RESENHA DO LIVRO SOCIEDADE DO CANSAÇO DE BYUNG-CHUL HAN

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Vozes, Petrópolis: 2017

Carla Mireli Cachoeira de Oliveira[1]

Universidade Federal da Bahia

miholiveira103@gmail.com

Cecilia Nascimento da Silva2

Universidade Federal da Bahia

[2]cecilianascimento@outlook.com

Gisele Viana Lima3

Universidade Federal da Bahia

giselelima453@gmail.com

Guilherme Maia Quintela4

Universidade Federal da Bahia

guimaia1901@gmail.com

Luis Claudio Correia Barreto5

Universidade Federal da Bahia

lcc.barreto002@gmail.com

Débora Leitão Leal6

Universidade Federal da Bahia

sampaio.debora@uol.com.br

Byung-Chul Han nasceu em 1959, na Coreia do Sul, e inicialmente cursou Metalurgia na Universidade da Coreia. Sua incursão no campo da filosofia iniciou nos anos 1980, quando decidiu estudar Filosofia. Posteriormente, ele ampliou seus horizontes acadêmicos, dedicando-se também a estudos em Literatura Alemã e Teologia Católica na Universidade de Freiburg, na Alemanha (Porfírio, 2023).

Em 1994, Han concluiu seu doutorado em Filosofia pela Universidade de Freiburg, desenvolvendo uma tese focada no filósofo alemão Martin Heidegger. Ao longo de seus estudos, aprofundou-se nas correntes filosóficas da fenomenologia e do existencialismo, que buscam compreender a relação do ser humano com o mundo. A partir do ano 2000, o filósofo passou a integrar o corpo docente da Universidade da Basileia. Atualmente, ele desempenha o cargo de professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim (Porfírio, 2023).

Han foi predominantemente influenciado pelos filósofos da tradição continental contemporânea, uma corrente filosófica desenvolvida, principalmente, na Alemanha e na França durante o século XX. Essa tradição abrange temas como fenomenologia, existencialismo e pós-modernismo, contrastando com a filosofia desenvolvida na Inglaterra, em Viena e nos Estados Unidos, que se dedicou à compreensão da linguagem como um problema filosófico (Porfírio, 2023).

As obras de Byung-Chul Han são influentes e versam sobre uma variedade de tópicos, muitas vezes explorando como a sociedade contemporânea está sendo moldada por questões como o excesso de informação, o isolamento social, o consumismo, a tecnologia e a pressão por desempenho. Suas análises frequentemente têm uma perspectiva crítica e são fundamentadas em uma abordagem filosófica, em especial na tradição da filosofia continental. Algumas de suas obras mais conhecidas incluem "A Sociedade do Cansaço" (2010), na qual ele discute a exaustão física e mental na contemporaneidade. Dividido em sete capítulos, a Sociedade do cansaço, Han nos mostra que os problemas da sociedade repressora descrita por Foucault no século XX, já não são mais os mesmos problemas vividos pela sociedade do século XXI.

Para dar início a essa discussão, o capítulo 1, “A violência neuronal”, o autor faz uso de termos do campo da imunologia para explicar que antes vivíamos a era da divisão de tudo aquilo que era diferente e que pudesse significar uma ameaça para nós, mas hoje não reconhecemos mais essa ameaça pela perda da alteridade, então o que seria visto como “o outro”, se transformou apenas em um peso.

O autor faz uma análise da contemporaneidade, enfocando a superação da era bacteriológica mediante a descoberta dos antibióticos, bem como a atual predominância de doenças neuronais, como depressão e ansiedade, no início do século XXI. Destaca-se a transição pela qual a sociedade atravessou, adentrando numa era caracterizada pelas referidas enfermidades neuronais, decorrentes do excesso de positividade que prevalece. Esse período contemporâneo se destaca em contraste com a era anterior, marcada pelo antagonismo de fatores como interno e externo, amigo e inimigo, nos quais se baseavam as dinâmicas sociais. Na atualidade, a sociedade confronta-se com novos fatores, notadamente a noção de diferença.

Utilizando terminologia do campo da saúde, o autor delibera sobre os conceitos de "ação imunológica", discorrendo sobre a dualidade de positividade e negatividade que molda o mundo contemporâneo e desencadeia processos imunológicos. Como argumenta Han (2015, p. 1), "Por meio da defesa, rejeita-se tudo o que é estranho. O alvo da defesa imunológica é a própria estranheza. Mesmo que o estranho não apresente intenções hostis, mesmo que não represente ameaça alguma, é suprimido devido à sua intrínseca alteridade."

O conceito de alteridade, que é a “qualidade ou estado do que é outro, do que é diferente” (Menezes, 2023), é apresentado juntamente com a positividade e negatividade para desenhar o cenário da sociedade atual e sua problemática e logo em seguida o ideal de diferença apresentado mostrar ao leitor que o que é central agora é a diferença e não mais a alteridade e que a positividade excessiva gera uma forma de violência sistêmica.

