O INTERESSE SOBRE FAKE NEWS PELA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

 uma análise dos artigos científicos indexados na Brapci

Willian Lima Melo[1]

Universidade Federal de Alagoas

willianmelo23@gmail.com

Marcos Aparecido Rodrigues do Prado[2]

Universidade Federal de Alagoas

marcospraddo75@gmail.com

Taynara Cristina da Silva[3]

Universidade Federal de Alagoas

taynara.silva@ichca.ufal.br

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Resumo

É recente a evocação do termo de “fake news” em comunicações científicas da comunidade acadêmica brasileira inscrita na grande área de Ciências Sociais Aplicadas. Este artigo objetiva identificar a presença do conceito “fake news” em artigos científicos no domínio da grande área das Ciências Sociais Aplicadas por meio de levantamento na Base de Dados em Ciência da Informação. Metodologicamente, a pesquisa é exploratória com abordagem quantitativa e qualitativa, em que a perspectiva cientométrica foi utilizada para representação dos resultados. Apresenta discussões que reforçam o entendimento do papel da comunicação científica para a consolidação de conceitos que visam refletir demandas presentes na sociedade. Considera positivo o aspecto exploratório das discussões para estudos que podem oferecer contribuições no campo dos estudos métricos, da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, no intuito de entender a práxis de elaboração conceitual presente em uma comunidade científica circunscrita.

Palavras-chave: comunicação científica; fake news; conceito.

THE INFORMATION SCIENCE INTEREST ABOUT FAKE NEWS

 an analysis of scientific articles indexed in Brapci

Abstract

The use of the term “fake news” in scientific communications by the Brazilian academic community enrolled in the large area of Applied Social Sciences is recent. This article aims to identify the presence of the “fake news” concept in scientific articles in the field of Applied Social Sciences through a survey the Information Science Database. Methodologically, the research is exploratory with a quantitative and qualitative approach, in which the scientometric perspective was used to represent the results. It presents discussions that reinforce the understanding of the role of scientific communication for the consolidation of concepts that aim to reflect demands present in society. It considers positive the exploratory aspect of the discussions for studies that can offer contributions in the field of metric studies, Librarianship and Information Science, in order to understand the praxis of conceptual elaboration present in a circumscribed scientific community.

Keywords: scientific communication; fake news; concept.

1  INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo tem presenciado desafios latentes com o ritmo avultado no fluxo de informações. Este fenômeno atual decorre, entre outros motivos, da implementação de aparatos e dispositivos tecnológicos para uso cotidiano. Com isso, as pessoas têm potencializado as suas capacidades individuais de produzir, acessar e replicar conteúdos informativos para propagar uma estrutura de disseminação informacional sem precedentes na história humana. Notadamente, se percebe um fenômeno caracterizado pela interatividade virtual que é determinada pelos contatos remotos, síncronos e assíncronos para denotar um frenesi na comunicação informacional.

Com esse crescimento vertiginoso de informações orientando os processos dinâmicos para gerar, circular e transferir conteúdos informacionais em larga escala tornam-se favoráveis as interferências ardilosas e ludibriantes para interesses escusos das mais diferentes finalidades. Eis o ambiente fértil para semear e alastrar inverdades que descontextualizam a percepção da realidade. Logo, se trata de uma prática de oportunismo que confunde e aturdia      a assimilação das pessoas com a difusão sistemática de conteúdo sem veracidade e nenhum compromisso com os fatos.

É diante do aceleramento crescente dos fluxos informacionais que as fake news têm delineado condições para realizar a sua ascensão nas disposições comunicacionais. As fake news são notícias falsas que evidenciam um teor enganoso como ação premeditada por fraude informacional. A base estruturante das fake news sustenta-se pelo caráter simulacro que desvirtua a veracidade dos fatos criando uma realidade paralela e deturpada para entendimentos situacionais de determinados acontecimentos conjunturais. Desse modo, as fake news representam o logro intencional revestido sistematicamente de maldade com demonstrações para simular fatos e legitimar o engodo que descaracteriza a percepção da realidade.

O fenômeno das fake news nos tempos atuais repercute interesses em diversos domínios de especialidades. A Ciência da Informação se soma a essa tendência emergente. Assim, o presente artigo desenvolve uma análise diacrônica da presença da terminologia fake news em artigos científicos indexados na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci). Afinal, é sabido que a grande área das Ciências Sociais Aplicadas vem se debruçando sobre a dimensão conceitual de fake news. Com isso, este artigo apresenta como problema a seguinte questão: como os registros científicos contidos na base dados Brapci podem indicar a presença histórica do conceito fake news na grande área Ciências Sociais Aplicadas? 

Dessarte, o objetivo que orienta a finalidade de investigação deste artigo consiste em identificar a presença do conceito fake news em artigos científicos no domínio da grande área das Ciências Sociais Aplicadas por meio de levantamento na Brapci. Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza como exploratória com abordagens quantitativa e qualitativa, sendo a perspectiva cientométrica utilizada para a representação dos resultados.

Outro aspecto do presente artigo a ser ressaltado tem a ver com a notabilidade desencadeada pelas fake news que propiciou a formulação de outros termos e expressões de linguagens visando designar tratamento de categorias referenciais acerca das notícias falsas. Neste sentido, além das fake news propriamente, outras três terminologias adensam o contexto informacional: desinformação, infodemia e pós-verdade e o discurso de ódio.

Embora o presente artigo mantenha foco estrito direcionado às fake news, às outras três terminologias mencionadas também compõem o arcabouço de reflexões teóricas com apresentação de características específicas e as suas pertinentes definições conceituais. Esta ampliação teórica que abrange as fake news e incorpora reflexões para aspectos fundamentais relacionados com desinformação, infodemia e pós-verdade sinalizam a pertinência referencial sobre as nuances do contexto da informação na contemporaneidade.

