UM NOVO ÁGORA INFORMACIONAL

 

Oswaldo Francisco de Almeida Junior[1]

UNESP/Marília

ofaj@ofaj.com.br

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Resumo

Partindo do confronto entre as reflexões presentes em um texto publicado em meados dos anos 1990 e as de hoje, discute-se aspectos da democracia da informação. No texto anterior, a base das análises é a concepção de democracia na Grécia antiga, em que a ideia de cidadão excluía muitos dos segmentos da sociedade. Hoje, apesar das mudanças e transformações sociais, o acesso à informação ainda está reservada para grupos exclusivos e restritos que podem fazer uso de ferramentas tecnológicas mais atualizadas. O fosso entre os que possuem e os que não possuem informações continua o mesmo. O texto está estruturado e desenvolvido em pontos discutidos mais aprofundadamente ou apenas indicados para que sejam focos de preocupação e interesses posteriormente. Conclui-se que pouco ou nada se alterou entre as conclusões do texto primeiro e a situação de agora.

Palavras-chave: Internet; democracia da informação; cidadania; acesso à informação.

A NEW INFORMATIONAL ÁGORA

Abstract

Starting from the comparison between the reflections present in a text published in the mid-1990s and those of today, aspects of information democracy are discussed. In the previous text, the basis of the analyzes is the conception of democracy in ancient Greece, in which the idea of a citizen excluded many segments of society. Today, despite social changes and transformations, access to information is still reserved for exclusive and restricted groups who can make use of more up-to-date technological tools. The gap between those who have and those who do not have information remains the same. The text is structured and developed into points discussed in more depth or simply indicated to be foci of concern and interests later. It is concluded that little or nothing has changed between the conclusions of the first text and the current situation.

Keywords: Internet; information democracy; citizenship; access to information.

 

 

1 Introdução

O texto foi estruturado com divisões em tópicos que, entendo, norteiam e embasam as discussões desenvolvidas ou ainda por se desenvolverem. Há tópicos um pouco mais aprofundados e outros que são apenas sinalizados e merecerão, em outros momentos, uma abordagem mais específica e direcionada.

No final dos anos 80 ou início dos 90, publiquei um texto chamado Ágora Informacional em que defendia a existência de um número restrito de pessoas com acesso às informações veiculadas e disseminadas pela internet, em sua versão ainda incipiente.

A proposta era a de comparar o início da democracia na Grécia antiga, com a concepção de um espaço democrático proveniente da ampliação do acesso às informações de maneira virtual. Na primeira – Grécia antiga – as discussões e as decisões eram tomadas em praça pública – Ágora – pelos cidadãos. Mas, como nos lembra Marilena Chauí (1994), na categoria cidadão, eram excluídos os escravos, as mulheres, as crianças; como a autora acima nos explica: “Mulheres, crianças, estrangeiros e escravos estão excluídos da cidadania, que existe apenas para os homens livres adultos naturais de Atenas.” (Chauí, 1994, p.111).

 

O texto da época abordava muitos aspectos que dificultavam o acesso às redes de informação por parte da maioria da população,

 

para que um candidato a “internauta” possa freqüentar “sites” e “home pages”: o interessado deve possuir: a) um computador; b) um “modem”; c) uma linha telefônica (que, convenhamos, com a atual estrutura da telefonia brasileira não é algo tão simples e fácil). Além disso, é necessário o vínculo a um “provedor”, que em troca do acesso à grande rede, cobra uma módica mensalidade [...]. As exigências acabam por aqui? Ainda não: a conexão do micro com a rede, via provedor, se faz através de um software e de determinadas configurações. Um mínimo de convivência com computadores e conhecimento básico da língua inglesa também estão implícitos entre os itens que se requerem para a utilização da Internet. (Almeida Junior, 1998; 1999)

 

A relação entre as dificuldades para se fazer “representar” e participar das discussões e decisões na Grécia antiga e nas redes de informação na época em que o texto citado foi elaborado, não era idêntica, mas possuía muitos pontos semelhantes.

