TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE EM JÜRGEN HABERMAS

 

Daniel Valente Pedroso de Siqueira[1]

Universidade Federal do ABC (UFABC)

daniel.valente@ufabc.edu.br

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Resumo

O presente texto observa a teoria crítica da sociedade desenvolvida por Habermas a partir da análise das duas teses apresentadas na Teoria da Ação Comunicativa, sobre a modernidade seletiva e sobre o desacoplamento das esferas socais tematizáveis, pretendendo compreender como o avanço dos imperativos funcionais do sistema (a burocracia administrativa estatal e a economia capitalista) têm extrapolado suas áreas de atuação e aumentado ainda mais sua dinâmica sistêmica sobre o ambito da reprodução simbólica nas sociedades capitalistas do século XXI. A discussão que se segue analisará esta ampliação considerando que as interferências e alterações sobre os padrões de integração social são  questões que se encontram em um desenvolvimento constante desde as mudanças pelas quais passaram a alterar os critérios de legitimação da modernidade capitalista. Ainda que de um modo não inteiramente distinto daquele tematizado por Habermas no contexto social do início dos anos 1980, pretende-se observar que que no atual estágio do capitalismo internacional esta interferência, assim como as alterações daí promovidas, tem provocado uma maior fragmentação social e gerado bloqueios que perturbam ainda mais a integração social (que ameaçam inviabilizar qualquer efetivação da emancipação social quanto mais são deturpados os critérios de legitimação e reconhecimento social). Circunscrito a este horizonte, pretende-se sustentar que tais fatores possam ser melhor compreendidos mediante uma investigação sobre as patologias sociais, especifiamente quando estas são compreendidas como parâmetros que proporcionariam identificar certa resistência a uma integração social orientada por imperativos sistêmicos.

Palavras-chave: Habermas; Teoria da Ação Comunicativa; patologia social.

Abstract

This text observes the critical theory of society developed by Habermas based on the analysis of the two theses presented in the Theory of Communicative Action, on selective modernity and on the decoupling of thematizable social spheres, intending to understand how the advancement of the system's functional imperatives ( the state administrative bureaucracy and the capitalist economy) have gone beyond their areas of activity and further increased their systemic dynamics within the scope of symbolic reproduction in capitalist societies of the 21st century. The discussion that follows will analyze this expansion considering that interference and changes in the patterns of social integration are issues that have been in constant development since the changes that began to alter the criteria for legitimizing capitalist modernity. Although in a way not entirely different from that discussed by Habermas in the social context of the early 1980s, we intend to observe that in the current stage of international capitalism this interference, as well as the changes promoted therein, has caused greater social fragmentation and generated blockages that further disturb social integration (which threaten to make any realization of social emancipation unfeasible the more the criteria of legitimation and social recognition are distorted). Limited to this horizon, it is intended to argue that such factors can be better understood through an investigation into social pathologies, specifically when these are understood as parameters that would allow identifying a certain resistance to social integration guided by systemic imperatives.

Keywords: Habermas; Theory of Communicative Action; social pathology.

 

INTRODUÇÃO À TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE DE JÜRGEN HABERMAS

Em 1977 Jürgen Habermas iniciou a redação de uma teoria crítica da sociedade que pretendia a partir da análise das modernas sociedades capitalistas explicar e justificar seus parâmetros críticos. Este desenvolvimento intelectual viria a ser publicado em 1981 com o título de Teoria da Ação Comunicativa (TAC), uma obra que figura como a “última tentativa de fundamentar a teoria crítica numa teoria social de larga escala” (Fraser & Jaeggi, 2020, p. 17) ao se propor desenvolver uma crítica às modernas sociedades capitalistas (especificamente àquelas da segunda metade do século XX, pertencentes ao Estado de bem-estar social Ocidental) não orientada pelas estruturas de análise utilizadas para o exame do capitalismo liberal do século XIX.

Ainda que a redação da obra tenha “começado para valer” (Habermas, 2015a, p. 260) em 1977, não parece ser exagero considerar que a argumentação que foi apresentada com a publicação da TAC venha a ser reconhecida como o resultado de um esforço intelectual de mais de vinte anos de reflexões e pesquisas sobre as crises estruturais das sociedades capitalistas, especificamente ao ser considerado que nesta obra Habermas pretendeu “reformular a crítica da reificação, a crítica da racionalização de modo a oferecer, por um lado, explicações teóricas para a fragilização do compromisso em torno do Estado de bem-estar social e para os potenciais de crítica ao crescimento dos novos movimentos sociais” (idem, p. 263), como ele mesmo descreveu em uma entrevista concedida a Axel Honneth, Eberhard Knödler-Bunte e Arno Widmann no mesmo ano da publicação (Habermas, 2015b).

Na obra supracitada, Habermas desenvolveu um dualismo metódico que passou a abordar tanto a problemática da racionalidade da ação (vinculada aos sujeitos singulares) quanto a racionalização da sociedade em geral, fazendo uso de uma “mescla de conceitos básicos da teoria da ação e da teoria dos sistemas” (Habermas, 1981a, p. 209), o que resultou na promoção de uma espécie de interconexão entre os momentos da razão (idem, p. 525) que tornou apto sua teoria crítica da sociedade examinar, “por meio de reconstruções da história da teoria social e da filosofia” (Repa, 2022, pp. 13-14), na integração social das sociedades capitalistas resquícios de uma interação social que não encontrar-se-ia inteiramente regulada por princípios advindos dos subsistemas econômico-financeiro e administrativo-burocrático.

