UMA ANÁLISE, A PARTIR DE HABERMAS, DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

 

Cândido Francisco Duarte dos Santos e Silva[1]

Universidade Federal Fluminense

candidoduarte@id.uff.br

 

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Resumo

O presente artigo tem como escopo refletir a partir de um prisma interdisciplinar a respeito dos pressupostos ou requisitos de admissibilidade recursal, bem como sobre os importantes princípios atinentes aos recursos, no Direito Processual Civil, em especial quanto à dialeticidade em sede de Apelação. Para tanto, a partir do pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas, em especial no que diz respeito ao Agir Comunicativo, em diálogo com os autores do Direito: Alexandre Freitas Câmara e Humberto Theodoro Júnior, buscar-se-á discutir acerca dos limites e potencialidades da dialeticidade enquanto manancial comunicativo, no Direito Processual Civil e os possíveis entraves referentes a racionalidade estratégica.

Palavras-chave: pressupostos recursais; apelação; dialeticidade; agir comunicativo; Habermas.

An Analysis, based on Habermas`s Theory, about judicial appeals in civil procedure law

Abstract

This article aims to reflect from an interdisciplinary perspective on the assumptions or requirements of admissibility of judicial appeal, as well as on the important principles relating to it, in Civil Procedural Law, especially regarding dialecticity in the context of apelação. To this, based on the thoughts of the German philosopher Jürgen Habermas, especially with regard to Communicative Acting, in dialogue with the Law authors: Alexandre Freitas Câmara and Humberto Theodoro Júnior, we will seek to discuss the limits and potential of dialecticity as a communicative source in Civil Procedural Law and the possible obstacles relating to strategic rationality

Keywords: appeal assumptions; apelação; dialecity; communicative acting; Habermas.

1 INTRODUÇÃO

O presente texto pretende tratar o Direito Processual a partir de uma ótica diferente do habitual, para tanto pretende-se promover o diálogo entre os autores do Direito Alexandre Freitas Câmara, Humberto Theodoro Júnior e o pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas, para refletir em sede de recursos no Direito Processual Civil, em especial no que diz respeito ao recurso de Apelação.

Para tanto, partir-se-á de apontamentos acerca da dialética no Processo de Conhecimento, analisando como a doutrina tradicional do Direito a vê e como o Legislador a pensou, para identificar como ela se faz presente no Processo Civil, para então aplicar o pensamento de Habermas a esta fase processual de modo a verificar limites e potencialidades.

A seguir, discorrer-se-á sobre a subjetividade das partes e as relações processuais, de modo a refletir sobre qual espécie de racionalidade se faz presente em âmbito judicial para então apresentar, sem a pretensão de se esgotar o tema, os princípios atinentes aos recursos, seus pressupostos ou requisitos de admissibilidade para enfim, destacar a dialeticidade em sede de recursos, discutindo-a a partir de uma plataforma habermasiana.

Opta-se por uma análise bibliográfica e documental, onde metodologicamente se apresentará um recorte pertinente ao estudo dos pressupostos recursais em relação ao recurso de apelação, bem como o debate da dialeticidade em sede deste recurso.

 Com o objetivo, ainda, de fomentar as reflexões e discussões acerca das racionalidades estratégica e comunicativa em sede de recursos, apresentar-se-á, elementos acerca do recurso adesivo à apelação.

 

2 APONTAMENTOS PRELIMINARES SOBRE A DIALÉTICA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO

O Direito Processual Civil, em especial o procedimento comum do novo Código de Processo Civil, apresenta uma série de perspectivas dialéticas na medida em que se baseia no contraditório e na ampla defesa. O contencioso civil, não prospera sem que seja dado a todos os legitimados a possibilidade de participar do processo, o que em termos habermasianos poder-se-ia entender que a todos os interessados a participação no discurso é permitida. Deste modo o processo se apresentaria como o discurso e as partes como os falantes.

Deve-se destacar que, embora possibilitada a participação de todos os interessados ao discurso, não necessariamente todos virão a participar, posto que a ausência do réu pode ocorrer, mesmo quando devidamente instado a se fazer presente no processo em tramitação.

Pode-se perceber que a petição inicial, com a qual em regra se inicia o exercício constitucional de acesso ao Poder Judiciário é a materialização de uma pretensão que traduz a verdade do autor devidamente embasada em fatos e fundamentos, elementos indissociáveis e requisitos indispensáveis desta.

A relação processual se completa com a formação de uma tríade, formada por autor, réu e o juiz. Assim, tendo o magistrado recebido a petição que contém a pretensão de validez do falante, ou seja, os fatos e fundamentos em que se sustentam a pretensão do autor, no procedimento comum do Código de Processo Civil, deverá convocar o réu para que este possa exercer o contraditório e a ampla defesa. Assim, realizando-se ou não audiência de conciliação ou sessão de mediação, caberá ao réu, caso deseje, apresentar sua resposta.