 

2 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E CONSOLIDAÇÃO CONCEITUAL

Dois tópicos demonstram relevância e aproximação discursiva neste estudo: a comunicação científica e a solidificação dos conceitos. Esta seção mantém foco em demonstrar como essa relação é sugestiva para entender o surgimento e o processo de consolidação do conceito fake news na área da Ciência da Informação.

 

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Entendendo a cadeia envolvida com a comunicação científica, verifica-se que a prática científica é fortemente influenciada por aspectos sociais, o conhecimento científico impacta diretamente a vida de todas as pessoas, sejam elas entusiastas da tecnologia ou não (Velho, 2011). A comunicação científica não se limita apenas às pesquisas e à análise de dados, também é importante comunicar as descobertas, os resultados e as considerações aos pares, a comunicação feita de forma eficaz e clara, pode ajudar a disseminar e difundir descobertas e assim promover o avanço do conhecimento científico.

A comunicação científica tem como objetivo disseminar informações por meio de resultados de pesquisas e publicações de artigos entre os pares científicos, pesquisadores e cientistas. É um tipo de comunicação de caráter especializado, que se utiliza, como meios de propagação, os canais formais e/ou informais, como por exemplos: reuniões (informal), discussões (informal), artigos científicos (formal), livros (formal), entre outros.

Sendo essenciais para o avanço do conhecimento e a disseminação de informações na comunidade científica, como referido, as comunicações podem ocorrer em âmbitos formais e informais, cada um com suas características específicas. Comunicações científicas formais referem-se às comunicações disponibilizadas em formatos que certifiquem maior garantia de preservação temporal e recuperação do documento. As trocas de conhecimento são essenciais para o avanço contínuo da ciência e do desenvolvimento da sociedade.

Contudo, como indicam Miranda e Pereira (1996), variáveis estão envolvidas no entendimento do fluxo de produção da ciência e de sua comunicação, suportes e tecnologias são fatores determinantes para garantia característica desse tipo de comunicação, pois são eles que irão garantir a durabilidade de um registro (papel, periódicos e base de dados, internet, por exemplo). Dessa relação entre a ciência, seus suportes e as tecnologias envolvidas, recebemos os entendimentos de comunicação científica formal e informal.

A comunicação científica formal é destinada, geralmente, a um público acadêmico e especializado e é fundamental para o fluxo de informações científicas que revigoram as estruturas e os paradigmas correntes em uma comunidade (Kuhn, 2009). Alguns dos principais exemplos de comunicações científicas formais incluem: artigos científicos, teses, dissertações, livros científicos (Meadows, 1999).

Por outro lado, as comunicações científicas informais têm a fugacidade como característica principal, sendo importante indicar:

Uma comunicação informal é em geral efêmera, sendo posta à disposição apenas de um público limitado. A maior parte da informação falada é, portanto, informal, do mesmo modo que a maioria das cartas pessoais. Ao contrário, uma comunicação formal encontra-se disponível por longos períodos para um público amplo. Os periódicos e os livros são publicados (isto é, tornados públicos) e em seguida armazenados por longos períodos em bibliotecas, de modo que são exemplos arquetípicos de comunicações formais (Meadows, 1999, p. 7).

A clássica referência de Meadows (1999) pode esboçar como exemplos de comunicação informal as discussões e debates científicos, comunicações pessoais entre agentes científicos. Cabendo frisar, nesses últimos exemplos, a não execução do registro dessas práticas.

Esses dois tipos de comunicações científicas se complementam, pois, as comunicações formais asseguram a validação e confiança do conhecimento, enquanto as comunicações informais podem promover a colaboração, o intercâmbio de ideias e o acesso mais rápido à informação científica em desenvolvimento. Ambos desempenham papéis importantes no avanço do conhecimento científico e no fortalecimento da comunidade científica como um todo.

Abordando a especificidade da comunicação científica formal e informal e contribuindo para a definição terminológica, Targino (2000) assegura que no caso específico da comunicação científica, a informação é caracterizada como produto, pois essa passa a ser materializada, a comunicação é um ato, um mecanismo, é o processo de intermediação que permite o intercâmbio de ideias entre os indivíduos, sabendo que esse processo “[...] pressupõe um estoque comum de elementos preexistentes – linguagem, expressões, códigos etc., essencial para facilitar o fluxo informacional” (Targino, 2000, p. 10, grifo da autora). A comunicação científica obedece a práticas estabelecidas pela comunidade científica, estabelece o fluxo da informação científica entre indivíduos que se dedicam às pesquisas e entre grupos específicos de cientistas de diversas especialidades, línguas, nações e ideologias políticas.  Nesse sentido, complementa:

[...] o processo de comunicação científica consiste na interação psicológica entre os interesses individuais e grupais, mediante influência recíproca e permanente. Por exemplo, é pretensão do cientista conseguir credibilidade e aceitação, o que só é possível mediante aprovação de sua produção científica pelos pares (Targino, 2000, p. 12).

Outra contribuição vem de Caribé (2015), ao definir que o processo de comunicação da ciência seria uma atividade ou comportamento que facilite a construção e o compartilhamento de significados entre os agentes científicos. A estrutura de comunicação consiste no conjunto de relacionamentos entre os indivíduos unidos pelos significados que constroem e compartilham entre si.

A comunicação científica é tão importante quanto a pesquisa, o levantamento de dados e resultados. Legitimamente ela atende ao fluxo de informações de uma comunidade interna dirigida, à comunidade científica, e serve de insumo para a divulgação científica, que é destinada ao público não especializado (Bueno, 2010).

A comunicação científica desempenha um papel fundamental na difusão e compartilhamento de conhecimentos gerados por pesquisas e estudos científicos. Ela abrange todas as atividades que visam transmitir informações científicas, descobertas e resultados para a comunidade científica. Como apresentado, a importância da comunicação científica pode ser destacada por diversos motivos, como o oferecimento de caminhos para o acesso ao conhecimento e, em contexto amplo, o avanço da ciência. São esses processos, por exemplo, que permitem      que outros pesquisadores tenham acesso às descobertas mais recentes, o que ajuda a avançar o conhecimento em diferentes áreas.

