Mentira, velocidade e excesso

armas do apocalipse[1]

Katia Marly Leite Mendonça [2]

Universidade Federal do Pará

guadalupelourdes@hotmail.com

 

Helio Figueiredo da Serra Netto[3]

Fundação Carlos Gomes

ranehelio@gmail.com

 

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Resumo

Este artigo discute a relação entre a mentira, a verdade factual e a tecnologia. O processo da chamada “mentira organizada”, iniciado no século XX, atualmente assume hoje proporções apocalípticas e foi abordado por Gunther Anders, Paul Virilio e Hannah Arendt, autores cujas reflexões sobre o tema são aqui retomadas e atualizadas em relação ao cenário contemporâneo. São discutidos a relação entre verdade factual e mentira e os efeitos que sobre ela têm a velocidade e o excesso de informações, de imagens e de dados, assim como a visão apocalíptica que Anders, Arendt e Virilio construíram acerca desse processo.

Palavras-chave: Mentira. Velocidade. Excesso. Apocalipse. Democracia.

LIES, SPEED AND EXCESS

weapons of the apocalypse

Abstract

This paper discusses the relationship between lying, factual truth and technology. The so-called “organized lie” process, which began in the 20th century, currently assumes apocalyptic proportions and was addressed by Gunther Anders, Paul Virilio and Hannah Arendt, authors whose reflections on the subject are resumed and updated in relation to the contemporary scenario. The relationship between factual truth and lies and the effects that speed and excess of information, images and data have on it are discussed, as well as the apocalyptic vision that Anders, Arendt and Virilio built about this process.

Keywords: Lie. Speed. Excess. Apocalypse. Democracy.

1  INTRODUÇÃO

Há uma vasta bibliografia  contemporânea no âmbito dos estudos sobre comunicação[4] que envolvem uma terminologia em torno do se designa por informação problemática (GIGLIETTO et alii, 2019; JACK, 2017; MOLINA et alii, 2019): a desinformação (disinformation), entendida como informação deliberadamente falsa para provocar dano ou manipular; a informação incorreta (misinformation), informação falsa sem intenção de provocar dano ( o que as distingue é a intencionalidade) e, por fim, as fake news, entendidas também como informações falsas, termo este objeto de largo debate, ora rejeitado por alguns autores por ter perdido sua legitimidade analítica ao ser usada por Donald Trump e pela extrema direita ( FREELON, WELLS, 2020), ora visto como um significante flutuante (LACLAU, 2005; FARKAS,  SCHOU, 2018) que surge em tempos de crise e que é utilizado por diversos grupos ideológicos e diferentes projetos hegemônicos. Essas todas são análises importantes. Porém, a construção de uma terminologia contemporânea não elide o problema ético basilar da mentira em sua relação com a verdade factual. É nesse sentido que este ensaio pretende retomar alguns elementos da reflexão clássica e extremamente atual sobre o tema, elaborada no século XX, em particular por Günther Anders e Paul Virilio e Hannah Arendt e relacioná-los  com a questão da tecnologia.

O mundo, de modo acelerado, revive o ocorrido no século XX, quando a emergência dos totalitarismos nazifascista e soviético, utilizou a mentira - no sentido de deliberada subversão da verdade factual - de modo organizado, como explícita ferramenta do poder sobre as massas e não mais como uma arma simulada utilizada contra inimigos particulares, como tradicionalmente usada na política. A mentira deliberada e organizada se encontra presente, por exemplo, tanto nos movimentos revisionistas da história -  que negam, por exemplo, o Holocausto, a ditadura militar brasileira (PASSOS, 2021) ou a existência de povos originários como os yanomamis  (Barreto, 1995) - quanto na veiculação de mentiras deliberadas, patrocinadas pelos líderes políticos, que podem levar à destruição da democracia e à morte, que, no caso do Brasil, efetivamente levaram, como foi o caso da gestão genocida pelo governo federal da Covid 19.

O que era antes ocultado, nas artimanhas da luta pelo poder, a mentira tradicional, como disse Arendt, se voltava contra o inimigo estrangeiro ou o inimigo particular e nunca pretendia iludir todas as pessoas. Os que iludiam pertenciam ao círculo de poder de diplomatas e homens de estado que “ainda sabiam preservar a verdade”, não enganando a si mesmos (ARENDT, 1972, p. 313). A mentira organizada contemporaneamente se torna não apenas evidente, mas também defendida, não havendo um mascaramento, mas sim uma exibição espetacular da destruição da verdade factual aliada à manipulação dos sentimentos das massas (D’ANCONA, 2016, p. 4). O mais perturbador na mentira moderna, como lembra Arendt, é que ela, ao distorcer deliberadamente a teia de fatos, reescreve a estória com novas estórias, fatos e imagens que podem se tornar sucedâneos na memória coletiva do que efetivamente ocorreu. (ARENDT, 1972, p. 313). Há uma perda de pudor ou uma exibição escancarada da mentira com o apoio de milhões que sabem que é mentira. Tomemos um exemplo disso, que revela a seriedade do problema da manipulação de massas: o falso padre Kelson aliado de Bolsonaro, não só teve sua candidatura aceita como participou dos debates televisivos pré-eleitorais em 2022. Ou seja, uma mentira, sabida, conhecida, escancarada teve o apoio das instituições eleitorais e da grande imprensa que nunca chamou isso de mentira, obedecendo a aliança eterna entre os estamentos políticos na estrutura de poder de longa duração que é o patrimonialismo, reconfigurado, com novos atores, mas sempre presente. (MENDONÇA, 2002).

