ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE PESQUISA-AÇÃO NA INTERFACE COM A FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR

um diálogo a partir dos círculos argumentativos

Bárbara Rebecca Baumgartem França[1]

PPGE/UFES

 barbarabrbf@gmail.com

Mariangela Lima de Almeida[2]

PPGE/UFES

 mlalmeida.ufes@gmail.com

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Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar oito dissertações de mestrado do Grufopees/CNPq-Ufes produzidas entre anos de 2018-2021, dialogando com seus diferentes níveis e pressupostos técnicos, metodológicos, epistemológicos e filosóficos. Apoia-se na pesquisa qualitativa, do tipo bibliográfica, fundamentada na análise epistemológica do conhecimento. Toma os pressupostos da Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas, buscando dialogar com as produções em busca de consensos acerca do conhecimento produzido. Tem como participantes os autores-pesquisadores das dissertações, considerando para a produção, organização e categorização dos dados a “Matriz Epistemológica”. A análise de dados se fundamenta nos “Círculos Argumentativos”, que se constituem pela via do discurso expresso pelos argumentos explícitos nos “atos de fala” dos sujeitos, que “desproblematizam” no plano discursivo a respeito da ação/prática, buscando identificar as relações estabelecidas entre pesquisador e participantes, a constituição do problema de pesquisa, os processos de pesquisa, a compreensão da realidade e as intenções de mudança. Evidencia-se uma forte atuação do grupo em processos de transformação inerentes à perspectiva teórico-metodológica da pesquisa-ação colaborativo-crítica, concebidas na elaboração de processos de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar e de políticas para a formação em municípios capixabas. Nota-se a perspectiva do discurso expressa na aposta em empreender comunicativamente com os sujeitos de contexto um espaço de fala para expor opiniões por duas vias do discurso, tanto o discurso teórico, no qual as experiências e pretensões de verdade são tematizadas, quanto o discurso prático, no qual se tematiza e avalia se determinada norma de ação pode ser fundamentada.

Palavras-chave: Pesquisa-ação; formação continuada na perspectiva inclusão escolar; análise epistemológica.

ANALYSIS OF ACADEMIC PRODUCTION ON ACTION-RESEARCH IN THE INTERFACE WITH CONTINUING EDUCATION FROM THE PERSPECTIVE OF SCHOOL INCLUSION

a dialogue from the argumentation circles

Abstract

The present article aims to analyze eight master's dissertations from Grufopees/CNPq-Ufes produced between 2018-2021, discussing their different levels and technical, methodological, epistemological and philosophical assumptions.It is based on qualitative, bibliographical research, based on the epistemological analysis of knowledge. It takes the assumptions of Jürgen Habermas' Theory of Communicative Action, seeking to dialogue with productions in search of consensus about the knowledge produced. Its participants are the authors-researchers of the dissertations, considering the “Epistemological Matrix” for the production, organization and categorization of the data. Data analysis is based on “Argumentative Circles”, which are constituted through discourse expressed by explicit arguments in the “speech acts” of the subjects, which “de-problematize” on the discursive level regarding the action/practice, seeking to identify the relationships established between researcher and participants, the constitution of the research problem, the research processes, the understanding of reality and the intentions for change. There is evidence of a strong performance by the group in transformation processes inherent to the theoretical-methodological perspective of collaborative-critical action-research, conceived in the development of continuing education processes from the perspective of school inclusion and policies for training in municipalities in Espírito Santo. The perspective of the discourse expressed in the commitment to communicatively undertake a space of speech with the subjects of the context to express opinions can be noted through two channels of discourse, in the theoretical discourse, in which experiences and claims to truth are thematized, and the practical discourse, in which thematizes and evaluates whether a certain norm of action can be substantiated.

Keywords: Action-research; continuing education from the school inclusion perspective; epistemological analysis.

1  INTRODUÇÃO

A partir da ampliação das políticas públicas voltadas para o atendimento de estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE), houve um aumento das matrículas nas escolas públicas de ensino regular (ALMEIDA; MELO; FRANÇA, 2019). A partir destas mudanças, gerou-se a necessidade da formação de profissionais qualificados para o atendimento desta demanda crescente, buscando cumprir este direito previsto na lei, além da elaboração de políticas de formação continuada, como no caso a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho (BRASIL, 2015), sobre a constituição de uma formação que perceba a realidades dos diferentes contextos em que os docentes se inserem.

No estado do Espírito Santo, a política inclusiva tem sido planejada em articulação com os documentos nacionais. Observa-se a predomínio de debates quanto ao lócus da Educação Especial e o oferecimento de serviços para o atendimento dos estudantes público-alvo, mesmo que assegurado por lei que o atendimento educacional especializado dos estudantes PAEE deva ocorrer no ensino regular. Assim, essas políticas têm deixado aberturas para o oferecimento e financiamento destes serviços em instituições especializadas de cunho filantrópico (JESUS et al., 2013).

Neste sentido, alguns problemas têm comprometido a garantia destes direitos. São apontadas dificuldades quanto ao acesso no ambiente escolar, à convivência com a diversidade, à formação de profissionais da educação e às práticas pedagógicas, condicionando esses sujeitos a uma “inclusão marginal” (MELO; SILVA, 2020), na qual suas potencialidades não são valorizadas ou estimuladas (MATOS; MENDES, 2015).

