OUVIDORIA

gestão pública dialógica

José Antonio Callegari[1]

Universidade Federal Fluminense

calegantonio@yahoo.com.br

 

1 INTRODUÇÃO

Nosso trabalho tem como propósito investigar as Ouvidorias como canal de comunicação e controle social das instituições. Tomamos como referência a progressiva consolidação do Estado Republicano brasileiro a partir dos anos 1990. Neste período, assistimos várias reformas constitucionais com o propósito de tornar a Administração Pública transparente, acessível e responsável pelos seus atos. Neste contexto, vários mecanismos de controle social e accountability foram sendo criados, democratizando a relação entre Estado e Cidadão. Intuímos, com isto, que as Ouvidorias poderiam integrar este sistema de controle social potencializando a voz do cidadão nas instituições. Como pontes comunicativas, elas cumpririam o papel de mediar solução de conflitos pela via comunicativa (Habermas, 2003).

Para alcançar nosso objetivo, procuramos analisar documentos e sites de organizações públicas e privadas. Realizamos algumas visitas à Ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, na cidade do Rio de Janeiro, e participamos da 1ª Jornada - Ouvidores e Ouvidorias Públicas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Apesar destas investidas no campo, focamos nosso trabalho nos canais de acesso disponíveis ao cidadão na internet. Com isto, pensamos observar as Ouvidorias com a mesma expectativa dos usuários do sistema coletando informações mais próximas da realidade.

 

2 DESENVOLVIMENTO

A comunicação que apresentamos é um pequeno relatório de nossa tese de mestrado defendida no Programa de Pós – Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro. Nosso esforço de pesquisa concentrou-se em torno do binômio: comunicação e controle social das instituições.

Assim, mergulhamos em um ambiente dinâmico e mutante. As Ouvidorias estão no olho do furacão. Integram as organizações públicas e privadas em um momento histórico único. Vivemos a era da comunicação e da interatividade; época em que a informação é produto, meio, fim e também um direito de cidadania participativa. A tecnologia informacional impõe mudanças constantes não somente no procedimento das pessoas e organizações como também nos códigos linguísticos que se misturam e se confundem muitas das vezes. Não mais sabemos os limites das línguas culta e coloquial. Expressões criadas em redes sociais passam a integrar o léxico de autoridades e instituições oficiais. Neste caldeirão cultural efervescente, as Ouvidorias surgem como pontes comunicativas com a missão de facilitar diálogos e restaurar vínculos sociais.

Em tal contexto, lidam com problemas tradicionais e recorrentes que se perpetuam em organizações públicas operacionalmente fechadas. O choque de gerações, por exemplo, chegou ao ambiente corporativo. Encontramos pessoas acostumadas a lidar com o papel, arquivamento de documentos em pastas físicas, carimbos. Enfim trabalho manufaturado. Outros tiveram contato com as tecnologias ao longo de sua existência pessoal. Com esforço, fazem cursos de atualização, lutando contra as dificuldades para conciliar a cultura manufatureira e a cultura informacional. A geração high tech, por sua vez, nasceu neste ambiente virtual, transitando nele com enorme desenvoltura.

A transição entre o tradicional e o moderno pode ser comparada a um parto de antigamente com todo o seu ritual. No quarto, ficava a mãe com uma legião de mulheres sob a direção da parteira, num entra e sai com bacia e panos, transpiração, suspiros e ansiedade, até o momento em que se ouvia o choro agudo de um bebê ou o silêncio cruel de um natimorto. A geração atual, todavia, nasce em quarto de hospital. O parto é monitorado por computadores. O pai assiste ao evento com máquina fotográfica, filmadora e celular. A criança nasce despida de tudo, pois a intimidade do parto logo está nas redes sociais circulando o universo comunicativo que inclui parentes, amigos e uma legião de seguidores desconhecidos. O parto de uma criança nos dias de hoje é algo público, transparente, compartilhado. O trabalho do médico e de seus assistentes é monitorado on time. Não existe mais aquele entra e sai das parteiras e o parto em si não é mais assunto de adultos, reservado, tratado com poucas e inaudíveis palavras em cômodos recolhidos da casa. Mas, qual a relação entre este evento social e o nosso trabalho?

