MEMÓRIA INSTITUCIONAL DO COLÉGIO AGRÍCOLA DOM AGOSTINHO IKAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
Paulo Vitor dos Santos Crispim[1]
Universidade Federal de Pernambuco
Fabio Assis Pinho[2]
Universidade Federal de Pernambuco
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Resumo
Trata-se de uma pesquisa sobre a memória institucional através da organização de fotografias como elemento de difusão social da instituição. A pesquisa foi conduzida com base em uma abordagem qualitativa, de caráter documental e exploratório, realizada no Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas (CODAI) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O objetivo principal foi analisar as fotografias do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da UFRPE como artefato de memória institucional. Os resultados principais estão relacionados à confirmação da teoria que considera a fotografia como um dispositivo de memória institucional dentro do âmbito da Ciência da Informação. Empiricamente, a pesquisa promoveu a disseminação da memória de uma instituição de ensino com relevante atuação na formação profissional regional. Isso enfatizou o papel social da instituição e as formas pelas quais a sociedade a reconhece, intensificando sua importância na educação da sociedade e traçando sua trajetória educacional em Pernambuco e na cidade de São Lourenço da Mata.
Palavras-chave: memória institucional; fotografia; organização documental; ciência da informação.
INSTITUTIONAL MEMORY OF COLÉGIO AGRÍCOLA DOM AGOSTINHO IKAS AT THE FEDERAL RURAL UNIVERSITY OF PERNAMBUCO
Abstract
This is a research study concerning institutional memory through the organization of photographs as a means of social dissemination for the institution. The research was carried out using a qualitative, documentary, and exploratory approach, conducted at the Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas (CODAI) of the Federal Rural University of Pernambuco (UFRPE). The main objective was to analyze the photographs of the CODAI at UFRPE as artifacts of institutional memory. The primary findings are linked to the affirmation of the theory that regards photography as a tool for institutional memory within the field of Information Science. Empirically, the research facilitated the spreading of the memory of an educational institution with significant engagement in regional professional development. This highlighted the institution's societal role and the ways in which society acknowledges it, thereby reinforcing its significance in societal education and tracing its educational journey in Pernambuco and the city of São Lourenço da Mata.
Keywords: institutional memory; photography; documentary organization; information science.
1 INTRODUÇÃO
A compreensão da relevância da memória deriva, principalmente, das consequências associadas ao esquecimento. A ideia de contrastar memória e esquecimento é interessante, porque não é possível recordar tudo o que ocorreu ou foi ensinado ao longo da vida; a mente humana retém apenas o que é necessário para o futuro.
Nessa perspectiva, conforme instrui Pollak (1992), a memória é algo construído coletivamente e, ao longo do tempo, está sujeita a constantes variações e mudanças. No entanto, à medida que o indivíduo atravessa a vida, vivenciando diversos eventos, sua memória se adapta a mudanças e, ao mesmo tempo, incorpora construções constantes.
Já refletiu sobre como, muitas vezes, em uma simples conversa com amigos antigos da época escolar, cada um relembra um acontecimento daquele período? Gradualmente, sua mente biologicamente se engaja e conecta a essa memória. Isso ocorre de forma esporádica e coletiva; logo, todos estão contribuindo para reavivar uma história que foi vivida e recordada por cada um dos presentes.
Uma conversa desperta em você essa função psíquica capaz de reviver momentos que estavam quase esquecidos até poucos minutos atrás. Quando essa lembrança é auxiliada por documentos que validam essa demonstração, ocorre uma explosão de sentimentos, elementos e informações vivenciadas.
Esses documentos muitas vezes estão associados à fotografia, um suporte compreendido como um auxílio documental. Isso porque a fotografia estimula a memória, e essa lembrança ocorre de forma instantânea e momentânea. Entender essa ligação é relembrar.
A memória é fundamental para a sociedade, já que é através dela que a cultura, religião, educação, rituais, cultos e outros elementos são vivenciados e revividos. Dessa forma, ela desempenha um papel crucial na construção e preservação da identidade. Para sustentar essa noção, Chapouthier (2006, p. 9) afirma que a memória "[...] é a capacidade que certos seres vivos têm de armazenar no sistema nervoso dados ou informações sobre o ambiente ao redor, para modificar seu próprio comportamento".