Siebeneichler (2021) discute que o dualismo metódico adotado por Habermas refere-se a sua proposta de enfrentar o problema paradoxal de introduzir a teoria da sociedade (demarcada por padrões rigorosos da ciência) sem recorrer às ciências exatas, mas fazendo uso tanto a filosofia quanto da sociologia para estabelecer “não somente uma nova configuração entre filosofia e as ciências, mas também uma distinção entre duas perspectivas distintas e complementares, a saber: a perspectiva distanciada de um observador objetivo especializado em vocabulários científicos” (idem, pp. X-XI) que também passou a exigir “a perspectiva participante de um intérprete que o próprio observador é obrigado a adotar, já que ela permite compreender, por meio da linguagem, nexos simbólicos cujo critério é a intersubjetividade do entendimento” (ibidem). Segundo Siebeneichler, tal dualismo metódico figuraria, então, como uma chave conceitual para compreender como Habermas teria conseguido correlacionar explicações pragmático-formais filosóficas com análises empíricas históricas para elaborar sua teoria crítica da sociedade capitalista.

Tal sugestão de leitura encontrar-se-ia adequada às próprias condições teóricas que proporcionaram a compreensão habermasiana sobre o surgimento das modernas sociedades capitalistas.

De certo modo, o entendimento de Habermas sobre as sociedades capitalistas foi desenvolvido a partir de um contexto filosófico discursivo orientado a problematizar os fundamentos conceituais da modernidade Ocidental, contexto este o qual não se limitava à abordagem desenvolvida pela Teoria Crítica (tanto àquela da primeira geração de frankfurtianos quanto da teoria crítica da sociedade desenvolvida por Habermas). Todas as teorias sociais de orientação crítica do século XX, que mesmo recorrendo a um conceito tão impreciso como o de modernidade Ocidental, tiveram um cerne comum: a sociologia weberiana. Este cerne comum referiu-se especificamente a compreensão de que a modernidade Ocidental referia-se a um conjunto de características observáveis nos modelos de sociedades que nasceram de uma “combinação de circunstâncias [...] que tornou possível o surgimento de fenômenos culturais em uma linha de desenvolvimento com significado e valores universais” (Weber, 1958, p. 15).

É importante fazer notar que esta compreensão em comum entre as teorias sociais de orientação crítica e a sociologia desenvolvida por Max Weber figura na elaboração das duas teses que Habermas apresenta na TAC (i.e., a modernidade seletiva e a tese do desacoplamento das esferas sociais). Habermas desenvolve as duas teses e as compreende como dois movimentos concomitantes de modernização quando compreende que a sociologia desenvolvida por Weber proporcionou identificar que foi tanto mediante a combinação de circunstâncias historicamente observáveis que se desenvolveu a ciência empírica moderna quanto pela “busca racional e especializada da ciência, com trabalhadores treinados e especializados” (Weber, 1958, pp. 15-16). Uma compreensão que, como Bernstein observa, proporcionou a Habermas identificar os “inelutáveis processos de modernização [social] que destruíram os fundamentos das visões de mundos tradicionais” (Bernstein, 1991, p. 5).

O desenvolvimento de uma teoria crítica das modernas sociedades capitalistas principia, então, quando Habermas observa que o processo de especificação e especialização dos saberes, que passaram a figurar na modernidade capitalista, encontravam-se em conformidade ao surgimento de “uma diferenciação de esferas de valor e de estruturas de consciência que tornaram possível uma transformação crítica do saber tradicional sob pretensões de validade específicas em cada caso” (Habermas, 1981a, p. 456)

Ao elaborar um critério racional para compreender a estrutura da integração social das sociedades capitalistas observando as transformações sociais da modernidade, o projeto apresentado na TAC (e que, de certo modo, pode ter seu princípio atestado já na década de 1960 com a publicação do primeiro grande trabalho sistemático de Habermas[2]), formula  três complexos temáticos[3] principais, que se relacionam entre si: 1) o desenvolvimento de uma concepção mais ampla, e mais abrangente, de razão que não encontrar-se-ia redutível às delimitações cognitivo-instrumentais, ou estratégicas, impostas por um modelo monológico da razão; 2) a elaboração de um conceito de sociedade em dois níveis, que vincule os paradigmas do mundo da vida e do sistema, para estabelecer critérios para pensar uma sociedade emancipada em termos racionais a partir desta concepção mais ampla de razão e; 3) a fundamentação de uma teoria da modernidade apta a diagnosticar, e esclarecer, as patologias sociais que se manifestam de maneira sempre mais visíveis nas sociedades capitalistas[4].

Os questionamentos apresentados sobre a razão e a teoria da ação passam então, em um sentido metodológico mais amplo, a estabelecer um novo núcleo conceitual para a teoria social crítica.

Na última seção do capítulo VIII da TAC, “Tarefas de uma teoria crítica da sociedade” (Habermas, 1988b, pp. 548-594), Habermas orienta a compreensão sobre seu modelo de teoria crítica da sociedade crítica recuperando (e em grande medida reformulando “na qualidade de uma teoria crítica reconstrutiva, o projeto do materialismo interdisciplinar” [Repa, 2008, p. 149]) os esforços intelectuais realizados pelo Instituto de Pesquisa Social, especificamente quando declara que com o trabalho publicado ele pretende “recordar os complexos temáticos que ocuparam a primeira teoria crítica e mostrar como algumas dessas intenções podem ser retomadas sem as suposições de filosofia da história a que se prendiam na época” (Habermas, 1988a, p. 554). 