Ora, quando Arendt escreveu Verdade e Política, a realidade tecnológica das comunicações era marcada pela imprensa escrita, rádio, cinema e televisão.  A mentira organizada envolvendo as massas tinha, então, um alcance distinto do atual onde o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação possui a velocidade e o excesso como características principais. Contemporaneamente a relação entre a mentira e a velocidade terá como suportes de comunicação principais as mídias digitais[5], as quais, não eliminando as mídias tradicionais, passam a ter primazia na destruição da verdade factual. Contudo, o atual processo de destruição da verdade factual é, em larga medida e com as devidas distinções, semelhante ao enfrentado pela humanidade na primeira metade do século XX onde houve a emergência das situações patológicas de massas, adoecidas psíquica e espiritualmente pelo nazifascismo. Nestes processos, reemergentes no século XXI, a mentira e a sedução das massas continuam a deter o papel predominante. O objetivo continua o mesmo: a destruição da política como esfera da ação humana voltada para o coletivo. E a questão também continua a mesma, a capacidade de sedução de milhares ou de milhões, o encantamento para usar a expressão de Hermann Broch (1990), o que levou Arendt a afirmar:

se o número de pessoas que acreditam na veracidade de uma fraude tão evidente como os “Protocolos dos sábios do Sião” é bastante elevado para dar a essa fraude o foro do dogma de todo um movimento político, a tarefa do historiador já não consiste em descobrir a fraude, pois o fato de tantos acreditarem nela é mais importante do que a circunstância (historicamente secundária) de se tratar de uma fraude (ARENDT, 2013, p.27).

Para além disso, contudo, permanece a pergunta, sem resposta, feita há décadas atrás, diante do fenômeno de massas que foi Hitler: como ele encantou milhões de pessoas? Como, perguntou, à época, um seu seguidor, aquele homem “com um ar de triste funcionário vegetariano” foi um “deus para seu país”? (BRASILLACH, 2020; RESZLER, 1981, p.194, MENDONÇA, 2002). E hoje, nos perguntamos como líderes, a ele semelhantes, continuam a seduzir milhões de pessoas? Arendt, Anders e Virilio não conseguiram, como aliás, ninguém o conseguiu até agora, responder à questão, mas indicaram algumas pistas para compreensão, como testemunhas que foram do avanço do nazismo, do fascismo e do totalitarismo soviético no século XX. Suas análises, para além da elaboração teórica, possuem caráter testemunhal que são alertas para  o mundo marcado pela velocidade crescente da destruição da memória, pela perda da percepção da verdade factual e pelo avanço da mentira organizada, gerando a mais grave dimensão da doença espiritual deste século, como prefigurou Tesich, ainda em 1992, quando cunhou o termo pós verdade:

Estamos rapidamente nos tornando protótipos de um povo que os monstros totalitários só poderiam ter êxtases sobre isso em seus sonhos. Todos os ditadores até agora tiveram que trabalhar duro para suprimir a verdade. Nós, por nossas ações, estamos dizendo que isso não é mais necessário, que adquirimos um mecanismo espiritual que pode desnudar a verdade de qualquer significado. De uma forma muito fundamental nós, como um povo livre, decidimos livremente que queremos viver em algum mundo pós-verdade. (TESICH, 1992).

A oposição continua a ser, não entre realidade e mentira, mas entre verdade factual e mentira, onde a primeira é eminentemente política, dizendo respeito a

eventos e circunstâncias nas quais muitos são envolvidos; é estabelecida por testemunhas e depende de comprovação; existe apenas na medida em que se fala sobre ela, mesmo quando ocorre no domínio da intimidade. É política por natureza. [...]. Fatos informam opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e paixões, podem diferir amplamente e ainda serem legítimas, no que respeita a sua verdade factual. (ARENDT, 1972, p. 295).

 

Sob esse viés, este artigo se divide em três partes. Na primeira abordaremos a questão da mentira organizada e sua relação com a velocidade; na segunda parte, abordaremos a questão da relação da mentira com o excesso de informações, de dados e de imagens que caracteriza o quadro contemporâneo e, na terceira, como, a partir disso, encontramos uma visão apocalíptica nesses pensadores. 