Apesar das contribuições significativas que as políticas públicas têm proporcionado para a formação na perspectiva da inclusão escolar, não foram suficientes para suprir as demandas, tendo em vista que os processos formativos no Brasil têm se difundido sob uma perspectiva globalizante de “desprofissionalização docente” (NÓVOA, 2017). Esse processo tem ocasionado na constituição de uma perspectiva de formação voltada à supervalorização de conhecimentos atribuídos de maneira prática, em detrimento de conhecimentos teórico-filosóficos, afastando o professor do âmbito da universidade pública, convertendo a educação em prática comercial ao dar espaço para o empreendimento de grupos dominantes por meio de ofertas de formação situadas no âmbito privado (PIMENTA, 2019).

Essa concepção técnica e instrumental tem sido criticada por estudos que tomam a concepção crítica fundamentada na racionalidade comunicativa habermasiana, ao defenderem a razão enquanto expressão da comunicação intersubjetiva entre sujeitos (ALMEIDA, 2010; BENTO; ALMEIDA; LOVATTI, 2018). Para Habermas (2012), a crítica direcionada à racionalidade instrumental tem em vista sua atuação nos moldes do sistema capitalista de produção, organizando-se ao longo da modernidade de forma autoritária e repressiva, moldando a sociedade a partir de um pensamento positivista e tecnicista em que as culturas e/ou grupos que se desviam da “norma” são desconsiderados (GOMES, 2007).

Portanto, ao pensarmos a produção de conhecimentos sobre formação continuada na perspectiva da inclusão escolar, sobretudo na problemática sobre sua estruturação, tendo em vista o contexto político, econômico e social, faz-se necessário assumirmos uma postura crítica e reflexiva diante da exclusão, segregação a que historicamente os sujeitos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação vêm sendo condicionados. Em momentos de crise, nos quais vivenciamos a incisão da racionalidade instrumental, a lógica utilitarista e tecnicista que coloniza a educação pública, percebe-se o Estado atuando enquanto mediador de interesses do “neoliberalismo tardio”[3] (SILVA; MACHADO; SILVA, 2019), processo este que tem resultado em sucessivos cortes orçamentários, contribuindo para o avanço da privatização e mercantilização da educação.

Nesta perspectiva, sustenta-se sob a proposta da construção de conhecimentos na relação entre teoria e prática, na concepção de um pensamento que relacione filosofia e ciência, ou ação e reflexão. Neste caso, a pesquisa-ação, assim como sugere, visa trazer uma fundamentação teórico-prática da formação educacional e sua relação com os saberes pedagógicos, posicionando-se frente às concepções de formação que têm sido desenvolvidas nos últimos anos (ALMEIDA, 2010, 2019), buscando na Teoria do Agir Comunicativo de Habermas (2012), uma racionalidade que supere explicações totalizantes sobre a sociedade, desconsiderando a existência de uma verdade absoluta, mas sim as diferentes possibilidades de entendimento sobre o mundo.

Para a pesquisa-ação em sua perspectiva crítica, “[...] é fundamental que o fazer junto signifique também a construção de movimentos intersubjetivos, interdialogais, intercomunicantes” (FRANCO, 2018, p. 108), destacando-se pela possibilidade de inserção do outro nos processos de construção do conhecimento. Não obstante, é sob a perspectiva teórico-metodológica da pesquisa-ação colaborativo-crítica que o Grupo de Pesquisa “Formação, Pesquisa-ação e Gestão em Educação Especial” (Grufopees - CNPq/Ufes), desde o ano de 2013, desenvolve estudos por meio de projetos de pesquisa e extensão, problematizando diferentes contextos da realidade capixaba, resultando em um número expressivo de produções. 

Assim, percebe-se as contribuições de grupos de pesquisa no processo de desenvolvimento no campo da pesquisa e da produção de conhecimentos, sendo estes, espaços de aprendizagem importantes, de modo que o grupo colabora na construção coletiva a partir da leitura crítica da realidade, tendo suas atividades voltadas para além de um produto final de pesquisa, resultando no desenvolvimento pessoal e interno no processo de aprendizagem dos sujeitos que pertencem a este espaço (ROSSIT et al., 2018).

No contexto em que se insere o Grufopees - CNPq/Ufes, estudos têm apontado para um aumento significativo das produções qualificadas como pesquisa-ação colaborativa na área da Educação Especial entre os anos de 2012-2014. Sobretudo, essas pesquisas têm contribuído para conectar a formação com a construção de conhecimentos, na medida em que atuam com a dupla função de formar profissionais emancipados, gerando práticas e ações em seus contextos educacionais (ALMEIDA, 2010). De modo geral, alguns autores vêm apontando a necessidade de se ater ao conhecimento científico produzido, apontando fragilidades quanto ao uso das metodologias, referenciais teóricos e interpretações nas pesquisas, repercutindo pesquisas através de análises “[...] que não acrescentam conhecimento e patinam numa repetição de jargões e padrões já exauridos” (GATTI, 2005, p. 606).

Apesar de avanços nas pesquisas que se voltam para a análise epistemológica na área de Educação Especial no Brasil ainda serem escassos, suas contribuições para o desenvolvimento científico ultrapassam os campos da universidade, no sentido de questionar que tipo de conhecimento sobre pesquisa-ação tem sido produzido bem como suas contribuições sociais (SILVA, 2013; GAMBOA, 2018). Tendo em vista as discussões apontadas, intenciona-se analisar e compreender o que está por trás dos conceitos, das concepções e dos pressupostos presentes nas produções oriundas dos integrantes do grupo de pesquisa, compreendendo a pesquisa científica enquanto demanda de caráter contínuo, considerando que nada se cria de forma individual e neutra. 

