ESPAÇOS DISCURSIVOS COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO HUMANA E INCLUSÃO[1]

Nazareth Vidal da Silva[2]

Universidade Federal do Espírito Santo

newpedagoga@gmail.com

 

Sumika Soares de Freitas Hernandez-Piloto[3]

Universidade Federal do Espírito Santo

sumika.freitas@gmail.com

 

Gabriela Melo Santana de Oliveira[4]

Universidade Federal do Espírito Santo

gabriela.ms.oliveira@edu.ufes.br

 

Mariangela Lima de Almeida[5]

Universidade Federal do Espírito Santo

mlalmeida.ufes@gmail.com

 

 

Resumo

Os Espaços Discursivos, fundamentados nos conceitos da Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas, possibilita por vias democráticas, debates sobre formação, gestão e inclusão escolar no âmbito das Redes de colaboração estabelecidas entre a universidade, as redes de ensino municipais, estadual e com Instituições de Ensino Superior de países lusófonos; pela via do projeto de pesquisa e extensão. Busca-se compreender o Espaço discursivo como espaço de participação entre sujeitos que mediante o discurso, apresentam argumentos para elaboração de consensos e fortalecimento do entendimento mútuo, no sentido de captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação; e ainda fomentar a elaboração de espaços formativos colaborativos na defesa da formação humana na perspectiva da inclusão. Optamos por empregar a pesquisa-ação colaborativo-crítica de cunho qualitativo, para entender como os Espaços Discursivos vêm se configurando no contexto do grupo de pesquisa. Nesse processo inicial de pesquisa, tomamos os argumentos dos participantes nos momentos de constituição da compreensão sobre Espaços Discursivos, nos planejamentos e realização deles. Participaram duas redes municipais de ensino, sendo envolvidos gestores (municipais), estudantes e professores (graduação e pós-graduação), sendo tematizadas a formação, as políticas públicas, a gestão e a pesquisa-ação. É urgente o desafio de aprofundarmos sobre esses processos e é um enorme desafio instaurar a cultura da sustentabilidade da vida, ou seja, promover uma releitura de mundo onde a vida em todas suas relações e contradições seja centralidade.

Palavras-chave: espaço discursivo; Jürgen Habermas; formação humana.

 

 

DISCURSIVE SPACES AS A POSSIBILITY FOR HUMAN FORMATION AND INCLUSION

Abstract

Based on the concepts of Jürgen Habermas's Theory of Communicative Action, the Discursive Spaces make it possible, by democratic means, to debate training, management and school inclusion within the collaborative networks established between the university, municipal and state education networks and higher education institutions in Portuguese-speaking countries, through research and extension projects. The purpose is to understand the discursive space as a space for participation between subjects that, through discourse, present arguments to build consensus and strengthen mutual understanding, in order to capture the movements experienced by researchers and participants in research processes carried out through action research; and also to encourage the development of collaborative formation spaces in defense of human formation from the perspective of inclusion. We chose to use qualitative collaborative-critical action research to understand how Discursive Spaces have been configured in the context of the research group. In this initial research process, we took the participants arguments in the moments of constitution of the understanding of Discursive Spaces, in the planning and realization of them. Two municipal education networks took part, involving (municipal) managers, students and teachers (graduate and postgraduate), with training, public policies, management and action research being the themes. It is an urgent challenge to deepen our understanding of these processes and an enormous challenge to establish a culture of sustainability of life, in other words, to promote a re-reading of the world in which life in all its relationships and contradictions is central.

Keywords: espaço discursivo; Jürgen Habermas; human formation.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

A exclusão social e a depredação socioambiental são processos intercomplementares se tomarmos a totalidade como categoria de análise da realidade historicamente situadas.  Desse modo, as mudanças socioculturais ocorridas no século XX alavancadas pelos avanços das tecnologias digitais e informacionais, portanto ciência & tecnologia atuam sob a égide da globalização econômica. Esse movimento tem contribuído para o esgarçamento do tecido social, do esvaziamento dos direitos civis, sociais trabalhistas e difusos conquistados enfraquecendo, inclusive, as democracias liberais. 

Nesse cenário, torna-se urgente a reconstrução de um outro projeto societário, em seu interior um novo projeto educativo. Nesse processo educativo demanda uma completa ressignificação do ato formativo, como sinaliza Ramos, Lobino e Hernandez-Piloto (2021), comportando simultaneamente a auto, a hetero, e a eco formação:

(...) a autoformação não é solo-formação nem ego formação. A exploração de atividades formadoras próprias dos sujeitos que traz o prefixo “auto” não tem sido possível senão ligando-o a indicadores de outros polos de formação: hetero e eco, o primeiro, os que representam o polo social; eco- quer dar conta da influência formadora ou deformadora do meio ambiente material não humano; trans-enfim, que quer aproximar as transações unificadoras e transformadoras entre, com e além desses três polos (Ramos, Lobino e Hernandez-Piloto, 2021, p.226, grifo nosso).

Diante da complexidade anunciada entre final do século XX e início do século XXI, urge a necessidade de reconstrução de um outro projeto societário, e, em seu interior, de um novo projeto educacional na perspectiva sustentável. Nesse sentido, professores, comunidades, pesquisadores e gestores e demais viventes são convocados a rever o modus vivendis, bem como (Ramos, Lobino e Hernandez-Piloto, 2021, p.223, grifo nosso), as formas de organização e funcionamento institucional no sentido de garantir o direito à educação para todos, bem como tornar acessível o conhecimento científico escolar historicamente produzido diante da inexorabilidade das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s), em tempos de pandemia e da ofensiva neoliberal esvaziando as políticas públicas e sociais. Acrescente-se a isso que a formação inicial e continuada disponibilizada aos cursos de Licenciaturas e aos Bacharéis, em geral, o paradigma vigente coaduna com o modelo de desenvolvimento e progresso e até mesmo de uma racionalidade técnica.