Tratar da identidade é demonstrar como é possível perceber e diferenciar o indivíduo do coletivo. É a elaboração e determinação da construção da personalidade. A memória está intrinsecamente ligada aos hábitos, costumes e experiências vivenciadas ao longo do tempo, pois a memória não é produzida, mas revisitada.
Esses elementos também não se dissociam quando se trata de instituições, especificamente da memória institucional. Ao contrário dos seres vivos, sua capacidade de construção está relacionada ao armazenamento de diversos documentos, uma vez que esses documentos refletem e demonstram a história da instituição. A memória institucional é um meio de comunicação com a sociedade, com o objetivo de garantir a presença das instituições na construção da identidade de seus membros, sobretudo no contexto de instituições de ensino.
A partir desse contexto, o objeto de pesquisa aqui analisado e estudado foi o conjunto de fotografias do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (CODAI – UFRPE) que é um órgão da UFRPE, voltado para educação profissional e de nível médio. Originou-se em 1936, no aprendizado Agrícola de Pacas, no município pernambucano de Pacas, em Vitória de Santo Antão, sendo vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura. Foi transferido posteriormente para o Engenho de São Bento, em 1938, local onde havia funcionado a Escola de Agronomia de Pernambuco, núcleo inicial da UFRPE. Já com posse do nome de Aprendizado Agrícola de São Bento, foi incorporada à Universidade em meados de 1957, sendo renomeado, onze anos depois, como Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas.
O nome foi dado em homenagem ao professor de Zootecnia, Dom Agostinho Ikas, monge beneditino remanescente do grupo de religiosos alemães que, em 1912, fundou a Escola Superior de Agricultura em Pernambuco; era um homem atento às necessidades sociais do povo do vale de Tapacurá, mantendo-se ativo na escola até o seu falecimento que ocorreu no ano em que recebeu a homenagem.
Portanto, a justificativa para esta pesquisa baseou-se na necessidade de demonstrar como a disseminação da informação por meio da fotografia contribui para a construção de uma memória institucional, dentro dos princípios da organização da informação.
Dessa forma, compreendemos que a memória é um instrumento persuasivo da Ciência da Informação (CI), independentemente do suporte considerado. Tudo o que existe carrega alguma informação, alguma história. A memória, abordada sob a perspectiva da CI, busca as informações que contam essa história, transformando memórias individuais em informações a serem processadas. Nessa visão, o objetivo deste trabalho é destacar a importância do estudo na CI para concretizar momentos históricos da sociedade.
Com base nessa consideração, surge a pergunta de pesquisa: como a organização documental das fotografias do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da Universidade Federal Rural de Pernambuco pode contribuir para sua memória institucional?
A principal hipótese levantada foi que a memória institucional se apresenta como vestígios de uma história vivida e concretizada. Partindo dessa premissa, a organização por meio de fotografias torna-se um alicerce sólido para essa história, delineando os pilares necessários para a compreensão social, política e ideológica do CODAI-UFRPE.
Assim, o objetivo traçado para responder à questão de pesquisa foi analisar as fotografias do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da Universidade Federal Rural de Pernambuco como artefato de memória institucional.
2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE INFORMAÇÃO E MEMÓRIA INSTITUCIONAL
A origem mais remota aplicada ao campo disciplinar da Ciência da Informação (CI) encontra-se de certa forma na história da biblioteconomia, pois esta se manifesta como uma área onde inicialmente emerge a bibliografia e, em seguida, a documentação.
Inicialmente, é crucial salientar que essa biblioteconomia considerada como o ponto de partida da CI, segundo Jesse H. Shera, está direcionada à vertente especializada norte-americana, a qual se aproxima de questões relacionadas à Documentação.
Em outra perspectiva visionária, na Europa, a origem da CI está interligada ao desenvolvimento, aos estudos e às práticas documentárias propostas por Paul Otlet e Henry La Fontaine. Nos Estados Unidos, a conexão estava relacionada às questões da tecnologia introdutória da Recuperação da Informação, vista pela ótica de Vannevar Bush.
Seguindo essa linha de raciocínio, é pertinente destacar que, de acordo com a visão de Miksa (1992), a biblioteconomia surge como uma nova área que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento profissional focados em práticas de planejamento, tratamento, organização e disponibilização dos acervos para um público específico, inicialmente definido. Contudo, com o avanço da modernidade, novos tópicos permeiam os alicerces da biblioteconomia, especialmente temas relacionados aos setores sociais que não necessariamente estavam presentes nesse contexto institucional previamente mencionado. Isso levou à ampliação do conceito de acesso, expandindo de itens bibliográficos e documentais para acesso à informação.