Bem, podemos dizer que a Ouvidoria e os demais canais de comunicação e controle social das instituições ingressam na vida das organizações com a promessa de satisfazer o anseio popular de participação nos eventos políticos dos quais nascem políticas públicas que afetam suas vidas. Os legisladores e os gestores estatais não são mais “parteiros” que tratam da coisa pública com a reserva própria dos “partos sociais” de antigamente. O “parto social” é cada vez mais público, transparente, compartilhado. Não se justifica mais o sigilo e a confidencialidade que marcam a história administrativa brasileira. A esfera pública estatal é uma “sala de parto” publicizada, monitorada eletronicamente, e os eventos que nela ocorrem logo estão nas redes sociais compartilhadas. Neste contexto, as Ouvidorias atuam como pontes comunicativas, ligando o mundo exterior e o mundo interior dos subsistemas sociais como canal que potencializa a participação do cidadão na formulação, acompanhamento e execução de políticas públicas.

Estabelecidas estas premissas, procuramos desenvolver nossos argumentos, partindo de uma base teórica para chegarmos à descrição final do funcionamento de algumas Ouvidorias de Justiça. Desta forma, estabelecemos as bases de nossa investigação. Durante as leituras preliminares, percebemos um esforço de modernização do Estado brasileiro cujas estruturas guardavam traços patrimonialistas herdados do período colonial. Para interpretar algumas estruturas do Estado, julgamos conveniente dialogar com Max Weber, pioneiro que analisou a burocracia e as formas tradicionais de dominação social.

Com Weber, notamos que a gestão patrimonialista apresenta alto grau de corrupção e nepotismo. Para combater estas disfunções sociais, vão surgindo entidades públicas e privadas que monitoram as condutas dos gestores públicos. A demanda social por transparência e moralidade pública impõe mudanças de conduta, de procedimentos, de estruturas e de bases normativas. Cada vez mais, fecha-se o cerco em torno daqueles que gerenciam a máquina pública. Somando-se a isto, a tecnologia de informação facilita o acesso das pessoas aos bancos de dados e às práticas administrativas que não conseguem mais ocultar-se por trás de procedimentos e rituais administrativos opacos.

A irracionalidade administrativa é combatida com requintes de sofisticação. Há um movimento de introdução de bases científicas na gestão pública. As universidades passam a desenvolver linhas de pesquisa com foco na transparência e eficiência do serviço público. Existe uma rede social que se fortalece progressivamente. Quanto mais transparência, mais participação social. Assim vamos chegando a um ponto em que as relações entre Estado X Cidadão podem se tornar mais democráticas. A organização burocrática tende, com isto, a ganhar um novo sentido, desde que se tomem alguns cuidados. Em se falando de controle da Administração Pública, é preciso dosar bem a pílula para que não fiquemos aprisionados em jaulas de ferro weberianas, onde se perdem as noções de meio e fim. O excesso de controle pode prejudicar a eficiência do serviço público, pois o temor da censura e o incômodo do monitoramento invasivo tende a levar o indivíduo para a inação. Se todo erro for punido objetivamente, é melhor não errar. Diante do risco da sanção, é possível que se desenvolva uma lógica de defesa perversa: erra menos quem trabalha menos, quem se expõe menos ao risco. Onde ficaria a criatividade e a espontaneidade na prestação de serviço, quando qualquer desvio procedimental pode implicar sanção e expiação pública? Tudo parece estar interligado em uma rede sistêmica de grandes proporções.

Desta forma, em nossas observações, identificamos a recorrência de termos como: sistema, gestão e controle. Nos dias de hoje, sistema é um termo utilizado com vários significados: sistema social, sistema de informática, sistema de ouvidorias, sistema judiciário, etc. Assim, consideramos pertinente dialogar com Niklas Luhmann em razão de seus profundos estudos sobre o funcionamento do sistema social. Em sua Teoria Social, interessam-nos elementos como abertura cognitiva, comunicação e linguagem.

Luhmann concebe os sistemas como um tipo de organização diferenciada do seu meio ambiente. Isto não implica isolamento. Ao contrário, os sistemas se comunicam com o meio através de canais de abertura cognitiva. Recebem as manifestações externas graças aos sucessivos acoplamentos estruturais que se estabelecem por meio da comunicação, funcionando com códigos linguísticos próprios do tipo binomial.

