NARRATIVA PROCESSUAL

 ética no discurso jurídico

José Antonio Callegari[1]

Universidade Federal Fluminense

calegantonio@yahoo.com.br

Marcelo Pereira de Mello[2]

Universidade Federal Fluminense

mpmello@unisys.com.br

 

1  INTRODUÇÃO

Neste trabalho, apresentamos um recorte de nossa pesquisa de doutorado. Nela, investigamos a narrativa processual, procurando identificar a interação comunicativa que se desenvolve no processo até a decisão judicial. Partindo da narrativa estruturada pelo legislador, observamos as estratégias argumentativas das partes e do juiz. Notamos, com isto, que existem na relação processual dois argumentos com pretensão de verdade em contraditório.

O discurso desenvolvido no processo segue uma estrutura lógica com duplo objetivo: expor os fatos em juízo e formar o convencimento judicial. Neste sentido, estamos diante de uma narrativa não ficcional, uma vez que fundada em fatos ocorridos no mundo real.

No caso brasileiro, via de regra, o narrador é um advogado que representa a parte, vez que vigora no Brasil o princípio do jus postulandi. Em outras palavras, somente o advogado, em certos casos, pode ingressar com ações judiciais representando seu cliente. Por esta razão, predomina a narrativa em terceira pessoa. Assim sendo, o advogado como narrador detém uma autoridade epistêmica que lhe confere legitimidade para atuar em juízo na defesa do seu cliente. Mas, o domínio epistêmico de natureza jurídica não é suficiente para uma performance comunicativa eficiente. É na situação de contexto que ele desenvolve um segundo elemento fundamental para narrar os fatos em juízo. Trata-se da fluência cultural (Mello, 2014), cuja aquisição depende do uso adequado de certos dispositivos cognitivos. Certamente, o ambiente institucional e as regras processuais diferenciadas impactam o tipo de narrativa desenvolvida e a fluência cultural adquirida.

Por outro lado, a narrativa além de expor os fatos visa também formar a convicção do juiz quanto à veracidade dos argumentos apresentados. Assim, a narrativa das partes é recebida pelo juiz como um emaranhado de argumentos cuja complexidade será reduzida progressivamente até que esteja em condições de proferir sua decisão. Este processo de redução de complexidade acentua-se na fase da instrução processual, onde o juiz fixa os pontos controvertidos, determina a produção de provas e confere aos litigantes a oportunidade para expor suas razões oralmente. Diante desta complexa interação discursiva, supomos ainda que o magistrado investe-se de uma dúvida radical do tipo cartesiana, uma vez que ele está diante de argumentos contraditórios com pretensão de verdade. A dúvida radical não é de natureza subjetiva. Pelo contrário, sua natureza é objetiva, uma vez que ele deve instruir o processo e julgar a demanda com imparcialidade. Além desta redução cartesiana, supomos também que o juiz opera com um tipo de redução luhmaniana. Isto porque, a redução sistêmica da complexidade apresentada pelas partes é requisito necessário para esclarecimento dos fatos deduzidos e formação de seu livre convencimento motivado. No entanto, faltaria ao percurso narrativo e ao procedimento reducionista do juiz algo fundamental: a ética discursiva habermasiana. Por esta razão, o direito processual brasileiro estabelece para as partes o dever de argumentar em juízo conforme a verdade, em atitude colaborativa e de boa-fé; impondo igualmente ao juiz o dever de imparcialidade, de fundamentar suas decisões, de conceder às partes igualdade de tratamento em contraditório, de assegurar ampla defesa, e de se afastar do caso em situações de impedimento ou suspeição. Ao produzir sua decisão em forma de sentença, o juiz adota outro papel: narrador oficial. Seu discurso tem dupla natureza. Uma expositiva das razões que lhe formaram o convencimento e outra decisória, amparada na fundamentação argumentativa que seu pronunciamento.

Diante destas evidências, tratamos neste artigo dos marcadores deônticos[3] e da ética discursiva, propondo um estudo menos dogmático do direito.