O tópico comunicação científica permanece relevante e contribui significativamente para o entendimento dos fenômenos envolvidos com a Ciência da Informação. Estudos atuais sobre essa prática seguem na percepção e entendimentos das mudanças paradigmáticas no processo de comunicação entre pesquisadores (Albagli; Clinio; Raychtock, 2014), que provocam novos regimes de fluxo da informação científica e podem ser observados como resultado da introdução de tecnologias de informação no ambiente acadêmico e fornecem um solo fértil para novos problemas de pesquisa.

           

2.2 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA CONSOLIDANDO CONCEITOS

            A expressão da ciência é dada pela ação do homem, é ele quem elabora, em uma relação com mundo, os argumentos científicos que devem ser validados por uma comunidade específica. A ciência está envolta em procedimentos como a elaboração/reelaboração de conceitos, expressão de juízos e argumentações (Köche, 2015). Desses, entende-se que os conceitos são “[...] criações humanas, de elaborações e reelaborações teóricas cuja razão de ser reside precisamente na possibilidade de os colocarmos e os recolocarmos em permanente discussão” (Barros, 2016, p. 18).

            Autores como Giddens e Sutton (2017) vão indicar que o formato total de uma área/disciplina terá, em sua composição, um léxico conceitual, que passará por constantes mudanças conforme o tempo. Mais uma vez, na concepção filosófica de se entender como os conceitos surgem, encontra-se a contribuição de Barros (2016, p. 18-19):

[...] se alguns conceitos afloram a partir da atenta observação, outros são mais diretamente produzidos pela imaginação, sem que haja qualquer primazia hierárquica na distinção entre estas duas operações – a de inventar a partir de uma observação sistemática, e a de imaginar a partir de um esforço puramente criador. Não obstante, acrescento que a vontade de conceito, ao menos na ciência, parece sempre visar à realidade, mesmo que sem assegurar a possibilidade de aprendê-la total ou parcialmente; ou, em uma metade lógica dos casos, mesmo que sem ter sequer a pretensão efetiva de apreender a realidade tal como ela é (o que não impede de visá-la). 

Operando no sentido que parte da observação sistemática da realidade, está o conceito de “fake news”. Sendo, literalmente, traduzido como “notícia falsa”, essa palavra reaparece envolvida de forma ativa nas discussões cotidianas voltadas à “pós-verdade” que emergiram no período da eleição do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016 e na campanha pelo Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) em 2017. Do período citado até hoje, percebe-se que se encontra nas Novas Tecnologias de Comunicação e Informação (NTICs) verdadeiras arenas de disputa da opinião pública, em que diversos formatos textuais operaram sem, necessariamente, filtrarem a veracidade das informações.      

            Esse fenômeno suscitou a comunidade científica à ação da observação sistemática, a proposição de elaboração teórica e de emissão de juízos de valor e argumentações. A esse processo, entende-se que “fake news” deixou de ser uma palavra e seu conceito, no campo das ciências, ganha outro patamar. Sobre esse tipo de processo, indica Barros (2016, p. 26-27):

Embora o conceito possa se valer de uma palavra comum, empregada na vida cotidiana para fins corriqueiros e cotidianos, é preciso compreender que há uma diferença muito grande entre o conceito e as palavras comuns, empregadas nas conversas diárias e sem pretensões científicas e filosóficas. Os conceitos que circulam nos diversos campos de saber sempre implicam discussões entre os seus praticantes, comportando escolhas derivadas e demandas específicas. Eles movimentam ou possibilitam perspectivas teóricas, e reaparecem com frequência nos trabalhos produzidos pelos pesquisadores e pensadores do campo passando a integrar certo repertório conceitual.   

            Contudo, é importante frisar o tempo e o local da discussão. Em relação ao tempo, na perspectiva da palavra, “fake news” não é recente, mas a forma como ela ressurgiu, configurada com as variáveis cognitivas, tecnológicas, políticas e geoeconômicas, desperta o interesse da comunidade científica, que está cada vez mais atenta aos atores e problemas sociais (Velho, 2011). Em relação à característica sócio-discursiva desse conceito na ciência, percebe-se que para a Ciência da Informação, historicamente, outro conceito já demandava atenção dos pesquisadores: o de “desinformação”, porém, em uma relação lógica, entende-se que nem toda “desinformação” é uma “fake news”, porém, toda “fake news” é uma “desinformação”. Esse jogo de caracterização terminológica tem espaço fértil na prática da comunicação científica, no sentido de demarcação conceitual.

 

3 ATRIBUTOS TERMINOLÓGICOS DA INFORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA

            São inúmeros os desafios para se compreender a dimensão informacional da realidade contemporânea. Isso porque há múltiplos mecanismos operando sistematicamente os meandros de iniciativas mediadoras que causam interferências na recepção informacional, proporcionando até mesmo a distorção dos fatos e, por consequência, da própria realidade.

Afinal, como reconhece McGarry (1999, p. 10), “Os fatos estão intimamente ligados ao pensamento e à linguagem [...]”. Isso porque o entendimento da realidade mantém vínculos estreitos com os atributos subjetivos e de características intelectuais para interpretação contextual e associativa dos acontecimentos históricos e socioculturais, mas também com os eventos fugazes do cotidiano.

Neste sentido, a linguagem operacionaliza os processos intelectuais para desenvolver as capacidades subjetivas de percepção como qualidade fundamental da consciência. Logo, “[...] é a partir dessa experiência que se medem todas as significações da linguagem, é justamente ela que faz com que a linguagem queira dizer algo para nós” (Merleau-Ponty, 2011, p. 12).

A partir dessa condição subjetiva que se entende a receptividade como consequência da mediação da informação porque esse processo constitui “[...] um fenômeno essencialmente comunicacional que aciona elementos cognitivos individuais e também aos aspectos coletivos transmitidos nas diferentes ambiências sociais e apropriados intelectualmente” (Prado, 2023, p. 17).