Na época a maioria dos pesquisadores estavam preocupados muito mais com as tecnologias - quer seja dos equipamentos, hardwares, quer seja dos programas, softwares - do que com o conteúdo. As influências das novas tecnologias eram uma preocupação, mas voltada para a recepção e como isso implicaria no acesso às informações. Em relação ao conteúdo em si, os olhares estavam mais voltados para a disseminação, a veiculação, a propagação das informações. Claro que já existiam as informações enganosas, as informações mentirosas, uma vez que isso é recorrente na história. As discussões sobre as informações enganosas e falsas foi objeto de interesse de Umberto Eco em, ao menos, duas de suas obras ficcionais: O cemitério de Praga e Número Zero. Creio que esses dois livros devem fazer parte das leituras dos que pesquisam esse tema.

A preocupação com a tecnologia, mais do que com o conteúdo da informação, não foi próprio de um único momento. Vivenciei uma situação no início dos anos 1980 que demonstra, em parte, o que estou afirmando aqui. Nessa época, a ideia de internet aberta e de acesso a todos estava ainda se apresentando de forma embrionária, com a presença das BBS - Bulletin Board System - que exigiam a relação entre um computador e um servidor, via telefone. O usuário conseguia acesso a essas informações que eram restritas ao disponível no servidor. Tal acesso era cobrado por "pulsos", que equivalia, cada um deles, a 4 minutos. O primeiro pulso era cobrado assim que a ligação era completada. Dessa forma, um acesso a uma BBS era bem cara. O mesmo se dava aos acessos aos bancos de dados internacionais, levando a que os pesquisadores fizessem um planejamento prévio de formas de busca para que a conexão telefônica, em especial a internacional, fosse a mais rápida possível.

Em São Paulo foi criado pela companhia telefônica da época - Telesp -, o Videotexto que permitia, via um computador, acesso a informações existentes no servidor dessa empresa. Dizia-se que havia linhas ociosas, o que justificava a implantação do serviço, mas, em seguida, problemas com fluxo de telefonemas na cidade de São Paulo, fez com que o Videotexto fosse descontinuado. Escrevi um texto, naquele momento, chamado: "Videotexto, uma tecnologia com a linha ocupada", evidenciando os problemas pelos quais passava o serviço. Os equipamentos para acesso eram importados. O local onde eu trabalhava na época fez uma proposta de pesquisa sobre o impacto do Videotexto na sociedade. Participei da reunião com os diretores da Telesp, e ouvi deles, claramente, o interesse em criar condições para produção; no Brasil, de equipamentos que evitassem a importação e que pesquisas como a proposta, não constava entre os interesses e preocupações deles. A opção era totalmente voltada para os equipamentos. E pouca coisa mudou daquele momento até agora.

Falamos muito em desinformação, em contrainformação, em misinformação, em fake news, em pós-verdade. Por que não pensamos em desconhecimento? Não no sentido de não conhecer algo, mas como a consequência das apropriações, entendidas e aceitas como verdadeiras, de desinformação. A ideia de desconhecimento deve, dentro das possibilidades e limites do tema, fazer parte das preocupações dos que atuam com a informação.

 

O mais importante, voltando para as discussões sobre o momento em que o texto “Ágora Informacional” foi elaborado, era a disseminação dessa informação, incluindo as concepções teóricas da área de CI. Defendia-se um modelo matemático da informação, muito mais quantitativo, objetivo, palpável. A proposta era determinar quanto de informação seria transmitida, entendendo que a quantidade corresponderia ao atendimento das necessidades explicitadas pelos demandantes.

As preocupações com o uso frequente de Tecnologias de informação e comunicação ainda estão presentes, com poucas informações sobre as implicações futuras desse uso excessivo, mas, de tempos para cá, olhares de vários segmentos da sociedade estão atentos ao conteúdo veiculado.