Com base nessa perspectiva, é notável que, em 1876, durante a primeira conferência da American Library Association (ALA), bibliotecários e bibliógrafos se depararam com desafios relacionados à informação. Nesse momento, eles foram motivados a desenvolver um trabalho colaborativo para abordar a análise de assuntos e artigos de periódicos, bem como a criação de índices coletivos. Essas atividades eram inicialmente realizadas dentro das bibliotecas. Entretanto, a continuidade desse esforço mostrou-se ineficaz devido ao sistema de classificação adotado e aos catálogos planejados para organizar documentos com conteúdos semelhantes ou afins (Ortega, 2004).
Com o tempo, esses serviços passaram a ser cada vez mais assumidos pelo crescente número de documentalistas que se dispuseram a dedicar-se a análises aprofundadas desses conteúdos, visando um tratamento mais apropriado para sua organização.
A partir dessa premissa, o termo "informação" amplia seu escopo de estudo para a CI, que de maneira científica começa a definir, de entre as muitas respostas já formuladas, um significado que busca abranger a integralidade da área. Isso começa com uma análise de Buckland (1991), que, ao examinar os principais usos da palavra "informação" na pesquisa em CI, identificou três principais abordagens: informação como processo (o ato de informar), informação como conhecimento (aquilo que é percebido no "informação como processo" e processado de maneira intrínseca) e informação como objeto (usado para designar entidades).
Considerando que a informação pode ser tanto tangível quanto intangível, Buckland apresenta uma nova forma de definição de informação: processamento da informação. Isso representa uma nova maneira de enxergar as diversas formas de informação como entidades.
Em uma linha de pensamento semelhante, Vreeken (2002), após examinar as definições propostas por outros autores para o conceito de informação, apresenta quatro usos fundamentais: informação como entidade (considerada uma entidade física), informação como processo (modo intrínseco de comunicar-se), informação como construção social (compartilhamento em sistemas sociais) e informação como probabilidade (avaliação da probabilidade de uma mensagem transmitida). Esses são apenas alguns exemplos dentre muitos que poderiam ser mencionados.
De acordo com Barreto (1994), a informação adquire um enfoque voltado para o conhecimento, estando organizada de maneira sistemática em estruturas mentais que representam composições compreensíveis. Ele descreve que o "conhecimento" surge de forma individual como um ato de "interpretação", alinhando ideias sob uma perspectiva que emerge da assimilação do objeto informacional pelas estruturas mentais de cada indivíduo.
Para elucidar essa conexão biológica da informação em nosso corpo, Edwards (1994, p. 13) expõe que:
No corpo humano, as informações são transmitidas sob a forma de pulsos que percorrem as fibras nervosas. O sistema nervoso humano direciona os movimentos por meio da transmissão de sinais que partem dos centros de controle e percorrem os músculos, os quais se contraem e executam movimentos coordenados.
Isso é viabilizado pela neuroplasticidade, definida como a capacidade do cérebro de se reconfigurar em resposta a estímulos do ambiente. Essa dinâmica permite o armazenamento, que, ao contrário do que muitos podem supor, ocorre no interior do cérebro. As informações se distribuem nas regiões dispersas do cérebro, integradas em redes neurais complexas, e são constantemente adaptadas para assegurar sua preservação.
Portanto, a relação entre "informação" e "memória" é intrínseca e indissociável. Hoje em dia, não é possível abordar um desses temas sem considerar o outro, visto que estão interligados e remetem diretamente a um espaço cognitivo da mente humana. A utilidade conceitual é considerada uma forma de agregar a essência e a compreensão de uma assimilação que se entrelaça dentro do âmbito da CI.
O diálogo entre a CI e outras áreas ocorre porque a interdisciplinaridade, ou seja, o ponto de convergência entre elas é a informação, e usando desse mecanismo a memória é algo que começa a intercalar os alicerces da CI, e dentro dessa análise busca-se compreender onde começou a se pensar e enquadrar a CI dentro da sociedade.