Posto isto, questionamo-nos: Quais concepções teórico-metodológicas da pesquisa-ação colaborativo-crítica têm sido desenvolvidas nas produções acadêmicas do Grufopees (CNPq/Ufes)? A partir desta indagação, assume-se enquanto objetivo deste estudo analisar oito dissertações de mestrado do Grufopees/CNPq-Ufes produzidas entre anos de 2018-2021, dialogando com seus diferentes níveis e pressupostos técnicos, metodológicos, epistemológicos e filosóficos.

2 PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA ADOTADA

Nossa pesquisa caracteriza-se enquanto um estudo de caráter quanti-qualitativo do tipo bibliográfico (GIL, 2002), por possibilitarmos uma cobertura mais ampla das produções sob “[...] o movimento incansável de apreensão dos objetivos, de observância das etapas, de leitura, de questionamentos e de interlocução crítica com o material bibliográfico [...]” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44).

O campo da epistemologia consiste em articular de forma crítica a relação entre a filosofia e a ciência, evidenciando interesses filosóficos e ideológicos nas pesquisas científicas (ALMEIDA, 2010). Além disso, identifica-se esse campo enquanto um estudo a posteriori do processo de conhecimento, tendo em vista se debruçar sobre produção científica cujos dados já foram analisados e passaram por crivo avaliativo.

Enquanto fontes de busca, recorremos ao Banco de Teses e Dissertações do Portal Capes e ao repositório do Centro de Educação da Ufes, contemplando as dissertações do Programa de Pós-graduação de Mestrado Profissional em Educação (PPGMPE), campus Goiabeiras, e o repositório do Curso de mestrado acadêmico do Programa de Pós-graduação Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (PPGEEDUC), campus Alegre, ambos pertencentes à Ufes, além do site do Grufopees (CNPq/Ufes) e o Currículo Lattes da orientadora e líder do grupo de pesquisa, integrantes e colaboradores.

Neste sentido, chegamos a um quantitativo de oito (08) dissertações, assim como expressa o quadro a seguir:

 

Quadro 1- Dissertações elaboradas pelo Grufopees (CNPq/Ufes)

Ano

Título

Autor

Programa de pós-graduação

Tipo de Produção

2018

A construção de um currículo de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar: contribuições da teoria do Agir Comunicativo

Damila Soares de Carvalho

PPGEEDUC

Dissertação

2019

A autorreflexão colaborativo-crítica como princípio para formação continuada: perspectivas para inclusão escolar

Fernanda Nunes da Silva

PPGMPE

Dissertação

2019

A gestão de educação especial e a formação continuada da rede municipal de ensino de Marataízes/ES: a pesquisa-ação em foco

Nazareth Vidal da Silva

PPGEEDUC

Dissertação

2019

As contribuições da pesquisa-ação para a elaboração de políticas de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar

Maria José Carvalho Bento

PPGEEDUC

Dissertação

2020

Movimentos formativos e políticos da gestão de educação especial no estado do Espírito Santo

Islene da Silva Vieira

PPGMPE

Dissertação

2021

Inclusão escolar, formação continuada, pesquisa-ação e tecnologias: tecituras possíveis em tempos de pandemia

Rafael Carlos Queiroz

PPGMPE

Dissertação

2021

Formação continuada e pesquisa-ação crítica: das vontades individuais aos consensos provisórios

Alana Rangel Barreto Soave

PPGMPE

Dissertação

2021

Formação continuada de gestores de educação especial pela via do grupo de estudo-reflexão

Lucimara Gonçalves Barros Brito

PPGMPE

Dissertação

Fonte: Elaborado pelas autoras.

 

Após a realização das buscas, procurou-se organizar o material encontrado em dois agrupamentos: a) na realização de uma ou mais leituras minuciosas das oito (08) dissertações selecionadas, a fim de conhecer o material trabalhado; b) com base na leitura, buscamos organizá-las e registrá-las a partir do instrumento desenvolvido por Silva (2013) e Gamboa (2018), denominado “Matriz Epistemológica''.

Com o intuito de reconstituir as lógicas explícitas e implícitas nos processos investigativos, tomamos o instrumento denominado “Matriz Epistemológica”, para organização e registro de dados. Mais que um instrumento de classificação de níveis e pressupostos, ele nos permite avançar, indo além da lógica interna de uma pesquisa ou grupo de pesquisa, pois sua compreensão, “[...] assim como a presença de tendências teórico-filosóficas, possui forte relação com as condições sócio-político-econômicas de determinada sociedade e das instituições em que se produz a obra” (GAMBOA, 2018, p. 80).

O percurso de reconstrução da totalidade pode ser percebido através do instrumento na reconstituição dos níveis técnicos, metodológicos e teóricos das dissertações, bem como os pressupostos epistemológicos, gnosiológicos e ontológicos, explícitos ou implícitos nestes movimentos de pesquisa. No processo de reflexão sobre os dados obtidos a partir das intencionalidades elencadas, se apresenta como movimento crucial proposto pela análise epistemológica da pesquisa.

Na busca por estabelecer um diálogo com os autores-pesquisadores das produções, tenciona-se abordar os argumentos enfatizados pelos autores no que diz respeito aos referenciais teórico-metodológicos e epistemológicos adotados, bem como os princípios da pesquisa-ação colaborativo-crítica abordados e as ações estabelecidas no processo para com os sujeitos e objeto de investigação. Nesse sentido, evidenciamos os “Círculos Argumentativos” (ALMEIDA, 2010, 2019), sobre a elaboração de um método de análise que considera estabelecer relação com a produção de conhecimento crítico sob o ponto de vista da teoria filosófica comunicativa de Habermas (2012).