A contestação é o momento em que o réu, em simetria formal com a  parte autora, pressupondo um horizonte ideal de fala, apresentará a sua verdade acerca dos fatos e fundamentos apresentados pela parte autora, permitindo que o magistrado tenha possibilidade de iniciar o que se pode chamar de “formação de um juízo de convicção” acerca das verdades que lhe são apresentadas. A reconvenção por sua vez que, de acordo com o Código de Processo Civil em vigor, nas palavras do autor Alexandre de Freitas Câmara (2017, p. 206)

Chama-se reconvenção à demanda proposta pelo réu, em face do autor, dentro do mesmo processo. A reconvenção é um mecanismo que permite a ampliação do objeto do processo (já que ao juiz caberá, agora, julgar não só a demanda principal, mas também a demanda reconvencional), ampliando-se deste modo sua eficiência.

Ressalta-se que esta deve ser conexa aos termos da petição inicial e repercutirá em pedido de condenação da parte autora. Neste caso aquele que apresenta reconvenção é chamado de reconvinte e aquele que responde a reconvenção é chamado de reconvindo.

Entende Câmara

Além da competência do juízo, é requisito de admissibilidade da reconvenção que esta seja “conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa” (art. 343, caput).

O termo conexão não é empregado no art. 343 no mesmo sentido em que aparece em outras passagens do CPC, como no art. 55. A reconvenção como pressuposto da reconvenção deve ser compreendida como a exigência de que exista, entre a reconvenção e a demanda principal ou entre a reconvenção e a contestação, algum traço comum capaz de justificar sua reunião em um só processo. Não é preciso, porém, que haja identidade de causa de pedir ou de pedido, como resultaria do art. 55. (CÂMARA, 2017, p. 206)

Há que se observar que, no procedimento comum no Código de Processo Civil, o contraditório e ampla defesa são observados da mesma maneira em relação ao réu e ao autor da ação original, agora chamado de reconvindo, pois a ele é lícito participar do discurso apresentando para tanto sua argumentação, devidamente fundamentada quanto a reconvenção apresentada pelo réu, agora reconvinte.

Retornando a relação processual inicial entre autor e réu, pode-se observar que ao longo de toda a primeira fase processual, chamada de Processo de Conhecimento, onde há o que se chama de cognição exauriente, é permitido as partes apresentarem suas razões, bem como quanto a produção de prova em geral, a possibilidade de que os laudos, documentos etc, sejam objeto de impugnação, bem como as testemunhas podem ser inquiridas por ambas as partes e contraditadas, através de seus advogados.

Quanto as audiências previstas no Procedimento Comum do novo Código de Processo Civil, tem-se que há a possibilidade de que as partes se submetam a conciliação ou a mediação, porém não necessariamente esta audiência ou sessão ou sessões de mediação virá ou virão a ocorrer, pois dispõe a lei processual que se aqueles que compõem o pólo ativo da ação, bem como aqueles que compõem o pólo passivo da ação se pronunciarem de forma contrária a realização destas, a audiência de conciliação ou sessão de mediação não acontecerá.

 A princípio, pode-se observar, que a não realização desta audiência pode denotar a falência da possibilidade de discussão, em prisma formal, horizontal ou isonômica entre as partes e pode também ser reflexo de uma espécie de racionalidade estratégica, onde o representante da parte, seu advogado, em intenção de obter resultado de forma mais rápida e a partir da decisão de um sistema perito, o Poder Judiciário, cuja atividade encontra no Magistrado seu mais alto representante na fase de conhecimento, seria aquele capaz de dizer o Direito e tornar sua decisão “lei” entre as partes.

No que pese poder representar a falência da possibilidade do diálogo entre as partes, onde a racionalidade estratégica pode vir a preponderar sobre a racionalidade comunicativa, há que se observar qualitativamente o ato em si, bem como sua repercussão entre as partes. A percepção das subjetividades do conflito entre as partes deve ser considerada, ou seja, a opção por não participar de uma audiência de conciliação ou de sessão ou sessões de mediação, pode denotar que a parte pode se encontrar acometida de forte ardor moral, psicologicamente abalada quanto a discussão em questão e, submete-la a tal ato pode lhe trazer piora quanto a este quadro, justificando-se a não realização deste.

Habermas ao se referir a Strawson em Consciência Moral e Agir Comunicativo (1989, p. 65-66) ao refletir sobre como os seres humanos reagem quando se veem como vítimas de uma injúria, dá conta de que o sentimento negativo fica a “arder escondido” se não houver reparação a ofensa sofrida. Trata-se inicialmente na verdade, do sentimento de impotência em relação ao dano sofrido.

Daí, a forma através da qual o pedido de desculpas pode ocorrer, em muito repercute na esfera psicológica do indivíduo, pois tal pedido se dará eivado de uma racionalidade estratégica ou ocorrerá de forma sincera? (HABERMAS, 1989, p. 59-60). Se não há sequer interesse na possibilidade do diálogo por parte do ofensor, qual seria o motivo que alicerçaria a realização de tal audiência

Strawson (HABERMAS, 1989. p. 70) ao propor a fenomenologia do fato moral, apresenta importantes premissas, que podem ser aplicadas, não apenas ao objeto principal deste paper, mas também as repercussões no processo civil acerca do “mundo dos fenômenos morais”, atrelando-os a atitude daqueles que integram as interações. Se a busca pela tutela jurisdicional é repercussão do descompasso das relações intersubjetivas no mundo da vida, pode-se vislumbrar que o ardor moral continuará a gerar seus efeitos em âmbito processual.