É por isso que, quando abordamos a formação do ecoeducador crítico como intelectual orgânico essa ideia não é um paradigma, pois diferentemente procuramos desvendá-la em sua completude, sem que permaneça um mistério eterno. E, mais do que isso, se discute a desfocalização das lutas estruturais dentro do discurso ecológico, não apresentando a questão ambiental dissociada das outras problemáticas existentes nas sociopolíticas decorrentes da ideologia neoliberal (Ramos, Lobino e Hernandez-Piloto, 2021, p.232 grifo nosso).

Desse modo, é concreto e enorme o desafio pela urgência de se instaurar a cultura da sustentabilidade da vida, ou seja, promover uma releitura de mundo onde a vida em todas suas relações e contradições seja centralidade. Cabe destacar que, na atual pesquisa, evidencia-se a importância da compreensão do conceito de racionalidade, atos de fala, intencionalidade, argumento, discurso, entendimento mútuo e consenso provisório, em Habermas de modo a compreender os conceitos e processos de formação e de inclusão escolar produzidos nos espaços discursivos, não deslocados desse intelectual orgânico que discursa, problematiza, argumenta mediante seus atos de fala numa esfera pública.

A educação sempre se constituiu como um valioso instrumento de poder do grupo social dominante, consequentemente a formação docente que sempre foi eivada da concepção de sociedade, também compôs esse projeto de dominação. A formação em si está presente nos processos e nas propostas curriculares, tanto do ensino superior quanto nas propostas curriculares da educação básica, mas se trata de uma formação técnica e racional. É necessário compreender os impactos da formação em si, principalmente na compreensão crítica do (a) professor (a) nos processos da argumentação; na garantia do direito à educação e da inclusão escolar dentro da esfera pública.

Neste texto busca-se, compreender os conceitos habermasianos e o espaço discursivo como espaço de participação entre sujeitos que mediante o discurso, apresentam argumentos para elaboração de consensos e fortalecimento do entendimento mútuo, no sentido de captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação; e ainda fomentar a elaboração de espaços formativos colaborativos na defesa da formação humana na perspectiva da inclusão.

Das quatro seções que se apresentam, a primeira, introdutória, contextualiza a formação e o objetivo do texto; a próxima, trata-se da base teórica que fundamenta o processo de constituição da pesquisa, sobretudo dos espaços discursivos. Na sequência, apresenta-se o percurso metodológico da pesquisa para produzir os dados, organizar e analisar os mesmos. Em seguida, apresenta-se alguns resultados e discussões a partir do objetivo proposto no artigo. Enfim, às considerações finais seguidas das devidas referências.

 

2 BASE TEÓRICA 

O mais conhecido representante da segunda geração da Escola de Frankfurt é Jürgen Habermas. Nascido em 1929, esse estudioso projeta-se como assistente de Theodor Adorno e, posteriormente, desenvolve sua carreira acadêmica como professor em diferentes universidades alemãs.

Habermas (2004) não se limita ao aprofundamento do campo conceitual clássico da teoria crítica. Em sua trajetória filosófica e sociológica, percorre caminhos de pensamento próprios e oferece respostas originais para os problemas que mobilizam as pesquisas dos frankfurtianos desde suas origens: a identificação dos motivos pelos quais não se efetivaram os ideais iluministas de progresso humano e as possibilidades de concretização da humanidade emancipada na civilização.

Dentro de sua teoria, articulam-se conceitos como esfera pública, atos de fala, argumento, ação comunicativa, interesse, razão sistêmica, razão comunicativa, ética do discurso, democracia deliberativa, conhecimento, racionalidade instrumental e comunicativa, dentre outros. Em “Conhecimento e Interesse”, Habermas (2004) faz uma crítica ao Positivismo e determina o conhecimento para além da razão instrumental. Ele afirma que o conhecimento “[...] não é um mero instrumento de adaptação de um organismo ao entorno cambiante, nem é o ato de um ser racional puro inteiramente desligado dos contextos de vida como contemplação” (Habermas, 2014. p. 300).” Assim, compreende o interesse como a priori do conhecimento, baseado no papel mediador da linguagem.

Ao refletir sobre os interesses como condutores do conhecimento e as metodologias como orientadoras das formas de pesquisar, é possível analisar e captar como essas metodologias conduzem os processos de investigação advindos da pesquisa-ação ou investigação-ação e contribuído para a produção do conhecimento nessa área. Sendo assim, esse conceito, auxilia na compreensão e análise nos discursos e argumentos que perpassam os processos oriundos da pesquisa-ação, para a formação humana e inclusão.