Neste aspecto, as Ouvidorias podem atuar como estruturas comunicativas. Através delas, ocorreriam acoplamentos estruturais; e por elas ingressariam manifestações do meio ambiente que seriam processadas internamente conforme o funcionamento de cada sistema. O material de trabalho das Ouvidorias é a comunicação veiculada através da linguagem. O propósito delas, no entanto, não é

somente receber inputs do meio ambiente. Elas também recebem manifestações do público interno.

Notamos também que a doutrina especializada em Ouvidorias frequentemente cita Habermas para caracteriza-las como mecanismo de ativação da cidadania participativa. Também os teóricos que tratam da Nova Administração Pública fazem referência explícita a ele. Sustentam que os mecanismos de controle social integram a pauta de democratização das relações entre Estado X Cidadão. Neste sentido, procuramos analisá-las sob a ótica da ação comunicativa e mudança estrutural da esfera pública, integradas em um sistema social democrático onde o Direito exerce função mediadora entre os demais subsistemas sociais. Exercendo a crítica interna das organizações e facilitando o diálogo social, os especialistas no tema consideram-nas como instâncias de mediação e resolução consensual de conflitos.

Estabelecidas tais premissas teóricas, traçamos uma linha do tempo analisando o papel da Ouvidoria colonial e da Ouvidoria republicana. Há uma razão para isto. Atualmente, fala-se muito em ombudsman e defensor del pueblo como paradigmas da Ouvidoria brasileira. Diante disto, não podemos avançar a pesquisa sem considerar a importância da Ouvidoria no Brasil colônia expondo pontos de contato e afastamento em relação ao seu paradigma republicano. Para marcar bem que são coisas distintas, identificamos cada uma com um adjetivo cuja função é situá-las no tempo conforme a estrutura política de suas épocas, desta forma: Ouvidoria colonial e Ouvidoria republicana.

A Ouvidoria colonial atuou em um ambiente tipicamente patrimonialista. Um tipo de sociedade arcaica em transição. Os arranjos políticos que se estabeleciam entre Ouvidores e as elites locais, desviando a finalidade de sua atividade de controle em nome do Rei, bem demonstram o tipo de dominação e os vícios que imperavam na época. Na sociedade colonial não havia uma nítida separação entre o público e o privado. Neste ponto, julgamos apropriada a leitura de Habermas. A sociedade colonial, pois, representava o estágio inicial do desenvolvimento da sociedade brasileira e da progressiva consolidação do Estado republicano.

Da Ouvidoria colonial, regida pelas Ordenações portuguesas, passamos a analisar outros canais de comunicação e controle administrativo nas Constituições brasileiras. Ao examinarmos os textos constitucionais do Império à República, percebemos a progressiva consolidação do Estado republicano e o incremento de canais de controle social ao longo do tempo, como suposto em nossa hipótese de trabalho. No texto da Constituição de 1988, vamos encontrar uma linguagem jurídica focada na valorização da pessoa humana e nos valores do Estado Democrático de Direito. Ela marca um território de cidadania participativa, no qual as instituições vão se abrindo progressivamente às demandas sociais. Não basta ser uma democracia representativa. Deveríamos ir mais além, formatando um modelo participativo de organização política. Desta forma, o anseio por informação e transparência pública pressionaram as instituições neste movimento de abertura cognitiva e aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados ao cidadão.

Se as técnicas administrativa e jurídica contribuem para o funcionamento científico dos subsistemas sociais, objetivamente considerados; não podemos negar que a participação social e a construção de espaços públicos democráticos e aces síveis devem considerar as subjetividades com todas as suas diferenças, naquilo que Marcelo Mello (2012) em outro contexto denominou transações de intersubjetividades. A esta altura, parece-nos justificável supor pontos de contato entre algumas categorias utilizadas por Habermas e Luhmann, até porque ambos partem da escola teórica de Talcott Parsons que baseia suas investigações na ação social, que por sua vez nos remete a Max Weber e seu esforço pioneiro de compreensão da ação social e das formas tradicionais de dominação.

No bojo da Constituição de 1988, tivemos contato com as bases normativas da Reforma Administrativa que instalou o modelo de gestão gerencial; modelo este que vem se multiplicando na Administração Pública em todas as esferas de Poder. Além do modelo gerencial defendido por Bresser Pereira, observamos outra forma de gestão pública: modelo societal. Através de um estudo crítico minucioso, De Paula (2005) nos apresentou cada um deles como paradigmas empregados respectivamente nos Governos Cardoso e Lula.