 

2  MENTIRA ORGANIZADA E VELOCIDADE

 

É no âmbito público que se encontra a “mentira organizada”, a “mentira que domina a esfera pública enquanto distinta do mentiroso particular que tenta a sorte por sua própria conta” (ARENDT, 2016, p.288). Antes de Arendt, a expressão fora utilizada em 1946, por George Orwell quando afirmou que

a mentira organizada praticada pelos Estados totalitários não é, como às vezes se afirma, um expediente temporário da mesma natureza do engano militar. É algo inerente ao totalitarismo, algo que ainda continuaria a existir mesmo se os campos de concentração e as forças policiais secretas deixassem de ser necessárias.  (ORWELL, 2014, p.28).

 

Nas experiências totalitárias do século XX o rádio foi a grande inovação tecnológica na construção da mentira organizada, mudando a caracterização das massas, que passaram a dispensar a aglomeração física. Gunther Anders irá explorar de modo mais detido a ligação entre a destruição organizada da verdade factual envolvendo as massas e a tecnologia, ressaltando que “fascismo e rádio são correlativos. Sem este são impensáveis os êxitos massivosdaquele (ANDERS, 2011b, p.93-94). A ubiquidade do rádio prescindiria da figura física do líder, tornando obsoleta as observações de Le Bon (LE BON, 1980) sobre a psicologia das multidões pois “a direção de palco de massas ao estilo de Hitler tornou-se supérflua: para transformar um homem em um ninguém (e aquele que se orgulha de ser um ninguém) não é necessário afogá-lo na massa ou alistá-lo como um membro real da uma organização de massa.” (ANDERS, 2011a, p.111). Na mesma direção Gabriel Marcel apontava, então, para a onipresença do rádio, através do qual Hitler e Mussolini apareciam como dotados do dom divino da ubiquidade (MARCEL, 2001, p. 51) e perguntava: “como entender que o rádio contribui tão visivelmente à descida ao nível mais baixo do espírito humano?” (MARCEL, 2001, p. 51).

As análises de Günther Anders são proféticas no sentido em que anteciparam com agudeza a emergência do cenário da pós-verdade (Babich, 2022, p.143, cujos primórdios foram por ele percebidos em 1980, ao afirmar que a mentira foi superada e transformada em supérflua pela “massiva não-verdade” (ANDERS, 2011b, p. 193), dando origem a um mundo “pós-ideológico”. Neste “a mentira por força de mentir se torna verdade, a mentira expressa torna-se supérflua”. (ANDERS, 2011a, p. 194). Assim, com frequência é lícito expressar verdades completas, que, dentro dos limites de um mundo massivamente falso, resultam inofensivas”, transformadas em simples “valores culturais”, em simples “decoração, podendo, inclusive, ser “alteradas em sua função”. (ANDERS, 2011b, p. 193). Contemporaneamente a utilização mesma do termo “fake news” se inscreve nesse quadro de falsidade massiva, de naturalização das mentiras. A massiva utilização dessa expressão (usada também por líderes políticos como Donald Trump) banaliza o mal e elide a discussão ética. É mais uma expressão, como pós-verdade, pós-factual etc., que é incorporada na terminologia das análises sobre comunicação que - sem uma discussão mais contundente envolvendo a dimensão ética - pode contribuir para a construção de uma totalidade falsa.

Um dos elementos principais do pensamento de Anders foi a detecção da produção de massas obedientes e sem vontade submetidas a mentiras e mesmo desejando-as; subjugadas a ideologias que têm por meta produzir falsa consciência, logo, falsa vontade e, por fim, falso agir. (ANDERS, 2011b, p. 193), ou seja, situações onde há “a produção voluntária de uma liquidação da vontade, de uma abulia tal que, diferentemente das formas patológicas como a indolência ou o estupor, lhes falte a consciência de não serem livres.” (ANDERS, 2011b, p. 195).  Esta ausência de reflexão sobre a própria condição existencial de servidão voluntária, para usar o termo de De La Boétie (1982), vem conduzindo vastas massas a escolherem, dentro de regimes democráticos e através do voto, a tirania. São situações onde elas passam a adotar uma espécie de cinismo e a uma absoluta recusa em acreditar na verdade de qualquer coisa, como indicou Arendt (1972, p. 317), algo que talvez tenha a ver com a colocação em xeque das próprias noções de opinião e de verdade. A própria noção de verdade factual submerge no imaginário da pós-verdade e do pós-factual (MACMULLEN, 2020, MCINTYRE, 2019)) com o auxílio de um aparato tecnológico que, com poderes de mobilização de massas até então desconhecidos, destrói a capacidade de pensar e de agir em conjunto que é a política. Este é, decerto, o fenômeno mais desafiador que a humanidade terá de enfrentar em todos os tempos, na medida em que carrega implicações gravíssimas não somente de ordem política, mas, que dizem respeito à sobrevivência mesma da espécie humana e do planeta.

A mentira  se transforma em normal; uma simples “decoração”, para usar os termos do próprio Anders (2011b, p. 193), da qual se retira qualquer responsabilidade ética de quem a produz e de quem a transmite e que passa a dominar as esferas privada e pública da vida em um cenário onde não se distingue a cópia do modelo; no qual não se identifica a autoria das imagens e das falsas informações (é o caso dos memes que são “virais” nas redes sociais e de difícil detecção da autoria). A chamada grande mídia toma para si a detenção da “verdade factual” (da informação), mas ela também não escapa da mentira, na medida em que serve a interesses políticos específicos. Sendo assim, cria-se uma situação perfeita para a ausência de qualquer responsabilidade ética.