O autor também argumenta que o paradigma anterior não é adequado para lidar com as novas enfermidades dos indivíduos e que a topologia do mundo organizado imunologicamente é prova disso.

 

O mundo organizado imunologicamente possui uma topologia específica. É marcado por barreiras, passagens e soleiras, por cercas, trincheiras e muros. Essas impedem o processo de troca e intercâmbio. A promiscuidade geral que hoje em dia toma conta de todos os âmbitos da vida, e a falta da alteridade imunologicamente ativa, condicionam-se mutuamente. Também a hibridização, que domina não apenas o atual discurso teorético-cultural mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida, é diametralmente contrária precisamente à imunização. (Han, 2015, p. 9)

 

O texto argumenta que a positividade excessiva não é acessível a uma percepção direta, o que faz com que a violência se torne invisível, agindo como um vírus que é algo muito mais difícil de se defender. Esta violência invisível é inerente ao sistema e difícil de ser reconhecida justamente, pois desafia suas estruturas imunológicas. A violência da positividade é exaustiva e saturante, agindo por todas as partes do sistema, sem levar em conta as polarizações e os antagonismos.

O capítulo encerra concluindo que a positividade excessiva se tornou uma fonte de problemas de saúde e violência sistêmica e as novas enfermidades da sociedade necessitam de uma nova forma de abordagem, uma nova mudança de paradigma.

O capítulo 2, “Além da sociedade disciplinar”, inicia citando "A sociedade disciplinar de Foucault" que é um conceito desenvolvido pelo filósofo que descreve um tipo de sociedade baseada na vigilância, controle e normalização do indivíduo, ele discute como a sociedade disciplinar de Foucault, que era baseada em instituições como hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade predominante na atualidade. Han argumenta que, ao contrário da sociedade disciplinadora do passado, que impunha limites e restrições às pessoas, na sociedade atual as pessoas se tornaram "empresários de si mesmos", constantemente buscando melhorar e expandir suas vidas. Esse imperativo da autossuperação e da realização individual pode levar a um sentimento de fracasso constante, já que as expectativas são cada vez mais elevadas, levando as pessoas a se sobrecarregarem. O autor destaca como a sociedade do cansaço não é apenas física, mas também mental, pois as pessoas se tornaram prisioneiras de suas próprias expectativas e desejos. Ele discute como a pressão constante por ser produtivo e feliz leva ao esgotamento, à depressão e à ansiedade.

 

A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos da obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos (Han, 2010, p. 8).

Além disso, Han aborda a ideia de que estamos sendo constantemente vigiados e avaliados, não apenas por outras pessoas, mas também por nós mesmos, devido às redes sociais e à cultura da exposição. Isso cria uma pressão adicional para manter uma imagem positiva e bem-sucedida o tempo todo. Paralelo a isso, o autor faz uma análise crítica da relação entre a depressão e as mudanças na sociedade, especialmente na transição da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho. Ele argumenta que a depressão se manifesta quando a sociedade deixa de impor mandatos e proibições, como era o caso nas sociedades disciplinares, e passa a enfatizar a responsabilidade individual e a iniciativa própria. Essa transição pode parecer positiva, uma vez que promove a autonomia e a liberdade individual. No entanto, Ehrenberg destaca que o problema real não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas sim o imperativo de desempenho que caracteriza uma sociedade pós-moderna do trabalho.

O homem soberano, igual a si mesmo, e cuja vinda Nietzsche anunciou, está prestes a tornar-se realidade en masse. Nada há acima dele que lhe possa dizer quem ele deve ser, pois ele dá mostras de obedecer apenas a si mesmo (Ehrenberg, 2008 apud Han, 2010).

Mediante a isso, o capítulo 2 de "Sociedade do Cansaço" discute a transição da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho e como essa mudança está afetando a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho e com a vida em geral, analisando como a sociedade atual está sendo afetada pelo excesso de positividade e produtividade, fazendo com que as pessoas se sintam constantemente cansadas e sobrecarregadas.

No capítulo 3 o autor aborda a proatividade confusa da sociedade atual, mostrando como a incansável procura por positividade e desempenho pessoal podem desencadear um tédio profundo e psíquico, consolidando reações que influenciam o conforto individual ou grupal.

Em primeiro momento, Han diz que “a demasiada positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos”, mostrando motivação e normalidade, porém, com isso, se desdobra a estrutura e economia da atenção. Cita-se então a técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa), a qual não progride e sim retrocede o processo civilizatório, pois essa técnica está diretamente ligada entre animais de estado selvagem.