Parece então, fazer sentido o posicionamento de Alexandre Freitas Câmara quando, não por esta análise subjetiva do estado psicológico das partes, mas fundado no direito em seu livro, O Novo Processo Civil Brasileiro (2017), trouxe o entendimento contrário ao do legislador dando conta que basta que um dos interessados se posicione de forma contrária a realização da audiência de conciliação ou sessão ou sessões de mediação para que não ocorram.

Conforme Câmara:

Aqui é preciso fazer uma observação: o inciso I do § 4o do art. 334 estabelece que a audiência não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual. Uma interpretação literal do texto normativo poderia, então, levar a se considerar que só não se realizaria a sessão de mediação ou conciliação se nem o demandante, nem o demandado, quisessem participar desse procedimento de busca de solução consensual, não sendo suficiente a manifestação de vontade de uma das partes apenas para evitar a realização daquela reunião. Assim não é, porém. Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo “ambas”, deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se realizará se qualquer das partes manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual. Basta que uma das partes manifeste sua intenção de não participar da audiência de conciliação ou de mediação para que esta não possa ser realizada. É que um dos princípios reitores da mediação (e da conciliação) é o da voluntariedade, razão pela qual não se pode obrigar qualquer das partes a participar, contra sua vontade, do procedimento de mediação ou conciliação (art. 2o, § 2o, da Lei no 13.140/2015) (CÂMARA, 2017, p. 198)

 

A segunda audiência ao qual necessário se faz abordar em linhas gerais, é a Audiência de Instrução e Julgamento, que observando a concentração dos atos, o que sua própria nomenclatura deixa claro na medida em que se terá instrução, bem como nela poderá se dar o julgamento da causa em primeira instância, tem-se  dois momentos distintos e complexos no entanto, se espera que ao seu início, o magistrado deixe claro as partes a possibilidade da conciliação e também, à exemplo da audiência de conciliação sejam expostas as partes as vantagens desta.

No que pese a dialeticidade do processo civil venha a garantir a parte o pleno exercício do contraditório, para além da contestação e reconvenção, mas no que diz respeito a todo o processo como quanto a produção de provas, laudos, etc, não parece exagero entender as audiências de conciliação e de instrução e julgamento como ápice discursivo na fase de cognição dada a possibilidade de expressão oral pelas partes. Tais audiências parecem ser o momento processual mais claro, para que as partes possam observar a ética do discurso aplicada ao direito. Embora, em se tratando da busca pela tutela jurisdicional se possa imaginar que todas as tentativas de busca pelo consenso de forma anterior possam ter se esgotado por tentativas de diálogo frustrada nos moldes propugnados por Habermas (1989) ou pela ausência de tentativa.

Destaca-se outrossim, que embora o processo se configure em sua maior parte pela manifestação escrita das partes e demais atores do Poder Judiciário, tais quais magistrados, servidores públicos em geral, peritos, etc., a ética do discurso deve ser observada.

3 A SUBJETIVIDADE DAS PARTES ENTRE A RACIONALIDADE COMUNICATIVA E A RACIONALIDADE ESTRATÉGICA

A subjetividade das partes, a possibilidade de que a racionalidade comunicativa venha a ser suplantada pela racionalidade estratégica, pode se apresentar como um reflexo da fase pré processual, pois imagina-se que a busca pela tutela jurisdicional deve ser entendida como o mais extremo em se tratando da busca pela resolução de conflitos. Imagina-se que, há uma fase pré-processual que, em tese, deve ser observada no que diz respeito a tentativa de entendimento entre os envolvidos. O fracasso desta fase pré-processual repercutiria, assim, no exercício do direito de ação. Deste modo a busca pelo diálogo em sede de Poder Judiciário se torna um grande desafio na medida em que pode enfrentar entraves bastante difíceis de ser suplantados.

Assim, entende-se que a busca pelo diálogo é um desafio no mundo da vida, ou seja, extrajudicialmente, assim como nos parece ser também em sede de procedimento comum do novo Código de Processo Civil, ainda mais, ao se ressaltar que a argumentação em sua maior parte não se dá observando a oralidade entre as partes, mas sim a partir de documentos escritos, ou seja, a argumentação se dá por forma prescrita em Lei.

O Procedimento Comum do Novo Código de Processo Civil, conforme colocado, se baseia no contraditório, pois o que se busca é através da argumentação, produção de provas, o convencimento do magistrado para que se forme um juízo de convicção para que possa decidir com base na imparcialidade a lide.

Habermas (1989, p. 79) entende que as relações comunicativas são interativas e propiciam a participação de todos os envolvidos na busca de um entendimento linguístico. A partir de pretensões de validez, que na verdade no processo civil brasileiro, se apresentam como pretensões de sinceridade, entende-se que é possível que as partes se motivem mutuamente em busca do acordo ou do consenso, mas caso estes não sejam alcançados, tais argumentos tem por escopo o convencimento de um terceiro que tem a missão de decidir a partir das pretensões de validez, de argumentos devidamente embasados a contenda entre as partes.