Sendo assim, entende-se que as fake news podem afetar a capacidade de recepção informacional permitindo aos sujeitos distúrbios de entendimentos entre fatos verídicos e os fatos manipulados ao engano, gerando incertezas e aderência a uma realidade paralela ou até mesmo suscetível a uma forma de cooptação voluntária e intelectual às teorias conspiratórias.

Frente aos desafios emergenciais que implicam a relação informacional com as fake news é preciso esclarecimentos de noções referenciais que denotam a complexidade de conteúdo enganoso no fluxo cotidiano de informações transmitidas e acessadas em diferentes meios e canais. De pronto, considera-se que as fake news são, em essência, conteúdos que simulam notícias propagadas intencional e sistematicamente com a finalidade de disseminação de conteúdos fraudulentos para arremedar e desvirtuar as percepções de fatos e contextos específicos.

Para complementar essa ideia, julga-se necessário e pertinente apresentar de maneira introdutória outras terminologias que são intimamente ligadas às fake news: desinformação, infodemia e pós-verdade. Pois, segundo Araújo (2021, p. 3), “Todos esses termos se relacionam com os atuais regimes de informação, isto é, com as condições contemporâneas de produção, circulação e uso da informação”.

Logo, pensar a informação em tempos atuais exige um processo abrangente que contemple múltiplos referenciais para qualificar coerência de sentido e ligação factual com a realidade. É com essa perspectiva que a denotação informacional para a contemporaneidade implica fundamentalmente considerar a interferência de fake news, desinformação, infodemia e pós-verdade.

 

3.1 DESINFORMAÇÃO

A desinformação é um processo doloso que mantém vínculos diretos com as ações sistemáticas de fake news. Isso porque o processo de desinformação se caracteriza por manobras ou artifícios intencionais de má-fé visando induzir pessoas a acreditar em algo ilusório, enganoso e, sobretudo, falso. De pronto, Argemí (2019, p. 19, tradução nossa[4]) esclarece que “O ato de desinformar geralmente se refere à ação de alguém disposto a manipular, ocultar ou deturpar certas informações a terceiros, informações que não são favoráveis ao desinformador”.

A essência da desinformação articula-se com os propósitos estruturantes da pós-modernidade que “Entre suas características está o questionamento da ideia de existência de uma verdade absoluta, única, ou seja, não existiria uma resposta absolutamente correta sobre o que cada elemento da realidade significa” (Araújo, 2021, p. 6). Desse modo, a desinformação permeia o caos e a desordem mental pela incerteza ou desconexão informacional com a realidade concreta. Pois, a desinformação se beneficia diretamente das condições em que “A falta de qualidade de apuração e o excesso de informações tendem a consolidar o ambiente de boato em rede” (Becker; Goes, 2020, p. 50).

Assim, a desinformação é uma forma de anomalia informacional que desqualifica a veracidade dos fatos para impor uma visão distorcida e equivocada pela fabricação de conteúdos sob ponto de vista conveniente aos interesses específicos de quem produz esse tipo de conteúdo. A desinformação não possui relação direta com a produção de notícias: uma conversa pode ser desinformação. Fake news é um dos tipos de desinformação. Notadamente, a desinformação instaura o “[...] estado de caos, de confusão, de dúvida, gerado em amplas parcelas da população que justamente necessitam e/ou buscam informação para definir suas opiniões e tomar suas decisões” (Araújo, 2021, p. 6).

A desinformação camufla e torna nebulosa as habilidades sensoriais que estabelecem a sensatez necessária para qualificar a percepção de veracidade dos fatos. Nesta perspectiva, Wilke (2019, p. 385) entende que:

A verdade factual liga-se aos fatos, aos eventos, às circunstâncias, ou seja, àquilo que é reconhecido pelas pessoas como legitimamente ocorrido, pelos variados testemunhos, e seriam aqueles, quando aceitos e tidos como comuns, que dariam a base para as concordâncias e discordâncias no diálogo.

À vista disso, a desinformação se projeta por mecanismos de fabricação maniqueísta que preza pela deturpação do contexto informacional para criar perspectivas enganosas de interpretações ardilosamente ludibriadas. Não à toa que Coelho Netto (1997, p. 175), ao apresentar elementos nocionais contidos na ideia de “fabricação cultural”, qualifica aspectos etimológicos que dão “[...] referência ao sentido de fábrica em latim, que significa engano, artifício, dolo [...]”. Portanto, as fake news escritas como notícias são insumos primários da desinformação que se instrumentalizam em processos capciosos de fabricação informacional para gerar um estado de alienação degenerada sobre a realidade. 

 

3.2 INFODEMIA

            Infodemia é um neologismo dos tempos atuais que se originou em decorrência da imprecisão informacional caracterizada pelo crescimento acelerado de dados e informações, tornando ainda mais complexo e agravante esse quadro pela adição hiperbólica de fake news. Em aspecto linguístico a palavra infodemia é um morfema que combina o “[...] radical info- (deduzido de informação) [...] + -demia (do grego dêmos ‘povo’ + o sufixo -ia, formador de substantivos da terminologia médica, [assim] podemos ter ‘infodemia’, para indicar neste momento a propagação em massa de informações, muitas delas falsas [...]” (Bechara, 2020, n.p., grifo do autor).

Sendo a infodemia associada a uma dimensão médica, o termo exprime a ideia de doença, ou seja, uma patologia de caráter generalizado que implica referência ao contágio suscetível de uma população. Assim, o fator médico (ou de saúde) que orienta a noção semântica do termo infodemia atrela-se à concatenação de pandemia pela proliferação acentuada de informações, incluindo as de conteúdo enganoso. Para Araújo (2021, p. 7, grifo do autor) a infodemia “[...] se constitui uma natureza ‘pandêmica’ dos fenômenos informacionais, tomados desde a perspectiva de seus efeitos adversos ou disfunções”. A infodemia repercute na lógica do caos pelo excesso nos fluxos informacionais causando prejuízos sociais e anomalias psicológicas.