Das tarefas de uma teoria crítica da sociedade descritas por Habermas, as quais são, em grande medida, elaboradas em observação aos trabalhos do Instituto de Pesquisa Social[5], especificamente aqueles que foram trabalhados até o início dos anos 1940, quando o grupo de pesquisadores alemães reunidos em Nova York se separa, a principal preocupação aqui é em compreender nas formas de integração das sociedades pós-liberais resquícios de resistência a uma integração social sistemicamente regulada.

 

2 As duas teses sobre a modernidade capitalista

A investigação sobre como a modernidade capitalista pode ser compreendida é um dos pontos de maior interesse da teoria crítica da sociedade desenvolvida por Habermas na TAC.

Sua complexa discussão desenvolve uma teoria da modernidade que apresenta uma interpretação inaugural ao “sugerir um redirecionamento, ao invés de um abandono, do projeto Iluminista” (McCarthy, 1984, p. viii) através da elaboração de uma teoria da evolução social que observa a modernidade capitalista a partir da “diferenciação entre o processo de modernização social por meio do qual se sedimentam os núcleos do capitalismo moderno, de um lado, e a modernidade como processo longo e complexo de racionalização cultural e social, de outro” (Repa, 2022, p. 15), de um modo tal que o potencial de diferenciação da modernização social é analisado por Habermas por um viés crítico divido em dois momentos.

Ao argumentar que as transformações sociais ocorridas com a passagem das tradicionais sociedades pré-capitalistas para as modernas sociedades capitalistas[6] imprimiram uma “tendência evolutiva para um desacoplamento de sistema e mundo da vida” (Habermas, 1981a, p. 203), Habermas discute como esta evolução social teria se estabelecido como um processo de diferenciação que, primeiramente, deve ser analisado a partir do aumento de racionalidade sobre o âmbito cultural e em como este estabeleceu ao mundo da vida se tornar racionalizado.

O mundo da vida racionalizado (surgido na modernidade, mas ainda não inteiramente desacoplado de outras esferas de atuação social) passou a exigir que o entendimento entre atores sociais fosse garantido “cada vez menos por um acervo de interpretações abonadas pela tradição” (Habermas, 1981a, p. 456), mas “satisfeito com frequência cada vez maior por meio de um acordo arriscado [...] por meio das operações interpretativas dos participantes, ou por meio de um saber profissionalizado de experts” (idem, p. 456).

Na leitura proposta por Habermas, o processo de racionalização do mundo da vida teria então imprimido aos atores sociais (envolvidos em quaisquer interações comunicativas) o peso de carregarem a expectativa de que as várias reivindicações de validade levantadas através do discurso pudessem e viessem a ser cognitivamente distinguíveis por todos os membros envolvidos (e que também pudessem ser enfrentadas de modo distinto).

Sendo assim, o aumento da racionalidade sobre a reprodução simbólica teria provocado a diferenciação do mundo da vida da ordem da produção material. Uma diferenciação que Habermas descreve como o desacoplamento das esferas sociais tematizáveis e que constituí o fator determinante para explicar o surgimento de novas esferas de interação social coordenadas mediante acordos conscientemente alcançados. Estas novas esferas de interação social passaram a exigir, como novo alicerce social, um “mecanismo de entendimento com necessidade crescente de coordenação” (Habermas, 1981a, p. 347).

Concomitantemente ao desenvolvimento da racionalização cultural Habermas aponta como passou a ocorrer um intenso desenvolvimento de modelos organizacionais no âmbito da racionalização social que passaram a atuar sobre a esfera da produção material e a aumentar a complexidade do sistema. A partir de então, apartada e liberta de regulamentações simbólicas, estas dinâmicas organizacionais passaram a promover uma integração social que desembocou em um novo modelo de organização social da esfera da produção material, agora “desacoplada da ação dos processos de entendimento e coordenada por meio de valores instrumentais generalizados” (Habermas, 1981a, p. 347).

Habermas analisa o processo de diferenciação das esferas sociais tematizáveis a partir do viés do “desacoplamento de sistema e mundo da vida” (p. Habermas, 1988a, p. 230) porque identifica que o mundo da vida, “coextensivo inicialmente a um sistema social pouco diferenciado” (ibidem), encontra-se nas sociedades do capitalismo tardio dos anos 1970-1980 “rebaixado cada vez mais a ponto de formar um subsistema ao lado de outros” (ibidem). Ele também observou que os domínios de ação social, que encontram-se regulados por critérios funcionalistas-sistêmicos, passaram a expandir seus campos de atuação, uma expansão ampla o suficiente para que estes passassem a imprimir uma pressão sobre o âmbito do mundo da vida. Esta pressão sistêmica sobre o mundo da vida provoca alterações nos critérios sociais e modifica os critérios de orientação que atual sobre a coordenação das ações sociais. Estas passam, então, a ser inteiramente reguladas tanto por meio do medium dinheiro (referidos à economia capitalista) quanto através dos subsistemas do poder administrativo (relacionados à administração-burocrática).

Mas por que isso teria ocorrido desta maneira?