Fato é que não necessariamente as decisões do magistrado, sejam elas interlocutórias, sentenças, acórdãos, estão afastadas da falibilidade deste, que pode ter sido induzido a erro ou que sua percepção e entendimento, todavia se desvirtue daquilo que as partes podem entender como o mais justo. Deste modo, o legislador previu ferramentas processuais que permitem o reexame das decisões do Magistrado. Neste momento, será feito um recorte para os recursos, ferramentas processuais que em observância ao efeito devolutivo, qual seja, a possibilidade de que a matéria impugnada em uma decisão seja submetida ao reexame, possam resultar na substituição da decisão anterior, conforme aduz Humberto Theodoro Junior(2017 p. 1009), observando o efeito substitutivo.

Em regra, ao se observar os recursos, tem-se que o princípio do duplo grau de jurisdição, em regra se faz presente, ou seja tem-se a previsão legal para que a decisão seja reanalisada pelo órgão hierarquicamente superior. Neste ínterim, delimitar-se-á o tema ainda mais para a análise do recurso de apelação, através do qual uma sentença ou decisão interlocutória não recorrível em separado, será reexaminada pelo órgão hierarquicamente superior.

Entende Alexandre Freitas Câmara

A apelação é o recurso por excelência. E isto se diz por ser a apelação o recurso responsável por permitir o pleno exercício do duplo grau de jurisdição. É que através da apelação se permite um amplo e integral reexame da causa que, tendo sido submetida a julgamento no primeiro grau de jurisdição, poderá agora ser reapreciada por órgão de segundo grau.

Nos termos do art. 1.009, apelação é o recurso cabível contra sentença. Esta, porém, é definição incompleta, como se percebe pela leitura dos parágrafos daquele mesmo artigo legal. (CAMARA, 2017, p.503)

 

É que, no sistema processual civil brasileiro, também há decisões interlocutórias apeláveis. Para os adeptos da corrente de que o artigo 1015 do Código de Processo Civil que dispõe sobre as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, entendendo este rol como taxativo, aquelas hipóteses não alcançadas por este rol, devem ser tratadas em sede de preliminar de Apelação ou de sua resposta, como preliminar de contrarrazões. O agravo de instrumento é o recurso normalmente manejado contra decisões interlocutórias proferidas pelos juízos de primeira instância.

Neste prisma entende Theodoro Júnior

O NCPC, na esteira das alterações anteriores e dos princípios da celeridade e da efetividade do processo, promoveu outras modificações no recurso, tais como: (i) elaborou um rol taxativo de decisões que admitem a interposição do agravo de instrumento (art. 1.015); (ii) aboliu o agravo na modalidade retida, determinando que, para as situações não alcançáveis pelo agravo, a impugnação deverá ser feita em preliminar de apelação ou contrarrazões de apelação, depois da sentença (art. 1.009, § 1º). (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 1041)

 

Alexandre Freitas Câmara chama a atenção ao fato de que a não previsibilidade da hipótese de cabimento no rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil, não quer dizer que não há recurso adequado para impugnação. Destaca, o autor, que embora taxativo, o rol não é exaustivo na medida em que há a previsibilidade de que outros dispositivos prevejam o cabimento do agravo de instrumento, bem como quanto a interpretação, possa ocorrer de forma extensiva ou analógica. Ressalta ainda, que quando não houver previsibilidade no rol do citado artigo, estas questões poderão ser discutidas em sede de apelação. (CÂMARA, 2017, p. 515).

Salienta-se que o parágrafo único do artigo 1015 do Código de Processo Civil, amplia o rol e deve se destacar que o Superior Tribunal de Justiça vem trabalhando na perspectiva de uma taxatividade mitigada, conforme pode se verificar na relatoria da Ministra Nancy Andrighi em sede do Recurso Especial nº 1.704.520.

 

4 PRINÍCIPIOS, REQUISITOS OU PRESSUPOSTOS E O RECURSO DE APELAÇÃO

Neste trabalho acadêmico, com o objetivo de contextualização da discussão se abordou inicialmente o processo de conhecimento, em especial o procedimento comum do novo Código de Processo Civil e passou-se a delimitar o tema, de modo a apresentar o recorte específico atinente ao recurso de apelação, para a partir dele, pontuar princípios pertinentes aos recursos, e se possa averiguar os limites e as potencialidades discursivas da fase recursal.  

Necessário se faz refletir sobre qual racionalidade espera-se que esteja em jogo e qual racionalidade pode se fazer presente no que diz respeito as partes e, especialmente, quanto aos seus advogados em se tratando da apelação enquanto recurso cabível contra sentença e decisões não recorríveis em separado, onde se vem a impugnar uma decisão com o objetivo de reforma ou invalidação (error in judicando e error in procedendo),

Dentre os princípios, em especial em se tratando de recursos comuns que tem como características a sucumbência e o interesse iminentemente privado das partes, mas mais especificadamente no caso da apelação, à luz de Humberto Theodoro Júnior (2017, p.958), pode-se destacar o duplo grau de jurisdição, a taxatividade, a singularidade, a fungibilidade, a vedação reformatio in pejus, a voluntariedade e a dialeticidade.