Outro conceito importante para Habermas é a questão da racionalidade, talvez considera-se, o tema por excelência para filosofia.  Porém, Habermas (1987) ressalta que, dentre as ciências sociais, é ela que melhor conecta os seus conceitos básicos com a problemática da racionalidade. A economia e a ciência política, ao se converterem em ciências especializadas, teriam deixado de lado problemas que foram encampados pela sociologia. Ao tratarem do trânsito da “comunidade” à “sociedade”, os clássicos da sociologia procuraram explicar o racionalismo ocidental, conforme destaca a partir dos estudos weberianos

Habermas sustenta a tese de que foram razões sistemáticas que conduziram Weber a tratar da questão do racionalismo ocidental. Mais do que isso, Habermas (1987) afirma que toda sociologia com pretensões de teoria da sociedade, desde que proceda com radicalidade suficiente, coloca-se o problema da racionalidade. Além da análise weberiana dos processos de racionalização, o referido autor ressalta também as teorias sociológicas dos sistemas, feitas primeiramente por Parsons e prosseguidas por Luhmann, acrescentando-se à racionalidade da ação a racionalidade sistêmica. E, para Habermas, essas análises sociológicas se ligam a reflexões filosóficas concernentes à racionalidade, uma vez que o funcionalismo sociológico não pode eliminar de todo a problemática da validez. A posição de Habermas (1987) a esse respeito consiste em conciliar esses dois vieses teóricos vindos da sociologia.

Para apreender esses processos de racionalização, “[...] teríamos de nos valer de uma teoria da ação comunicativa, com o fim de ressignificar de tal maneira a teoria dos meios de comunicação desenvolvida no funcionalismo sistêmico, esclarecendo a conexão que se dá entre a formação de subsistemas e a racionalidade da ação” (Habermas, 2012, p.395).

Tendo em vista que a intenção da Escola de Frankfurt, compartilhada em parte por Habermas da Teoria do Agir Comunicativo, era a elaboração de uma teoria crítica da sociedade, torna-se bastante evidente, visto que a questão da racionalidade e das práticas argumentativas assumem um papel central nesse projeto. Habermas (2012) aproxima a filosofia da sociologia ao negar à primeira o estatuto de fundamentação última e assumir a tese de que também as reconstruções empreendidas pela filosofia mantêm um caráter hipotético.

Assim, segundo Habermas (1987) as ciências sociais podem estabelecer relações de cooperação com uma filosofia que assume como tarefa realizar o trabalho preliminar para uma teoria da racionalidade.

Para Habermas (1987), a racionalidade imanente à prática comunicativa remete à prática da argumentação, que permite prosseguir a ação comunicativa por outros meios quando se produz um desacordo nas rotinas cotidianas. Uma vez que esse desacordo não foi absorvido, e, portanto, já se tornou algo problemático, e nem pode ser decidido pelo uso estratégico do poder,   Habermas defende que o conceito de racionalidade comunicativa tem de ser adequadamente desenvolvido por meio de uma teoria da argumentação: “Todo exame explícito de pretensões de validez controvertidas requer uma forma mais exigente de comunicação, que satisfaça os pressupostos próprios da argumentação” (Habermas, 1987, p.43).

Fica assim claro porque, partindo da noção de racionalidade apresentada, torna-se necessária a elaboração de uma teoria da argumentação. Ainda que a teoria da argumentação goze de uma rica tradição filosófica, que remonta a Aristóteles, Habermas entende que ela continua ainda em seus primórdios. Alguns passos foram dados, como, por exemplo, o desejo de alguns lógicos de ir além da lógica formal dedutiva e indutiva para proporcionar uma teoria mais completa do raciocínio, a análise das implicações dessa lógica informal em outros ramos da filosofia (como a epistemologia, a ética e a filosofia da linguagem) e, também, o interesse demonstrado pelo estudo dos diferentes tipos de persuasão discursiva. Habermas ressalta sobretudo a investigação pioneira de Toulmin nos The Uses of Argument, publicado em 1958, que se caracteriza sobretudo pela proposta de um novo modelo argumentativo, livre das amarras da lógica formal e mais próximo do raciocínio jurídico que do matemático.

A teoria da argumentação de Habermas será levada a cabo sob a forma de uma lógica informal, tal como Toulmin a apresentou, no sentido de que um acordo não pode ser imposto nem dedutivamente nem por evidências empíricas. Habermas reconhece que a lógica tradicional, presa a sistemas formais e a unidades semânticas (frases), é inadequada para o seu propósito de uma lógica da argumentação que trata de relações entre unidades pragmáticas (atos de fala) das quais se compõe o argumento. O primeiro passo nesse estudo da teoria da argumentação será definir o que se entende por argumentação. Seria considerar a argumentação ao tipo de fala em que os participantes tematizam as pretensões de validade que se tornam duvidosas e tratam de aceitá-las ou não, por meio de argumentos.

Uma argumentação contém razões que estão conectadas de forma sistemática com as pretensões de validade da manifestação ou emissão problematizadas. A força de uma argumentação se mede num contexto dado pela pertinência das razões (Habermas, 1987, p.37). Nessa definição prévia, Habermas já nos apresenta alguns traços característicos de sua proposta, como a conexão com as pretensões de validade, “[...] as argumentações tornam possível um comportamento que pode considerar-se racional num sentido especial, a saber: o aprender com os erros uma vez que eles são identificados” (Habermas, 1987, p.43).