Habermas argumenta que a expansão dos subsistemas funcionalistas-sistêmicos ocorreu, em grande medida, porque estes passaram a apresentar maior eficácia e eficiência na elaboração de princípios racionalmente justificáveis para a resolução de situações sociais[7], contrapondo-se ao exaustivo, e demorado, processo de deliberação comunicativamente mediado da sociedade civil.

A tese da modernidade seletiva junta-se à tese do desacoplamento das esferas de atuação social a partir do momento em que as resoluções concernentes as questões sociais deixaram de ser orientadas por procedimentos argumentativos, e deliberativos e quando os domínios de ação regulados por imperativos sistêmicos passaram a ocupar os espaços sociais “dos sistemas de ação formalmente organizados, controlados mediante processos de troca e poder” (Habermas, 1988a, 231), provocando que “os membros [da sociedade civil] passassem a se comportar como em relação com um fragmento da realidade natural” (idem, p. 231).

Dentro da complexidade da qual são constituídas as modernas sociedades capitalistas, Habermas reconhece que sua teoria crítica da sociedade seria incompleta se não proporcionasse uma compreensão sobre como os distintos tipos de ação, e modelos de racionalidade, encontram-se conectados às instituições e às práticas sociais históricas. Tendo isso em seu horizonte argumentativo, sua discussão se desenvolve observando contextos sociais históricos que sustentam sua leitura.

A compreensão sobre os processos de racionalização, que foram fundamentados na reconstrução das teses weberianas sobre a racionalização social (cf. Habermas, 1981b, pp. 205-366) permite compreender que a discussão proposta por Habermas sobre a racionalização seja entendida a partir da identificação do aumento da racionalidade de determinada ação social historicamente comprovada (o que viabiliza observar tanto os significados categoricamente distintos quanto os significados atribuíveis à racionalização de modelos de ações racionais-intencionais, assim como aqueles concernentes à racionalidade de modelos de ação comunicativa). Ainda que um aprofundamento desta questão não caiba nos propósitos da presente discussão, é importante salientar que aos primeiros cabem a descrição de uma orientação por critérios cognitivo-instrumental que desde o princípio do processo de desacoplamento tem feito uso do “emprego não comunicativo do saber proposicional de ações dirigidas a objetos” (Habermas, 1981a, p. 15), enquanto as outras, orientadas por uma racionalidade comunicativa, refira-se ao “uso comunicativo do saber proposicional em atos de fala” (ibidem).

Os processos de racionalização que surgem na modernidade capitalista, e que foram primeiramente descritos por Max Weber como Zweckrationalität, são compreendidos por Habermas como aqueles que constituem o modelo de racionalidade voltada a fins e que figurariam na sociologia weberiana a partir da diferenciação das esferas de valor.

O Weber analisado por Habermas teria, nesta ordem, descrito como a diferenciação das esferas de valor ocorrida na modernidade se deram tanto a partir da superação das imagens religiosas do mundo, da descontinuidade da tradição, quanto a partir do desenvolvimento das ciências empírico-analíticas e ao desenvolvimento de esferas culturais de ação. Habermas atribui a Weber a compreensão de que o estabelecimento de um processo de racionalização social substitui, e faz desaparecer, a unidade substancial que anteriormente ao surgimento da modernidade capitalista regulava as tradicionais sociedades pré-capitalistas. A partir de então, o processo de racionalização moderno é analisado criticamente por Habermas assumindo o diagnóstico mas não o procedimento weberiano, visto Habermas compreender o processo pelo qual se estabeleceram os critérios para a promoção da expansão, e o aumento, da complexidade do sistema não referiram-se apenas à diferenciação das esferas de valor sociais, mas também da racionalização do mundo da vida.

O modo pelo qual a teoria da ação comunicativa distingue categoricamente os dois tipos distintos de processos de racionalização, tanto a social quanto a cultural, proporciona discernir que os critérios constituintes da modernidade capitalista engendram em si os conflitos que nela são experienciados, e isso ainda que, por outro viés, a modernidade seja interpretada  como benéfica, especificamente por ter promovido o desenvolvimento da racionalização cultural que passou a “exigir critérios diferentes daqueles [que eram] derivados das imagens de mundo metafísicas e religiosas” (Repa, 2008, p. 46).

 

3 CONCLUSÃO

Ao desenvolver um programa de pesquisa para uma teoria crítica da sociedade que analisasse conjuntamente ao desenvolvimento da racionalidade cultural o desenvolvimento da racionalização social, Habermas observou como esta última passou a demandar critérios de validade social que não estivessem delimitados às transformações estruturais que alteraram o quadro institucional da sociedade capitalista, mas que fossem adequados ao desenvolvimento promovido pelas forças produtivas. Esta exigência por uma nova coordenação social teria forçado a expansão dos subsistemas de ação racional com respeito a fins, o que promoveu que as modernas sociedades capitalistas alcançassem um nível de diferenciação sistêmica que passou a desequilibrar o desenvolvimento de seu próprio potencial comunicativo quando suas “organizações autonomizadas passam a estar em conexão entre si por meio de um media de comunicação deslinguistificados” (Habermas, 1988a, p. 230).

A partir deste ponto torna-se possível observar que caberia, como tarefa de sua teoria crítica da sociedade, explicar a dinâmica destes processos sociais como não distintos da própria constituição da modernidade capitalista. Ao entendermos deste modo torna-se possível compreender a formulação proposta por Habermas de que estes encontrem-se conceitualmente relacionados e, portanto, a avaliação crítica a ser realizada sobre a modernidade capitalista precisa também, analisar como que o desenvolvimento societário em desequilíbrio advém da integração social que passa a se desenvolver com o processo de modernização cultural.