De maneira errônea, muitos afirmam que a internet democratiza a informação. Tempos atrás surgiu a ideia de desmediação que sustentava a existência de uma ação direta dos usuários quando do acesso às redes eletrônicas. Qualquer acesso sempre será intermediado, mediado pelos que produzem as informações. A ideia não prosperou e hoje está descartada pela maioria dos que estudam essa temática.

Ouso afirmar que a internet, ao contrário do que se propaga, não democratiza a informação, mas cria espaços em que a elitização da informação pode prosperar, pode ser mais enfática.

 

Talvez o maior problema em relação à idéia de democratização da informação esteja no próprio conceito de democratização. Ou, ainda, no próprio conceito de acesso. O que consideramos acesso à informação? A mera possibilidade de ter em mãos um suporte que aborde o assunto requerido, sem, no entanto, nada entendermos do que está lá registrado? Acredito que a informação só se concretiza quando é assimilada, entendida, compreendida. Quem determina isso é a própria pessoa, ou, numa linguagem bibliotecária, o próprio usuário. (Almeida Junior, 1999)

 

É verdadeira a ideia de que na internet estão todas as informações, concretizando o antigo anseio da biblioteca universal? É claro que não. Desejamos que isso seja verdadeiro, pois todas as buscas estariam centradas em um único espaço e facilmente acessíveis. 

A proposta de democratização da informação esteve presente no nascimento ou, melhor dizendo, no início do grande desenvolvimento das TIC.

A ideia de democratização da informação, já de antes, mas principalmente hoje, desmoronou. Todos podem falar o que quiserem, a possibilidade é aberta. De repente, um vídeo, uma imagem, um texto – curto -, uma frase viraliza. Qual o conteúdo, no entanto, do que viraliza? Normalmente, o entretenimento, o que arranca um sorriso de quem lê, vê, ouve. Do mesmo modo, as pessoas são livres para postar o que quiserem, não há impedimento. Não há controle? Mesmo postando o que deseja, o alcance do que está sendo transmitido é pequeno, circunscrito a um número quase que insignificativo de seguidores. Qualquer um pode divulgar e publicar o que deseja, mas há, também, um crivo dos que dominam as redes. Os contrários – quando uma publicação ultrapassa os limites das bolhas – tendem a denunciar a publicação e, apesar de seguir uma política em muitos pontos evasiva, os provedores, mantenedores e donos das redes, tomam as decisões sobre a manutenção ou não do que foi publicado a partir, evidentemente, dos seus interesses, em especial os comerciais. Só para enfatizar, o fim último desses provedores é o lucro e não a democratização da informação. Para isso, eles precisam dominar o espaço. Como diz Ignacio Ramonet (2007), em um texto chamado A colonização do ciberespaço, se há espaço (físico ou virtual), há também a busca por sua colonização.

A dominação não precisa se preocupar com o conteúdo, mas com a disseminação, com o alcance das informações. Controla-se, sem grandes – ou nenhuma – ação, a distribuição.

Hoje, nos mais das vezes, nós repetimos slogans, frases suscintas que reproduzem um modo de pensar, uma ideia, conceções. E a frase tende a se passar como a verdade, embora não leve ela a uma discussão ou a um aprofundamento do tema. E é com base nesses slogans que as pessoas emitem e defendem opiniões, repassando frases idênticas ou semelhantes.

Há uma aparente tranquilidade em saber que muitos pensam como nós, mesmo que esse pensamento não tenha sido gerado em nós mesmos, mas imposto externamente.

Os slogans seguem a linguagem da internet, das mídias sociais. Os leitores desse ambiente, até pela estrutura física – que, por sua vez, interfere na construção se uma linguagem singular -, buscam informações rápidas, mesmo que pouco desenvolvidas e aprofundadas. Plataformas determinam quantidades máximas de caracteres para as postagens. Outras, mesmo sem ser uma exigência, recebem mensagens simplificadas, abreviadas e, em muitos casos, quando mais extensas, veiculadas oralmente. Estas, quando muito longas, são aceitas, mas não satisfatoriamente. Hoje há a possibilidade de aumentar a velocidade dos vídeos compartilhados nas redes.