É nas situações de discursos (ALMEIDA, 2010), expressos através de argumentos, constituídos nos “atos de fala”, que se organizam seus espaços de diálogo, expondo assim diferentes intencionalidades, suas concepções, reflexões, proposições, conceitos, argumentos, anseios e desejos. A fim de estabelecer uma racionalidade comunicativa com os sujeitos participantes, a partir dos dados extraídos no instrumento, intencionando dialogar, em busca de consensos provisórios sobre o mundo objetivo, momento este constituído após a inserção das dissertações na “Matriz Epistemológica” (SILVA, 2013; GAMBOA, 2018).

A partir da elaboração do problema de pesquisa, passamos a observar uma série de condições desencadeadas inicialmente: o estabelecimento de relações entre os sujeitos da pesquisa (sujeito-objeto) nas relações estabelecidas entre pesquisador e participantes, a condução do processo de pesquisa e os elementos que possam constituir epistemologicamente os argumentos. Assim, evidencia-se a circularidade presente nos movimentos específicos da pesquisa-ação e como essa ideia deve estar presente na tentativa de organizar os diálogos apresentados. As intenções de mudança, justificadas a partir das condições anteriores, levam-nos a entender como esse movimento vai se constituindo e como os compromissos sociais vão se firmando dada a coletividade deliberada.

3 OS CÍRCULOS ARGUMENTATIVOS E O DIÁLOGO COM O CONHECIMENTO PRODUZIDO

Sobre o desafio de se propor uma análise de profundidade, buscamos, na teorização de Habermas (2012) sobre a racionalidade comunicativa, conduzir o processo de análise, dialogando com os autores-pesquisadores das produções, pela via dos processos argumentativos, forma pela qual o processo interpretativo-crítico de análise ocorreu.

Dentre as oito dissertações analisadas, a primeira defendida no grupo, elaborada por Carvalho (2018), não se trata de uma pesquisa-ação, mas sim de um estudo de caso. Entretanto, convém realizarmos um diálogo com outros elementos do estudo, buscando compreender os argumentos da autora e até que ponto a reflexibilidade comunicativa e coletiva se faz presente por meio dos argumentos utilizados para conferir cientificidade à proposta, mesmo que não possua uma definição teórico-metodológica fundamentada na pesquisa-ação colaborativo-crítica.

Apreende-se que na pesquisa-ação a participação dos sujeitos, tanto pesquisador/es quanto participante/s, é imprescindível. Essa participação não diz respeito somente a corresponder a comandos ou afirmações, mas entender o outro em sua integralidade, de modo que se crie um espaço que propicie “[...] um clima de conflito, de contradições, de rupturas o que faz com que a negociação flua como categoria fundamental” (FRANCO, 2010, p. 11).

3.1 As relações estabelecidas entre pesquisador e participante

Sendo a perspectiva da pesquisa-ação colaborativo-crítica fundamental para o grupo, percebemos uma frequente utilização de termos conceituais que coadunam com a orientação metodológica e filosófica apresentada pelos autores, ao assumirem a relação com os outros sujeitos envolvidos nas pesquisas. Dentre os termos, destacam-se: colaboração, participação, negociação, escuta, interesse mútuo, diálogo:

Inicialmente, recorremos à aproximação e ao diálogo com os participantes da pesquisa para permitir-lhes a participação e a colaboração plena no estudo, compreendendo-os como promotores de conhecimento e autores do processo de investigação (BENTO, 2019, p. 92).

[...] se tínhamos inicialmente como foco a colaboração com os profissionais em momentos da formação continuada na escola e/ou nos planejamentos, começávamos a pensar, junto com os profissionais, em alternativas. Procurávamos, assim, pela via da colaboração, negociar o processo investigativo, construindo entendimentos mútuos com os profissionais da escola [...] (SILVA, F., 2019, p. 121, grifo nosso).

 

Fundamentados na perspectiva habermasiana, os autores argumentam o estabelecimento de comunicação com o outro. Para Habermas (2012), esse processo conta tanto com as perspectivas de mundo quanto pessoais dos sujeitos envolvidos nos processos comunicativos.

A partir da via crítica, o investigador deve se colocar em uma atividade objetiva sobre o processo, a fim de compreender, junto dos outros, algo referente no mundo objetivo, social e subjetivo, tendo tarefa de alimentar o diálogo comunicativo pensando este campo enquanto uma esfera pública (CARR, 2019). Ao justificar as escolhas quanto à relação estabelecida com o campo de pesquisa, as autoras argumentam:

A perspectiva teórico-metodológica assumida nesta pesquisa inviabiliza qualquer pretensão de neutralidade, colocando-nos num lugar de pesquisadores-participantes, afinal trata-se de uma investigação realizada colaborativamente com “vários outros” profissionais da escola e pesquisadores da universidade (SILVA, F., 2019, p. 117).

O papel assumido pelos pesquisadores-acadêmicos e pesquisadores-gestores, constituindo meios e estratégias para a construção de políticas para a formação continuada dos profissionais da educação, é evidenciado na condução das ações estratégicas que remetem à ação comunicativa. Estratégias são articuladas entre as gestoras, que sempre buscam “saídas” para atender as suas demandas [...] (BENTO, 2019, p. 153).

 

A partir do excerto, vemos que as pesquisadoras, para além dos participantes envolvidos, também tomam seu lugar enquanto participantes no movimento que começa a se delinear. A perspectiva crítica aparece no sentido de problematizar as políticas existentes sobre formação, no caso de Bento (2019), e a colaboração é apontada a partir da contribuição efetiva dos sujeitos que se envolvem.