Tal hipótese de compreensão observa nas duas teses desenvolvidas por Habermas (sobre a modernidade seletiva e sobre a colonização sistêmica do mundo da vida) explicações pelas quais torna-se possível supor que a substituição dos critérios pertencentes ao mundo da vida (responsáveis pela reprodução simbólica) por orientações sistêmicas tenha inaugurado um processo de substituição das crises de controle por patologias sociais sobre o mundo da vida. Patologias sociais estas as quais podem ser observadas através dos “fenômenos de alienação e insegurança de identidades coletivas atribuíveis à colonização do mundo da vida, caracterizada como a reificação da práxis comunicativas cotidiana” (Habermas, 1988a, 566).

Ao proceder de um modo a explicar as características de surgimento da modernidade capitalista, Habermas elabora uma teoria sociológica compreensiva aos processos de racionalização. Procede de modo a observar as duas esferas surgidas do desacoplamento dos sistemas de ação, o mundo da vida e o sistema, de um modo integrativo e que discorre sobre como cada um pressupõe o outro. Não parece exagerado assumir que circunscrita à discussão apresentada na TAC, o conceito de mundo da vida não poderia ser compreendido isoladamente, sendo necessário compreendê-lo conjuntamente a compreensão dos sistemas sociais que o moldaram. Assim como não seria possível compreender o surgimento dos sistemas sociais se fossem desconsideradas observações sobre as ações dos atores sociais.

A compreensão sobre as esferas do mundo da vida e do sistema são integradas no projeto teórico de Habermas através do delineamento das distintas formas de racionalidade e racionalização em exercício nas modernas sociedades capitalistas, encontrando-se intimamente correlacionadas ao seu diagnóstico sobre as tendências de dominação nas sociedades capitalistas.

Curiosamente, Albrecht Wellmer observa no procedimento habermasiano uma espécie de paradoxo da racionalização. Ao discutir as teses e diagnósticos apresentados na TAC, ele argumenta que a tese apresentada por Habermas, sobre a racionalização do mundo da vida ser a pré-condição (o ponto de partida) para um processo de racionalização social e diferenciação sistêmica descreve aquilo pelo qual se estabeleceu um desenvolvimento “cada vez mais autônomo de diferenciação que implicou em restrições normativas serem incorporadas no mundo da vida, até o ponto de que se venha a observar imperativos sistêmicos instrumentalizando o mundo da vida e ameaçando-o de destruição” (Wellmer, 1991, p. 56).

Quando observado por este viés, a segunda tese habermasiana, sobre a colonização sistêmica do mundo da vida, torna-se, de fato uma questão real quando analisado que a ameaça de uma colonização do mundo da vida por processos de racionalização sistêmica parece menos improvável na década de 2020 do que havia sido nas décadas de 1970 e 1980.

Todavia, é identificável na teoria crítica da sociedade elaborada por Habermas uma postura que busca enfrentar a tendência racionalista que se desesperou frente à possibilidade dos modelos de racionalidade sistêmicas fundamentar e regular as normas da vida social completamente. Habermas não parece compreender que existam necessidades lógicas, conceituais e históricas de que imperativos sistêmicos destruam o mundo da vida (o surgimento de um mundo “orwelliano”, como ele aponta), mas tem claro que a nova disposição em exercício nas modernas sociedades capitalistas refere-se a ampliação do sistema capitalista em oferecer e regular critérios de legitimação da dominação, especificamente através do sistema de trabalho social e do sistema financeiro internacional. Com esta ampliação da atuação sistêmica passou a ocorrer um maior avanço dos imperativos sistêmicos sobre a esfera da reprodução simbólica, fazendo com que se instaurasse um processo de substituição das interações sociais (fundamentadas na reprodução simbólica da sociedade) por uma forma funcionalista de coordenação de objetivos. É isto que inaugura um processo de “colonização pelo sistema” (Habermas, 1988b, pp. 489-547) que passa a estipular um caráter reificante[8] às interações socialmente mediadas – caráter este de grande importância para o diagnóstico das patologias sociais apresentado na TAC, no qual, por exemplo, Habermas passa a observar a destruição da identidade social através do conceito de reificação, quando do desprendimento dos sistemas de ação racional com relação a fins.

Deste modo, mesmo quando observada a tese da modernização seletiva, que estabeleceu a prevalência de um processo seletivo de racionalização sistêmica sobre o desenvolvimento social (que invade e deforma os critérios da reprodução simbólica do mundo da vida), Habermas não parece compreender o paradoxo da racionalização como um verdadeiro paradoxo: pois “mesmo contra Weber e Horkheimer-e-Adorno, Habermas objeta que esse paradoxo da racionalização não expressa uma lógica interna (ou dialética) dos processos modernos de racionalização” (Wellmer, 1991, p. 56). Deste modo, então, Habermas parece compreender que ao invés de um paradoxo da racionalização, ou de uma dialética do esclarecimento, o que ocorre é “um processo seletivo de racionalização onde o caráter seletivo deste processo é explicado pelas restrições peculiares impostas sobre a racionalização comunicativa pelas condições e dinâmica de um processo capitalista de produção” (ibidem).