Em linhas gerais, pode-se entender que recorrer não é uma obrigação do vencido, mas sim um ônus, posto que a característica e princípio atinente aos recursos é a voluntariedade, ou seja, cabe a parte ter interesse e claro, ter legitimidade para interpô-los, sendo certo que não o fazendo pode vir a suportar as consequências inerentes a sua opção ou inércia. Aduz Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 968), com base no artigo 2º do Código de Processo Civil, não há que se falar em recurso ex officio por parte do magistrado, mas sim na necessidade que a parte se insurja em tal pretensão e para tanto, venha a provocar o juízo.

A Taxatividade remete a disposição de que só podem ser entendidos como recursos aqueles que estão previstos em Lei Federal (THEODORO JUNIOR, 2017, p. 961).

Pela Singularidade pode-se entender que para cada decisão há um recurso específico cabível previsto em lei. (THEODORO JUNIOR, 2017, p. 961) O que pode parecer uma incongruência é o fato de que há reconhecido o princípio da fungibilidade, ou seja, a possibilidade de que um recurso seja entendido como um diverso, desde que haja dificuldade em se determinar qual o recurso cabível. Há previsibilidade expressa no Código de Processo Civil, como aqueles dispostos nos artigos 1032, 1033 e 1024 parágrafo terceiro.

A fungibilidade só pode ser admitida quando não houver erro grosseiro por parte do interessado e desta forma, considerando-se a não existência de erro crasso e a dificuldade fáctica de se determinar qual seria o recurso cabível, não há que se falar em contrassenso entre singularidade e fungibilidade. Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 965) em referência a entendimento do STJ, aduz que deve haver: “...dúvida objetiva e fundada”

Quanto aos pressupostos ou requisitos de admissibilidade dos recursos, à luz de Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Junior (2017, p. 975) apresenta os requisitos de admissibilidade dos recursos, ou seja, as condições que precisam ser atendidas para que um recurso seja admitido. Tem-se o que se chama juízo de admissibilidade e uma vez vencida esta etapa, passa-se para o juízo de mérito.

Os requisitos se dividem em intrínsecos e extrínsecos

Segundo a acatada lição de Barbosa Moreira, os requisitos avaliados no juízo de admissibilidade do recurso, dividem-se em dois grupos: (i) requisitos intrínsecos (ou subjetivos), que são os concernentes à própria existência do poder de recorrer, quais sejam: cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; (ii) requisitos extrínsecos (ou objetivos), que são os relativos ao modo de exercício do direito de recorrer: a recorribilidade da decisão e a adequação, a singularidade, o preparo e a tempestividade, a regularidade formal e a motivação do recurso. (THEODORO JÚNIOR,  2017, p. 975)

 

Alexandre Freitas Câmara em seu Manual de Direito Processual Civil (2023, p.987), indica como pressupostos processuais as condições do recurso “legitimidade e interesse”, órgão jurisdicional a quem é dirigido o recurso, a capacidade processual e a regularidade formal. Aduz ainda o autor que “Sem entrar aqui em detalhes que dizem respeito a certos recursos em espécie (como é o caso da apresentação de peças para instrução do agravo de instrumento), e limitando a exposição aos requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos, a regularidade formal exige tempestividade, preparo, forma e motivação do recurso interposto.” (CAMARA, 2023, p.988)

À luz de Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 975), no que pese a prática de atos ao longo do processo por vários atores atinentes a atividade jurisdicional, apenas aqueles que são praticados pelo magistrado são passiveis de recursos, tais quais sentenças, acórdãos e decisões interlocutórias, que não podem ser confundidas com meros despachos.

Quanto a tempestividade, é claro Câmara no que diz respeito a preclusão temporal, ou seja, todo e qualquer recurso que ultrapasse o prazo previsto em lei, deve ser inadmitido e ao se estudar em paralelo com a regularidade formal, tem-se que até possível irregularidade quanto a forma pode ser sanada, porém desde que o recurso seja tempestivo. (CAMARA, 2023, p. 988)

Aduz Câmara (2023, p. 988) quanto a forma, que “De todo modo, a admissibilidade do recurso exige que seja ele interposto por petição. Não se admite o recurso por cota (ou termo) nos autos, prática autorizada pelo Código de Processo Penal (art. 578 do CPP).”

De acordo com o artigo 996 do Código de Processo Civil, possuem legitimidade para recorrer as partes, nos moldes já trabalhados nesse artigo, o terceiro interessado e o Ministério Público quando vier a atuar no feito (THEODORO JÚNOR, 2017, p. 985).