Assim como apresentaram as autoras, os argumentos evidenciam a intencionalidade de estabelecer acordos e a proposta de se chegar a processos decisivos, desde que haja a participação e consentimento do outro. Para Demo (2010, p. 31), “[...] argumentar é um diálogo tipicamente dialético e que, em sua complexidade não linear, exige predicados formais e políticos”.

O que se enfatiza nos processos formativos evidenciados é o foco dado aos sujeitos participantes, sobretudo a partir dos movimentos coletivos, colaborativos e de escuta propostos. Assim, a valorização dos sujeitos do contexto traz fidedignidade à necessidade e ao surgimento de problemas de pesquisa fundamentados a partir de uma realidade vivida, buscando a elaboração de processos formativos com profissionais da educação, voltados para atender a interesses reais.

3.2 A constituição do problema de pesquisa

Considerando o diálogo, a leitura do material e inserção na matriz epistemológica, constatamos que alguns dos estudos (SILVA, N., 2019; QUEIROZ, 2021; SOAVE, 2021) não apresentam a pergunta-síntese. Sendo assim, como argumentar quando não há pergunta síntese? Apesar dessa ausência, os autores não deixam de apresentar questões de investigação consistentes que contribuem para o delineamento do problema e dos objetivos. Isso pode nos indicar que o pesquisador não possuía entendimento e compreensão do que constituía a pergunta-síntese e sua importância para os processos de pesquisa-ação.

Para se chegar a uma pergunta-síntese é necessário passar por uma organização que envolva a problematização, a sistematização de perguntas pertinentes, que podem ser as perguntas de investigação, até chegar à elaboração da pergunta central, de modo que “[...] pesquisam-se problemas, e não temas. Um projeto de pesquisa se refere a um diagnóstico exaustivo e rigoroso de uma problemática” (GAMBOA, 2018, p. 109).

Sendo a pesquisa-ação, uma perspectiva metodológica, imprevisível, pois novas demandas e imprevistos podem surgir e mudar o curso da pesquisa, para que o pesquisador de fato se aprofunde em seus pressupostos, é preciso estar atento às necessidades que se apresentam. Durante a análise, foi possível notar quebras de expectativas quanto às propostas formativas e temáticas de discussão inicialmente delineadas pelo autor-pesquisador, reforçando a importância das decisões grupais, fortalecendo os pressupostos de escuta e acordo mútuo que requerem a pesquisa-ação numa perspectiva colaborativo-crítica.

Inicialmente nosso objetivo era de desenvolver com os profissionais na escola, por meio da colaboração, processos de formação continuada, com a finalidade de ressignificação das práticas educativas, visando à inclusão dos alunos público-alvo da educação especial, matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental no município de Marataízes/ES. No entanto, como na pesquisa-ação é apenas durante o processo de pesquisa que o verdadeiro objeto de investigação (a necessidade, a demanda, o pedido, os problemas, entre outros) emerge (BARBIER, 2007) e é preciso primeiramente estabelecer o grupo, [...] Diante das relações já estabelecidas com as gestoras, as demandas que são negociadas e as questões epistemológicas da pesquisa-ação, nosso objetivo foi se constituindo [...] (SILVA, N., 2019, p. 159-160, grifos nossos).

[...] o levantamento e negociação de demandas é conduzido com os coautores da pesquisa em todo o processo e, apesar de termos previamente uma temática definida para a realização desta pesquisa (formação continuada na perspectiva da inclusão escolar), foi a partir da escuta e da negociação que o problema de pesquisa foi tomando forma, as ações foram planejadas e replanejadas, sempre na busca pelo consenso, compreendendo que esse não é definitivo (BRITO, 2021, p. 76, grifos nossos).

 

Como explicitou N. Silva (2019), essa quebra de expectativa pode ser interpretada como um processo de transição do agir comunicativo fraco para o agir comunicativo forte (HABERMAS, 2012), a princípio baseado em preconcepções e interesses individuais da pesquisadora, orientadora e gestoras que procuraram o grupo.

Esse agir comunicativo se orienta no processo de investigação por meio da reflexão coletiva e na representação emancipatória no movimento de planejar e replanejar modos de ação (FRANCO; LISITA, 2014), conduzindo a autora-pesquisadora a atuar junto, para chegar a consensos/acordos provisórios, demonstrando a força da racionalidade comunicativa. Assim como reforça Brito (2021), o fortalecimento das demandas colocadas ressignificou as temáticas de investigação propostas, atuando a partir do agir comunicativo forte, ao evidenciar a preocupação com as reais necessidades colocadas pelos participantes, movimento também salientado por N. Silva (2019).

3.3 O processo de pesquisa

Sendo a pesquisa-ação principal orientação teórico-metodológica dos estudos analisados, a processualidade dos movimentos de aprendizado é enfatizada a todo instante na pesquisa. Entretanto, como afirmam Kemmis e Wilkinson (2008, p. 43), esta não é uma organização fechada, ela se forma a partir de “[...] ciclos autocontidos de planejamento, ação e observação e reflexão [...]” que requerem senso e autenticidade do pesquisador para avanço do estudo.

A partir da leitura, identificamos os instrumentos de produção de dados utilizados nos processos individuais: entrevistas semiestruturadas (CARVALHO, D., 2018; SILVA, F., 2019), que foram gravadas e posteriormente transcritas; questionário semiestruturado (QUEIROZ, 2021) e aberto (SILVA, F., 2019); registros de experiência ao longo das pesquisas, com auxílio de diário de campo (SILVA, N., 2019; BENTO, 2019; SILVA, F., 2019; QUEIROZ, 2021; BRITO, 2021) e/ou o diário de itinerância de Barbier (2007) (VIEIRA, I., 2020; SOAVE, 2021). Além disso, a observação participante (SILVA, F., 2019; VIEIRA, I., 2020; SOAVE, 2021), utilizada em combinação com os diários de campo, as entrevistas, aplicação de questionários e construção de narrativas escritas.