Anders também teve a presciência acerca da escravidão humana em relação à tecnologia:

De fato, nada nos aliena de nós mesmos e do mundo de forma tão desastrosa quanto o fato de passarmos a vida quase continuamente acompanhados por esses falsos parentes, esses escravos fantasmagóricos, do que em nosso quarto - uma vez que a alternativa de dormir e acordar deu lugar ao de dormir e ouvir rádio - ordenamos com um ato ainda sonolento que o primeiro fragmento do mundo nos seja servido como audiência matinal, para que nos questionem, olhem para nós, cante, encoraje-nos, console-nos, dê-nos força ou amoleça-nos e assim começamos o dia, que não é nosso; Também não há nada que torne a autoalienação mais inapelável do que continuar o dia sob a égide desses pseudo-amigos, porque mesmo que se consiga companhia real, preferimos continuar a viver na companhia dos nossos amiguinhos portáteis, pois não considerá-los como peças de reposição para homens reais, mas como nossos verdadeiros amigos. (ANDERS, 2011a,  p. 132).

O texto se refere ao rádio, mas quão atual ele é diante de nossos celulares, da “amiga” Alexa e da morte total da capacidade de pensar, delegada aos apêndices tecnológicos velozes. No século XX a mentira organizada se assentou em suportes midiáticos como imprensa escrita, o rádio e cinema, gerando experiências perceptuais de tempo e de espaço distintas das experiências contemporâneas marcadas por tecnologias visuais e auditivas extremamente velozes e cuja onipresença ocorre como apêndices corporais dos indivíduos, ou seja, praticamente à prova de fuga. Assim, a alteração da experiência perceptual de tempo e espaço lineares dissolve a capacidade de reflexão e a memória.

Paul Virilio, ao abordar a questão da velocidade parte da discussão levantada por Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo, para quem o movimento seria a característica principal do fascismo (ARENDT, 2013, p. 398). É neste sentido que ele afirma: “a massa não é um povo, uma sociedade; é uma multidão de passantes (VIRILIO, 1996, p. 19).  Objeto de desejo dos ocupantes do poder, as massas se encontram mergulhadas nas teias do que ele chama de dromocracia (VIRILIO, 1997, p 17-18), o poder da velocidade. Ora, a velocidade é incompatível com a democracia, antes ela é “uma tirania” (VIRILIO, 1996 e 1997) pois a democracia exige reflexão e “o imediatismo é o oposto da informação” (VIRILIO, 2009) capaz de subsidiar a decisão democrática. Sem reflexão a democracia torna-se inviável, torna-se um jogo, algo como um videogame. Dentre os movimentos dos candidatos às eleições nas democracias contemporâneas, temos os espetáculos organizados que são os debates, articulados com as pesquisas eleitorais. Estas também são um espetáculo à parte, ansiosamente esperadas como projeções a serem seguidas por candidatos e eleitores. Tudo mapeado pelos algoritmos nas redes sociais, dando movimentação às águas profundas onde repousam as massas e nas quais se introduz a mentira, como absinto (MENDONÇA, 2022) que tomará corações e mentes, para lembrar o filme de Peter Davis, destruindo a memória e forjando opiniões falsas pois destruída foi a verdade factual e apagados foram os eventos. Hoje como nunca a democracia pode carregar as sementes de sua própria destruição. A apropriação dos processos eleitorais democráticos pelas mídias digitais é, atualmente, o canal por onde a doença se introduz nas massas, cuja histeria e eliminação da capacidade de julgamento desaparece na velocidade exigida pelas decisões no âmbito de um jogo de videogame. Assim, se cumpre o prognosticado por Virilio:

a democracia está ameaçada em sua temporalidade porque o tempo de espera por um julgamento tende a ser suprimido. A democracia é a espera por uma decisão coletiva.  A democracia viva, a democracia automática, elimina essa reflexão em favor de um reflexo. (...). A enquete é a eleição de amanhã, é uma democracia virtual para uma cidade virtual. (VIRILIO, 1997, p.86).

 

A superfluidade da mentira, antes detectada por Anders, se acentua com a introdução da velocidade. Como lembra Virilio, “já não temos um confronto entre verdade e mentira, mas uma sucessão cada vez mais rápida de instantes irrefutáveis: emoções globais, síncronas, instantâneas, à escala do mundo inteiro” (VIRILIO, 2009). Alterando a percepção de tempo e de espaço, a velocidade altera física, psicológica e existencialmente, a compreensão do mundo. “Portanto, a velocidade permite-nos ver o mundo de uma forma diferente, e a partir do século XIX esta visão do mundo se altera e o espaço público torna-se uma imagem pública através da fotografia, da cinematografia e da televisão”. (VIRILIO, 1997, p,23-24). Surge então uma “estética da desaparição” substituindo a “estética da aparição tradicional”, quando a imagem se inscrevia em uma tela ou em um mármore. A velocidade das imagens no vídeo ou televisão destrói a antiga persistência do substrato material da imagem dando, segundo ele, lugar à persistência retiniana, à persistência cognitiva da visão capaz de acompanhar a veloz sucessão de imagens. (VIRILIO, 1997, p.25). 

