PREFÁCIO

 

Comecei a dedicar-me ao pensamento de Jurgen Habermas desde a graduação em filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina, com mais ênfase durante o meu curso de doutorado em filosofia na mesma universidade, em que meu principal objeto de pesquisa era a visão do filósofo e sociólogo alemão a respeito da biotécnica. Durante o meu curso de doutorado foi realizada a primeira edição do Colóquio Habermas em Florianópolis e o que apresentei naquela oportunidade é o primeiro capítulo da presente coletânea. Depois disso participei de algumas edições do Colóquio Habermas no Rio de Janeiro, até que em 2011 realizei uma edição do evento na Universidade Estadual de Londrina, universidade em que comecei a trabalhar em 2009. Depois disso o evento foi realizado ano após ano no Rio de Janeiro e participei de todas as edições do evento até agora organizadas e os textos que foram apresentados na forma de conferências e publicados estão reunidos nesta coletânea. Os textos a seguir concentram-se primeiramente em temas relacionados com a minha tese de doutorado, como a concepção de liberdade habermasiana na obra O futuro da natureza humana e sua relação com a concepção de Immanuel Kant na Crítica da razão pura. Uma questão que surgiu durante minha pesquisa no doutorado estava relacionada com o conceito de saúde e doença que estaria pressuposto no argumento de Habermas em O futuro da natureza humana contra a eugenia liberal e por isso adentrei num dentro dentro da sociologia da saúde e da doença buscando situar a visão de Habermas entre dois extremos no campo de estudo, o que em parte está publicado no segundo texto da coletânea. Outro tema que tenho me devotado significativamente nos últimos anos é a expansão do projeto de democracia deliberativa de Habermas em Facticidade e validade à esfera internacional e um dos primeiros textos em que ele realiza esta expansão é um estudo em que avalia o projeto kantiano de uma paz mundial após 200 anos de publicação e o que realizo no terceiro texto é um análise do que Habermas diz sobre isso. É importante observar que a recepção de À paz perpétua de Kant ainda é um tema que me ocupa ainda hoje, uma vez que meu atual projeto de pesquisa consiste na tradução da recepção do opúsculo kantiano até 1800 por seus contemporâneos e na publicação de textos relacionados com a temática. Após a defesa da minha tese e com mais tempo para pensar na posição de Habermas a respeito da eugenia liberal, percebi que algumas suposições da posição do pensador poderiam ser questionadas e uma das quais exploro no quarto texto a seguir. Algum tempo depois me dediquei algum tempo à concepções éticas baseadas na biologia evolutiva, como a de Allan Gibbard e como Habermas trata da concepção de Gibbard em A inclusão do outro dediquei algum tempo a analisar o que ele pensava sobre tentativas de explicar a moralidade da perspectiva do observador como a da biologia e o resultado é o que está publicado no quinto texto da coletânea. O texto a seguir trata do conceito de desobediência civil de Habermas em A nova obscuridade e em Facticidade e validade reconstruindo o pano de fundo da discussão, que foi a instalação de mísseis nucleares em território alemão e foi impulsionado pela discussão dos limites da liberdade de expressão no Brasil num momento em que já se começava a perceber no país uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais e desenvolvi tal pesquisa buscando encontrar parâmetros para distinguir manifestações legítimas de manifestações não legítimas, entre atos políticos em prol de uma sociedade mais justa e atos criminosos. Outra questão que começou a me preocupar nos anos seguintes foi a natureza dos direitos humanos e o realismo político, razão pela qual eu procurei entender de que maneira a teoria discursiva de Habermas poderia responder às críticas de Hannah Arendt e dos realistas políticos de que os direitos humanos não protegem todos os seres humanos e que tais direitos podem servir para um uso ideológico que pode inclusive justificar a violência sem  limites, por isso busquei mostrar que o modelo discursivo de direito internacional poderia lidar de maneira adequada com tais objeções. Orientei algumas dissertações de mestrado no pensamento de Axel Honneth nos anos seguintes e por causa disso comecei a me devotar a relação entre o pensamento de Habermas e o pensamento de Honneth. Por isso os oitavo e nono textos da coletânea buscam mostrar como Habermas e Honneth enfrentam as demandas por reconhecimento de identidades ou as demandas culturais como às vezes são chamadas. Um dos textos publiquei em coautoria com Juliana Marques Saraiva, que realizou a tradução do debate entre Axel Honneth e Nancy Fraser ao portugues como parte de sua dissertação de mestrado. Em meu estudo solo procurei mostrar que Habermas entende, contra Charles Taylor, que não seria preciso criar uma nova categoria de direitos culturais para enfrentar as novas demandas por reconhecimento de identidades, mas apenas melhor interpretar tais demandas à luz dos direitos individuais. Entendo que a aproximação de Habermas ao pensamento de Honneth não deixou de ter efeitos e uma das consequências me parece ser a discussão dos direitos humanos de uma perspectiva genealógica à luz do conceito de dignidade humana e isso é o que abordo no décimo texto. A relação com Honneth também acarretou consequências ao pensamento do defensor do modelo do reconhecimento e por isso ele escreveu um texto em resposta ao capítulo de A inclusão do outro que trata de três conceitos normativos de democracia e entender a nova proposta de democracia radical de Honneth foi o foco do décimo primeiro texto da presente coletânea. O texto seguinte foi publicado com Ana Flávia Rossi que orientei em seu trabalho de conclusão de curso no curso de direito da Universidade Estadual de Londrina e é dedicado ao conceito de razão pública em Rawls. Os dois últimos textos da coletânea foram escritos durante as edições que ocorreram durante a pandemia de COVID 19 e tratam da aplicação do arcabouço teórico de Habermas aos desastres e às pandemias, uma vez que uma pandemia por definição é um tipo de desastres. Em ambos os textos sustenta-se que o modelo de democracia deliberativa de Habermas é adequado para enfrentar eventos de pandemia.

 

Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2023

 

Charles Feldhaus

Universidade Estadual de Londrina