 

 

2 DESENVOLVIMENTO

Como destacado, adotamos o Código de Processo Civil vigente[4] como referencial normativo de nossa pesquisa, uma vez que contém minuciosa sistematização da ética discursiva desenvolvida na relação processual. O percurso discursivo das partes começa através de uma petição inicial[5] desenvolve-se através da reposta do réu, encerrando-se com a sentença como último ato discursivo no processo. Através da petição inicial, o autor deve demonstrar interesse e legitimidade para ingressar com sua pretensão em juízo. A legislação processual estabelece que qualquer pessoa no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo, salvo os incapazes que serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores. Trata-se de um marcador deôntico quanto à capacidade e responsabilidade enunciativa das partes.

Em seguida, o Código de Processo estabelece os deveres das partes e dos seus procuradores[6]. Elas deverão expor os fatos em juízo conforme a verdade, procedendo com lealdade e boa-fé. Desta forma, não devem formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento e nem produzir provas ou praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração e/ou defesa de direitos. Pretende o legislador que elas não criem embaraços ao andamento processual, agindo em colaboração para uma duração razoável do processo. Assim sendo, o enunciado elaborado em suas petições não deve conter expressões injuriosas, cabendo ao juiz mandar riscá-las ou, quando proferidas em defesa oral, advertir o enunciador que não as use, sob pena de cassação da palavra.

Os marcadores deônticos estabelecem ainda a responsabilidade das partes por dano processual quanto houver pleito de má-fé[7]. A má-fé processual decorre de pretensão ou defesa contra texto expresso em lei ou fato incontroverso; alteração da verdade dos fatos; uso do processo para conseguir objetivo ilegal; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados ou interposição de recurso com manifesto intuito protelatório.

Incidindo em litigância de má-fé, o juiz deve condenar o litigante a pagar multa, além de indenizar a parte contrária dos prejuízos sofridos, mais honorários advocatícios e despesas efetuadas. Podemos acrescentar que se a parte retardar o andamento do processo como estratégia processual também viola a ética processual. Assim, o CPC impõe o dever de o réu alegar em sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor na primeira oportunidade que lhe for concedida para falar nos autos.

Considerando que o discurso jurídico segue marcadores normativos redigidos em linguagem técnica, estabelece o CPC que a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Desta forma, o legislador considera a autoridade epistêmica do advogado como enunciador habilitado na técnica do discurso jurídico, em sintonia com o preceito constitucional segundo o qual o advogado é indispensável à administração da justiça. Contando com a assistência do advogado, fica assegurada à parte, em tese, um equilíbrio discursivo, uma vez que o juiz é dotado também de autoridade epistêmica, pois igualmente habilitado nas letras jurídicas. Situações existem nas quais a parte pode deduzir sua pretensão em juízo independente de assistência advocatícia, como na audiência de conciliação nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho. Na prática, no entanto, é muito arriscado ingressar em juízo ou deduzir defesa sem assistência de um advogado. O sistema judicial trabalha com um código linguístico próprio do qual, via de regra, não abre mão para melhor entendimento das partes. Até porque a linguagem jurídica rotineiramente funciona como marcador da autoridade epistêmica do juiz, delimitando espaços de ação e de poder na relação judicializada.

Além da autoridade epistêmica, juiz exerce também sua autoridade deôntica, para a qual goza de poderes e deveres processuais[8]. Assim sendo, o juiz não pode conhecer de questões não suscitadas pelas partes, assim como nos casos em que a lei exige sua iniciativa. Nos casos em que as partes se sirvam do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, ele poderá sentenciar impedindo que elas alcancem o seu objetivo.

Estabelece o CPC os limites da decisão judicial[9], nos termos como foi proposta pela parte autora. Assim sendo, o juiz não pode conhecer de questões não suscitada por ela, assim como nos casos em que a lei exija sua inciativa.

Proferindo a decisão, amparada em sua autoridade epistêmica e deôntica, o juiz aprecia livremente a prova, observando os fatos e as circunstâncias constantes nos autos, indicando os motivos de seu convencimento[10]. Observe-se que o legislador vai delimitando objetivamente o percurso discursivo das partes e do juiz, naquilo que podemos chamar de narrativa processual estruturada.

Prossegue o CPC fixando marcadores deônticos para a atuação do juiz. Assim, estabelece sua responsabilidade por perdas e danos em casos de dolo, fraude e retardo injustificado de providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Visando manter a integridade ética no processo, prescreve o afastamento do juiz em casos de impedimento e / ou suspeição[11].