A fenomenologia desenvolvida por Virilio sempre buscou colocar o acento sobre a corporeidade:  a velocidade conduz à alteração perceptual física do mundo, à destruição da atenção e, assim, à perda de percepção do real. As subjetividades se encontram mergulhadas em redes sociais manipuladas por algoritmos, vivendo em mundos virtuais nos quais a realidade factual foi destruída e com isso também o foi a memória, sem a qual é impossível a reflexão. Além de, intrinsecamente, cegas do ponto de vista ético (MENDONÇA, 2013), as massas, na medida em que as noções de espaço e tempo são perdidas, padecem do que ele chamou de “desorientação”. Este é um conceito multidimensional e assim podemos dizer que há uma correlação estreita entre a velocidade e o adoecimento físico, psíquico e espiritual dos indivíduos e das massas. O mesmo Virilio alertava que, sob o domínio da velocidade, ou seja, da dromocracia, o século XXI seria o tempo de um caos pior do que o nazifascismo e o comunismo; seria a destruição, a perda de todas as referências, um caos global (VIRILIO, 2011).

Esse aumento contínuo da velocidade levou ao desenvolvimento de uma megaloscopia que causou uma real enfermidade porque reduz o campo de visão. Quanto mais rápido vamos, mais olhamos para frente em antecipação e perdemos nossa visão lateral. As telas são como para-brisas em um carro: com o aumento da velocidade, perdemos o sentido de lateralização, que é uma enfermidade em nosso ser no mundo, sua riqueza, seu relevo, sua profundidade de campo. (VIRILIO, 2012, p.36-37).

Preocupado com o corpo que mantém o ser humano ancorado no mundo, ele afirmaria que “por causa das tecnologias, estamos perdendo o próprio corpo em benefício do corpo espectral, e o próprio mundo em benefício de um mundo virtual” (VIRILIO, 1997, p. 50. 51) e advertiria: “o modelo de nosso mundo que se estabelece com o delírio da informação é Babel, e a Internet é um signo disso. A megacidade é Babel. E Babel é a guerra civil!” (VIRILIO, 1997, p.78).

As tecnologias óticas e os aparelhos de visão (SICARD, 2006) nos proporcionam acessar o real de um jeito que vai além do aparato corporal, e nos permitem ver coisas que só a tecnologia proporciona: como a imagem interna do corpo; a estrutura dos átomos; a explosão de uma estrela. O mundo se tornou um lugar a ser explorado por essas novas próteses do olhar, as máquinas de visão criam a visão sem olhar (VIRILIO. 2005). “O surgimento da visão telescópica e dromológica subjugou a visão humana ao aparato técnico” (VIRILIO. 2005. P.11). Ver pode ser perigoso e, por isso, se substitui a visão humana pela visão técnica. A tecnologia nos permite acessar de uma maneira técnica o que o corpo natural não alcança, substituindo-se a imaginação pela visão tecnológica. Mas também são as mesmas tecnologias que nos possibilitam uma espécie de “re-encantamento” do mundo através da técnica, do cálculo. Na matemática, a descoberta dos “fractais” (SICARD, 2006) possibilitou a criação das primeiras imagens “realistas” totalmente irreais. Os fractais são criados a partir de funções matemáticas e nos permitem transformá-las em imagens.

A possibilidade de criação de um mundo imaginário construído pelo cálculo, que usa a imaginação do criador para existir e sequestra a imaginação daqueles que irão consumir esse mundo, permite consolidar esse cenário que aqui estamos abordando, na era da pós-verdade, a irrealidade e o real se fundem. As imagens digitais, falsas ou não, alimentam a mentira e as ações orientadas pelas emoções e as convicções pessoais, os fatos, destruídos, distorcidos, são ferramentas a serviço da mentira.

A máquina de visão (VIRILIO, 2002) inaugura uma nova forma de percepção do real, instaurando a velocidade e distorcendo nossa percepção de distância e de dimensão espacial. O avanço das tecnologias visuais e das técnicas de reprodução, delas derivadas, insere um outro elemento essencial para se compreender as relações contemporâneas assentadas nas tecnologias e redes virtuais. Esse elemento é o excesso de imagens, de dados e de informações.