O preparo por sua vez, repercute no pagamento das custas inerentes ao recurso, sendo certo que não há que se falar em preparo para aqueles que não tem condições de litigar sem a gratuidade de justiça, sob pena de prejudicar ainda mais seu sustento e de sua família. Também não estão sujeitos ao preparo o Ministério Público, a União, o Distrito Federal, os Estados, os Municípios e respectivas autarquias, conforme disposto no artigo 1007 do Código de Processo Civil e seus parágrafos. Há que se destacar que os embargos de declaração não têm como requisito o preparo. (THEODORO JUNIOR, 2017, p. 995)

A ausência de preparo, resulta na deserção do recurso, que nada mais é do que uma espécie de desistência tácita deste. (THEODORO JUNIOR, 2017, p .995)

Entende Câmara ainda quanto ao preparo

Pode acontecer de se interpor um recurso com a comprovação de que se realizou preparo em valor insuficiente. Nesse caso, o recorrente deverá ser intimado para depositar a diferença no prazo de cinco dias (art. 1.007, § 2º), sob pena de deserção (termo tradicionalmente empregado na linguagem do Direito Processual Civil para designar a inadmissibilidade de recurso por vício relativo ao preparo).

Outra hipótese possível é a de ser interposto o recurso sem que se comprove preparo algum. Nesse caso, o recorrente deverá ser intimado para, em prazo a ser fixado judicialmente (e, não havendo assinação judicial do prazo, este é de cinco dias, nos termos do art. 218, § 3º), comprovar o recolhimento do valor em dobro (art. 1.007, § 4º). Registre-se, aqui, a existência de enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC, Enunciado nº 97) no sentido de que esse prazo sempre será de cinco dias, o que não parece correto diante do teor do já citado art. 218, § 3º.

Perceba-se que, nesse caso, não sendo comprovado o depósito integral do valor dobrado do preparo, será vedada sua complementação (art. 1.007, § 5º). (CAMARA, 2023, p. 989)

 

Quanto aos fatos impeditivos entende Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 998) que  “São fatos impeditivos dos recursos a renúncia e a aceitação da sentença, ocorridas antes de sua interposição; extingue o recurso a desistência manifestada durante o seu processamento e antes do respectivo julgamento.”

 

4.1 A DIALETICIDADE E O SEU POTENCIAL DISCURSIVO A PARTIR DE HABERMAS

A Dialeticidade, que além de ser um princípio tão caro quanto os demais nos parece um ponto de reflexão ao tratarmos do pensamento habermasiano no que diz respeito a ética do discurso. Pois a dialeticidade nos mostra que não se trata de apenas recorrer, mas de apresentar as razões do recurso. Tais razões devem ser claras e fundamentadas.

Aduz Humberto Theodoro Júnior

Pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-os ao debate com a parte contrária.

Na verdade, isto não é um princípio que se observa apenas no recurso. Todo o processo é dialético por força do contraditório que se instala, obrigatoriamente, com a propositura da ação e com a resposta do demandado, perdurando em toda a instrução probatória e em todos os incidentes suscitados durante o desenvolver da relação processual, inclusive, pois, na fase recursal. (THEODORO JUNIOR, 2017, p.996)

O autor deixa claro que a dialeticidade não se resume a fase recursal, mas que durante todo o processo civil, esta se configura como indissociável da ideia de argumentação simétrica entre as partes e também em relação ao magistrado no que diz respeito ao escopo de convencê-lo acerca da verdade exposta pelas partes nos autos do processo.

Ainda nas palavras do autor

O mais relevante na dialeticidade é o papel da argumentação desenvolvida pelas partes e pelo juiz, já que, pelo princípio da cooperação (NCPC, art. 6º), a decisão judicial não pode deixar de levar em conta as alegações e fundamentos produzidos pelos litigantes. Se não os acolher, tem de contra-argumentar, expli-citando as razões pelas quais formou seu convencimento de maneira diversa da pretendida por um ou por ambos os litigantes. O novo CPC confere a qualidade de norma fundamental do direito processual a que determina a necessidade de serem as decisões adequadamente fundamentadas, e a de que nenhuma das razões de decidir seja adotada sem prévia submissão ao debate com as partes (NCPC, arts. 9º e 10). Não admite, outrossim, qualquer fundamentação, mas para cumprir-se o contraditório efetivo, no qual se inclui também o juiz ou tribunal, caberá ao julgador responder, de maneira expressa e adequada, a todas as arguições e fundamentos relevantes formulados pelas partes (art. 489, § 1º, I a VI) (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 966)

Parece bem clara a congruência entre o pensamento de Jürgen Habermas e o do Legislador no que diz respeito ao Código de Processo Civil, na medida em que toda e qualquer pretensão de validez deve estar alicerçada em fundamentos que a embasem, não bastando demonstrar com base na voluntariedade o desejo de recorrer, mas expondo as razões de fato e de direito.

Habermas, (1989,p.77) entende que quando são apresentadas pretensões de validez, aquele que a submete a discussão, tem condições não só de expô-la mas de a defende-la contra críticas que possa vir a sofrer, isto parece deixar claro que não se fala em buscar a participação ao discurso sem que haja um arcabouço fáctico e baseado no direito em se tratando de interesses privados e, em sede de recursos excepcionais, onde se está diante de discussões transindividuais, do arcabouço do direito.

Observa-se que quando uma pretensão de validez é contestada e isso se dá a partir do exercício do contraditório e da ampla defesa em sede processual, tem-se a indagação no tocante a  verificar se a pretensão é verdadeira. Destaca Habermas (1989, p. 71) “O outro pergunta se a asserção é verdadeira, se a recriminação ou autorrecriminação, se a exortação ou o reconhecimento são corretos. Pode ser que o locutor relativize em seguida a pretensão inicialmente erguida”.