Outro conceito que procuramos dialogar em nossa produção teórica é o conceito de discurso. Para o referido autor, o conceito de mundo da vida antecede o de discurso, uma vez que, ao expormos nossas convicções, nos fundamentamos na nossa visão de mundo. Dessa forma, no que tange às condições necessárias ao discurso, Habermas destaca:

(1.1) A nenhum falante é lícito contradizer-se. (1.2) Todo falante que aplicar um predicado F a um objeto a, tem que estar disposto a aplicar F a qualquer outro objeto que se assemelhe a a sob todos os aspectos relevantes. (1.3) Não é lícito aos diferentes falantes usar a mesma expressão em sentidos diferentes. (2.1) A todo falante só é lícito afirmar aquilo em que ele mesmo acredita. (2.2) Quem atacar um enunciado ou norma que não for objeto da discussão tem que indicar uma razão para isso. (3.1) É lícito a todo sujeito capaz de falar e agir participar de Discursos. (3.2) a. É lícito a qualquer um problematizar qualquer asserção. b. É lícito a qualquer um introduzir qualquer asserção no Discurso. c. É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes, desejos e necessidades. (3.3) Não é lícito impedir falante algum, por uma coerção exercida dentro ou fora do Discurso, de valer-se de seus direitos estabelecidos em (3.1) e (3.2) (Habermas, 1989, p. 110-112).

Em síntese, o conceito de discurso diz respeito aos argumentos e ao que se pretende dizer mediante os atos de fala, que se caracterizam pela forma de se chegar ao entendimento.

O falante deseja que o destinatário aceite como válido o que é dito; isso é decidido pelo sim ou pelo não do destinatário à pretensão de validade que o falante levanta para o dito com seu ato de fala. O que torna aceitável a oferta do ato de fala são, em última análise, as razões que o falante, no contexto dado, poderia apresentar para a validade do dito (Habermas, 2004, p.109).

Acreditamos que, através da criação de espaços discursivos, momentos em que os participantes, por meio de uma racionalidade comunicativa, expõem seus pensamentos e opiniões (Almeida, 2010), possibilitamos momentos de trocas que nos remetem aos modos de pensar de uma sociedade de igualdade e democrática. 

Para Habermas (2003), a comunicação mediatizada e de massas leva à alteração da esfera pública, num contexto de capitalismo e democracia, passando as tertúlias a dar lugar a uma cultura difundida pelos meios de comunicação de massa. Assim, com a ampliação do campo de atuação, a esfera urbana passa a definir-se pela quantidade de informação divulgada e não pela promoção do debate consciencioso acerca da conjuntura política, social ou cultural.

Na segunda metade do século XX, há um processo de degeneração da esfera pública, que conduz à transformação do cidadão em cliente ou consumidor de serviços, sobretudo como resultado da destruição da divisão entre as esferas privada e pública. Nas obras posteriores de Habermas, a ideia de esfera pública deixa progressivamente de se referir a uma instituição histórica específica, passando a relacionar-se com a ideia de uma capacidade do homem para a comunicação humana.

Habermas propõe uma teoria do agir comunicativo, em busca de uma razão que fomente processos públicos com caráter emancipatório (Habermas, 1987), o que passa necessariamente pela importância da ação comunicativa na procura de um consenso provisório.

Em seu livro: “Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa” Habermas (2003) defende um moderno renascimento da "esfera pública": como um domínio da vida social que surgiu no século XVIII e ocupou uma posição localizada entre a esfera ocupada pelo setor privado. indivíduos - a esfera privada - e a esfera ocupada pelos aparelhos e instituições reguladoras do estado.

O que uma esfera pública vibrante forneceu foi um espaço discursivo onde os indivíduos podem se reunir para trocar ideias e opiniões, identificar e discutir livremente problemas sociais de interesse mútuo e formular um acordo consensual sobre como eles devem ser resolvidos. Assim, ofereceu um 'espaço público' que permitiu que todos tivessem a mesma chance de apresentar ideias, interpretações e argumentos, onde não havia barreiras à comunicação livre e aberta e nas quais todos participavam em termos iguais [...] (Carr, 2019, p. 23, grifo nosso).

Consideramos ainda as observações sinalizadas sobre esfera pública, Carr (2019) articula o conceito de pesquisa-ação com algumas observações:

Minha segunda observação é observar que uma característica distintiva dessa visão da pesquisa-ação crítica é que ela se apoia apenas na capacidade natural de indivíduos comuns de participarem de diálogos, comunicações e argumentos racionais. A esse respeito, tem muito em comum com a prática pedagógica em que estamos envolvidos hoje: sem o seminário na universidade medieval, o seminário forneceu o espaço discursivo para o diálogo argumentativo entre indivíduos, com base nas perguntas e respostas. Como a pesquisa-ação crítica, objetivou estimular o pensamento crítico e extrair ideias e suposições subjacentes. E, como a pesquisa-ação crítica, ela fornece o tipo de esfera pública que a ação comunicativa exige. Portanto, o resultado da minha contribuição para este seminário não foi resolver os problemas críticos que a pesquisa-ação crítica enfrenta agora, mas apenas sugerir um ponto de partida a partir do qual o seminário pode começar (Carr, 2019, p. 24, grifo nosso)

Motivados pela possibilidade de constituir uma comunidade intersubjetiva com base na fala argumentativa, estabelecemos espaços discursivos com gestores da educação especial em dois municípios da Região Metropolitana de Vitória.  Utilizamos o saber do campo educacional, sobretudo o conhecimento já produzido acerca das questões teórico-metodológicas e epistemológicas necessárias ao trabalho investigativo em nossas pesquisas-ações (Almeida, 2010, p. 143).

Assim, interessa-nos, na perspectiva da racionalidade comunicativa, constituir espaços discursivos entre os “[...] diferentes profissionais de modo que seus argumentos possam fundamentar as pretensões de validade, afim de chegarmos ao entendimento mútuo” (Carvalho, 2018, p. 27).