 

3 MENTIRA ORGANIZADA E EXCESSO

Hoje, com os computadores, as tecnologias gráficas, o mundo que antes só era acessado pela imaginação, se materializa nos écrans. A internet e o mundo virtual serão os depósitos de todas essas imagens criadas ininterrupta, indiscriminada e velozmente, incapacitando-nos para distinguir a mentira da verdade factual, os fatos das nossas emoções e convicções pessoais. A catástrofe que vivemos é fruto do “acidente” a que se refere Virilio, a velocidade e o excesso são seus condutores. Perdemos, completamente, o controle sobre eles, capturados, somos como um grande laboratório onde essas tecnologias se desenvolvem e reivindicam sua autonomia diante de seus criadores. Diante de centenas de fontes, como as grandes mídias, os jornalistas autônomos, os influencers e os comentaristas da internet, procurar uma referência de verdade factual se torna quase impossível. E quando este excesso se alia à velocidade, essa referência se esfacela totalmente.

Se a velocidade muda nossa percepção sobre espaço e tempo, o excesso acirra, ainda mais, essa condição e nos leva a uma incapacidade de generalizar, de pensar, de abstrair e, principalmente, de se colocar no lugar do outro. Mergulhados estamos em uma hipermemória (SERRA-NETTO, 2020). Aqui usamos a metáfora de uma memória fantástica para sugerir como os aparelhos, hoje, atuam como um prolongamento do corpo, tornando nossa memória deles dependente. A metáfora é uma alusão à capacidade de memorização inesgotável presente em um conto de Borges[6] (2001) e de uma condição biopsíquica apresentada na literatura médica por Lúria (1999). Onde a pessoa tem como condição uma memória inexaurível que abarca absolutamente tudo, todos os detalhes que é possível memorizar, e assim, presa aos detalhes, a pessoa é incapaz de abstrair, vivendo assim submersa em uma memória excessiva e inútil. O senhor “S” apresentado por Lúria, conseguia armazenar diversas sequências numéricas aleatórias, e recitar poemas em diversas línguas, mesmo após quinze anos de sua leitura. No entanto, não conseguia distinguir um rosto humano, porque focado em excessivos detalhes das expressões faciais, tinha dificuldade de generalizar essas feições ao ponto de abstrair um rosto, de tal forma que pudesse reconhecer uma pessoa pela face. A velocidade e o excesso – que atordoam os sentidos – não estão somente contribuindo para um império da mentira, mas também para a total aniquilação da percepção do outro. Diante de alguém preso estritamente a detalhes inúteis, o outro se torna um estranho, um inimigo em potencial. Isso tem implicações políticas que podem redundar na destruição das democracias e do planeta com o apoio e pelas mãos de seus próprios habitantes.

 

4 MENTIRA E APOCALIPSE

 

A aliança entre tecnologia, excesso e velocidade, na medida em que incapacita o pensamento em face do atordoamento que provoca, avança no sentido da prevalência da mentira, reduzindo a política a um tipo de jogo de videogame sem final que, subordinado à interatividade extrema, parece conduzir a humanidade à situações limites ou apocalípticas que Hannah Arendt percebeu ao levantar  a possibilidade concreta de aniquilação da humanidade diante do avanço tecnológico não apenas bélicos mas dos meios de comunicação global caminhando lado a lado em uma “possível destruição global” (ARENDT, 2008, p. 99). E essa possibilidade, um risco possível e temido” (Arendt,) torna a liberdade e a justiça, “palavras vazias quando a sobrevivência física da humanidade ou a sobrevivência terrena de sua habitação, a Terra, são afetadas.”(Arendt, 2002 apud ZIMMER, 2002, p. 66)

Liberdade, justiça etc. só podem existir enquanto houver pessoas. A existência de todos os seres humanos, portanto, nunca pode ser comprometida por assuntos e ideais humanos. Quando os meios de violência se desenvolveram a ponto de sua manipulação coletiva poder resultar na destruição absoluta, chegou o momento de removê-los completamente da política. (ARENDT, 2002, apud ZIMMER, 2002, p. 66).

E é esse olhar apocalíptico que também Anders, nos traz em Apocalypse without Kingdom (ANDERS, 2019) onde ele dirá que “a tarefa com a qual nos confrontamos hoje é pensar o conceito do apocalipse nu, isto é: o apocalipse que consiste em mera queda, que não representa a abertura de um novo estado positivo de coisas (de “reino”)”. Um apocalipse não-cristão, pois ao final das convulsões não viria o reino de Cristo, mas o vazio niilista. Tivemos um apocalipse dessa natureza, com a revolução russa, em que o reino (sem Deus) fora a sociedade sem classes. Uma situação em que haveria uma destruição nuclear do planeta se inscreveria também nesse padrão, atual não apenas em função das ameaças nucleares mas das ameaças de uma hecatombe climática. Um apocalipse que desembocaria no “nada puro”, promovido por um niilismo que nos ameaça há mais de um século que nos “tornou insensíveis aos pensamentos de aniquilação” (ANDERS, 2019). Este quadro é associado, agregaríamos nós, à completa destruição da verdade factual. 

Esse é, para Anders, um momento de “suspensão” onde diante da possibilidade concreta, que está diante de nós, do fim do tempo se converter em tempo do fim, a pergunta não é mais “como devemos viver”, mas, “iremos viver?”.