Segundo Le Goff (1994, p. 23), “[...] a memória, como propriedade de conservar informação, reenvia-nos em primeiro lugar para um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, que ele representa como passadas”. Dentro dessa vertente Le Goff, corrobora afirmando que existem vários problemas em relação a teorias sobre a memória, isto porque, há uma linha de cientistas que abordam os fenômenos da memória dentro da esfera das ciências humanas e sociais, pois muitas coisas ainda não sabem sobre percepções cognitivas.
Le Goff (1994) também afirma que estabelecer um conceito para memória está longe de ser uma tarefa simples. Isso ocorre porque, da mesma forma que acontece com a informação, a memória também é abordada em diversos contextos disciplinares, dentro de vários campos do conhecimento.
Nesse sentido, podemos recorrer a uma ideia apresentada por Paul Ricoeur (2007), que enfatiza que a memória pertence ao passado, mas é no presente que ela é reinterpretada através dos vestígios deixados pelas pessoas ao longo de suas vidas. Ele afirma que "[...] a memória é o presente do passado; o que é dito sobre o tempo e sua relação com a interioridade pode ser facilmente estendido à memória" (Ricoeur, 2007, p. 111).
Ricoeur também afirma que é possível ter memória ao mesmo tempo em que se destaca o esquecimento. Ele utiliza o exemplo de Santo Agostinho, que argumenta que é a memória que retém o esquecimento, pois não seria possível lembrar do próprio esquecimento. Não se poderia ouvir, recordar e reconhecer sua realidade, bem como entender sua origem e significado.
Dessa forma, Crippa (2010, p. 81) afirma que a memória permite a recuperação de algo do passado, alinhando-se aos dados do presente. Isso preserva informações específicas que são essenciais tanto para experiências individuais quanto para a gestão do conhecimento sobre aspectos científicos, filosóficos e técnicos.
Com isso, Kessel (2004, p. 3) corrobora afirmando que,
[...] as memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica e incluem elementos mais amplos do que a maioria construída pelo indivíduo e seu grupo. Um dos elementos mais importantes, que afirmam o caráter social da memória, é a linguagem. As trocas entre os membros de um grupo se fazem por meio de linguagem. As trocas entre os membros de um grupo se fazem por meio de linguagem. Lembrar e narrar se constituem da linguagem.
Por meio da memória e sua fragmentação que é possível compreender um contexto histórico e a origem de determinadas crenças, comunidades, línguas, ideologias, rituais, modas e demais estruturas que hoje formulam a vida humana. Esses procedimentos remetem a institucionalização e a concepção de uma cultura específica. Diehl (2002, p. 116) afirma que:
[...] a memória possui contextualidade e é possível ser atualizada historicamente [...] é uma representação produzida através da experiência. Constitui-se de um saber,formando tradições, caminhos – como canais de comunicação entre dimensões temporais, ao invés de rastros e restos como no caso da lembrança. [...] A memória pode constituir-se de elementos individuais e coletivos, fazendo parte da perspectiva de futuro, de utopias, de consciências do passado e de sofrimento. Ela possui a capacidade de instrumentalizar canais de comunicação para consciência histórica e cultura, uma vez que pode abranger a totalidade do passado, num determinado corte temporal.
Segundo Almeida (2006, p. 2), a memória pode ser considerada como uma atribuição que favorece os seres humanos, visto que ela permite a utilização de experiências antigas na formulação de problemas atuais, remete lembranças sobre experiências pessoais, possibilitando formular e antecipar novos eventos.
Podemos utilizar essa menção de Almeida, no intuito de descrever a nossa própria organização comunitária, onde se identifica pessoas que são eleitas em prol de um favorecimento coletivo, e quando não são atingidos os pontos necessários para o convívio conjunto, de um acordo geral que são as votações, elas são trocadas e um novo processo se inicia, isto acontece justamente, pois o ato de lembrar os erros e as experiências ruins refletem nas atitudes do presente com a visão de um futuro.
Por meio de uma investigação das relações entre memória e instituição, estabelece-se um conceito que se cruza com diversos outros elementos essenciais nessa construção. A singularidade dessa análise reside no percurso não convencional dos segmentos, um processo de interação e intersecção com outras disciplinas, estabelecendo uma conexão positiva e coesa para a construção e contribuição da própria ciência.