            O fenômeno social da infodemia mantém laços relacionais efetivos com os avanços frequentes e sistemáticos das NTICS. Pois, “O acesso facilitado à tecnologia proporciona a disseminação de informações em aplicativos midiáticos e nas redes sociais simultaneamente aos acontecimentos” (Nogueira; Domingues; Araújo, 2023, p. 347). Assim sendo, verifica-se que as redes sociais digitais configuram espaços interativos de preferência às práticas comunicacionais da atualidade tornando ambientes propícios para fabricação e disseminação de informações estruturadas em fake news e desinformação. Como consequência, “[...] a desinformação produz a ‘infodemia’ e é produzida por ela em um ciclo vicioso” (Kalil; Santini, 2020, p. 6, grifo dos autores).

            Apesar de sua preeminência induzir a um aspecto recente, as fake news, que tanto contribuem para o fortalecimento da infodemia, não configuram um fenômeno restrito à realidade contemporânea. A história humana contém muitos exemplos de registros deste tipo de ocorrência. Afinal, “[...] o ato de proferir notícias falsas é tão antigo quanto é antiga a própria existência da humanidade, contudo o que temos presenciado atualmente é o aumento do seu nível de propagação e dos seus efeitos na vida das pessoas” (Lisboa, 2021, p. 72).

            Ressalta-se que a infodemia não se limita unicamente ao contexto das fake news, embora seja notável que as notícias falsas potencializam o ambiente conflitante à compreensão da realidade por conta da incerteza gerada na recepção informacional. Garcia e Duarte (2020, p. 1) qualificam a infodemia como “[...] um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico [...]”.

Desta forma, a infodemia se apresenta como um estado nebuloso de superabundância pela oferta demasiada de informações que afeta a capacidade humana para assimilar conteúdo, condição que dificulta a tomada de decisão em momentos específicos. Pois, a infodemia se caracteriza pelo “[...] constante bombardeio de informações que alcança as pessoas por diversos meios e mídias (como televisão, rádio, computador, tablets, smartphones, jornais impressos ou eletrônicos, blogs, mídias sociais, aplicativos de conversas) acaba por sobrecarregá-las” (Garcia; Duarte, 2020, p. 1).

A infodemia se orienta pelo dinâmico e acentuado florescimento informacional combinado pela implementação tecnológica de dispositivos comunicacionais. Neste processo labiríntico utilizado para criação e difusão de conteúdos informativos, a infodemia também representa um desafio por ocasionar malefícios relacionado com “[...] ansiedade, sobrecarga e exaustão nas pessoas, além de tornar mais complexos os processos de controle de qualidade do que é publicado e de atestar a idoneidade das fontes de informação” (Araújo, 2021, p. 7).

Enfim, a infodemia se caracteriza fundamentalmente pelo excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações. Por isso mesmo que infodemia está diretamente relacionada com desinformação pela confusão mental e as incertezas características devido ao volume informacional em circulação e encontra nas fake news um desafio ainda mais problemático para se constatar a veracidade factual.

 

3.3 PÓS-VERDADE

            Em um mundo cada vez mais profuso de recursos informacionais, o fluxo de produção, disseminação e receptividade de conteúdo é algo extraordinariamente intenso e dinâmico. Esse processo veloz formula uma acelerada obsolescência informacional em condição abrupta e também desencadeia modus operandi para fabricar alastramentos de conteúdos distorcidos e enganosos. São tantas as ofertas de informações que a percepção de verossimilidade se confunde ou se perde em seu crivo referencial para afiançar certeza em sentido absoluto, ou seja, sem qualquer possibilidade de hesitação.

            É neste contexto melindroso que a noção de verdade não concilia com a precisão dos fatos comprobatórios para garantir a autenticidade fidedigna com a realidade. Afinal, a pós-verdade se articula pela contumácia de “[...] repetição incansável da mesma história ficcional até levar as pessoas a se convencerem de que elas são verdadeiras” (Santaella, 2018, p. 31). Com isso, a pós-verdade evoca novas formulações de perspectivas para enveredar asserções às narrativas informacionais, inclusive atribuindo distorções deliberadas sobre a noção de verdade.

Tamanha é a importância atual da pós-verdade que, em 2016, o Dicionário Oxford a elegeu como palavra do ano (Araújo, 2020; Siebert; Pereira, 2020; Santaella, 2018; Aparici; García-Marín, 2020). Assim, o renomado Dicionário Oxford define a pós-verdade como “[...] circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e crença pessoal” (Gabelas; Marta-Lazo, 2020, p. 84, tradução nossa[5]). Logo, o reconhecimento da pós-verdade como terminologia proeminente na contemporaneidade advém de um contexto predominado de incertezas e manipulações informacionais. Isso porque as fake news, a desinformação e a infodemia realizam interferências sistemáticas que possibilitam a deturpação da realidade, ocasionando um ambiente propício para implementação da pós-verdade.

Tendo como base fundamental Borges Junior (2019, p. 525), verifica-se que:

O termo pós-verdade tem sido associado a uma série de tentativas de leitura do que sugere se anunciar como uma condição absolutamente paradoxal de nossa contemporaneidade, um tempo no qual a opinião pública parece perder seu lastro de uma pretensa verdade objetiva, um horizonte ético racional, assumindo, em seu lugar, posicionamentos que parecem se resguardar muito mais no campo das crenças e emoções.