A utilização de questionários, bem como de entrevistas semiestruturadas como recursos de produção de dados nos revelam aspectos de um agir estratégico por parte dos autores, no sentido de ambicionarem uma atividade finalista e intervencionista na aplicação de determinados recursos, elencando particularidades individuais dos sujeitos participantes, ao obter respostas mais diretas que pudessem colocar em curso as pesquisa, distanciando-se da visão de interlocução entre pesquisadores e participantes, com o objetivo de captar temáticas gerais.

Já a utilização de diários de campo e de itinerância (BARBIER, 2007) foi acompanhada da observação participante. Apesar de serem instrumentos individuais, tiveram influência na organização e compilação dos dados na reflexão dos autores durante as pesquisas. Assim, os registros no diário geraram questionamentos e interpretações que foram compartilhadas no coletivo formativo que acontecia. Assim a autora enfatiza:

[...] Ao nos debruçarmos sobre o registro de diário de campo, fica evidente o nosso descontentamento com a situação ocorrida, uma vez que, embora estivéssemos participando de um momento de escuta para compreender as demandas do grupo, em certa medida também havia uma expectativa de nossa parte: que a nossa vontade fosse acatada pelo grupo, de maneira que assentissem com a realização da formação com todos os gestores da secretaria. Nesse sentido, não estávamos dispostos a dialogar, a buscar um consenso mútuo com os demais pares. Estávamos, pois, sob o domínio da racionalidade estratégica, pois, quando tivemos nossa vontade contrariada, [...] (SOAVE, 2021, p. 132, grifos nossos).

Soave (2021), por meio do desenvolvimento de uma meta-análise, utiliza o recurso do diário para problematizar uma autocrítica, na intenção de evidenciar a importância da reflexão e entender que os processos coletivos, muitas vezes, demandam abrir mão de certezas para eleger o que se mostra emergente.

Dentre os processos da pesquisa, uma forma inovadora de sistematização organizacional e analítica dos dados adquiridos pela via dos grupos focais e de escuta foi a constituição dos grupos de estudo-reflexão, enfatizados em todos os estudos, com exceção de Carvalho (2018), por não se tratar de pesquisa-ação colaborativo-crítica. Esse processo pode ser evidenciado pela convicção dos autores ao expressarem tal perspectiva adotada na elaboração de movimentos que correspondem às demandas locais, preocupados com a coletividade, os processos de negociação, bem como necessidades de implicação constituídos propriamente na dinâmica da pesquisa-ação. Assim:

Evidencia-se que nosso estudo avança nesse aspecto da utilização da estratégia dos grupos de estudo-reflexão, quando, para além de focar nos movimentos de formação continuada de profissionais da educação, propõe-se a elaboração e a implementação de propostas/projetos de políticas públicas no que tange à modalidade da educação especial, através dessa ferramenta epistemológica e metodológica (SILVA, N., 2019, p. 59, grifos nossos).

O grupo de estudo-reflexão toma como princípio a construção de processo formativo em conjunto, entre pesquisadores e gestores, tornando-se necessário o aprofundamento na concepção de mediação, de modo que todos pudessem participar de todo o processo (VIEIRA, I., 2020, p. 98).

 

Para além de uma ideia de grupo que se reúne e de decisões tomadas apenas como constatações, as pesquisas se utilizam dos grupos de estudo-reflexão para sistematizarem a análise de dados, fundamentadas na perspectiva habermasiana, sobretudo na discussão enfatizada por Carr e Kemmis (1988) sobre a utilização das três funções mediadoras da relação teoria e prática (HABERMAS, 2013) sistematizadas como: a) a elaboração de teoremas críticos; b) os processos de aprendizagem do grupo; c) a organização das ações táticas na condução da luta política na constituição desses processos.

Nesses movimentos, tanto o discurso teórico na tematização de problemáticas quanto o discurso prático nas mobilizações para mudança buscam validar a ciência empreendida, tendo em vista a aplicação de conceitos das funções mediadoras para a constituição dos processos formativos, orientados para uma perspectiva colaborativa e crítica do conhecimento.

Acreditamos que aqui falamos da cocriação de uma linguagem muito específica no âmbito das produções do grupo, seja na apresentação de argumentos e discursos fundamentados na perspectiva teórico-filosófica que embasam a construção de uma linha analítica do conhecimento que se produz, bem como na forma de produzir, organizar e apresentar os dados, por meio das funções mediadoras. Vemos nos trechos elencados que a possibilidade de intervenções está aberta a todos os sujeitos implicados e que dispõem a condução da perspectiva formativa nos estudos que seguiram.

3.4 A compreensão da realidade e as intenções de mudança

Sendo os profissionais da educação e a escola um campo de conhecimento historicamente referenciado, palco para construção de lutas sociais, torna-se necessário voltar a atenção sobre as potencialidades que esse espaço pode oferecer no desenvolvimento de novos processos cognitivos, responsáveis com a emancipação, liberdade, criticidade, igualdade e respeito às diferenças. Isso posto, é fundamental concebermos a necessidade da pesquisa de educadores, no sentido de fortalecer o campo teórico-prático sobre a profissão docente, podendo ser esse o cenário para elaboração de um movimento global e contra-hegemônico (DINIZ-PEREIRA, 2008).