Até aqui, procuramos demonstrar a existência de uma narrativa estruturada no CPC seguindo marcadores deônticos cujos principais destinatários são as partes e o juiz. Por esta razão, o código estabelece os atos destes sujeitos processuais, delimitando sua liberdade de ação no processo. As partes podem declarar sua vontade, produzindo imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos no processo, enquanto o juiz profere despachos, decisões interlocutórias e sentenças. São atos que impulsionam o procedimento até seu momento final, quando ele resolve o litígio, substituindo a vontade dos litigantes, discursivamente expostas em contraditório, por sua vontade como agente político investido de jurisdição. Ao proferir a sentença[12], como ato final do processo, o juiz encerra o seu ofício jurisdicional e o percurso discursivo estabelecido em forma de silogismo jurídico. Em outras palavras, a sentença é o último ato discursivo no processo.

A ética discursiva que supomos existir na relação processual leva em consideração a igualdade de tratamento das partes para que defendam seus pontos de vista ou suas pretensões de verdade sem surpresas. Assim, após a citação, por exemplo, o autor não poderá modificar o pedido ou a causa de pedir sem o consentimento do réu.

Percebe-se que os marcadores deônticos do processo produzem efeitos desde o início da relação processual até o seu final, quando proferida a sentença. Uma argumentação jurídica ética tende a fortalecer os argumentos do enunciador induzindo o convencimento judicial a seu favor, como se dá nos casos de antecipação da tutela pretendida no pedido inicial[13]. Com base em prova inequívoca do fato alegado, o juiz, convencido da verossimilhança da alegação, pode antecipar efeitos práticos da sentença, atendendo com isto total ou parcialmente a pretensão deduzida pelo autor. Neste caso, ele deverá demonstrar a existência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação ou caracterização do abuso do direito de defesa do réu ou manifesto propósito protelatório. Ao proferir sua decisão antecipatória, o juiz deverá expor as razões de seu convencimento. Note-se que os marcadores deônticos impõe às partes e ao magistrado um dever ser performativo. Elas devem fundamentar os seus argumentos e o juiz deve demonstrar as razões de seu convencimento, afastando as hipóteses de decisões arbitrárias que muitas vezes são travestidas de discricionariedade judicial. Com isso, o legislador confere transparência ao procedimento, viabilizando o controle social dos atos do juiz. Claramente, o direito processual estabelece referenciais éticos para a performance discursiva dos sujeitos processuais.

Chegado a este ponto, observemos a estrutura da narrativa processual através das três peças mais importantes: petição inicial, contestação e sentença. A petição inicial é a primeira manifestação de vontade praticada no processo. Através dela, o autor narra fatos, expõe seus argumentos e deduz sua pretensão de verdade. No plano formal, o CPC estabelece alguns requisitos estruturantes da petição inicial, na qual a parte deve indicar:

I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;

II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido, com as suas especificações;

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;

VII - o requerimento para a citação do réu.

Além disto, a parte deve instruí-la com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Importante destacar o inciso III, no qual devem constar o fato e os fundamentos jurídicos do pedido. Verificando o juiz que a petição atende aos requisitos processuais, determinará a citação do réu. Caso não conteste a ação, os fatos alegados pelo autor podem ser reputados verdadeiros. Na linguagem jurídica, ocorrerá à confissão ficta, um tipo específico de presunção legal.

Existem situações que provocam o indeferimento da petição inicial, nestes termos: inépcia; parte manifestamente ilegítima; falta de interesse processual; decadência ou prescrição e procedimento incompatível. Interessa neste momento discorrer sobre a inépcia desta petição. Ocorre quando nela faltar pedido ou causa de pedir; da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente impossível e contiver pedidos incompatíveis entre si. Nestes casos, o juiz extingue o processo sem resolução do mérito. Podemos observar, com isto, que a petição inicial funciona como estrutura da narrativa dos argumentos da parte autora, onde deve narrar os fatos e construir argumentos lógicos na produção de um discurso coerente e coeso. Com apoio em Voese (2011), pensamos que não se trata de uma lógica rigorosamente formal. Trata-se de uma lógica que permita a conclusão de seus argumentos em situação de contexto e interação social, permeados por todas as possibilidades e falhas da linguagem humana.