Todos esses itens demonstram ou apontam para uma linguagem diferenciada em que o slogan pode ser umas formas de sintetizá-la.

O slogan e a rapidez convivem com propostas para a comunicação científica. Incentiva-se a publicação de artigos em revistas, em capítulos de livros organizados, com quantidades de páginas limitadas - entre 15 e 20 -, em que os temas analisados, discutidos e disseminados devem ser especificados e tratados rapidamente. A produção de livros está sendo desestimulada, pois não segue a linguagem das redes que, cada vez mais, vem ocupando espaços em outros segmentos de disseminação e veiculação.

Assim, o slogan não permite o aprofundamento e desestimula a reflexão. Se não penso mais aprofundadamente, preciso que me apresentem, resumidamente, concepções e ideias sobre as coisas e passo, desse modo, a trabalhar com ela. Mais do que isso, as assumo como minhas sem reflexões, apenas como respostas para as solicitações que a sociedade me faz.

Não há necessidades, interesses e desejos puros, crus. Do mesmo modo, não há demandas que atendam exclusivamente o que foi gerado no indivíduo. Somos um amálgama de olhares, de entendimentos de mundo, de explicações do mundo.

O conhecimento é construído individualmente. Somos nós que construímos o nosso próprio conhecimento. No entanto, essa construção só é viável, necessariamente, na relação com o mundo e com os outros. A dependência – o que aniquila a ideia de superioridade e de arrogância – é inata, é intrínseca ao ser humano.

Outra ideia que deve ser considerada é a de que somos inacabados e estamos em constante elaboração. O conhecimento é infinito – ou a possibilidade do conhecimento – e segue se expandindo, crescendo. Nossa relação com ele também tem essa característica. A verdade científica se faz sempre no momento e vai se alterando, se modificando em acordo com as descobertas, interpretações diferenciadas, compreensões novas. As certezas seguem as verdades do instante e pedem que se considere que elas provavelmente se modificarão. Assim, as certezas são cambaleantes, vivem na corda bamba e se valem das verdades hegemonicamente aceitas para se manterem vivas. Basta, entretanto, uma pequena centelha de dúvida para que a certeza se transforme em incerteza. E é essa incerteza que move a ciência, que move o conhecimento humano.

Em contraposição à ciência, e apenas retomando um pouco das discussões sobre desinformação, fake News, pós-verdade etc., podemos incluir a concepção de boato que, na sua constituição, está o não aprofundamento, a superficialidade.

Trata-se a informação na superficialidade, naquilo que é visto, ou melhor, o que é possível ver. Não se busca causas, características dos que vivem a situação geradora e que apenas destaca pequenos aspectos.

A aparência pode nos levar a interpretações errôneas, o que é óbvio, embora haja uma neblina entre o que se apresenta e o que se esconde. Um exemplo são alguns trabalhos que apontam o crescimento do número de mulheres como autoras de textos acadêmicos, mas sem a preocupação com as bases teóricas e com o gênero dos autores que são citados. Em muitos casos, as concepções veiculadas, independentemente da autoria ter se originado por uma mulher, pode ter sido composto e escrito com um olhar de interesses dos homens, com um olhar machistas, o que contradiz o entusiasmo exagerado pelo aumento da autoria feminina dos artigos e textos acadêmicos.

Outro ponto a ser discutido aqui, mesmo de maneira rápida, é a concepção de não lugar, que se acopla à de ubiquidade, uma vez que as pessoas vivem dois momentos e espaços ao mesmo tempo.  Alguns defendem a impossibilidade dessa situação, afirmando que o ser humano só pode se concentrar e vivenciar uma coisa por vez, sendo inconcebível a partilha de atenção. Independente dessa contestação, a virtualidade permite que a pessoa esteja em dois lugares ao mesmo tempo, fixando-se no que ocorre em um desses espaços ou em ambos. A repartição da atenção não permite o aprofundamento ou, ao menos, o dificulta. A distância não isola a pessoa do seu cotidiano, do seu trabalho, que o acompanham em qualquer lugar e em qualquer tempo. Não há mais a separação entre lazer e trabalho, viagem e descanso, local de trabalho e residência.