A maioria das dissertações (SILVA, F., 2019; VIEIRA, I., 2020; QUEIROZ, 2021; BRITO, 2021; SOAVE, 2021) foi produzida no contexto de formação do mestrado profissional, em que os sujeitos autores-pesquisadores pertenciam ao contexto das redes de ensino. No âmbito do programa de pós-graduação do Mestrado Profissional em Educação da Ufes, o processo formativo tem como orientação para a conclusão do mestrado o desenvolvimento de um “produto educacional”.

Dessa forma, os autores alegam:

No último encontro do Grupo Estudo-Formação, num evento que denominamos I Seminário de Formação Continuada em Educação Especial na Perspectiva Inclusiva 2018, houve a apresentação dos trabalhos finais. Para tanto, os participantes confeccionaram pôsteres acadêmicos, a partir dos projetos de intervenção elaborados por grupos menores, com temáticas relativas à modalidade da Educação Especial que mostravam as necessidades observadas em seus locais de atuação [...] (BENTO, 2019, p. 145, grifo nosso).

A partir desse grupo, surgiram proposições, análises e demandas, quanto à formação continuada e à educação especial. Essa necessidade surgiu pelo fato de as gestoras considerarem a proposta de implementar um grupo de estudo para discutir e aprofundar as questões gerais e específicas para essas duas temáticas, bem como para contribuição na elaboração de um documento normativo para a modalidade da educação especial (SILVA, N., 2019, p. 147, grifo nosso).

 

De modo geral, a ideia de construção é fortemente utilizada como um todo nas produções. Por essa via, os processos de transformação se demonstram conscientes, cujas mudanças mais concretas se expressam na forma de políticas formativas ou processo de formação, sobretudo explicitados sinteticamente nos produtos educacionais elaborados.  Podemos observar também desafios de lidar com a coletividade, e o trabalho com a necessidade de se adequar as demandas e tensões que possam existir nos contextos de produção.

Pode-se entender que as opiniões apresentadas nos discursos “[...] provêm dos contextos diferenciados da experiência da ação” (HABERMAS, 2013, p. 52), e nos movimentos de pesquisa tentam concretizar, por meio da escrita, mudanças que ultrapassam a prática momentânea, mas que alteram as percepções grupais, transcendendo as esferas sociais no que diz respeito às redes de ensino e à própria sociedade (ALMEIDA, 2019). Como expõem algumas autoras:

[...] ao escolhermos o objeto de pesquisa supracitado, pretendemos ir além do que legitimar e celebrar a diversidade, [...] , a fim de favorecer a mudança das desigualdades que existem tanto no ensino quanto na sociedade como um todo, promovendo, em suas áreas de atuação, a justiça social e a emancipação (BRITO, 2021, p. 41, grifo nosso).

Consideramos, assim, que a construção da carta para a Sedu foi um trabalho colaborativo, pois teve um objetivo comum, contando com mais de um parceiro nos mostrando a importância dessa ação para o processo de construção da identidade desse colegiado, com a necessidade de se colocar e assumir esse lugar, onde os membros devem estar de acordo com as decisões democráticas do grupo (CARR; KEMMIS, 1988 apud VIEIRA, I., 2020, p. 172, grifo nosso).

 

A construção de identidade e ressignificação de práticas pedagógicas por uma via comunicativa traz para dentro dos movimentos formativos o reforço da ideia dos docentes enquanto produtores de conhecimento. Para isso, nota-se que a pesquisa-ação colaborativo-crítica marca-se por seu aspecto dialético, ao considerar a subjetividade que constrói realidades, sem deixar de perceber que estas se modificam nos processos cognitivos e dialógicos a partir da interpretação grupal, contribuindo com os eixos de ação, com o respeito dos autores-pesquisadores às demandas colocadas e com a significação de novas formas de mundo por meio  da construção de formações mais democráticas, justas e comprometidas com o desenvolvimento dos estudantes, sobretudo o público-alvo da educação especial (FRANCO, 2015).

Para além das mudanças individuais, nota-se a necessidade de interferência no mundo da vida intersubjetivamente compartilhado, tendo em vista os autores conceberem a mudança, inicialmente, dependente das vontades e concessões dadas pelo grupo do contexto em questão.

Nesse processo de refletir sobre estratégias de mudanças, um grupo de gestores, integrantes do Gergees começou a organizar um Fórum de Gestores de Educação Especial. Assim, fica evidente o processo de emancipação percorrido durante os anos, que traz como reflexo o envolvimento mais ativo dos sujeitos que buscam conhecimentos e formas ativas de mudanças. A criação do fórum surge com possibilidade de resistência, unindo os gestores dos diferentes municípios do Estado do Espírito Santo na defesa da inclusão dos alunos PAEE na escola comum (VIEIRA, I., 2020, p. 140, grifo nosso).

[...] as mudanças produzidas pela pesquisa-ação são processuais, emergindo por meio de movimentos. [...] Nessa perspectiva, observa-se que os movimentos dos gestores no processo de pesquisa-ação colaborativo-crítica têm possibilitado a elaboração de política e constituição de novos outros movimentos para a formação continuada com/para os profissionais da rede municipal de Educação de Marataízes/ES na perspectiva da inclusão escolar (SILVA, N., 2019, p. 189, grifo nosso).

 

Em ambos os casos, busca-se assegurar o firmamento dos processos constituídos, por meio da concretização normativa, em documentos jurídicos colocados enquanto processos de resistência à ordem vigente. Como expressam os processos de transformação pela via de produção de processos argumentativos ao longo das pesquisas, eles permitem aos autores-pesquisadores, junto dos contextos pela busca de entendimentos mútuos e acordos provisórios, conceber o mundo da vida intersubjetivamente partilhado. Na concepção de Habermas (2012), devido aos processos de colonização sistêmica que regem instituições jurídicas, econômicas e políticas, é preciso pensarmos em novas formas normativas que possam ascender no campo das esferas sociais (SILVA, 2021).