Deste modo, não há como pensar em Recursos ou em Processo Civil sem que se tenha em mente a necessidade de se observar que toda e qualquer pretensão ou alegações devem observar a racionalidade comunicativa, na medida em que não se pode trazer qualquer argumentação ao Judiciário sem que esta esteja alicerçada em um substrato fáctico e legal, capaz de sustentar a argumentação da parte.

Habermas (1989, p. 81) destaca que “As pretensões de verdade residem apenas nos atos de fala, enquanto as pretensões de validez normativas têm sua sede primeiro em normas e só de maneira derivada em atos de fala”.

Da mesma forma que falamos em razões do recurso, caberá ao recorrido, apresentar as razões pelas quais entende que este não deva prosperar (contrarrazões).

Chama a atenção Alexandre Freitas Câmara (2023, p. 990), que se a motivação apenas reproduz peças processuais anteriores e não se tem subsídio qualquer para impugnar uma decisão específica, o recurso estaria apenas “aparentemente fundamentado”, mas não propriamente atendendo a um dos pressupostos ou requisitos recursais. Entende o autor que a isso se dá o nome de ônus da dialeticidade recursal, dando conta porém, que não entende como correto o tratamento: princípio da dialeticidade, pois segundo ele, trata-se de uma regra e não um princípio (CAMARA, 2023 p. 990)

Embora regra ou princípio a ser seguida enquanto requisito ou pressuposto de admissibilidade dos recursos e, em especial da apelação, a dialeticidade, conforme demonstrado é indissociável do processo de conhecimento civil bem como da fase recursal.

Entende-se que o espírito da lei processual nos mostra um horizonte baseado na ideia de sinceridade e reciprocidade, pois se assim não fosse não estaríamos a entender a boa fé como presumida no Direito Processual Civil.

No entanto, importante destacar que conforme a lei processual civil, o recurso de apelação, é um dos três, previstos no artigo 997, III do Código de Processo Civil, que comportam o chamado recurso adesivo. Os outros dois são o recurso extraordinário e o recurso especial. Em suma, a apelação é o único recurso comum que comporta a modalidade adesivo, estaria ela em contraposição a ideia de sinceridade?

 

5 O RECURSO ADESIVO E A RACIONALIDADE ESTRATÉGICA

Entende-se que na medida em que se observou o prazo para o recurso e este foi interposto, tem-se a preclusão consumativa. Quando se deixa decorrer o prazo para o recurso sem interpô-lo, ou se interpõe um recurso após ter se findado o prazo, este será intempestivo. Entende Alexandre Freitas Câmara (2017, p. 501) que

É que pode acontecer de uma das partes, mesmo vencida, considerar que a decisão proferida não lhe é de todo ruim e, neste caso, só pretender recorrer se a outra parte também tiver recorrido. Pois neste caso se reconhece a existência de uma segunda oportunidade recursal. Em caso de sucumbência recíproca, pode qualquer das partes não recorrer no prazo de que normalmente disporia, limitando-se a esperar para ver se a parte contrária interpõe o seu recurso. Caso ninguém recorra, terá a decisão transitado em julgado. Na hipótese, porém, de uma das partes recorrer, poderá a parte contrária valer-se da segunda oportunidade recursal, interpondo seu recurso no prazo de que dispõe para oferecer contrarrazões (art. 997, § 2º)

 

De acordo com Humberto Theodoro Júnior (2017, p. 1003) o recurso adesivo se apresenta como acessório do principal e, deste modo, pode-se vislumbrar que principal é o recurso que não tem dependência qualquer com a conduta da parte contrária, o que seria uma regra geral, enquanto que um recurso na modalidade adesiva, em se tratando da apelação, do recurso extraordinário e do recurso especial, pode ser entendido como uma exceção.

Entende Humberto Theodoro Junior (2017, p. 1003) que

É que pode acontecer de uma das partes, mesmo vencida, considerar que a decisão proferida não lhe é de todo ruim e, neste caso, só pretender recorrer se a outra parte também tiver recorrido. Pois neste caso se reconhece a existência de uma segunda oportunidade recursal. Em caso de sucumbência recíproca, pode qualquer das partes não recorrer no prazo de que normalmente disporia, limitando-se a esperar para ver se a parte contrária interpõe o seu recurso. Caso ninguém recorra, terá a decisão transitado em julgado. Na hipótese, porém, de uma das partes recorrer, poderá a parte contrária valer-se da segunda oportunidade recursal, interpondo seu recurso no prazo de que dispõe para oferecer contrarrazões (art. 997, § 2º)

         

Parece, entretanto que a questão pode ser analisada sobre um outro prisma, o da racionalidade estratégica em detrimento de uma racionalidade comunicativa, ou seja, ultrapassando o limite do que viria a ser surpreendido, para uma leitura estratégica como em um jogo de xadrez, posto que caso a parte contrária viesse a recorrer, o contraditório e a ampla defesa seriam consagradas na possibilidade de se apresentar contrarrazões.