A tese sobre a modernização seletiva, ou tese da seletividade dos processos de racionalização ganha outra estatura quando observado que ela aponta para o entendimento de que possam existir outras possibilidades ao serem compreendidas as diferentes formas de ação e de racionalidade assumidas historicamente. Richard Bernstein observa que esta leitura encontra-se condizente com “todas as linhas das reflexões de Habermas sobre a modernidade” (Bernstein, 1991, p. 23), pois estas são ordenadas a fim de esclarecer e sustentar princípios de emancipação bloqueados a partir da explicação sobre como se deu a colonização sistêmica do mundo da vida, analisando suas causas e dinâmicas de racionalização a partir da diferenciação sistêmica.

Torna-se, então, possível não apenas explicar como diagnosticar as patologias sociais da modernidade.

De certo modo, é sobre isso que Habermas trata na conclusão da TAC, quando descreve que “o fato de que nas democracias de massas do Estado de bem-estar social o conflito de massas que marcou as sociedades capitalistas na fase de seu desdobramento foi institucionalizado e, com isso, paralisado não significa a paralisia dos potencias de protesto em geral” (Habermas, 1988a, p. 575), o que ocorre aos novos movimentos sociais é estes “surgirem agora em outras linhas de conflito, a saber, ali onde também são de esperar” (ibidem), se desviando do padrão de conflito distributivo que exige compensações financeiras ou que surgem nos âmbitos da reprodução material, mas surgem nos âmbitos da reprodução social, da integração social e da socialização, são protestos que exigem reconhecimento e se inflamam por “questões da gramática das formas de vida” (ibidem), em uma movimento que parece manifestar como que reações defensivas para preservar a integridade das estruturas comunicativas do mundo da vida contra as influências e distorções no âmbito da vida que são impostas pelos processos de racionalização sistêmica.

Compreender a origem das patologias sociais e os distúrbios sociais correlacionados, a partir da compreensão sobre as condições que estruturam as atuais sociedades capitalistas, é dos grandes (se não o maior) temas da teoria crítica da sociedade de Habermas. Especificamente ao ser recuperada a discussão sobre o desacoplamento entre as esferas do sistema e do mundo da vida, com o subsequente avanço dos domínios de ação sistêmicos sobre a esfera da reprodução simbólica que não promovem uma integração social plena, e as más formações sociais produzidas, passa-se a observar como critério de diagnóstico a manifestação de patologias sociais.

Ao serem observados critérios racionais que viabilizem o empreendimento almejado, i.e. compreender as condições de existência das atuais sociedades capitalistas nas quais manifestam-se sintomas de perturbação social que resultam em patologias sociais, a Filosofia, enquanto campo do saber que “se esforça em explicar o mundo em seu todo, a unidade da multiplicidade dos fenômenos, com princípios encontráveis na razão” (Habermas, 1981a, p. 15), usualmente orientada para pensar o ser, ou a unidade do mundo, por explicações das experiências da razão (o que, em termos históricos proporciona entender que “o tema se altera e, no entanto, permanece o mesmo” [ibidem]), é a área pela qual um exercício reflexivo para investigar a questão pode ser assumido.

Todavia, o horizonte de complexidade que se descortina exige que tal abordagem não se limite a descrever como as coisas funcionam, mas que perscrute pelas condições sobre as quais surgiram as atuais sociedades capitalistas. Deste modo, a especificação sobre qual Filosofia deve ser utilizada como metodologia de pesquisa observa na teoria social, e mais especificamente a teoria crítica[9], a maneira pela qual uma investigação sobre as sociedades capitalistas pode ser realizada.

Partindo da consideração de que as mudanças estruturais ocorridas desde a Modernidade capitalista do século XVIII veem determinando o desenvolvimento social e a subsequente crítica social desde o século XIX, e em como tais mudanças ampliaram a compreensão sobre mundo social a ponto de não mais ser possível descrevê-lo de modo uno, que pretenda apresentar um pensamento totalizante[10]. Tal consideração analisa na discussão desenvolvida na Teoria da Ação Comunicativa um critério que proporciona uma compreensão[11] mais apropriada a questões (muito) atuais importantes.

As críticas elaboradas às sociedades capitalistas, e aos conflitos e crises que este modelo de sociedade engendra em si, são desenvolvidas tendo a tese da modernização seletiva e a tese da colonização sistêmica do mundo em seu horizonte. Habermas procede deste modo, assumindo-os como desenvolvimentos correlacionados, porque compreende que os conflitos que ocorrem nas sociedades capitalistas não se limitam “mais aos âmbitos da reprodução material [...] e tampouco são apaziguáveis na forma de compensações conformes ao sistema” (Habermas, 1988a, p. 576), porque também surgem “nos âmbitos da reprodução cultural, da integração social e da socialização” (ibidem).  Deste modo estes conflitos, crises e estas perturbações sociais não encontrar-se-iam delimitados a agir apenas sobre a integração social, mas reduzindo o campo de atuação social, bloqueando a emancipação e também promovendo uma série de alterações nos critérios de validade social que produzem entraves na reprodução simbólica e nas condições de vida em sociedade.