            Se percebe que os atributos nocionais de pós-verdade qualificam sentido à opinião pública como fator de expressão de crenças e sentimentos para engendrar percepção da verdade, ainda que construída em processos caracterizados por subjetividades paradoxais. Desse modo, a pós-verdade se apresenta como uma noção de relativismo seletor que orienta a ideia de verdadeiro, não como comprovação factual da realidade, mas a partir das convicções persuasivas impostas na sociedade e assentidas por pessoas ou grupos sociais especificamente. Com isso, a informação se torna um tipo de mecanismo orientado à construção de discursos. Pois, “A informação (re)significa o real, materializando-se discursivamente enquanto acontecimento” (Siebert; Pereira, 2020, p. 242). Assim, a pós-verdade elabora a informação baseando-se em verdades subjetivas com propósitos orientados às finalidades específicas. Pois, “[...] sendo o momento atual de constantes inovações, a informação é uma peça basilar na organização da sociedade” (Cruz; Gominho, 2020, p. 30).

            Notadamente, a pós-verdade representa um estado condicional dos diferentes tipos de interferências humanas para projetar modelagens de sentido que determinam as percepções da realidade. A pós-verdade mantém laços estreitos com a subjetividade de dogmas, utopias e pontos de vistas cunhados em aspectos nebulosos e circunscritos por tendenciosidades de doutrinas políticas, ideológicas, religiosas ou outros interesses característicos. Fundamentalmente, a pós-verdade representa uma desvinculação humana com os fatos reais, condicionando em demasia as informações a um estado quimérico da realidade. Para Araújo (2020, p. 37) a pós-verdade se define pela articulação de “[...] crenças e visões de mundo sem se basear na razão e nas evidências, isto é, nos fatos, em um esforço para evitar descontentamento psíquico”. Portanto, essencialmente, a pós-verdade se delineia com pressupostos da sensibilidade psicológica para cooptar pessoas em orientações maniqueístas que desqualificam a veracidade dos fatos impondo novas configurações da realidade com atributos de “verdades” artificialmente construídos.

            Apesar de a pós-verdade acentuar importância na contemporaneidade, não se trata de um fenômeno recente e exclusivo aos momentos atuais. Para Santaella (2018, p. 30, grifo nosso), “Desde a era da pedra, mitos foram reforçados a serviço da união da coletividade humana. Realmente, o homo sapiens conquistou este planeta graças, sobretudo, à habilidade humana única de criar e disseminar ficções”. No entanto, a noção referencial atribuída à ideia de pós-verdade é uma formulação recente. Santaella (2018) e Araújo (2020) identificaram contextualmente que o termo pós-verdade foi introduzido por Steve Tesich na revista The Nation, em 1992, com referência ao Irã durante a Guerra do Golfo (1990-1991). Já, “Em 2004, a expressão foi título de um livro de Ralph Keyes, The Post-Truth Era” (Bucci, 2018, p. 22). Posteriormente, em 2010, o blogueiro David Roberts se utilizou da expressão “política da pós-verdade” para se referir à cultura política que influencia a opinião pública com narrativas midiática, incluindo as estruturas modernas de aparatos e dispositivos das TIC (Bucci, 2018, Santaella, 2018; Araújo, 2020).

            É certo reconhecer que o advento da internet, especialmente com a chegada das redes sociais digitais, as fake news incorporaram novas estruturas de produção, disseminação e uso informacional. Consequentemente, este contexto favorece perturbações características ao estado de desinformação e propicia amplitude ao frenesi da infodemia. São circunstâncias informacionais que articulam o desenvolvimento oportuno da pós-verdade. Afinal, esta “[...] se relaciona com uma gigantesca disseminação de informações falsas, que estão atuando para moldar a tomada de decisão das pessoas em diferentes esferas (na política, na economia, na educação, na saúde, na religião), em velocidade e quantidade nunca vistas” (Araújo, 2020, p. 39).

            A pós-verdade configura uma condição humana que não se importa com a veracidade dos fatos porque há envolvimentos pessoais de implicações subjetivas, ou seja, permeia a alienação social. Neste sentido, “[...] os indivíduos de uma sociedade tendem a acreditar na informação que mais convém a suas crenças e direcionamentos morais terminando, assim, por descartar toda a informação contrária a que lhe agrada” (Cruz; Gominho, 2020, p. 39). O negacionismo científico é um exemplo típico e específico a ser oferecido a respeito da pós-verdade.

            Fake news, desinformação, infodemia e pós-verdade são mais que terminologias ascendentes aos interesses sociais e científicos. São fenômenos que se inclinam visando desvirtuar e desqualificar os fatos como predicado essencial da informação, consequentemente incitam desprezo tendencioso à veracidade genuína para percepção da realidade.

 

4 METODOLOGIA

Determina-se esta pesquisa como exploratória, pois se entende que esses estudos “[...] orientam a formulação de hipóteses, expondo características essenciais de uma população, de um universo ou fenômeno e permitindo que sejam correlacionadas essas características ou variáveis, sem que, entretanto, haja compromisso de explicar as relações que aponta.” (Bufrem; Alves, 2020, p. 58). São trazidas perspectivas de análise quantitativas e qualitativas, entendendo que essas abordagens não são opostas e podem se complementar, a depender das necessidades postas pelo objeto estudado (Laville; Dionne, 1999).

Apresentando o objetivo de caracterizar a presença do conceito “fake news” em artigos científicos no domínio da Comunicação e Ciência da Informação por meio de levantamento na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci), tem-se como técnica a mensuração das comunicações científicas em periódicos científicos que vem consolidando fake news como um conceito presente nas arenas científico-discursivas das áreas da Comunicação e Ciência da Informação.

A mensuração ocorreu na base de dados Brapci, recorreu a investigação avançada do termo “fake news” nas seguintes delimitações de busca: “título”; “palavras-chave”; “resumo”; e “texto completo”. No sentido de estabelecer comparações na seção dos “Resultados e Discussões”, promoveu-se o mesmo mecanismo para o termo “desinformação”. As buscas foram realizadas no período de junho e julho de 2023 e estabeleceu-se como recorte para as análises os artigos científicos produzidos no período de 2000, período observado a primeira ocorrência de pelo um dos conceitos selecionados para o estudo (o de desinformação), até 2022, último ano com ciclo temporal fechado para equidade de análises.