 

3 PERCURSO METODOLÓGICO 

Opta-se por empregar a pesquisa-ação colaborativo-crítica de cunho qualitativo. Tal metodologia caracteriza-se pela espiral, composta por ciclos de planejamento, ação, observação e reflexão (Carr; Kemmis, 1988). Este processo, permite ao “[...] pesquisador compreender a realidade social e, simultaneamente, produzir novos-outros conhecimentos e constituir espaços de formação com os sujeitos envolvidos no estudo, na busca de novas linhas de pensamento e de ação” (Jesus et al, 2014, p. 779).

Desse modo, objetiva-se neste artigo entender como os Espaços Discursivos vêm se configurando no contexto do grupo de pesquisa, na busca por captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação; e ainda fomentar a elaboração de espaços formativos colaborativos na defesa da formação humana na perspectiva da inclusão.

Como procedimentos metodológicos, seleciona-se os diários de campo, os relatórios e as transcrições dos encontros de estudos e planejamentos denominados de “Jornada reflexiva”, que compreenderam o período de março a agosto de 2023, sendo realizada ao todo 7 encontros; 4 planejamentos para os espaços discursivos; e 4 espaços discursivos realizados em duas redes municipais de ensino. Essas duas últimas ações desenvolveram-se no período de agosto a setembro de 2023.

Assim, esses períodos organizaram-se em três movimentos entre os participantes do grupo de pesquisa: 1) no primeiro movimento, a partir das transcrições, buscou-se constituir entre os pesquisadores do “Grupo de pesquisa formação,  pesquisa-ação e Gestão de Educação Especias” (Grufopees-CNPq/Ufes)  entendimentos sobre o que seria e quais as possibilidades dos Espaços Discursivos na atual pesquisa do grupo que está iniciando, no que tange a captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação e também como possibilidade para realização de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar; 2) em seguida, no segundo momento, os participantes reuniram-se para planejar os espaços discursivos em seus municípios a partir do contexto e intencionalidade de cada um; e  por fim, 3) no terceiro momento, desenvolvem-se os espaços discursivos  nas redes municipais de ensino.

Participou[6] dos movimentos, a coordenadora e integrantes do grupo de pesquisa constituído por gestores (municipais e do estado), estudantes (da graduação e da pós-graduação) e professores (da graduação e da pós-graduação). Optou-se por utilizar nomes fictícios a fim de preservar a identidade dos participantes envolvidos. Assim, foram escolhidos nomes de “Participante” para esta substituição, sendo eles: Participante A, Participante B, Participante C, Participante D e Participante E.

A organização e análise dos dados apoia-se nas funções mediadoras da relação teoria e prática (Habermas, 2000), e ainda na análise, ao compreender como os espaços discursivos vêm se configurando no contexto do grupo de pesquisa, sobretudo como possibilidade de formação humana e inclusão, tal premissa baseia-se nas regras do discurso (Habermas, 1989), além dos conceitos de atos de fala (Habermas, 2012), argumento (Habermas, 2012), discurso (Habermas, 1989) e intencionalidade (Habermas, 2014), em que busca-se assumir o compromisso de possibilitar condições de mediação para que todos os participantes tenham oportunidade de falar e colocar seus argumentos, com vistas a entendimentos mútuos (Habermas, 2004) e consensos provisórios (Habermas, 2004).

 

4 ESPAÇOS DISCURSIVOS NAS NARRATIVAS DOS PARTICIPANTES

Ao propor compreender o Espaço discursivo como espaço de participação entre sujeitos que mediante o discurso, apresentam argumentos para entendimento mútuo e elaboração de consensos provisórios, no sentido de captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação; e ainda fomentar a elaboração de espaços formativos colaborativos na defesa da formação humana na perspectiva da inclusão, fundamenta-se os movimentos para alcançar tais objetivos nos pressupostos habermasianos, no que tange às funções mediadoras teoria-prática (Habermas, 2000):

A mediação da teoria e práxis pode apenas ser clarificada se iniciarmos por distinguir três funções, que são medidas em termos de diferentes critérios: a formação e extensão de teoremas críticos, que sejam consistentes com o discurso científico; a organização de processos de conscientização, nos quais tais teoremas podem ser testados numa única maneira pela iniciação dos processos de reflexão desenvolvidos no interior de certos grupos aos quais se dirigem estes processos; selecionar as estratégias apropriadas, a solução de questões táticas e a condução da luta política. No primeiro nível, o objetivo é fundamentos verdadeiros, no segundo, conclusões autênticas, e no terceiro, decisões prudentes (Habermas, 2000, p. 41, tradução e grifos das autoras).

Na busca pela formação e extensão de teoremas críticos (Habermas, 2000), que constitui-se entre os pesquisadores do Grufopees-CNPq/Ufes entendimentos sobre o que seria e quais as possibilidades dos Espaços Discursivos na atual pesquisa do grupo que está iniciando, no tocante a captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação e também como possibilidade para realização de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar, os participantes refletem e argumentam:

“Uma das nossas principais estratégias de produção de dados vai ser o Espaço Discursivo, é uma estratégia de produção de dados que a gente já vem fazendo há algum tempo. Bom, no início, quando começamos era grupo focal, mas quando começamos nossos estudos em Barbier, Habermas e outros teóricos a gente vem trabalhando com essa estratégia de produção de dados [...]. [...] Então a ideia [...] é ser uma estratégia de produção de dados que caminhe junto com análise dos textos, e ouvindo no decorrer das pesquisas, fazendo essa escuta sensível também [...]. [...] Então a gente tá precisando discutir o que é esse Espaço Discursivo, não é uma escuta livre, precisa de mediação, mas até que ponto vai a mediação [...]” (Participante A, Jornada Reflexiva, 29/03/2023, grifo das autoras).