Devemos fazer tudo a nosso alcance para tornar O Tempo Final infindável. Na medida em que acreditamos na possibilidade d’O Fim do Tempo, nós somos Apocalípticos, mas na medida em que lutamos contra este Apocalipse fabricado pelo homem, nós somos – e isto nunca existiu anteriormente – “Anti-Apocalípticos”. (ANDERS, 1962, p. 494; ANDERS, 2013).

Como Arendt e Anders, Virilio também retomará o tema do apocalipse, provocado pela interatividade extrema que conduz a humanidade a uma situação limite. O ser humano perdeu não só a capacidade de reflexão, mas, submetido à tecnologia dos algoritmos perdeu a capacidade de livre arbítrio e de ação, algo que sob o domínio tecnológico contemporâneo alcançou níveis antes impensados fora da literatura distópica como a de Orwell, Huxley etc.  com possibilidades concretas de destruição da democracia e, por fim, da vida no planeta:

As autoestradas da informação vão implantar, então, um sistema interativo tão temível para a sociedade quanto uma bomba para a matéria. De acordo com Einstein, a interatividade é para a bomba do computador o que a radioatividade é para a bomba atômica. É um fenômeno constitutivo e dissociativo. (VIRILIO, 1997, p.78).

Essa “bomba informática” (VIRILIO, 1997, p.78 ) conduzirá, segundo ele,  o mundo ao desastre dos desastres [7], quando viveremos em um eterno presente com a destruição tanto do passado - e, portanto, da memória -  quanto do futuro; tornando insustentável a vida coletiva: “o tempo de uma história sem história e de um planeta sem planeta, de uma Terra reduzida ao imediatismo, à instantaneidade e à ubiquidade, e de um tempo reduzido ao presente, isto é, ao que se passa no momento” (VIRILIO, 1997, p.81). ora, a tirania do tempo não somente é incompatível com a democracia, mas com a vida mesma, formando o caldo psíquico e espiritual necessário para novas formas de tiranias, as quais, em razão da tecnologia, terão um poder infinitamente superior sobre as massas se comparadas aos totalitarismos do século XX.

A característica perversa desse tipo de poder reside em que ele pode ser conduzido por um grupo de pessoas ou corporações, mas, pela própria dinâmica dessas tecnologias, pode ganhar vida própria e fugir ao controle de quem os criou. As massas amorfas incorporam os ideais desse poder e os reproduzem em seus inconscientes coletivos. O fascismo hoje é caracterizado pela ubiquidade, e por isso ele está em nossas relações mais íntimas. Se antes a delação poderia ser feita pelo seu vizinho, hoje, ela pode ser feita pelos aparelhos que estão em nossas mãos, como próteses; em nossas casas; junto aos quais dormimos, sem que se necessite de um ser humano para executá-la. E são por esses mesmos aparelhos que chegam as ordens de ação que colocam as massas em movimento.

Mesclados à velocidade e à desorientação tem-se o terror administrado de modo semelhante ao promovido pelos totalitarismos do século XX, quando os Estados passam a gerenciar o medo, reduzindo-o ou estimulando-o, de acordo com seus interesses (VIRILIO, 2012). A política do medo se dá com sua ocupação mental e física instantânea, à maneira das Blitzkriegs como aponta Virilio, na qual uma realidade assustadora é imposta. “Não é uma realidade ‘aumentada’ como dizem os virtualistas, mas uma realidade acelerada, o que não é a mesma coisa” (VIRILIO, 2012, p.18). A mentira aliada à velocidade resulta no terror das massas que não é para Virilio “simplesmente um fenômeno emocional e psicológico, mas físico, bem como no sentido de física e cinética, um fenômeno relacionado ao que chamo de ‘aceleração da realidade’" (VIRILIO, 2012, p.21). A velocidade e instantaneidade da transmissão de informações (falsas ou verdadeiras) cria uma comunidade de emoções sincronizadas como a ansiedade, o ódio e o medo, as quais são dimensões fundamentais da psicopatologia de massas.  A histeria das massas, a sua cegueira ético-espiritual, é uma crise que assume dimensões catastróficas, porque a destruição do tempo e do espaço foi introduzida na da aliança estreita entre a mentira e a tecnologia. As massas que respondem a isso têm, porém, o mesmo poder de destruição[8].

Politicamente é o reino da falsa democracia submetida ao automatismo da ação humana sem pensamento, portanto, sem julgamento, faculdade necessária, como antes tinha indicado Arendt, para não se cair na tirania. Cada vez mais toma espaço uma democracia por reflexo condicionado, na qual o “condicionamento teria precedência sobre a campanha eleitoral", (VIRILIO, 1998, 123) submergida no espetáculo sem reflexão (Mendonça, 2002 e 2013); “democracia da emoção” submetida à “tirania do tempo real” e à indústria do esquecimento (VIRILIO, 1998, p.137) construindo verdadeiras “comunidades de crentes ‘telepresentes’ entre si graças à instantaneidade” (VIRILIO, 1998, p.131). O líder não precisa mais ocupar corporalmente o espaço público onde originalmente se exercia a democracia, não precisa mesmo aparecer virtualmente, bastam os robôs se encarregarem da tarefa de mantê-lo espiritualmente presente nas redes sociais através de mentiras e de palavras de ordem que sustentam a ligação cibernético-espiritual mantida entre ele e as massas.