Para compreender essa relação da memória no contexto institucional, é necessário, de forma introdutória, entender o que é uma instituição. É crucial compreender que a memória passa por variações de discursos presentes na sociedade, e as instituições emergem na sociedade com facetas relacionadas ao esquecimento e à lembrança. Portanto, é fundamental observar a racionalização dos indivíduos, visando à formação institucional na sociedade.
No conceito de memória institucional, os elementos conceituais que influenciam o processo institucional das relações sociais procuram compreender as conexões entre memória e instituição, sendo assim, é necessário estabelecer ligações com a noção de sociedade.
Para uma explicação mais clara, a instituição traz em sua prática, muitas vezes sem perceber, ferramentas de controle social que buscam estabelecer regras e padrões para auxiliar na construção e funcionamento das suas funções reprodutivas. Trata-se, portanto, da reprodução de um ritual que deve ser repetido, devido ao hábito constante e à ajuda da memória (Costa, 1997).
Neste sentido, Thiesen (2013, p. 285-286) explica que,
A memória institucional, [...] remete-nos a experiências híbridas, que incluem e excluem no social. Na perspectiva do tempo, seria o retorno reelaborado de tudo aquilo que contabilizamos na história como conquistas, legados, acontecimentos, mas também vicissitudes, servidões, escuridão [...].
Compreender as experiências híbridas significa reconhecer situações que transcendem o universo no qual estamos imersos, especialmente quando se trata da sociedade como um todo. No entanto, ao mesmo tempo, raramente essas situações estarão integralmente inseridas no contexto social, como é proposto. Isso ocorre porque diversos fatores exercem influência nesse processo, como os aspectos políticos, sociais e culturais. Um exemplo disso é quando nos deparamos com uma situação que nos leva a perceber a informação sobre o impacto da memória dentro de uma perspectiva memorialística, o que nos leva a descobrir o valor que a instituição carrega em sua identidade (Barbosa, 2010).
Compreender a memória como ligação do tempo, e subentender que esse tempo é criador de fatores que advém da realidade, podemos afirmar que a memória dentro do seu aspecto de lembrar e esquecer é base fundamental do alicerce do conhecimento, e assim contribui para a construção de uma identidade. Rueda, Freitas e Valls (2011, p. 82) afirmam que,
[...] as instituições sendo parte integrante dos meios sociais e políticos da sociedade têm papel importante na construção da memória social, são fontes produtoras de informações, [...] entendendo-se que a questão da identidade que se apresenta pela preservação da memória institucional é o fator primordial para justificar sua valorização.
Dessa forma, a memória institucional carrega consigo a ideia de construção social, por meio de seu processo de construção. Logo, o resultado desse processo é social e coletivo, como destacam Moreno, Lopes e Di Chiara (2011, p.4), "Quando as instituições compartilham sua memória, têm a oportunidade de resgatar sua imagem perante a comunidade [...]". Em outras palavras, cada vez que uma concepção de memória institucional é estabelecida, emergem os valores que fundamentam a instituição, e todo o desenvolvimento da mesma é impulsionado por valores de pertencimento à instituição como um todo.
Para essa construção, elementos fundamentais são utilizados para compor essa memória. Entre eles está a fotografia, que, segundo Quadros e Brito (2008, p. 10), tem um papel crucial:
A importância das memórias e das fotografias também reside não apenas no fato de se constituírem como documentos, mas, sobretudo, por possibilitarem formas de construir novas compreensões do tempo e novos espaços para as pessoas na história, desde que se compreenda que o que é recordado não é um reflexo do real, mas uma prática geradora de significado, ancorada no presente.
Nessa análise, percebemos a construção reflexiva da memória institucional por meio de documentos e depoimentos que reforçam a concepção social de uma determinada sociedade. Temos, então, o valor essencial do documento e a inclusão da fotografia como artefato documental. Afinal, ao abordarmos a fotografia sob a perspectiva informacional como um documento ou fenômeno memorialístico, é crucial compreender que ela precisa estar inserida em seu contexto social. Somente assim ela pode ser interpretada e contextualizada com o propósito informativo pretendido. Caso contrário, seria como ter um livro escrito em uma língua desconhecida, uma informação que não tem utilidade até que seja devidamente traduzida.
2 PERCURSO METODOLÓGICO
Essa foi uma pesquisa de natureza empírica, com abordagem qualitativa, de caráter documental e exploratória, que para Gil (2010 p. 27), "tem como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses."