Ao modificar os paradigmas da Administração Pública brasileira, procurou-se implementar vários canais de participação e controle social. Foram criadas agências reguladoras e outros mecanismos de controle e accountability. Bresser Pereira (2006) faz referência expressa ao ombudsman. Em várias ocasiões, ombudsman e Ouvidorias são empregados como sinônimos, apesar das diferenças marcantes entre eles.

Verificamos também que as Ouvidorias republicanas começam a ser integradas nas organizações privadas e públicas, antes mesmo da Reforma Administrativa ou do Poder Judiciário que lhe sucedeu. Este movimento de criação de espaços públicos de cidadania ocorreu da periferia para o centro, de baixo para cima; ou seja, partiu de fora das estruturas tradicionais de controle do serviço público. Em face de sua crescente popularidade, tais canais de comunicação social foram sendo integrados às estruturas oficiais do Estado. A consolidação do Estado republicano ocorria em paralelo com a crescente conscientização dos cidadãos quanto aos seus deveres e direitos. A participação popular na esfera pública ganhava contornos de direito cívico e dever de cidadania.

Neste ritmo, pela primeira vez a Constituição vai tratar do tema ao prescrever a criação de Ouvidorias de Justiça (EC 45/04). Neste ponto, podemos descrever o processo de criação das Ouvidorias, comparando-as com institutos afins. Considerando que elas podem integrar um leque de canais de comunicação e controle social que atuam como mecanismos de ativação da cidadania, julgamos pertinente abrir espaço para descrever alguns destes canais que surgiram entre nós no período de abertura institucional e consolidação do Estado Democrático de Direito.

Ao tratarmos dos trajetos e das percepções sobre Ouvidorias, fizemos uma descrição cronológica de alguns eventos que marcaram o seu processo de consolidação como instrumento de cidadania participativa e democratização das relações entre cidadãos e instituições. Analisando a opinião de especialistas, procuramos descrever as percepções de cada um deles destacando algumas características mais recorrentes.

Em seguida, procuramos descrever cada instituto afim ou assemelhado às Ouvidorias, sem deixar de inserir no texto alguma reflexão e crítica pontual. Observamos que se fala muito em Corregedoria e seu papel na correção de conduta dos Magistrados. A crônica diária dá conta de inúmeros embates travados no âmbito da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Considerando sua importância no subsistema judiciário nacional, iniciamos nossa análise por ela como órgão controlador, censor e decisório.

Resistências ao controle social demonstram que modernização do Estado é muito complexa. Na maioria dos casos, impera entre nós administrações centralizadas e centralizadoras, bem como gestores patrimonialistas que resistem a todo tipo de controle externo. Desta forma, corrupção e nepotismo são males que se perpetuam em que pese haver uma sofisticada rede de controle em construção. Neste aspecto, a Controladoria – Geral da União foi criada para aperfeiçoar o funcionamento da Administração Pública, melhorando sua estrutura e procedimentos. Aliado a este esforço de aperfeiçoamento, investe pesado na formação e qualificação dos servidores públicos. Apesar de garantir acesso ao cidadão e com ele se comunicar não se confunde com a Ouvidoria, tanto que possui sua própria Ouvidoria e um sistema interno de Ouvidorias do Poder Executivo Federal.

O Ministério Público é outro instituto que não se confunde com a Ouvidoria. Ao contrário dela, possui competências constitucionais figurando como instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo a ele a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Possui legitimidade para agir em juízo, capacidade processual que não cabe à Ouvidoria.

O Serviço de Atendimento ao Consumidor tem um viés mercadológico acentuado. Atua na ponta do consumo e tem como objetivo monitorar as diversas fases da relação consumerista, procurando com isto identificar o perfil do consumidor, seu grau de satisfação, nichos de consumo, além de procurar fidelizar o cliente diante de um mercado altamente competitivo. Apesar da comunicação estabelecida com o cliente, não se confunde com a Ouvidoria porque ela tem atuação mais ampla atuando como crítico interno das instituições.