Citado, o réu pode apresentar resposta em contraditório. Três são as repostas previstas no CPC: contestação, exceção e reconvenção. Neste trabalho, interessa-nos somente a contestação[14]. Nela, o réu deverá alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito que julgue necessárias para impugnar o pedido do autor, especificando as provas que pretende produzir. O réu contesta os fatos narrados na petição inicial, sob pena de incidir em preclusão[15]. Notamos aqui uma estrutura narrativa mais simples em relação à petição inicial, no entanto com efeitos processuais graves. Isto porque pesa sobre o réu o ônus da impugnação especificada. Deixando o réu de impugnar os fatos deduzidos pelo autor corre o risco de perder a demanda por causa dos efeitos da confissão presumida.

Havendo questões de fato que mereçam mais esclarecimentos, o juiz pode determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interroga-las em audiência de instrução e julgamento. Neste caso, ele fixará os pontos controvertidos. Assim, o juiz vai reduzindo complexidades (Luhmann, 2009) e depurando as fases processuais de atividades superadas ou inúteis à formação de seu convencimento, como típico observador sistêmico. Quando intimadas para a audiência, as partes são advertidas de que o não comparecimento ou a recusa a depor tem severa consequência processual: os fatos contra ela alegados se presumirão confessados. Note-se aqui um importante marcador deôntico que prevê a ação esperada (dever-ser) e a consequência imposta (sanção).

Outro marcador deôntico digno de nota impõe o dever de colaboração à parte interrogada. Deixando injustificadamente de responder ao que lhe for preguntado, ou empregar evasivas, o juiz declarará por sentença se houve recusa de depor, aplicando-lhe os efeitos da confissão presumida. Antes de aplicar a sanção processual, deverá analisar o fato juntamente com as demais circunstâncias e elementos de prova existente nos autos, o que a doutrina especializada chama de conjunto probatório.

Através do depoimento oral das partes, o juiz procura reconstituir aspectos importantes e circunstanciais dos fatos articulados por elas. Neste sentido, o código de processo utiliza o seguinte marcador deôntico: não poder servir-se de escritos adrede preparados, permitida tão somente a consulta a notas breves, visando complementar os esclarecimentos. Resguardando a intimidade das partes e o princípio de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, estão elas desobrigadas de depor sobre fatos criminosos ou torpes que lhes forem imputados ou a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar sigilo. Considerando a especificidade das relações familiares, esta isenção não se aplica em casos de ações de filiação, desquite e anulação de casamento.

A respeito dos fatos alegados em juízo, prescreve o legislador a confissão real ou ficta. Ocorre confissão quanto a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário, podendo ser judicial ou extrajudicial. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. No primeiro caso, lavra-se termo nos autos; e no segundo caso, o depoimento pessoal será transcrito em termo circunstanciado, lido e assinado pelo depoente. Quando a confissão espontânea for realizada por mandatário, exige-se dele poderes especiais para confessar. A confissão judicial provoca efeitos somente contra o confitente. Direitos há que não podem ser objeto de confissão, em razão de sua indisponibilidade jurídica. A confissão extrajudicial tem a mesma eficácia probatória da judicial, desde que feita por escrito à parte ou a quem a represente. Na maioria das vezes, a confissão é indivisível, não podendo a parte aceitar tópico que a beneficie e rejeitar no que lhe for desfavorável. Havendo fatos novos alegados, poderá ser cindida, desde que tais fatos sejam suscetíveis de constituir fundamento de defesa. A confissão, como se percebe, encurta o percurso discursivo, uma vez que encerra a dúvida sobre os fatos alegados na ação.

Na trajetória discursiva existente no processo, podem ocorrer alegações fundamentadas em documentos falsos. Neste caso, existe a possibilidade de arguição de falsidade, instaurando-se um procedimento para sua apuração. A parte contra quem foi produzido o documento tem o ônus de instaura-lo. Para esclarecer os fatos, o juiz poderá ordenar o exame pericial. Concordando a parte em retirar o documento impugnado por falsidade, o juiz poderá dispensar a perícia, desde que com isto concorde a parte contrária. O incidente de falsidade provoca a suspensão do procedimento até que a questão incidental seja resolvida. Através de sentença, o juiz declarará a falsidade ou não do documento impugnado.

A estrutura narrativa no processo prevê ainda a produção da prova testemunhal[16] como meio de se chegar ao esclarecimento dos fatos articulados em juízo. Para a coleta do depoimento das testemunhas, o legislador estabelece outro marcador deôntico, elencando aqueles que podem depor, excepcionando os incapazes, as pessoas impedidas ou suspeitas. Considerações psicológicas e morais fundamentam as restrições de impedimento e suspeição das testemunhas. Aquelas que podem depor são desobrigadas em casos de fatos que lhes acarretem grave dano, ao seu cônjuge e aos seus parentes, ou a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar sigilo.