Outra etapa metodológica para o alcance dos resultados ocorreu por meio da análise de conteúdo (Bardin,2008), em que foram selecionados nos artigos levantados os títulos dos artigos (categoria de análise), devido a sua capacidade temática-conceitual representativa. No contexto das análises das comunicações científicas, para o tratamento dos títulos, utilizou-se as análises lexicométricas, no intuito de demarcar a presença/frequência de outras terminologias presentes no título associadas a artigos que possuíam o conceito de “fake news” presentes no título, e/ou nas palavras-chave, e/ou no resumo, e/ou texto completo. O software utilizado para a realização dessa etapa foi o Microsoft Excel.  

 

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

            As análises apresentadas nesta seção partem, inicialmente, de uma quantificação que vai demarcar a temporalidade e o caráter situacional do aparecimento dos conceitos “desinformação” e “fake news”. Como já demonstrado na seção de Metodologia, refere-se como recorte os artigos que demarcam esses conceitos indexados na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci), que no ano de 2023 detém uma coleção de 97 periódicos, sendo 78 nacionais e 19 internacionais, e os arquivos (anais) de quatro eventos representativos da área da Ciência da Informação (tabela 1). 

Tabela 1 -  Panorama de periódicos e anais de eventos indexados na Brapci (2023)

 

QUANTITATIVO INDEXADO

REVISTAS HISTÓRICAS

ATUALIZAÇÃO NA COLETA

PERIÓDICOS NACIONAIS

78

14

64

PERIÓDICOS INTERNACIONAIS

19

--

19

EVENTOS/ANAIS

4

--

2

Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

            Historicamente, cabe detalhar que a Base de Dados Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação configura um marco histórico para a área da Ciência da Informação. Concebida em 1996, por meio de projeto de pós-doutorado da professora Leilah Santiago Bufrem, a base era, inicialmente, denominada Base Brasil/Espanha de Artigos de Periódicos da área em Ciência da Informação (Bres) e era objeto de estudos e fonte de investidas científicas dos grupos de pesquisa coordenados pelo professor Elías Sanz Casado, da Universidade Carlos III de Madrid (UC3M) e pela professora Leilah Bufrem, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Por meio de um convênio interinstitucional entre a UC3M e a UFPR em 2005, a implementação da Brapci no Brasil ganhou força e diversas atividades relativas ao projeto conseguiram ser implementadas (Bufrem et al., 2010).

Ao realizar a busca pelos termos “desinformação” e “fake news” na base de dados escolhida para o estudo, comunicados no período de 2000 até 2022, encontrou-se que esses foram publicados, em perspectiva de variedade, em 62 periódicos, sendo desse total 55 revistas nacionais e sete internacionais.

            Ao realizar a estratégia de busca dos termos escolhidos para o estudo, verificou-se que a ocorrência do termo “desinformação” é anterior ao de “fake news”, confirmando, em parte, a hipótese da relação que se faz entre na consolidação desses conceitos (“fake news “desinformação”). Configura-se, no ano de 2017, o surgimento das discussões sobre “fake news” em periódicos na grande área das Ciências Sociais Aplicadas (gráfico 1). 

Gráfico 1-  Ocorrência de utilização conceitual: “desinformação” e “fake news

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

O quantitativo de comunicações científicas mostra uma tendência significativa de alta a partir dos anos de 2017 e 2018. A luz da concepção apresentada por Velho (2011), percebe-se que essa verificação inicial é contextual às ocorrências mundiais vivenciadas à época e é um indicativo das movimentações acadêmicas de investigação sistemática sobre esse fenômeno (Barros, 2016). Tendo como ponto referencial a Brapci, é nesse período (2017-2018) que se começa a verificar o esboço conceitual de “fake news” nas comunicações científicas, sendo esse trabalhado ao longo dos seguintes anos. 

O gráfico 1 traz a representação de 252 ocorrências de comunicações científicas. Configura-se que a partir de 2017 os termos “desinformação” e “fake news” começam a aparecer juntos em alguns artigos, demonstrando, mesmo que de forma tímida nesse começo, o fenômeno da delimitação e da concorrência conceitual entre eles. Essa possível tendência de demarcar diferenças conceituais-terminológicas demonstra um crescimento significativo nos anos de 2020, 2021 e 2022 (linha de tendência acentuada).

É importante essa percepção, visto o caráter do domínio do discurso presente nas comunicações científicas, que, segundo Marcuschi (2008), possuem o modo instrucional. Em outras palavras, esses 60 artigos, potencialmente, instruíram capacidades discursivas distintas voltadas aos conceitos de “desinformação” e “fake news”. 

Em 192 artigos científicos, os termos “desinformação” e “fake news” apareceram de forma isolada, como ilustra o gráfico 2. 

Gráfico 2 -  Ocorrência conceitual isolada: “desinformação” e “fake news

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

           

 

Sobre esse fenômeno de isolamento, duas análises se mostram interessantes: a) durante os anos de 2017 e 2019 o termo “fake news” se mostrou superior em ocorrências do que o termo “desinformação”, em uma tendência inicial crescente e depois de estabilidade; e b) durante os anos de 2020 e 2022 o termo “desinformação” supera as ocorrências do termo “fake news”, em uma tendência de estabilidade.

A representação do gráfico 2 demonstra, mais uma vez, a forte perspectiva sugestiva do fenômeno das notícias falsas (fake news) ocorrida nos anos de 2018-2020, período da eleição do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016 e na campanha pelo Brexit. No entanto, a tendência de estabilidade e acirramento com a ocorrência conceitual-terminológica “desinformação”, pode demonstrar, por parte da comunidade acadêmica, responsável pela característica qualitativa desses conceitos, uma maturidade objetiva de percepção fenomenológica. Recobra-se, que nesse processo, a comunidade científica deva ter revisitado suas produções, balizado as relações de novos conceitos com antigos, estabelecido hierarquias representativas, entre outros fatores.