Do mesmo modo, participação em vídeos on-line, pressupõe que apenas o que está visível da pessoa deve ter uma aparência formal. Assim, a aparência atende apenas parcialmente ao exigido pela formalidade.

A realidade é vista pelo que as pessoas desejam que seja vista, como a que é vista pelas lentes das máquinas fotográficas ou dos celulares dos turistas que pensam em obter uma imagem parcial dos objetos e espaços visitados do que realmente apreciá-los e memorizá-los.

Além disso, os sorrisos falsos das fotografias que passam a ideia de uma inexistente felicidade, sustentada por condições e formas que a idealizam e tentam concretizar, em aparência, o que é impossível definir longe do âmbito do emocional.

Esse distanciamento também se faz presente na relação da pessoa com o mundo, com a natureza, se traduzindo na ideia de que o meio ambiente está à parte, não há pertencimento da pessoa com ela.

A internet foi criada seguindo um modelo de comunicação baseado na matemática e que só visualizava o momento, esquecendo o todo de cada personagem que interage na comunicação. A preocupação estava voltada para a informação e não para as pessoas que, de alguma forma, interagiam nas pontas do processo comunicacional.

Hoje, essa concepção ainda é majoritária nos processos comunicacionais e aceitos e reproduzidos por muitos dos pesquisadores da área da informação.

Vivemos envolvidos pelo virtual e, neste, as verdades estão embaçadas, nubladas, mesclando-se com imagens que refletem o que a pessoa deseja e não o que é real. Para isso, os que as elaboram se valem de editores de imagens, de poses pré definidas e que são aceitas como representativas de determinados conhecimentos ou realidades.

Byug Chan Han, em um livro chamado Infocracia, defende que a desinformação não é a mentira, mas um não vínculo entre o que está sendo disseminado e a fatualidade. Essa ideia pressupõe a relação verdade e fato, verdade e real e os caminhos estão nos levando a repensar a informação, além até da sua inerente subjetividade, a ideia de realidade e a própria concepção de verdade.

 

2 O que é hoje o ágora informacional? É diferente do que foi em meados dos anos 1990?

 

A situação continua a mesma. Não houve nenhuma mudança fundamental na base do fosso entre os que têm informação e os que não têm informação. Estes últimos são, na verdade, alijados do acesso a ela. O que mudou foi o invólucro, a roupagem.

Como dito acima, a dominação hoje se dá a partir do controle da distribuição das informações. As grandes mídias que detêm a maior parte das empresas comerciais de comunicação e informação, estão presentes nos espaços de acesso aberto, de acesso pago e do ciberespaço. Neste último, também possuem a maior parte do público e determinam muito do que é veiculado e aceito como verdade.

A verdade se confunde com seu oposto e o distanciamento dela com a fatualidade torna a sociedade da informação e do conhecimento (concepção essa com a qual não compactuo, pois creio que vivemos em uma sociedade capitalista que se vale de termos diferenciados apenas para manter seu domínio de maneira disfarçada) algo diferente do que os conceitos dela defendidos na área. Talvez tenhamos que chamá-la de Sociedade da Desinformação ou, amenizando, Sociedade da Informação e da Desinformação.

Os profissionais que atuam com a informação deixam a responsabilidade sobre a verdade do que está sendo disseminado para o usuário. Ele é quem deve buscar a veracidade de uma notícia, uma informação, em sites especializados. Isso requer ao menos um celular com acesso à internet. Mais: não pode haver limites impostos por custos maiores, pois o usuário definirá quais são as suas prioridades e estas, na maioria dos casos não é a de verificação da veracidade ou falsidade de uma informação.

Durante a pandemia, vários foram os relatos de mães de alunos que possuía um celular para atender as necessidades escolares de um número grande de filhos. Ela também dependia do mesmo celular para contatos com pessoas a quem prestava serviço. Além disso, alguns filhos estudavam em horários comuns, demandando acesso a aulas no mesmo momento.