As interações discursivas que estamos observando ocorrem em várias dinâmicas que se sucedem no tempo: petição inicial, contestação e sentença. Na audiência, por exemplo, o juiz exerce o poder de polícia, mantendo a ordem e o decoro, ordenando a retirada daqueles que se comportarem de modo inconveniente, até mesmo com força policial se necessário for. Como autoridade deôntica, ele dirige os trabalhos, coletando as provas pessoalmente, exortando os advogados e o órgão do Ministério Público para que discutam as causa com elevação e urbanidade. Durante os depoimentos das partes, não se pode intervir ou apartear, salvo mediante licença judicial. Exercendo seu poder de direção no processo, ele fixa os pontos controvertidos sobre os quais incidirá a instrução probatória, delimitando objetivamente o percurso discursivo a seguir. Primeiro, ele colhe o depoimento do autor e do réu, ficando por último o depoimento das testemunhas e os esclarecimentos do perito. Ao final da audiência, o juiz concede a palavra aos advogados das partes, bem como ao órgão do Ministério Público, para suas razões orais. Se a causa envolver questões complexas de fato ou de direito, as razões orais podem ser substituídas por memoriais escritos. Ao final do prazo concedido, o juiz proferirá a sentença.

A sentença é o último ato discursivo no processo, uma vez que não estamos considerando o desenvolvimento da relação processual nos casos em são interpostos recursos para a instância superior. Como estrutura narrativa, ela apresenta requisitos essenciais: relatório, fundamentação e dispositivo. Em cada um deles o juiz vai descrevendo sua percepção sobre as questões apresentadas pelos litigantes, analisando primeiro as questões processuais e depois as questões de mérito. Descreve as principais ocorrências no decorrer do procedimento, expõe as razões de seu convencimento juridicamente fundamentado e decide a causa, quando acolhe ou rejeita, no todo em ou parte, o pedido formulado pelo autor.

Sentença é um ato de autoridade que se legitima desde que observados os marcadores deônticos estabelecidos pelo legislador. Zelando pela ética do discurso judicial contido na sentença, o código proíbe que o juiz emita julgamento a favor do autor de natureza diversa da pedida; ou condene o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Em caso de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz pode conceder tutela específica da obrigação ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao seu adimplemento. Havendo fundamento relevante da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento final, ele poderá conceder liminar visando alcançar a finalidade pretendida pela parte requerente. Assim, fixará prazo razoável para cumprimento de suar ordem, impondo multa diária para constranger a parte intimada ao cumprimento.

Reforçando a observação de que o percurso discursivo encerra-se com a sentença, o juiz não pode alterar o seu teor, salvo para corrigir inexatidões materiais ou retificar erros de cálculo. Poderá ainda alterar o texto quando a parte opuser embargos de declaração. Trata-se de um recurso destinado ao próprio juiz em casos de contradição, obscuridade ou omissão na decisão proferida. Tais esclarecimentos e complementações são necessários em face das repercussões que a sentença provoca na vida das pessoas envolvidas na lide. Assim sendo, mais do que um ato de inteligência ela deve ser inteligível e justificável.

A Sentença como ato discursivo produz coisa julgada material. Neste caso, ela adquire força de lei nos limites da lide e das questões decididas. A coisa julgada impede que o juiz decida novamente as questões já apreciadas, relativas à mesma lide. No entanto, não é absoluta, podendo ser questionada quando os marcadores deônticos do processo não forem obedecidos pelo juiz, seja em caso de erro de procedimento, seja em caso de erro de julgamento. Havendo erros desta espécie e/ou nulidades absolutas no procedimento os inconformados e/ou prejudicados podem ingressar com recurso ou ação rescisória[17].