É um estudo de caso, visto que é uma estratégia de pesquisa científica que analisa um fenômeno atual em seu contexto real e as variáveis que o influenciam. Identificado, então, como um estudo intensivo e sistemático sobre uma instituição, comunidade ou indivíduo que permite examinar fenômenos com diversos níveis de complexidade.
O estudo de caso terá como lócus da pesquisa o CODAI da UFRPE cujas fotografias foram selecionadas a partir de uma amostragem do tipo intencional e não aleatória, partindo dos seguintes critérios: a) ser fotografia de produção ou recebimento da instituição; b) existir em suporte físico ou digital; e, c) registrar imagens e personagens em eventos culturais, sociais, políticos e acadêmicos da instituição.
A presente pesquisa foi executada da seguinte maneira:
a) identificação dos locais onde as fotografias estavam armazenadas: Biblioteca, Direção de Ensino, Direção Administrativa, Agroindústria e EAD;
b) seleção das fotografias: foram selecionadas 10 fotografias (análogicas, digitais ou digitalizadas) relacionadas a eventos importantes, das últimas décadas, no período de 1936 a 2023, para cada uma das 3 categorias a seguir: Social (todas as unidades de significação que estejam trajadas a eventos socioinstitucionais, tais como festas, formaturas, feiras, viagens, aula de campo, lazer, socialização de funcionários, discentes, docentes e formações diversas), Política (visitas governamentais à instituição, inaugurações, reuniões políticas, visitas do reitor, votações de chapa e grêmio estudantil) e Estrutural (reuniu tudo que estava interligado ao funcionamento da instituição, representações de questões físicas, de segurança, de limpeza, de espaço, de acessibilidade, entre outros aspectos);
c) descrição das fotografias de acordo com a SEPIADES: as fotografias foram descritas de acordo com a Sepiades, pois dentro de sua estruturação é permitida a inclusão de metadados, com função de descrição multinível (árvore hierárquica), a saber: imagem. Data, local, tipo de arquivo, situação do arquivo, dimensões, formato do arquivo, código de referência, descrição e descrição 2);
d) constituição de grupos de trabalho colaborativos para a descrição das fotografias: os grupos foram compostos de acordo com as categorias de seleção das fotografias, sendo: Social (alunos e ex-alunos); Política (diretores e ex-diretores, professores e ex-professores); e, Estrutural (funcionários e ex-funcionários administrativos);
e) aplicação de entrevista semiestruturada: a entrevista semiestruturada foi aplicada de maneira direta com os partícipes dos grupos de descrição, com perguntas que revisitavam aquele momento registrado na fotografia com intuito de maximizar as lembranças, a saber: 1. Qual a primeira lembrança que vem a sua memória ao ver essa fotografia? 2. O que essa(s) pessoas/espaço/evento te faz(em) lembrar? 3. Como você descreveria esse momento de acordo com o que vivenciou?
3 ANÁLISE E RESULTADO
A memória institucional abriga a identidade e a história de uma organização e tem sido alvo de crescente interesse e pesquisa. Dentre as várias abordagens que buscam compreender e perpetuar a memória institucional, a organização de fotografias emerge como um meio singular e eficaz.
A fotografia, como testemunha silenciosa do tempo, captura momentos que, quando organizados e contextualizados adequadamente, adquirem significados profundos e duradouros. Cada imagem contém uma gama de informações intrínsecas, desde os elementos visuais até os sentimentos e as histórias implícitas. Através da organização metódica de fotografias, é possível traçar a trajetória de uma instituição, desde sua fundação até os dias atuais, utilizando as imagens como peças-chave de um quebra-cabeça histórico.
A organização de fotografias como parte da memória institucional transcende o mero registro de eventos. Ela captura a essência das relações humanas, das conquistas e das dificuldades enfrentadas. Ao observar imagens que documentam eventos passados, as gerações atuais são instigadas a refletir sobre o progresso alcançado e a identificar lições aprendidas, uma vez que a informação visual de cada fotografia é capaz de transmitir nuances e detalhes que as palavras muitas vezes não conseguem.
Além disso, a memória institucional organizada por meio de fotografias desempenha um papel vital na comunicação com a comunidade. As imagens, muitas vezes, têm o poder de evocar emoções e conexões mais profundas do que as palavras por si só. Através de exposições fotográficas, publicações e plataformas online, as instituições podem compartilhar sua história de maneira envolvente, destacando a riqueza de informação contida em cada imagem e proporcionando um diálogo vivo com o público.
