessoas, considerando-se, principalmente, àquelas que se encontram na condição de extrema pobreza, e que tem os seus direitos educacionais cotidianamente violados na sua integralidade, sendo agravados no contexto da pandemia do coronavírus, desde 2020[14], sujeitos esses que vivenciam constantemente o descaso do poder público e omissão.

A teoria da ação comunicativa desenvolvida por Habermas é a base de uma concepção sobre a ética fundamentada no diálogo e no acesso à justiça. Habermas propõe uma ética discursiva, a qual envolve discussões acerca das normas jurídicas, das sanções e dos valores culturais, concebendo uma teoria da razão comunicativa.

Desse modo, a teoria de racionalidade comunicativa propicia uma reflexão sobre valores e normas jurídicas vigentes na sociedade a partir de um enfoque interdisciplinar ao conciliar concepções teóricas da Sociologia, da Psicologia, da Filosofia e do Direito no contexto em que esses indivíduos estão inseridos.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos devem ser  operacionalizados via democracia, tendo como parâmetro, a busca de igualdade pois, empiricamente, a desigualdade material afeta o exercício das liberdades e faz com que os direitos sociais adentrem no sistema, justamente, para corrigir as desigualdades materiais, com o intuito de restabelecer a igualdade necessária no âmbito da democracia e em especial na educação emancipadora.

Habermas afirma que o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos no Estado Democrático de Direito.

Nesta breve leitura, Habermas nos permite a compreensão sob um contexto amplo que nos dê subsídios para afirmar que tal Política Pública visa oferecer dignidade aqueles mais vulneráveis uma contribuição de cunho social e que esta fundamenta-se nos direitos humanos fundamentais e devem ser assegurados pelo Estado a partir do reconhecimento dos sujeitos direitos à educação como direito fundamental e de qualidade.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

BRASIL. Leinº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: MEC, 1996.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 31.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

FREIRE. Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: umreencontrocom a pedagogia do oprimido. 3.ed. São Paulo, Paz e Terra, 1994.

DIÁRIO OFICIAL ELETRÔNICO DO MUNICÍPIO DE MACEIO. Disponível em: http://www.cress16.org.br/admin/wp-content/uploads/2020/04/DECRETO-8853MACEIO.pdf. Acesso em: 05 de setembro de 2022.

 



[1]Doutor em Educação pela Universidade do Porto – Portugal. Professor no Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado e Doutorado - da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Coordenador do grupo de estudos em Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento – TECER, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas – UFAL.

[2] Doutorando em Educação pelo PPGE/CEDU da Universidade Federal de Alagoas. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário CESMAC.Graduado em DIREITO pela Faculdade Raimundo Marinho/FRM. Professor Civilista do Curso de Direito no Programa Especial para Formação de Servidores Públicos - PROESP/UNEAL, do Curso de Especialização da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL, Professor Civilista e de Práticas Jurídicas, Voluntário, no Campus VI da UNEAL.

[3] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com graduação em Pedagogia (UFAL), Pós-Graduação Latu Sensu em Educação em Direitos Humanos e Diversidade (UFAL) e Pós-Graduação Latu Sensu em Docência do Ensino Superior pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC).

[4] Diário Oficial Eletrônico do Município de Maceió. ANO XXIII - Maceió/AL, Segunda-Feira, 23 de março de 2020 - Nº 5925a - Edição Extraordinária. Disponível em: http://www.cress16.org.br/admin/wp-content/uploads/2020/04/DECRETO-8853-MACEIO.pdf

[5]O coronavírus (COVID-19) é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2. Faz parte de uma ampla família de vírus que pode causar uma variedade de condições, do resfriado comum a doenças mais graves, como a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a síndrome respiratória. Aguda grave (SARS-CoV). Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/coronavirus.

[6] Agência governamental, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça. 

[7] Educação infantil, Educação Fundamental Anos Iniciais,Educação Fundamental Anos Finais, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA.

[8]Síncrono é um adjetivo que se aplica a algo que acontece simultaneamente. Na comunicação, indica que a mensagem é recebida e pode ser respondida imediatamente. Ou seja, permitindo a interação. Em contrapartida, o formato assíncrono é algo que não possibilita essa interação.

[9] Os estudantes da rede pública de ensino de Maceió, Alagoas, são o foco do nosso estudo.

[10] Referimo-nos ao ano vigente (2022).

[11] Pesquisa disponível em: https://www.cenpec.org.br/.

[12]O número representa um percentual de 17,7% dessa população, considerado pela pesquisa como o quarto maior do Nordeste, segundo a Unicef.

[13] Idades dos estudantes partícipes da pesquisa.

[14] De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, apesar do cenário favorável em relação às taxas de mortalidade por conta do coronavírus, cientistas ressaltam ainda que a pandemia não acabou e os riscos continuam presentes. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/boletim-covid-19-apesar-de-cenario-favoravel-pandemia-ainda-nao-acabou.