Dentre todos, o Defensor del Pueblo é o que mais se aproxima das Ouvidorias. No entanto, com elas não se confunde. Trata-se de instituto estrangeiro que atua na defesa dos cidadãos sem vincular-se a determinada organização pública ou privada. Ele normalmente está vinculado ao Parlamento, agindo fora das estruturas hierarquizadas onde normalmente atuam as Ouvidorias. Seu grau de autonomia não se reproduziu entre nós. Somente o Ministério Público goza de tamanha autonomia, mesmo que desvinculado do parlamento. Ainda assim, MP e Defensor del Pueblo igualmente não se confundem entre si, como será visto ao longo do capítulo terceiro.

Por fim, o Ombudsman é o instituto mais próximo das Ouvidorias brasileiras, atuando como crítico interno das Organizações. Por esta razão, alguns tratam deles como sinônimos. No entanto, sua descrição permitirá concluir que apesar de muito próximos também não se confundem.

Com a descrição de cada instituto, mais do que apresentar uma análise crítica de cada um deles, pretendemos demostrar que eles integram o processo de consolidação do Estado republicano brasileiro, à exceção do Defensor del Pueblo. Juntamente com as Ouvidorias, podem contribuir para democratizar as relações entre organizações e seu público, ativando a cidadania participativa e fortalecendo as bases do Estado Democrático de Direito.

No plano empírico, observamos o trabalho de algumas Ouvidorias de Justiça. A princípio, iríamos analisar a Ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Ao notarmos o grau de sofisticação da Ouvidoria – Geral da União, servindo de paradigma para a gestão publica nacional, procuramos estender nosso campo de observação. Haveria um salto injustificável se não considerássemos também a Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça. Isto porque ela funciona como o centro de um sistema nacional de Ouvidorias Judiciárias, no qual a Ouvidoria do TRT está interligada. Notamos também que o subsistema judiciário está organizado hierarquicamente em forma de pirâmide. Assim, mostrou-se conveniente e necessário descrever as Ouvidorias do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, completando a linha ascendente que liga a Ouvidoria do TRT e todas as demais instâncias judiciárias superiores a ela.

Na ocasião, analisamos indicadores de desempenho da Ouvidoria do CNJ e da Ouvidoria do TRT do Rio de Janeiro. A leitura deles teve um propósito: confirmar que as Ouvidorias podem atuar como mecanismo de controle interno do subsistema administrativo.

Chegado a este ponto, supomos estabelecer uma linha progressiva de argumentação. Através dela, verificamos o funcionamento das Ouvidorias como canais de comunicação e controle social das instituições, facilitando o acesso do cidadão às informações de seu interesse. Integradas ao Estado, elas atuariam como mecanismos de ativação da cidadania e democratização das relações entre Estado e Cidadão. Tudo isto vem ocorrendo em um cenário de progressiva consolidação do Estado republicano, numa palavra: Estado Democrático de Direito.

 

3 CONCLUSÃO

Como procuramos demonstrar, existe um movimento de progressiva consolidação do Estado republicano no Brasil, no qual se institucionalizam mecanismos descentralizados de controle da Administração Pública.

A respeito da consolidação do Estado republicano, o estudo da Ouvidoria colonial contribuiu imensamente para desenvolvermos nosso trabalho. A descrição histórica apresentada por Mello (2009) permitiu-nos observar o surgimento de arranjos locais como forma embrionária dos movimentos de emancipação que viriam a seguir: proclamação da independência e proclamação da república. Mas, sejamos francos, nem uma e nem a outra provocaram considerável ruptura com o modelo de dominação patriarcal que herdamos do período colonial. No entanto, representaram os primeiros passos de um lento e progressivo movimento de transformação da sociedade brasileira, ainda em fase de consolidação.

Diante do que foi exposto, podemos intuir que a ruptura de paradigmas sociais não ocorre da noite para o dia. Em muitos casos, rupturas lentas e quase imperceptíveis produzem mais efeito do que transformações bruscas de grande impacto imediato. Até mesmo as revoluções, com todo o impacto destruidor (racional e irracional) que as acompanha, não ocorrem de imediato como pode supor a intensidade da força lançada contra o inimigo. A ruptura de um paradigma assemelha-se ao rompimento de um dique. Neste momento, percebemos a força da água furiosa demolindo estruturas com sua infantaria composta por uma turba de ondas gigantes que tudo leva e tudo destrói. Barulho e confusão que amedrontam diante do futuro incerto por vir.