Contudo, devemos considerar que a organização de fotografias requer uma abordagem cuidadosa e criteriosa. A seleção, a descrição e a interpretação das imagens devem ser orientadas por uma compreensão sólida da cultura e da missão da instituição. Além disso, o uso de tecnologias digitais permite a preservação e o acesso facilitado a esses registros visuais, ampliando ainda mais o potencial de compartilhamento e interação, e permitindo uma exploração mais aprofundada da informação encapsulada em cada fotografia.
As fotos selecionadas nesta pesquisa revelaram diferentes aspectos essenciais da trajetória da instituição. A seguir desmonstraremos 3 exemplos, uma de cada categoria (social, política e estrutural), que permitiram contribuir para a construção da memória institucional a partir da visão atual que permitiu a descrição das fotografias.
Para a categoria social, demonstraremos a descrição de uma fotografia da quadra poliesportiva da instituição do ano de 1998, seguida dos metadados, conforme Figura 1.
Figura 1 – Exemplo descrição de fotografia da categoria social.
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Data: 1998 |
Local: Quadra poliesportiva do CODAI, Feira de Informações em agropecuária e Conhecimentos Gerais |
Tipo: Impresso |
Situação: Conservado |
Dimensões: 10x15 |
Formato: Álbum de fotografia |
Código de Referência: Social 7 |
Descrição: Quatro alunos e um professor segurando uma cobra. |
Fonte: Dados da pesquisa.
Durante a descrição dessa fotografia foi possível coletar a seguinte depoimento do sujeito B: Fui aluna do Codai na década de 90, essa foto aí foi no dia da feira de agropecuária do ano de 98, primeiramente passa o filme na mente, recordações de momentos maravilhosos, junto com os colegas da escola, a gente viveu momentos intensos, muito intensos, fiz amizades que permanecem até hoje, laços que foram unidos e que permaneceram, me lembro nesse dia que era um evento esperadíssimo, cheio de expectativas, e além de um trabalho árduo, era nosso show, era um momento de brilhar, com algo que a gente aprendeu e estava levando adiante esse conhecimento, diante ao público, foi um dia muito agitado e de muita responsabilidade também, os professores eles cobravam muito de nós e ao mesmo tempo eles tinham o acolhimento, um acolhimento como se fosse de uma família. Era bem assim, como se fosse uma grande família estudar no CODAI.
Essa foto, lembro que estava abraçando meu professor de zootecnia, Pedro Lima, professor muito competente e acima de tudo ele se doava muito, me lembro bem que tínhamos essa foto aí na escola como mascote desde pequenina, e a mesma foi um dos animais exposto na feira de agropecuária, Ton a cobra! Infelizmente ela adoeceu, logo após a feira morreu, alguns dizem que foi estresse,estresse da feira. E há quem diga que não! Pois mais estresse do que ela passava diariamente conosco, sempre de mão em mão, era assim ela era como nosso animal de estimação, ficávamos o dia todo assim com ela.
Para a categoria política demonstraremos uma fotografia de uma mesa de debate da instituição do ano de 2010, seguida dos metadados, conforme Figura 2.
Figura 2 – Exemplo de descrição de fotografia da categoria política.
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Data: 13 de Agosto de 2010 |
Local: Auditório do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas |
Tipo: Digital |
Situação: Conservada |
Dimensões: 2592x1944 |
Formato: Digitalizado |
Código de Referência: Política 9 |
Descrição: Mesa de debate de candidaturas onde estão três homens sentados atrás dela, sendo que um deles faz uso de microfone, ao fundo está sentado um aluno do colégio. |
Fonte: Dados da pesquisa.