[...] talvez a estratégia do Espaço Discursivo esteja muito no entendimento mútuo e mais do que no acordo provisório [...]. Eu considero, depois de me aprofundar nos estudos, o entendimento mútuo mais importante que o consenso provisório [...] (Participante A, Jornada Reflexiva, 27/04/2023, grifo das autoras).

[...] naquele momento do primeiro Espaço Discursivo tínhamos ali uma questão relacionada ao entendimento, mas vamos pensar que mais a frente teremos outros Espaço Discursivo e precisamos discutir nossas intencionalidades, pensar no tipo de linguagem que vamos usar pensando ou no consenso provisório ou no entendimento mútuo (Participante B, Jornada Reflexiva, 27/04/2023, grifo das autoras).

Eu quero ver se eu entendi: nos Espaços Discursivos há intencionalidades diferentes pela via de diálogos constantes, há um entendimento mútuo, mas não necessariamente um consenso provisório. [...] (Participante C, Jornada Reflexiva, 27/04/2023, grifos das autoras).

Para Habermas não seria o diálogo, é o ato da fala; no texto ele fala “Com seu ato de fala, o falante procura se entender a respeito de algo com um ouvinte.” Então para chegar ao entendimento mútuo é necessário o ato da fala. Então o falante procura entender a respeito de algo como ouvinte (Participante D, Jornada Reflexiva, 27/04/2023, grifo das autoras).

O ato de fala está dentro de algo bem maior, tá dentro de toda movimentação dos Espaços Discursivos (Participante A, Jornada Reflexiva, 27/04/2023, grifo das autoras).

 

Diante dos argumentos expressos nos atos de fala dos participantes, no movimento que entende-se no processo de pesquisa-ação como de compreensão da realidade, um dos pressupostos importantes tendo em vista que é a partir da compreensão da realidade concreta que se torna possível a construção de algumas ações (Almeida, 2010), evidencia-se a demanda por conceituar o que seja o espaço discursivo no contexto da pesquisa do grupo. Assim, na busca pelo entendimento mútuo, ou seja, aquele que “[...] se refere à interação de um ou mais sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou extra verbais) estabelecem uma relação interpessoal” (Habermas, 2012, p.124), os participantes tematizam suas pretensões de validade (Habermas, 2012). Neste exercício, compreende-se o espaço discursivo como uma estratégia de produção de dados, fundamentada em conceitos habermasianos e que para o seu desenvolvimento o papel do mediador é fundamental.

No movimento do grupo, já no processo de colaboração entre pesquisadores e participantes (Carr; Kemmis, 1988), passa-se a organização de processos de conscientização (Habermas, 2000), onde os participantes planejam os espaços discursivos que aconteceram em dois municípios, a partir do contexto e intencionalidade de cada um. Assim, registra-se:

[...] Então temos assim uma expectativa quanto ao andamento da pesquisa e como que isso vai repercutir no nosso trabalho na gestão da educação especial nesse período histórico que a gente está vivendo, que assim, não está fácil conjugar as coisas né no município não está fácil de realinhar e de sustentar alguns serviços e de manter algumas coisas que pra nós e para a pesquisa são muito caras! Não está sendo um momento tranquilo pra gente conjugar essas coisas, mas a gente não tem outra alternativa senão seguir né gente? Então estamos seguindo como conseguimos e vai ser um prazer estar com o pessoal do grupo nessa jornada (Participante E, Planejamento, 14/08/2023, grifos das autoras).

A pesquisa, ela é uma potência muito grande no desenvolvimento das políticas públicas. Então pra te dizer que a gente consegue fazer o que a gente faz porque a gente faz as ações dos municípios se dedicam a pesquisa atrelado ao desenvolvimento da sua política são muito mais bem sucedidas. [...] O espaço discursivo que a gente já conseguiu reservar [...] Talvez aí a gente encontre outras possibilidades de a gente ampliar essa organização (Participante E, Planejamento, 14/08/2023, grifo das autoras).

Hoje eu conversei [...], ela quer fazer, ela vai até entrar em contato com o secretário. Ele falou pra eu não fazer antes dela chegar. Ela vai voltar semana que vem, é a última semana dela! É, vai ter, eu achei, que inicialmente seria um espaço discursivo, o espaço formativo eu preciso ver com ela (Participante F, Jornada Reflexiva, 27/07/2023, grifos das autoras).

Evidencia-se que assim como os participantes no contexto da universidade tenham suas intencionalidades (Habermas, 2014), os participantes das redes (gestores), dado os contextos diferentes nos dois municípios e até mesmo o avanço nos entendimentos do grupo, no que diz respeito aos modos de conceber e desenvolver os espaços discursivos, também tem as suas intenções.

Nesse entendimento, vale destacar que para Habermas (2014), a partir da teoria dos atos de fala é possível a construção de uma espécie de síntese entre a ação e a linguagem, já que quem fala age e estabelece relações, modifica algo no mundo. O autor ainda sinaliza que apenas as ações linguísticas às quais o falante vincula uma pretensão de validade criticável, são capazes de levar o ouvinte a aceitar a oferta contida num ato de fala, podendo assim se tornar eficazes como mecanismo de coordenação das ações. Essa síntese entre ação e linguagem não significa, contudo, uma identificação entre o falar e o agir. Desse modo, a teoria dos atos de fala possibilita precisamente distinguir as ações linguísticas das ações no sentido estrito do termo. A essencial distinção, que é aspecto fundamental para essa possibilidade de síntese, é entre atos perlocucionários e atos ilocucionários. Enquanto para os atos ilocucionários o que é constitutivo é o significado do enunciado, para os atos perlocucionários o que é importante é aquilo que o agente intenciona com o que diz.