 

O fosso entre os que possuem informações e os que não as possuem não é o mesmo, mas cresceu.

Os recursos presentes nos celulares são diferentes. Quanto maior o preço de um aparelho, é claro, melhor são seus recursos e são eles utilizados por aqueles que podem pagar valores altos.

Todos estão sempre atrás em relação às informações falsas, enganosas, à desinformação. Buscamos descobrir a veracidade delas, mas sempre depois que já estão circulando. Como nos anteciparmos a elas? Provavelmente isso é algo muito difícil, mas precisamos diminuir ao máximo o tempo entre o surgimento delas e informações que sejam seus contrapontos.

Eu acreditei que a tecnologia traria mais tempo para todos, que estaríamos livres do trabalho para buscar espaços de lazer. É fácil observar que esse desejo não se concretizou. A pergunta que me faço é: e a mais valia, como fica, em um mundo em que as pessoas trabalham menos? Como se dará o acúmulo do capital?

As discussões apontadas até aqui nos levam a reflexões várias como, e essa me parece muito importante: a virtualidade se contrapõe à materialidade ou elas se confundem e criam espaços novos, híbridos?

Temos o dom da ubiquidade na internet, nas redes, pois podemos acessar e estar em vários lugares ao mesmo tempo.

As pessoas querem que o mundo seja como elas o entendem ou o desejam e o aceite de desinformação é porque elas atendem a esses entendimentos individuais. Criam também mensagens que atendam a esse olhar próprio do mundo. Isso não significa que elas, conscientemente, mentem e tentam mudar o entendimento das pessoas, mas elas apenas divulgam o que elas entendem do mundo.

 

3 Se há um não lugar, há também um não pertencimento

O ágora informacional, ao contrário da ideia de possibilitar uma democratização da informação, cria o não pertencimento, a repetição, a reprodução de ideias sintetizadas, de slogans.

A língua predominante nesse espaço, muito embora refletindo uma situação mais geral, é a inglesa, assumida como a língua desse espaço. Também o é, erroneamente, entendida como a língua da ciência, língua do entendimento universal, a língua da academia. Essa concepção acredita e difunde uma forma de dominação, entre tantas outras formas. No espaço virtual, ela tem o corpo propício para se difundir e ampliar seu domínio.

 

4 O global mais do que se sobrepõe, elimina o local

Os equipamentos culturais e informacionais, quando concebidos e implantados como espaços de resistência, podem fazer frente a esses domínios e, interagindo em conjunto, podem ter uma ação maior, mais ampla, mais universal. Os que pesquisam e estudam a área da cultura e da informação pública e social, preferem o termo mundialização ao invés de globalização, pois este reflete um pensamento calcado e sustentado por concepções econômicas. Mundialização, ao contrário, aceita e ideia de universalização, mas sem esquecer do local, dos espaços e necessidades diferenciadas presentes em cada espaço particular das comunidades.

O ágora não pode existir no agora, uma vez que o presente é o efêmero do efêmero, mas pode abrir trilhas para futuras ações de democracia da informação, provavelmente quando a resistência se fizer concreta. O problema é que a resistência só se concretiza pela ação de pessoas e estas devem mudar conceitos para efetivar transformações.

 

Referências

ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Ágora informacional. Revista Cubana de Información em Ciencias de la Salud, Habana, v.9, n.4, out./dez. 1998.

ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Ágora informacional. São Paulo: APB, 1999. (Ensaios APB, 67)

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994. 390p.

HAN, Byung Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis: Vozes, 2022.

RAMONET, Ignacio. A colonização do ciberespaço. Diplô: cadernos. São Paulo, n.1, p.38-41, 2007.



[1] Doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela USP - professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília; professor associado da Universidade Estadual de Londrina. Membro vogal da diretoria da EDICIC – Associação de Educação e Pesquisa em Ciência da Informação de Iberoamérica e Caribe.