Durante a descrição da fotografia da figura 2, coletamos o seguinte depoismento do sujeito C, a saber: Quando neste ano lançamos no CODAI-UFRPE a campanha para a escolha da nova direção o fizemos com o propósito de romper com os entraves trazidos pelas concepções reacionárias e conservadoras, então dominantes, na perspectiva de construção de novos caminhos rompendo com a apatia reinante. Tínhamos a convicção que esses novos caminhos só poderiam ser construídos com uma prática que possuísse em sua essência princípios democráticos, participativos e transparentes". Sem esse tripé renovador a Universidade e o CODAI continuariam no mesmo sem perspectivas de mudanças, olhando para baixo e de costas para o mundo. Foi desse modo que intensificamos um estreitamento entre a Direção do CODAI, os estudantes capitaneados pelo seu Diretório Estudantil, os servidores técnico-administrativos e os professores. A nossa proposta indicava por outro lado que a nossa aproximação não poderia, nem de longe, se dar no sentido de significar ingerência nos assuntos desses segmentos e muito menos deixarmo-nos possuir pelo desejo de transformar os Movimentos em um cordão umbilical da administração.
Para a categoria estrutural demonstraremos uma fotografia da biblioteca da instituição do ano de 2004, seguida dos metadados, conforme Figura 3.
Figura 3 – Exemplo de descrição de fotografia da categoria estrutural.
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Data: 2004 |
Local: Biblioteca Professor Roldão de Siqueira Fontes |
Tipo: Digitalizada |
Situação: Conservada |
Dimensões: 640x480 |
Formato: JPEG |
Código de Referência: Estrutural 8 |
Descrição: Sala da biblioteca contendo estantes com livros, com iluminação artificial e natural, sendo que no primeiro plano há um aluno com mochila nas costas e no segundo plano uma mulher realizando leitura. |
Fonte: Dados da pesquisa.
Durante a descrição da fotografía da biblioteca, pelo grupo de trabalho, foi possível coletar depoimentos por meio da entrevista semiestruturada, onde destacamos a seguinte lembrança relatada.
O sujeito A relatou que: Lembro do sininho que ficava na porta da biblioteca, sempre que a porta abria ou fechava o sininho balançava, avisando que tinha alguém chegando ou saindo. Ainda lembro do som. […] Lembro muito de Tia Lúcia, era assim que chamávamos ela, a responsável pela biblioteca. Ela era muito cuidadosa com o espaço e com os livros. A biblioteca era muito organizada e eu amava ir fazer os trabalhos com os colegas ali. Um dia de aula. Tia Lúcia trabalhando na catalogação ou organização dos livros e os alunos estudando.
A pesquisa, a partir desses exemplos mencionados anteriormente, permite comprender que a organização de fotografias desempenha um papel essencial na preservação da memória institucional. Ao trazer à tona momentos significativos, conectando as gerações passadas e presentes, a memória visual se torna um instrumento poderoso para fortalecer a identidade da instituição e promover um entendimento mais profundo de sua contribuição para a sociedade. Nesse sentido, a capacidade de comunicar, educar e disseminar informações através das imagens torna a organização de fotografias uma ferramenta relevante na construção do legado de uma instituição.
4 CONSIDERAÇÕES
Compreendemos que a organização documental de fotografías contribui sobremaneira para a construção da memória institucional e, nesse sentido, foi possível, por meio da descrição de fotografías, a partir de padres intercambiáveis, bem como, por meio de relatos de experiências e lembranças de momentos da instituição que a hipótese inicial foi confirmada, ou seja, a organização das fotografías permite um delineamento dos pilares necessários para a compreensão social, política e ideológica da instituição CODAI-UFRPE.
Os padrões e percurso aqui descritos poderão subsidiar outras iniciativas para ampliar a discussão e a compreensão de forma como estamos reconstruindo a memória a partir de uma visão atual em relação ao passado.
Nessa perspectiva, informação, memória e documento se constituem um tripé com possibilidades variadas para estudos de memória institucional que deverá ser agregado a outras metodologias para compreendermos o legado de uma determinada instituição.
A organização de fotografias se apresenta como uma ponte entre o passado, o presente e o futuro de uma instituição. Ao trazer à tona a informação encapsulada em cada imagem, essa abordagem enriquece a memória institucional e contribui para a construção de uma identidade sólida e conectada com sua comunidade. A capacidade das imagens de evocar emoções, contar histórias e transmitir informação confirma a importância da organização de fotografias como um instrumento na preservação do legado institucional.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Ciência da Informação pela UFPE. Pós-Graduado Lato sensu em Gestão de Acervos e Unidades de Informação pela UNIT. Bacharel em Biblioteconomia pela UFPE.
[2] Doutor e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP. Bacharel em Biblioteconomia pela UFSCar. Professor e pesquisador no PPGCI da UFPE. Bolsista em Produtividade PQ2 do CNPq.