O que está em jogo na questão discutida, o recurso enquanto adesivo é acessório do principal, de modo que se este não for  admitido, aquele também não será,  no entanto garante a parte que, originalmente não recorreu, uma segunda possibilidade de fazê-lo. Fato que a presença do recurso adesivo, também observa o contraditório e ampla defesa, de modo que garante a parte contraria a possibilidade de sobre ele se pronunciar, porém, parece que neste momento, o legislador acabou por permitir que a racionalidade estratégica, pudesse vir a suplantar a racionalidade discursiva, conforme se viu a partir de uma ideia de processo civil dialético.

Em síntese, neste prisma volta-se ao debate acerca da racionalidade comunicativa x racionalidade estratégica, pois a lei (embora ao prever a modalidade recursal adesiva), permite aquele  que deixou transcorrer o prazo de apelação a possibilidade de se utilizar do recurso adesivo a apelação.

...leva em conta o entendimento linguístico como mecanismo de coordenação da ação, faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a construção e a manutenção das ordens sociais: pois estas mantêm-se no modo de pretensões de validade normativas (HABERMAS, 1997, p. 35)

 

Gilvan Luiz Hansen em Modernidade, Utopia e Trabalho (1999, p. 17-18), salienta que para Habermas

...existe um saber implícito ou explicito, na base de toda a existência humana, seja sob a forma de manifestações linguisticas ou ações teleológicas. E é pela articulação e uso desse saber que os sujeitos demonstram  a sua racionalidade, pois a pretensão de validade revelada na linguagem e na ação dos mesmos coloca-os a mercê da avaliação da coletividade.

 

A racionalidade estratégica por sua vez, passa a um entendimento meio e fim, onde a individualidade tende a preponderar sobre os interesses coletivos, não importando necessariamente em ilicitude. Parece que a possibilidade de recorrer pela via adesiva se filia ao entendimento de que a estratégia suplanta a racionalidade comunicativa, embora observando previsão legal que a garante. (HABERMAS, 1989)

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após se estudar acerca da dialeticidade no Processo de Conhecimento, ou seja na fase de cognição exauriente, onde se objetiva o convencimento do magistrado acerca de uma pretensão, valendo-se para tanto da observância do contraditório e da ampla defesa, onde resta claro que não há como se discutir o processo contencioso civil sem que as partes interajam e cooperem em prol do melhor andamento processual, passou-se a discutir acerca da subjetividade das partes, das dificuldades para que se possa estabelecer um discurso baseado na racionalidade comunicativa, onde se discorreu sobre a racionalidade estratégica da parte e se apresentou ressalva quanto as condições psicológicas dos litigantes, em especial quanto a realização de audiência de conciliação ou sessões de mediação, passou-se a reflexão sobre princípios, pressupostos/requisitos de admissibilidade dos recursos.

Tal reflexão não teve por objetivo esgotar o tema, mas tão somente pontuá-los para que se pudesse efetivamente observar o que está em jogo em moldes habermasianos no que diz respeito aos recursos, ou seja o potencial discursivo que se pode extrair da dialeticidade enquanto princípio, enquanto pressuposto ou requisito de admissibilidade dos recursos. Para tanto, metodologicamente, se optou pelo recorte atinente ao recurso de apelação, onde demonstrou-se que embora, mais restrito que em sede de processo de conhecimento, a dialeticidade, é indispensável para que se discuta a admissibilidade dos recursos.

Neste prisma, o pensamento de Habermas em conjunto com autores oriundos do Direito,  mostrou que a dialeticidade figura como regra processual indispensável ao longo das fases de conhecimento e recursal, embora mais restrita nesta.

No que pese ser mais restrita na fase recursal, esta se encontra alicerçada em um prisma discursivo de pretensões de validez, devidamente apoiada em fundamentação específica e capaz de impugnar uma decisão.

Ocorre, todavia, que a reflexão proposta ao término do texto acerca da modalidade adesiva, embora prevista em lei, demonstra que há espaço na fase recursal, em especial quanto ao recurso de apelação, para que a parte venha a agir com base em uma racionalidade estratégica.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27/10/2023

CÂMARA, A.F. O Novo Processo Civil Brasileiro.  3.ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2017

CÂMARA, A. F. Manual de Direito Processual Civil. 2.ed. Barueri: Ed. Atlas, 2023

HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1989

HABERMAS, J. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade,v. 1. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1997

HANSEN, G. L. Modernidade, Utopia e Trabalho. Londrina: Edições CEFIL, 1999

STJ. Recurso Especial nº 1.704.520. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1731786&num_registro=201702719246&data=20181219&formato=PDF. Acesso em 15/10/2023

THEODORO JÚNIOR, H. Curso de Direito Processual Civil v. 3. 50.ed.. Rio de Janeiro: Ed Forense, 2017

 



[1] Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD/UFF), Mestre em Direito (PPGD/UGF), Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil (UNESA), Professor Permanente do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, Professor Permanente do Programa de Pós Graduação em Direitos, Instituições e Negócios da Universidade Federal Fluminense (PPGDIN/UFF), Professor do Departamento de Direito Processual da Universidade Federal Fluminense (SDP/UFF)