A consolidação do Estado republicano brasileiro parece seguir a toada de uma revolução silenciosa de longa duração. Com o movimento brusco das águas, existem transformações sociais em forma de avulsão[2]. O caso brasileiro nos remete a outra imagem, se a metáfora permitir. A transformação da esfera pública em nosso país parece seguir o movimento lento, gradual e progressivo da aluvião[3]. Recordemos o mote da abertura política na década de 80: distensão lenta, gradual e progressiva. Alguma coisa em comum?

A leitura das Constituições brasileiras parece confirmar a hipótese. Em que pese os momentos de instabilidade política, o Brasil avançou no processo de consolidação de suas instituições democráticas. A luta contra o patrimonialismo está presente em cada reforma levada a cabo com o propósito de tornar a Administração Pública mais transparente, ofertando serviços mais eficientes ao cidadão. Neste sentido, devemos destacar as EC nº 19/98 e 45/04.

A EC 19/98 foi inspirada no modelo de gestão gerencial preconizado pelos teóricos da Nova Administração Pública. Mesmo aqueles que pretendiam implantar um modelo de gestão societal, como diagnosticado por De Paula (2009), não abandonaram os fundamentos da gestão empresarial do Estado.

As Constituições republicanas contêm de alguma forma mecanismos de controle da Administração Pública. Na década de 60, vamos encontrar um projeto de reforma administrativa do tipo gerencial, consolidada no Decreto-Lei 200/67. No entanto, o modelo gerencial será constitucionalizado através da EC 19/98. Bresser Pereira será o grande teórico e construtor dos argumentos para implantação do modelo gerencial na Administração Pública. Expressamente defenderá o modelo gerencial, a criação de mecanismos de controle social, accountability, e profissionalização dos servidores públicos. Havia nítido projeto de construção de um Estado republicano.

Até aqui consideramos verificada parte da hipótese sugerida. Resta saber se a consolidação do Estado republicano facilita o desenvolvimento de mecanismos de controle social das instituições. Ora, a criação de mecanismos de controle soa como consequência natural de um Estado desta natureza. Alguém poderia objetar dizendo que nos períodos colonial e imperial abundavam mecanismos de controle. A própria Inquisição não passava de um tipo de controle violento e supostamente eficiente. A objeção faz sentido. Onde há poder, há controle. Mas, o controle a que nos referimos é do tipo social e participativo. Talvez seja por esta natureza que Bresser Pereira vai recorrer a Weber e a Habermas para criticar os paradigmas a serem superados, enaltecendo os que estavam por vir.

Diga-se de passagem, que o controle social participativo, baseado no diálogo e na ocupação de espaços públicos de cidadania, necessita de um ambiente no qual estejam bem definidos os interesses públicos e privados, e o papel do Estado e da iniciativa privada restem bem delimitadas. Assim sendo, o Estado Democrático de Direito emerge como ambiente adequado para o desenvolvimento de mecanismos de controle social. Com exceção das Constituições de 1824, 1937 e 1969, as demais estabeleciam uma atmosfera democrática para o desenvolvimento destes mecanismos de controle. A Constituição de 1988 avançou mais ainda ao estabelecer tais mecanismos em seu texto: tribunais de contas, agências reguladoras, ouvidorias de justiça etc.

Se o Estado republicano contribuiu para o desenvolvimento do controle, podemos avançar e confirmar a hipótese de que as Ouvidorias integram estes mecanismos de participação social. O próprio Bresser Pereira afirma categoricamente que o ombudsman integra a estratégia de controle social. De Paula sinaliza na mesma direção. Pó e Abrucio (2006), expressamente fazem referência à Ouvidoria quando analisam a função das agências reguladoras. Nos sites consultados ela se apresenta ora como mecanismo de transparência e acesso à informação, ora como instrumento de controle e participação social.

Os mapas estatísticos consultados permitem ver claramente que as Ouvidorias recebem significativo número de manifestações de pessoas físicas e jurídicas, profissionais do direito e leigos. Os indicadores sugerem que elas podem atuar como instrumentos de ativação da cidadania participativa. Estaríamos diante de um ativismo cidadão, muitas vezes confundido como ativismo judicial. Isto porque, quando a cidadão dirige-se ao Estado, apresentando demanda que requer solução prática, nada mais faz do que ativar seu direito de participação na ordem social constituída. O Estado não pode negar a prestação prometida. No caso do Poder Judiciário, impera o princípio do non liquet[4]. Segundo ele, uma vez deduzida à pretensão o juiz tem o dever de pronunciar-se sobre ela. Neste caso, não teríamos um ativismo judicial como forma ilícita de usurpação da competência de outro Poder; estaríamos diante, isto sim, de um tipo específico de ativação da cidadania (ativismo cidadão).