            Outra etapa deste estudo estabeleceu como categoria de análise os títulos dos artigos que apresentavam o termo “fake news” presente no título, e/ou nas palavras-chave, e/ou no resumo, e/ou texto completo. A escolha se deu devido à capacidade      temática-conceitual representativa desse elemento textual (títulos) das comunicações científicas. Para o tratamento desses títulos, utilizou-se as análises lexicométricas, no intuito de demarcar a presença/frequência de outras terminologias (Bardin, 2008).

            Trabalhou-se nesta etapa com 142 artigos, desses, em uma análise terminológica dos títulos, além do termo “fake news” (presença/frequência 53 títulos), no contexto da presença, percebeu-se uma variedade de 302 conceitos/termos, com relação a frequência, percebeu-se uma variação de 1 e 41. Repetições de um mesmo conceito/termo no mesmo título foram desconsideradas para não representar distorções nos quantitativos relativos à frequência. A tabela 2 apresenta os conceitos/termos que tiveram presença/frequência ≥ 5 nos títulos dos artigos analisados.

 

 

 

 

 

 

 

Tabela 2: Presença/frequência de conceitos associados à fake news

Conceito/Termo

Frequência

Desinformação

41

Covid-19/Coronavírus

32

Pós-verdade

19

Informação

11

Ciência da Informação

11

Infodemia

10

Brasil

09

Competência em informação

08

Pandemia

07

Saúde

06

Combate

06

Mídias sociais

06

Redes sociais

05

Facebook

05

Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

            Seguindo a linha de caracterizar a presença do termo “fake news”, percebe-se, com a apresentação lexicométrica sugerida no quadro 1, que, mesmo sendo diversas, os conceitos/termos demonstraram as emergências contextuais de fenômenos percebidos na sociedade nestes últimos cinco anos, como por exemplo: o papel e a influência das mídias sociais nos processos políticos e geoeconômicos; a crise sanitária causada pela Síndrome Respiratória Aguda Grave causada pelo coronavírus em 2019 (SARS-CoV-2) responsável por causar o Coronavirus Disease-19 (Covid-19) e os contextos de informação e comunicação envolvidos; a crise da informação, da credibilidade e da necessidade de desenvolvimento de competências para as novas configurações do fluxo da informação e da desinformação.

            Mesmo representativo, convém a afirmação de que a etapa aqui apresentada tem características exploratórias para o entendimento dessas comunicações. Como comenta Bardin (2008), análises dessa natureza vão ter como objeto conteúdos situados, porém privilegiando, como resultados, a linha estatística. No entanto, a perspectiva qualitativa do que foi apresentado situa, mais uma vez, a característica temporal e situacional envolvendo o conceito/termo “fake news” neste estudo cientométrico.

           

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            As fake news se estabeleceram na contemporaneidade como fenômeno comunicacional de grande relevância aos processos informacionais. Obviamente que as NTICs são fatores determinantes para estruturar condições de operacionalização sistemática dos meios e canais de produção, distribuição e acesso de conteúdos informativos para uso e compartilhamento em larga escala.

            Por certo, a informação, em tempos atuais, se reveste de complexidades paradoxais. Com isso, a ideia de verdade, em sentido absoluto, vem sendo relativizada pela interferência das fake news com outros fenômenos informacionais, que são: desinformação, infodemia e pós-verdade.

            Esse processo que alastra significativamente o fluxo informacional é algo sem precedentes na história e os seus impactos alcançaram todas as formas de interações na sociedade, inclusive nas comunicações científicas.

            Dada a pertinência indiscutível das fake news sobre a realidade contemporânea, o presente artigo notabilizou, em linha teórica, essa forma de deturpação informacional estabeleceu como objetivo de pesquisa a caracterização da presença do conceito fake news em artigos científicos no domínio da Comunicação e Ciência da Informação, por meio de levantamentos na Brapci.

            Com isso, buscou-se evidenciar o interesse da comunidade científica em tratamentos da fake news como objeto ou mesmo temática nas publicações de artigos científicos indexadas na Brapci. Consequentemente, foi possível mensurar as incidências de pesquisas com enfoque em fake news e suas relações com temáticas caracterizadas por terminologias associadas, a exemplo dos fenômenos informacionais variantes das notícias falsas: desinformação, infodemia e pós-verdade.

            Assim, esta pesquisa se apresenta como uma forma de mapeamento para sistematizar os dados levantados que contextualizam a predominância de abordagens temáticas em publicações científicas voltadas para as fake news. Logo, este estudo se qualifica em contribuições inerentes aos processos de análises que demonstrem as incidências de artigos científicos e temáticas predominantes, evidenciando as fake news pelo desenvolvimento de pesquisas em periódicos científicos que vêm      consolidando como um conceito/termo presente nas arenas científico-discursivas das áreas da Comunicação e Ciência da Informação.

            De todo o modo, conclui-se que esta pesquisa não encerra por si o cerne de sua investigação, uma vez que o assunto fake news não fora esgotado neste estudo, pois há lacunas perceptíveis que deverão ser exploradas em iniciativas futuras. Portanto, há plena consciência de que as fake news são fenômenos informacionais que requerem aprofundamentos sistemáticos com o amparo procedimental de metodologias compatíveis às necessidades de estudos científicos para examinar frequentemente as tendências de desenvolvimento deste enfoque temático e suas abordagens conceituais nas áreas da Comunicação e Ciência da Informação.   

           

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[1]Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor do curso de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Alagoas.

[2] Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor do curso de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Alagoas.

[3] Graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Alagoas.

[4] “El acto de desinformar suele referirse a la acción de alguien con voluntad de manipular, ocultar o tergiversar determinada información a terceros, una información que no es favorable a quien desinforma”.

[5] “[...] circunstancias en que los hechos objetivos influyen menos en la formación de la opinión pública, que los llamamientos a la emoción y a la creencia personal”.