Até aqui, expomos o percurso narrativo no direito processual, observando marcadores deônticos que estabelecem os limites dos atos de fala das partes, advogados e juiz. A lógica discursiva prescrita pelo legislador tem como propósito estabelecer relações transparentes e colaborativas entre os sujeitos processuais. Desta forma, o dissenso existente entre elas é narrado conforme cálculos estratégicos que, por si só, não inquinam a premissa ética informadora do discurso processual. O processo, como método estatal de solução de controvérsias, resulta de um consenso social como marco civilizatório: as divergências devem ser resolvidas pela via dialógica, superando a vindita privada. Através dele, as partes podem solucionar suas divergências diretamente, mediação e conciliação, ou indiretamente através da intermediação judicial. Em todos os casos, a lógica sistêmica muito a gosto dos tribunais brasileiros tende a ser mitigada pela participação ética das partes e juízes no desenvolvimento da relação processual, emancipando a pessoa humana em sua dignidade existencial.

 

3 CONCLUSÃO

Analisando a estrutura discursiva no Código de Processo Civil, procuramos identificar marcadores deônticos que orientam a conduta ética dos sujeitos processuais. As partes apresentam suas pretensões em contraditório, produzindo discursos estratégicos, visando o êxito na demanda. Em que pese a racionalidade estratégica desenvolvida pelos litigantes, é possível defender a tese em favor da ética do discurso no desenvolvimento de uma relação processual emancipadora.

Em razão disto, fizemos uma detalhada busca destes marcadores deônticos. Eles revelaram que por trás do sistema processual operacionalmente fechado, no qual o juiz reduz complexidades como observador sistêmico, existe uma pauta ética a exigir dos sujeitos processuais condutas sinceras e colaborativas.

As pretensões de verdade do autor e do réu geram versões dos fatos (Voese, 2011), exigindo do juiz capacidade discursiva e dupla autoridade: epistêmica e deôntica. O conhecimento jurídico do magistrado, aliado à sua conduta imparcial, tende a legitimar sua decisão fundamentada no convencimento motivado, construído através de procedimento em contraditório.

Uma visão mais humana da relação processual leva-nos a considerar a interação discursiva no processo como elemento fundamental para uma guinada linguística no estudo e na prática do direito. Por esta razão, o Código de Processo Civil que entrará em vigor em 2016, como novo paradigma atitudinal, valoriza a linguagem processual simplificada e a ética discursiva como ferramenta essencial para a solução justa das demandas. A formalidade processual cede espaço para o exame do mérito, razão última das expectativas cognitivas das dos cidadãos em geral. Um Código de Processo Civil mais discursivo parece confirmar a hipótese aqui sustentada: menos formalidade e mais interação discursiva.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Rosangela. A modalização nos discursos de uma autoridade política e de uma autoridade religiosa. Revista de Ciências Humanas, v. 7, n. 1, p. 57-67, jan./jun. 2007. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/3551. Acesso em: 05 out. 2023

DESCARTES, René. Meditações metafísicas. Tradução de Homero Santiago. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2000.

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução: Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução: Ana Cristina Arantes Nasser. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

MELLO, Marcelo Pereira de. Imigração e fluência cultural: dispositivos cognitivos da comunicação entre culturas legais. Curitiba: Juruá, 2012.

THEODORO Júnior, Humberto. A preclusão no processo civil. Revista Jurídica, n. 273, p. 5.

VOESE, Ingo. Argumentação jurídica. Curitiba: Juruá, 2011.



[1] Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense - Departamento de Direito de Macaé e analista judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense (2000), mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2013) e doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2018).

[2] Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1984), Mestrado em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ (1988) e Doutorado em Ciência Política (Ciências Humanas) pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ (1996).

 

[3]  “A modalidade epistêmica situa-se no eixo do conhecimento do falante e exprime o grau de certeza em relação àquilo que é dito”. ALVES, Rosangela. A modalização nos discursos de uma autoridade política e de uma autoridade religiosa. Revista de Ciências Humanas, v.7, n. 1, p. 57-67, jan./jun. 2007. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/3551. Acesso em: 05 out. 2023

[4] Ao tempo de nossa pesquisa, o novo código de processo civil era somente um projeto de lei. Desta forma, os dados utilizados foram recolhidos do código de processo civil ainda vigente.

[5] Art. 282. A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu. Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. Art. 285. Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 1º O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.873, de 2013) § 2o O devedor ou arrendatário não se exime da obrigação de pagamento dos tributos, multas e taxas incidentes sobre os bens vinculados e de outros encargos previstos em contrato, exceto se a obrigação de pagar não for de sua responsabilidade, conforme contrato, ou for objeto de suspensão em medida liminar, em medida cautelar ou antecipação dos efeitos da tutela. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013).