Isso se evidencia quando o grupo do Fórum de Gestores (VIEIRA, I., 2020) se posiciona e se declara para a Secretaria de Educação do Estado, bem como se articula na elaboração de um Regimento do Fórum de Gestores de Educação Especial do Espírito Santo, entre possibilidades e necessidades do trabalho dos gestores, bem como sua função social. As intenções de mudança e compreensão de mundo colocam em xeque a necessidade de colocar o autor-pesquisador em posição de se adaptar a problemáticas emergentes e urgentes. O processo argumentativo, nesses desdobramentos de ações coletivas, é dado também pelo movimento dialético constituído de maneira formal, ao respeitar as pretensões de validade dos argumentos e as regras do discurso que não se fecham ao encerrar a pesquisa.

4 CONCLUSÃO

A perspectiva habermasiana de processos comunicativos democráticos elaborados pelo plano social conduz, por meios de pressupostos epistemológicos, entendimentos de mundo, sociedade, homem, educação, educação especial, inclusão, deficiência e formação de processos de desconstrução e reconstrução de conceitos em nome de condições mais justas. Dessa forma, “[...] o discurso argumentativo apresenta-se, finalmente, como um processo comunicacional que, em relação com o objetivo de um acordo racionalmente motivado, tem que satisfazer condições inverossímeis” (HABERMAS, 2003, p. 111) na promoção de uma educação de qualidade, socialmente referenciada, que toma os profissionais da educação enquanto sujeitos ativos capazes de exercer mudanças estruturais.

Dentre as concepções teórico-metodológicas desenvolvidas, apresenta-se a perspectiva habermasiana, sobretudo fundamentada na teoria do agir comunicativo, que orientou aspectos da pesquisa-ação caracterizados pela colaboração crítica dos contextos, além da escuta sensível dos sujeitos na preocupação de atender a interesses que de fato estivessem comprometidos com a transformação social[4]. Esses movimentos puderam ser expressos pelo desenvolvimento de projetos, políticas de formação continuada nos diferentes municípios do estado do Espírito Santo e a oficialização de um fórum de gestores de educação especial.

Percebem-se perspectivas teóricas que permeiam os campos de pesquisa, na medida em que a interferência no mundo objetivo, conforme explicita Habermas (2012), propõe a elaboração de políticas, assim como a instituição de estratégias políticas em grupos para que se organizem por meio do agir comunicativo orientado para uma ação social.

Alguns aspectos teórico-epistemológicos foram identificados. Ao partirmos das considerações já apontadas por Almeida (2010), fundamentadas em Gamboa, é possível destacar que as produções fundamentadas na pesquisa-ação não são totalmente “puras”, como percebemos em alguns aspectos dos estudos de F. Silva (2019) e Queiroz (2021), na elaboração de movimentos de pesquisa em que o agir estratégico esteve presente nos processos desenvolvidos. Essas atividades finalistas com objetivo próprio buscaram elencar “[...] algo que deve ocorrer no mundo objetivo” (HABERMAS, 2012, p. 33) com questões mais diretas.

Como um todo, esses pressupostos e resultados têm sido mobilizados por uma “tradição” de grupos de pesquisa que têm promovido projetos de pesquisa e extensão, em colaboração com diferentes propostas formativas com os sujeitos nos contextos. Dos trabalhos analisados, ressaltamos a elaboração dos produtos educacionais pertencentes aos trabalhos do mestrado profissional em educação. De modo geral, os produtos contribuíram para uma visão geral do que se propôs metodologicamente nos estudos que enfatizam a pesquisa-ação colaborativo-crítica e seus movimentos desencadeados mobilizados em favor de transformações sociais.

A responsabilidade na execução dos diálogos requer comprometimento com a leitura, para além dos resumos e leituras superficiais dos estudos a serem analisados. Quanto mais completas e revistas puderem ser as informações, dentro das condições do quantitativo selecionado, melhor para reafirmarem a percepção de alguns argumentos, questionando essencialmente se sua seleção não ocorreu somente para satisfazer e representar algo que o pesquisador não sabia, ou porque não conseguiu atingir leituras críticas suficientes para “justificar” suas escolhas.

Assim, por meio das palavras de Habermas (2012, p. 684), “[...] a perspectiva utópica de conciliação e liberdade está latente nas condições de uma socialização dos indivíduos por via comunicativa”. Aposta-se nessa via de concepção teórico-metodológica, no sentido de criar possibilidades e reflexões que conjuntamente tenham potencialidade para construir movimentos de resistência à ordem neoliberal vigente.

 

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[1] Mestre em Educação

[2] Doutora em Educação

[3] Silva, Machado e Silva (2019) empregam o termo a partir das concepções de Immanuel Wallerstein, em sua obra Após o Liberalismo, sobre a tendência mundial de recomposição das forças do capital.

[4] Dentre os pressupostos da pesquisa-ação crítica, a transformação social expressa-se no envolvimento dos sujeitos de sua própria prática, criando-se um envolvimento que se compreende ao longo do processo de investigação (CARR; KEMMIS, 1988). No caso dos movimentos fundamentados na perspectiva da pesquisa-ação colaborativo-crítica para além dos processos colaborativos construídos em conjunto, é por meio da crítica que o exercício de conscientização, problematização do cotidiano, contribui para a mudança nos cotidianos em que os sujeitos se inserem.