Enquanto em Virilio chegaremos a um crash apocalíptico marcado pela velocidade, também em Anders o tempo será o determinante:

Apesar de toda incerteza, podemos ter certeza de que vencer a luta entre o tempo do fim e o fim dos tempos é a tarefa atribuída a nós hoje e a todos os que virão depois de nós. Podemos ter certeza de que nós e todos os que seguem nosso rastro não terá mais tempo para atrasar esta tarefa porque (como foi dito em um texto anterior, mas só agora inteiramente verdadeiro) “No final vezes o tempo passa mais rápido do que em tempos anteriores, e as estações e os anos começam a correr” (Esdras 4:26). (ANDERS, 2019).

 

 

 

 

5 CONCLUSÃO

A destruição da verdade factual provocada pela mentira deliberada atrelada à tecnologia não tem limites. A aliança entre mentira, sedução de massas e tecnologia continua sendo, de certo modo, inatingível em termos de compreensão. As ideias de Arendt, Anders e Virilio são advertências e buscas de caminhos para a compreensão de processos sociais absolutamente destrutivos.

Contemporaneamente, no plano político, a democracia representativa parece estar com os dias contados. Do ponto de vista de Virilio e de Anders, aliás, sequer estamos em uma democracia, mas em um arremedo, prisioneiros que somos das teias tecnológicas. Destruída pela mentira, pela velocidade, pelo excesso, pelo uso adicto da tecnologia, pela cultura do instante, pelo espetáculo e pelo escândalo midiáticos, com a consequente aniquilação da memória, a democracia está sujeita à “pressão da aceleração da realidade histórica, com o risco incalculável de que a ‘comercialização do visível’ consiga o que nenhum regime totalitário conseguiu forjar através das ideologias: a adesão unânime.” (VIRILIO, 1998, p.135, grifos nossos).

Tudo parece indicar que o mundo segue nesse caminho catastrófico. O desafio de revertê-lo, mesmo que à custa do fracasso, está diante de nós.

 

 

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[1] Artigo produzido com o apoio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

[2] Doutora em Ciência Política pela USP-Universidade de São Paulo, professora do PPGSA- Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

[3] Doutor em Sociologia pelo PPGSA-Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA (Universidade Federal do Pará), professor da Fundação Carlos Gomes.

[4] Entre outros High Level Expert Group on Fake News and Disinformation. (2018); Secretary-General of United Nations (2022); Marwick et alii (2021); Freelon,  Wells (2020). Ainda segundo a APA, American Psychological Association (2023), “a disseminação da desinformação (disinformation) e da informação incorreta (misinformation) afetou a nossa capacidade de melhorar a saúde pública, combater as alterações climáticas, manter uma democracia estável e muito mais. Ao fornecer informações valiosas sobre como e porque é que acreditamos na desinformação, a ciência psicológica pode ajudar-nos a protegermo-nos contra os seus efeitos negativos.”.

[5] Pesquisa feita por pesquisadores da Fiocruz revelou que as mídias sociais mais utilizadas para disseminação de fake news sobre o novo coronavírus foram o Instagram, o Facebook e o WhatsApp, sendo este o principal. (FIOCRUZ, 2020).

[6] O conto de Jorge Luís Borges “Funes o Memorioso” conta a história de um personagem que após um acidente de cavalo desenvolve uma memória inesgotável, e diante desta condição relata seu tormento de acumular informações.

[7] O acidente para Virilio é “un milagro al revés, un milagro laico, un revelador. Inventar el barco es inventar el naufragio; inventar el avión es inventar el accidente aéreo;  inventar la electricidad es inventar la electrocución... Cada tecnología lleva consigo su propia negatividad que aparece al mismo tiempo que el progreso técnico (...) L.a interactividad es a la sociedad lo que la radiactividad es a la materia". La radiactividad es un elemento constitutivo de la materia que puede destruirla por la fisión. La interactividad es de la misma naturaleza. Puede provocar la unión de la sociedad, pero encierra, en potencia, la posibilidad de disolverla y desintegrarla, esto a escala mundial. Nos encontramos ante un fenómeno original: la aparición del accidente de los accidentes. Es un fenómeno temporal que sólo tiene referencia en la filosoña del tiempo.  (VIRILIO, 1997, p.88-89).

[8] Assim o foram no nazifascismo, mas também assim o foi em Ruanda, quando em cerca de 30 dias quase um milhão de pessoas foram mortas. Neste caso, nos anos 90, o rádio teve um papel central (ILIBAGIZA, 2008). Assim o foi o 08 de janeiro de 2023 no Brasil, com a tentativa de golpe e destruição das instituições executados por massas orientadas pelas redes sociais. Longe se está do universo de Goebbels para quem os “movimentos revolucionários não são feitos por grandes escritores, mas por grandes oradores” (GOEBBELS, 2004, p.12).