[6] Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito. V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.(Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001) (Vide ADIM 2652, de 2002) Art. 15. É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. Parágrafo único. Quando as expressões injuriosas forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado que não as use, sob pena de Ihe ser cassada a palavra.

 

[7] Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) II - alterar a verdade dos fatos; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Incluído pela Lei nº 9.668, de 23.6.1998) Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. >(Redação dada pela Lei nº 9.668, de 23.6.1998) § 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).

[8] Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei. Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

[9] Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

[10] Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).

[11] Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. Seção II Dos Impedimentos e da Suspeição Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo. Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal. Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304). Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135; II - ao serventuário de justiça; III - ao perito; (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992) IV - ao intérprete. § 1o A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido. § 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

[12] Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pelo Lei nº 11.232, de 2005) § 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. § 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).

[13] Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).

[14] Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

[15] 3 - As modalidades de preclusão de faculdades das partes Depois de destacar os dois aspectos da preclusão - o objetivo (fato impeditivo que garante o avanço processual e obsta ao recuo para fases anteriores já superadas do procedimento) e o subjetivo (perda de uma faculdade processual já esgotada pelo exercício ou não exercitada na devida oportunidade), FREDERICO MARQUES, fiel ao esquema básico de CHIOVENDA, registra as três modalidades que o fenômeno pode ensejar: a preclusão temporal, a preclusão lógica e a preclusão consumativa. E assim identifica cada uma delas: a) "Preclusão temporal é a perda de uma faculdade processual oriunda de seu não-exercício no prazo ou termo fixados pela lei processual". Os exemplos típicos dessa modalidade são os que se passam quando o réu não apresenta a contestação no prazo previsto em lei, e quando a parte vencida não recorre em tempo hábil da decisão que lhe é adversa. Conclui FREDERICO MARQUES: "Não exercida a faculdade ou direito processual subjetivo in opportuno tempore, ocorre a preclusão" (sob a modalidade "temporal"). Com isso, "a fase anterior do procedimento fica superada e o movimento processual se encaminha, através de outros atos, em direção ao instante final do processo"14. b) "Preclusão lógica é a que decorre da incompatibilidade da prática de um ato processual com outro já praticado". São exemplos dessa modalidade preclusiva: a purga da mora que preclui o direito processual do réu de contestar a ação de despejo por falta de pagamento; o manejo da declinatoria fori, perante o juiz da causa, que preclui o direito de excepcioná-lo por suspeição15. c) Preclusão consumativa ocorre "quando a faculdade processual já foi exercida validamente". Funda-se ela, segundo FREDERICO MARQUES, "na regra do non bis in idem"16. No direito positivo brasileiro atual, essa modalidade preclusiva encontra exemplos no art. 471, in verbis: "Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão", bem como no art. 117, que prevê a extinção do direito de suscitar conflito de competência para a parte que antes tiver oferecido exceção de incompetência. Observa, outrossim, o grande processualista que "a preclusão temporal e a preclusão lógica são preclusões impeditivas. Já a terceira forma de preclusão, que é a consumativa, tem o caráter e a natureza de fato extintivo"17. THEODORO Júnior, Humberto. A preclusão no processo civil. Publicado na Revista Jurídica nº 273, p. 5.

[16] Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: I - já provados por documento ou confissão da parte; II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Art. 402. Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova testemunhal, quando: I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova; II - o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem em hotel. Art. 403. As normas estabelecidas nos dois artigos antecedentes aplicam-se ao pagamento e à remissão da dívida. Art. 404. É lícito à parte inocente provar com testemunhas: I - nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; II - nos contratos em geral, os vícios do consentimento. Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 1o São incapazes: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - o interdito por demência; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) III - o menor de 16 (dezesseis) anos; (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que Ihes faltam. (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 2o São impedidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) II - o que é parte na causa; (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 3o São suspeitos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) II - o que, por seus costumes, não for digno de fé; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) IV - o que tiver interesse no litígio. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). § 4o Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz Ihes atribuirá o valor que possam merecer. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I - que Ihe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

[17] Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: (Redação dada pela Lei nº 8.038, de 25.5.1990) I - apelação; II - agravo; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; Vl - recurso especial; (Incluído pela Lei nº 8.038, de 25.5.1990) Vll - recurso extraordinário; (Incluído pela Lei nº 8.038, de 25.5.1990) VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. (Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vvencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa; § 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. § 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato. Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.