As discussões apresentadas na TAC reúnem horizontes discursivos complexos de uma maneira detalhada, e argumentativa muito persuasiva, que têm promovido, desde sua publicação, questionamentos e debates sobre os bloqueios à integração social, que vão desde ao reconhecimento das identidades sociais até a participação em processos deliberativos. Ao argumentar que os abalos na reprodução simbólica e a alteração dos critérios de validade social, provocados por "desequilíbrios sistêmicos que repercutem em crises ou despertam patologias no mundo da vida” (Habermas, 1988a, p. 565), Habermas aponta para características específicas pertencentes às atuais sociedades, nas quais compreende haver relação intima entre a manifestação de patologias, e o surgimento de crises às formas específicas, e o modo como que se desenvolveram as sociedades capitalistas.

Um entendimento que amplia a ameaça sobre as estruturas sociais[12] e favorece a investigação do estatuto de patologia social articulado na TAC ao descrever, por exemplo, que mesmo sendo “o primado evolucionário do sistema econômico ou do aparelho estatal, são antes as economias domésticas privadas ou antes as afiliações politicamente relevantes que oferecem a porta de entrada para as crises, descarregadas dos subsistemas sobre o mundo da vida” (Habermas, 1988a, p. 564).

Acerca disto, Outhwaite sugere que a TAC seja interpretada como uma obra que promove uma “reconstrução da racionalidade” (Outhwaite, 1994, p. 70ss.) contemporânea, quando observa tratar-se de um trabalho que não perde de vista os desafios que se impõe a uma teoria crítica da sociedade. Neste sentido, Repa faz notar que os parâmetros críticos observados na TAC para pensar o tempo presente procuram pela origem de uma série de patologias sociais e os distúrbios sociais correlacionados (Repa, 2022, pp. 13-25), orientados por uma “prioridade absoluta ao crescimento econômico provocado pelo acerto sócio estatal” (Habermas, 1981a, p. 10), bem como compreender como as condições que estruturam as atuais sociedades capitalistas são marcadas por uma “diferenciação crescente entre cultura, sociedade e personalidade” (Habermas, 1988a, p. 427), que resulta na “transformação de estruturas normativas, valores, culturais, representações morais, etc.” (Pinzani & Dutra, 2021, p. 228).

Buscou-se aqui descrever como pode ser observado na teoria crítica da sociedade de Habermas questões que favorecem o desenvolvimento das problemáticas sobre o estatuto das patologias sociais enquanto respostas a uma integração social regulada por imperativos sistêmicos. Para além disto, as questões apresentadas na TAC também têm sido ampliadas pelas discussões de teoria social do século XXI, especificamente àquelas que apontam para a instabilidade e imprevisibilidade enfrentadas pelas ordens econômicas e sociais subsumidas ao capitalismo internacional, de um modo tal que a perspectiva teórica aí apresentada tem sido, em certa medida, renovada no contexto social mais complexo do século XXI (especificamente mais complexo quando em comparação aos contextos sociais dos Estados de bem-estar social das décadas de 1970 e 1980).

 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutorando. Universidade Federal do ABC (UFABC)

 

[2] O trabalho em questão é Mudança Estrutural da Esfera Pública, publicada originalmente em 1962. Para mais, cf. McCarthy, 1994, pp. 51-72.

[3] Stephen K. White também observa continuidade e desenvolvimento evolutivo entre as obras de Habermas, sendo que neste ponto ele aponta como os três componentes trabalhados por Habermas na Teoria da Ação Comunicativa já são encontráveis em obras anteriores. Ao analisar a discussão de Conhecimento e Interesse, por exemplo, o autor identifica três interesses constitutivos aos seres humanos em acordo com as três categorias de conhecimento e racionalidade que Habermas trabalhava à época (interesses acerca do domínio técnico sobre o mundo circundante, sobre os interesses que os indivíduos possuem uns sobre os outros em uma determinada interação social e aqueles pela realização de ações que não encontram-se submetidas às estruturas de dominação). White vê nisto critérios para a elaboração de uma “base racional para a vida coletiva que seria alcançada apenas quando as relações sociais fossem organizadas a partir de um princípio de validade sobre todas as normas, que promoveriam um consenso alcançado em uma interação comunicativa livre de dominação” (White, 1995, p.  6), algo teria sido abandonado por Habermas por compreender a insuficiência em desenvolver uma crítica às sociedades capitalistas orientada por critérios epistemológicos dos interesses constitutivos do conhecimento.

[4] É importante observar que a partir destes três complexos principais são extraíveis quatro contextos investigados também desenvolvidos na TAC: a) sobre as discussões metodológicas concernentes às ciências sociais; b) sobre os debates em torno do caráter filosófico da modernidade e os questionamentos à respeito da racionalização social associada à modernidade capitalista; c) sobre os embates teóricos que envolvem as múltiplas práticas filosóficas contemporâneas e; d) sobre as leituras conflitantes a respeito da legitimidade do Estado liberal e democrático. Tais questões já acompanhavam Habermas quando apontava para um déficit normativo na oscilação entre o universalismo de caráter eminentemente técnico e os particularismos dos mais variados fundamentalismos, déficit que exige da ética reflexões e análises, bem como a apresentação de parâmetros teóricos que propiciem conciliar o universalismo tecnológico com o normatismo existente nos mais diversos particularismos. Por isso que, tendo isto em mente, Habermas se dedicou sobre as estruturas normativas das modernas sociedades capitalistas recuperando termos da psicologia do desenvolvimento de Piaget e Kohlberg para tal. Sua reconstrução recai, principalmente, sobre o desdobramento da estrutura de interação contemplada nos níveis pré-convencional, convencional e pós-convencional da estrutura de interação sociológica. O nível pós-convencional interessa a Habermas porque ele pode ser esquematizado como aquele que contém a orientação para o “contrato social” e os princípios éticos universais. Para mais, cf. Habermas, 2016, pp. 97-132.  