Deste modo, os espaços discursivos nos dois municípios se organizaram da seguinte forma, respectivamente:

1. Apresentação do grupo de pesquisa e dos participantes – cada participante irá falar de si (nome, formação, cargo/atuação/função/já participou de alguma pesquisa acadêmica?);

2.Contexto da pesquisa - objetivo geral e específicos da pesquisa;

3.Espaço Discurso (contextualizar sobre o que seja);

4.Espaço Discursivo = vídeo (grupo de pesquisa) e Questões disparadoras: A). O que você compreende por ser “professor pesquisador”? Você já participou de algum processo de pesquisa-ação? De que forma os processos de pesquisa-ação e os resultados dessas têm contribuído para o desenvolvimento de políticas públicas e a formação de recursos humanos? Como os processos formativos que vocês participaram/elaboraram contribuíram com as suas práticas pedagógicas? Enquanto gestores, como tem sido a elaboração dos processos formativos? Nessa elaboração, utilizam da metodologia e pressupostos da pesquisa-ação? O que você observa como demanda formativa no município, considerando a possibilidade de parceria com o Grufopees pela via da nova pesquisa? Fechamento – vídeo (Relatoria do Planejamento, 17/08/23).

1.Apresentação do grupo;

2.Vídeo sobre o grupo de pesquisa;

3.Destacar os pontos importantes do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE);

3.Apresentar os objetivos da nova pesquisa do grupo;

4.Tópicos de debate: Contextualização  da Rede Municipal de Ensino; Contextualização das Demandas do município - como organiza, ações, assessorias, propostas da Gerência, formação, redes intersetoriais (contextualização); Formação impacto nas práticas pedagógicas; Demandas - Demanda no município, considerando a possibilidade de parceria com o Grufopees pela via da nova pesquisa (O que o grupo espera de uma pesquisa e  fazer conexão com a pesquisa ação; A ideia de como veem a pesquisa-ação enquanto ferramenta epistemológica e metodológica para construção de políticas, formação e práticas) (Relatoria do Planejamento, 29/08/23).

 

Com o fim do planejamento e organização das ações, configura-se como seleção das estratégias apropriadas, à solução de questões táticas e a condução da luta política (Habermas, 2000), a realização dos espaços discursivos nas duas redes municipais de ensino. Nos argumentos e discursos dos participantes, destaca-se as mais diversas problematizações, introdução a outros diálogos e manifestação de desejos e necessidades, conforme excertos:

Participei de uma pesquisa-ação em 2005. Historicamente a pesquisa-ação contribui com a ideia do professor pesquisador. [...] A política no município só se sustenta pela via da pesquisa. Ela fundamenta as ações (Diário de campo, 21/08/23).

No núcleo não temos tempo para refletir. Contudo há uma preocupação em relacionar sempre teoria e prática. Assim, há compreensão das demandas e das realidades visando desse modo pensar os profissionais e garantir os direitos dos estudantes (Diário de campo, 21/08/23).

Considerando que a gerente de Educação Especial tenha participado de processos formativos que envolviam a pesquisa-ação, vê-se que muito na forma de pensar e desenvolver as ações no município conceitos e bases que fundamentam a pesquisa-ação (Diário de campo, 01/09/23).

Algumas formações se dão por adesão. E sendo assim, muitos não participam e a dificuldade é maior. Alguns até reclamam que não há formação (Diário de campo, 01/09/23).

Ao olhar para os aspectos referentes a pesquisa-ação, evidencia-se que tendo em vista ser uma metodologia de pesquisa que possibilita a articulação teoria e prática, considera a participação dos envolvidos e a ação destes se transformarem em pesquisadores de suas práticas, as ações realizadas nos municípios tendem a se fundamentar nesses processos, como pode-se observar por exemplo na questão das políticas educacionais desenvolvidas nos municípios onde ocorreram os espaços discursivos. Sendo assim, é possível reconhecer que:

[...] a perspectiva da pesquisa-ação, em sua acepção crítica, aponta caminhos que colocam os participantes em situações sociais propícias para uma forma de indagação autorreflexiva, a fim de que compreendam os próprios contextos de referência socioeducativos e transformem suas práticas (Almeida et al, 2018, p. 260).

Por outro lado, no âmbito de se pensar a formação humana na perspectiva da inclusão, ainda é um desafio, dado o espaço-tempo e as condições para que as mesmas aconteçam. Desta forma, acredita-se que será possível sua realização a partir de consensos provisórios (Habermas, 2012), “[...] que só pode se dar caso não haja qualquer tipo de coerção ou uso de força que condicione o debate [...] (Silva, 2019, p. 54) e “[...] acordados dialeticamente por pontos em comum entre os envolvidos, que podem ser revistos [...]” (Silva, 2019, p. 61).

Finalmente, ao ouvirmos os argumentos e discursos referentes à possível colaboração do Grufopees-CNPq/Ufes com as duas redes municipais de ensino, destaca-se entre elas a necessidade por formação continuada. Assim, um dos municípios aponta para a necessidade formativa com a equipe gestora da rede (Diário de campo, 21/08/23), e o outro município indica a demanda por formação das assessoras de Educação Especial (Diário de campo, 01/09/23).