 

Diante do exposto, a Ouvidoria estaria realmente contribuindo para democratizar a relação entre Estado e Cidadão, ativando a cidadania participativa? Para indicar que estamos diante de uma sentença verdadeira, basta consultar a página eletrônica da Ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Nela, encontramos a seguinte expressão: “Aqui trabalham pessoas que acreditam na democracia, na liberdade de expressão e no exercício da cidadania!”. (http://www.trt1.jus.br/web/guest/ouvidoria). O diálogo social que se estabelece entre instituições e cidadãos é naturalmente assimétrico. De um lado, temos grandes corporações organizadas em forma de complexas redes hierarquizadas e uma infinidade de procedimentos internos de difícil manejo e compreensão. A proposta da Ouvidoria é justamente facilitar o diálogo das partes envolvidas em algum tipo de disfunção comunicativa. Como verificado ao longo das abordagens empíricas, ela atua como facilitador do diálogo, restaurando vínculos e relações estremecidas. Costuma atuar de forma imediata com linguagem clara, desimpedindo o diálogo e fortalecendo a crença na solução pacífica das controvérsias. Mediando conflitos, leva à alta administração das organizações opiniões, críticas, sugestões e denúncias de qualquer pessoa por mais simples que seja sem discriminação de qualquer tipo. Logicamente, estamos falando de uma Ouvidoria realmente comprometida com sua função social, capacitada para agir com autonomia e realizar a crítica interna das instituições sem receio de represálias. Neste contexto, mesmo com todas as dificuldades pontuadas, podemos dizer que elas desempenham importante papel para democratizar o acesso às instituições.

O desempenho da Ouvidoria pode multiplicar os acessos dos cidadãos, ativando cada vez mais a cidadania e a crítica social. Neste sentido, entendemos como crítica social não somente aquela destinada a indicar falhas sistêmicas. Faz parte da crítica social os elogios, as manifestações de agradecimentos e as sugestões ofertadas. Não podemos desconsiderar que as reclamações e as denúncias funcionam como críticas positivas também, pois permitem ao gestor identificar procedimentos e condutas desviantes que comprometem a eficiência dos serviços públicos e a imagem das instituições.

Enfim, o nosso trabalho baseou-se em pesquisa documental e observação empírica junto à Ouvidoria do TRT da 1ª Região. Recorremos também a autores especializados no tema, frequentando o Encontro Nacional de Ouvidores Públicos realizado no TRF da 4ª Região. Além disto, participamos de inúmeros congressos e seminários testando a hipótese apresentada e o recorte teórico utilizado. Concentramos nossa atenção nas Ouvidorias de Justiça porque inseridas diretamente no texto constitucional. Além disto, consideramos a centralidade do Poder Judiciário na crônica diária. Ele tem sido objeto de investigação quanto à sua capacidade de prestar um serviço público acessível, transparente e eficiente. Tais razões justificaram o delineamento do trabalho que se encerrou com a análise parcial do sistema de Ouvidoria de Justiça.

Considerando a existência de outras tantas Ouvidorias públicas e privadas, distribuídas nas mais diversas esferas dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, bem como por todas as unidades da Federação (Estados e Municípios), há uma riqueza de detalhes a serem explorados, aguardando a iniciativa de outros pesquisadores que poderão ofertar ao público trabalhos mais profundos do que este que ora entrego aos leitores. Sintam-se, pois, convidados a explorar este universo comunicativo, democrático e participativo.

 

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Legislação

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BRASIL, República Federativa do. Código Civil.

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BRASIL. Estados Unidos do. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937).

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CORREGEDORIA DO CNJ. Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 103 de 2010.



[1] Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense - Departamento de Direito de Macaé e analista judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense (2000), mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2013) e doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2018).

[2] Avulsão, segundo o Código Civil brasileiro: Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

[3] Aluvião, segundo o Código Civil brasileiro: Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

[4] Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973).