[5] Neste sentido, Habermas identificou seis temas que vinculavam seus interesses de pesquisa e que constituíram ensaios teóricos da primeira geração de teóricos críticos, a saber: “(a) das formas de integração das sociedades pós-liberais, da (b) socialização e desenvolvimento familiar, (c) das mídias de massa e cultura de massa, (d) da psicologia social do protesto paralisado, (e) teoria da arte, e (f) da crítica do positivismo e da ciência” (Habermas, 1988a, p. 555).

[6] A perspectiva assumida por Habermas, sobre as questões que envolveram as transformações ocorridas com a passagem das tradicionais sociedades pré-capitalistas para as modernas sociedades capitalistas, encontram-se já declaradas em outras de suas obras, ainda que sejam encontráveis níveis distintos de elaboração teórica. Na TAC, por exemplo, Habermas dá certo prosseguimento a alguns dos critérios que já haviam sido examinados no seu ensaio de 1968, Técnica e Ciência como “Ideologia”. Tal observação proporciona compreender que a questão sobre as transformações ocorridas com o surgimento da modernidade capitalista sejam um dos grandes motes de um desenvolvimento gradual de sua filosofia. Para fins da presente argumentação é importante ter em nosso horizonte que Habermas desde 1968 já distinguia dois modelos de sociedade, mas estas antagônicas, quando declara que a modernidade capitalista surge não apenas “da transformação estrutural do quadro institucional da sociedade gerada pela pressão de forças produtivas relativamente desenvolvidas [...] mas [surge] em um estágio de desenvolvimento das forças produtivas que torna permanente a expansão dos subsistemas de ação racional com respeito a fins” (Habermas, 2014, p. 97). Uma compreensão orientada pela sociologia weberiana, mas que se desenvolverá para além do prognóstico weberiano. Para mais, cf. Habermas, 1981b, pp. 205-366.

[7] Esta discussão, presente na TAC, já se encontrava sendo desenvolvida por Habermas desde os anos 1960. Ainda que formulada em outros termos, Habermas já em 1968 compreendia que “o capitalismo se define por um modo de produção que não apenas coloca esse problema [a legitimação social], como também o resolve. Ele [o capitalismo] oferece uma legitimação da dominação que não desce mais do céu da tradição cultural, mas que pode ser erguida sobre a base do trabalho social” (Habermas, 2014, p. 97).

[8] O conceito de “reificação” (Verdinglichung) utilizado por Habermas é elaborado a partir daquele cunhado por Lukács, em História e Consciência de Classe. Cf., Habermas. 1981a, p. 453ss.

[9] Em A Imaginação Dialética, Martin Jay descreve que a Teoria Crítica “expressava-se por uma série de críticas a outros pensadores e tradições filosóficas. [Sendo que] seu desenvolvimento deu-se pelo diálogo. Sua gênese foi tão dialética quanto o método que ela propunha aplicar aos fenômenos sociais” (Jay, 2016, p. 83), para, a seguir, reconstruir a gênese da Teoria Crítica desde o momento “que os sucessores de Hegel aplicaram pela primeira vez as percepções filosóficas hegelianas aos fenômenos sociais e políticos da Alemanha” (ibidem) até seu “renascimento no século XX” (idem, p. 85).

[10] Esta concepção de que a filosofia não tem mais como se referir ao todo do mundo, da natureza, da história e da sociedade em um sentido de um saber total se orienta pelas questões apresentadas por Habermas na introdução à TAC, “Acessos à problemática da racionalidade”. Habermas discute que a consciência reflexiva, que acompanhou o progresso das ciências empíricas, exige que a atenção seja dirigida às condições formais da racionalidade do conhecimento a partir de situações reais. Uma discussão que remonta a publicação da obra de 1981 e já figura, de certo modo, no ensaio “A Filosofia ainda tem um propósito?”, publicado originalmente em 1971, quando são apresentados por Habermas questionamentos sobre qual exercício filosófico cabe a Filosofia contemporânea. Para mais, cf. Habermas, 1983, pp. 1-20.

[11] É importante notar que ainda que a perspectiva aqui assumida seja aquela proposta por Habermas, não se desconsidera que distintas, e conflituosas, interpretações sobre o campo de tensões que constituíram a modernidade são recorrentes na Filosofia do século XX. Johann P. Arnason chama a atenção para os modelos concorrentes ao modelo habermasiano, que não elaboraram uma compreensão a partir de uma oposição entre períodos históricos (como entre o período Romântico e o Iluminista), mas concebem modelos que sublinham uma espécie de polaridade constitutiva das estruturas modernas da consciência, que são expressas de maneiras muito distintas. Para mais, cf. Arnason, 1991, pp. 181-213.

[12] O alerta sobre esta questão figura no universo discursivo apresentado na TAC de uma maneira de uma maneira que foi ampliada por Habermas, especificamente a partir dos anos 1990 em uma série de artigos reunidos em torno da preocupação que tem sido renovada no século XXI: a tese de que a globalização econômica subjugue por completo a capacidade dos Estados de regular seus próprios assuntos. Para mais, cf. Habermas, 2001.