 

5 CONCLUSÃO

Ao buscar compreender o Espaço discursivo como espaço de participação entre sujeitos que mediante o discurso, apresentam argumentos para elaboração de consensos e fortalecimento do entendimento mútuo, no sentido de captar os movimentos vivenciados por pesquisadores e participantes de processos de pesquisa realizados pela via da pesquisa-ação ou investigação-ação; e ainda fomentar a elaboração de espaços formativos colaborativos na defesa da formação humana na perspectiva da inclusão, observa-se que é urgente o desafio de aprofundar a discussão sobre processos de formação humana e inclusão. E é um enorme desafio instaurar a cultura da sustentabilidade da vida, ou seja, promover uma releitura de mundo onde a vida em todas suas relações e contradições seja centralidade.

Assim, os espaços discursivos se compõem e organizam a partir das regras do discurso de Habermas (1989), constituindo-se em um ou diferentes espaços-tempos de interações que buscam entendimentos mútuos, em que as falas dos participantes são respeitadas e ouvidas, dando condições de igualdade democráticas de fala e participação entre os envolvidos no grupo (França, 2023).

A metodologia utilizada na presente investigação, ao articular uma formação centrada na investigação pela via da pesquisa-ação, no caso aqui, em sua acepção colaborativo-crítica, em que o sujeito professor passa a ser autor-criador de seu processo formativo, corroboramos com o entendimento de que as mudanças nos contextos sociais, seja longa, estrutural, e promova a emancipação dos envolvidos (Franco e Lisita, 2014).

Na teoria Habermasiana, destaca-se que a esfera pública refere-se ao mundo do debate e da discussão livre sobre questões de interesse mútuo entre os cidadãos considerados iguais, política e moralmente, configurando-se como uma espaço por meio do qual a vontade coletiva é processada e por onde se justificam as decisões políticas em transformação. A esfera pública pode ser percebida como uma rede de circulação de conteúdos e de tomadas de posição, guiadas pela racionalidade comunicativa, as quais são filtradas e sintetizadas, de forma a constituírem opiniões públicas topicamente definidas.

Considerando esse espaço público Habermasiano, o diferencial no processo de formação continuada de professores justamente é a interação e a troca de experiências entre os participantes que, libertos das pressões do cotidiano, identificam-se como educadores em um cenário onde são professores e alunos ao mesmo tempo e o tempo todo.

A especificidade da formação humana não pode ser ignorada, porém é necessário compreender que a formação crítica dos professores (as), em suas singularidades, precisa ser mediada por políticas de formação continuada sob uma perspectiva de um fortalecimento de políticas educacionais que referenciam, cada vez mais, os processos de inclusão, em nosso caso. No processo de formação do (a) professor (a) devemos pautar o seguinte movimento dialético na formulação das práxis: prática-teoria-prática. Assim, acreditamos que o processo de formação do professor tem a possibilidade de superar o senso comum, com condições de promover a consciência filosófica, saindo da realidade vivida, avançando para o estudo teórico, pela abstração, e alcançando a realidade concreta da educação.

Por outro lado, ao atentarmo-nos para a formação humana na perspectiva da inclusão tendo como fundamentos os conceitos da Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas, observa-se que a partir do agir comunicativo (Habermas, 2012), que tem como pano de fundo o entendimento linguístico como mecanismo de coordenação da ação, os processos formativos farão com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a construção e a manutenção de ordens sociais: pois estas mantêm-se no modo do reconhecimento de pretensões de validade normativas. Isso demonstra que a tensão entre facticidade e validade, embutida na linguagem e no uso da linguagem, volta ao modo de integração de indivíduos socializados, ao menos comunicativamente, e que deve ser trabalhada pelos participantes.

REFERÊNCIAS

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CARR, W. Critical Action Research Today. Estreiadiálogos: Revista da Rede Internacional de Investigação-Ação Colaborativa, n. 1, p. 14-26, jul. 2019.

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CARVALHO, D. S. A construção de um currículo de formação continuada na perspectiva da inclusão escolar: contribuições da teoria do agir comunicativo. 2018. 2018. Dissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores) - Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, 2018.

FRANÇA, B. R. B; ALMEIDA, M. L. de; GAMA, Alexsandra Polini de Jesus da. A formação continuada na perspectiva inclusiva: mapeamento da produção de um grupo de pesquisa. Anais do Seminário Nacional de Educação Especial e do Seminário Capixaba de Educação Inclusiva, v. 4, n. 4, p. 464-477, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/snee/article/view/40652. Acesso em: 15 jun. 2023.

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SILVA, N. V. da. A gestão de educação especial e a formação continuada de rede municipal de ensino Marataízes/ES: a pesquisa-ação em foco. 2019. Dissertação (Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores) – Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, 2019.

ŽIŽEK, S. A amazonia está em chamas – e daí?. Blog da Boitempo. São Paulo. 04/09/2019. Disponível em:https://blogdaboitempo.com.br/2019/09/04/zizek-a-amazonia-esta-em-chamas- -e-dai/. Acesso em 19 de dezembro de 2020.

 



[1] Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES).

[2] Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), Vitória-ES.

[3] Pós-doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), Vitória-ES.

[4] Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), Vitória-ES.

[5] Pós-doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), Vitória-ES.

 

[6] Este estudo está vinculado ao projeto de pesquisa maior do grupo de pesquisa, aprovado e consubstanciado pelo Parecer nº 6.275.582, obtendo o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) com o código nº 70563323.5.0000.5542.