 

Um animal ocupado no exercício de mastigação de sua comida tem de ocupar-se ao mesmo tempo também de outras atividades. Deve cuidar para que, ao comer, ele próprio não acabe comido. Ao mesmo tempo tem de vigiar sua prole e manter o olho em seu(sua) parceiro(a). Na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades. (Han, 2015, p.18)

Análogo a presente citação, nos assemelhamos a esse estado selvagem. Nesse dissipar de atenção, nos desdobramos nas demais tarefas e acabamos perdendo a hiperatenção (hiperattention) o que muda o foco na realização entre diversas atividades, abrindo portas para o tédio profundo, influenciando ainda no processo criativo. Esse estado selvagem não se aplica apenas sobre as atividades realizadas, mas também sobre as estações da nossa vida pessoal, social, acadêmica, etc., onde as cobranças são maiores, não apenas de si, e também do todo. Surgindo assim, o medo e o receio de não conseguir gerir tudo, as frustrações, anseios e o desencadeamento de doenças neurais.

O autor cita Walter Benjamin, que chama o tédio profundo de “o pássaro onírico, que choca o ovo da experiência”, onde precisa de tempo e onde surge o novo. “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual”. Sua maior lamentação é que o ninho de descanso e repouso do pássaro está desaparecendo cada vez mais na sociedade moderna, com o desaparecimento do descanso e a perda dos dons de escutar, que necessariamente precisam de atenção profunda, “à qual o ego hiperativo não tem acesso”.

Han comenta uma de suas obras Vita Contemplativa em que discorre de que modo a sociedade atual perdeu terminantemente a capacidade de eliminar a urgência do tempo produtivo, o que nos leva a necessidade de proatividade, para nos sentirmos ocupados, úteis, o que não se deve retroceder e que exige atenção profunda do indivíduo.

O autor exemplifica onde se precisa de atenção profunda e consideração contemplativa, o que exigem a prática de concentrar-se completamente no único, ter um olhar fixo e menos desvirtuações, e sem fragmentações, assim gerenciar com sucesso não só as atividades a serem feitas, bem como as definidas paradas da vida, quando diz:

 

Paul Cézanne, esse mestre da atenção profunda, contemplativa, observou certa vez que podia ver inclusive o perfume das coisas. Essa visualização do perfume exige uma atenção profunda. No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas. Merleau-Ponty descreve a consideração contemplativa da paisagem como uma alienação ou desinteriorização: “De princípio ele tentou ganhar claridade sobre as camadas geológicas. Depois não se moveu mais do lugar apenas olhava, até que, como dizia Madame Cézanne, os olhos lhe saltassem da cabeça. [...] A paisagem, dizia ele, pensa-se em mim, eu sou sua consciência “. (Han, 2015, p. 20)

 

Contudo, o autor aborda uma temática complexa que muitas vezes é passada por despercebida e tratada de forma inteiramente normal na sociedade contemporânea e que não é visualizada como um problema, mas sim como positividade, hiperatividade e crescimento pessoal, ocasionando um tédio profundo e neurológico onde não se nota a perda da falta de sentido, o impacto na saúde, na qualidade de vida e o bem-estar individual e coletivo.

No capítulo 4 do livro, Han faz referência ao escrito "Vita activa" de Hannah Arendt, que procura reabilitar a vida ativa contra o primado tradicional da vida contemplativa, rearticulando-a em seu múltiplo desdobramento interno. Arendt critica a degradação injusta da vita activa na tradição à mera agitação, nec-otium ou a-scholia. A conexão entre a nova definição de vita activa e o primado da ação é destacada, contrastando com a abordagem de Heidegger, mentor de Arendt, que associava o agir decisivamente ao tema da morte. Arendt, ao contrário, situa a possibilidade da ação no nascimento, conferindo um caráter mais heroico a essa atividade. A ação, para ela, possui uma dimensão quase religiosa, sendo capaz de criar milagres e renovar o mundo.

 

[...] o modo ativo de vida é laborioso, o modo contemplativo é pura quietude; o modo de vida ativo dá-se em público, o contemplativo no “deserto”; o modo ativo é devotado às necessidades do próximo, o modo contemplativo à visão de Deus (Arendt, 1993, p. 7 apud Moura, 2016, pág. 46).

 

Nesse sentido, Arendt tece críticas à sociedade moderna, especialmente à sociedade do trabalho, que, segundo ela, aniquila a possibilidade de agir, transformando o homem em um animal laborans - um animal trabalhador. Ela observa a decadência da modernidade, que, inicialmente marcada por uma ativação heroica das capacidades humanas, termina em uma passividade mortal. Arendt argumenta que, na Modernidade, a vida do indivíduo está totalmente imersa na corrente do processo de vida que domina a geração, onde a única decisão individual ativa seria a renúncia à sua individualidade para melhor "funcionar". Ela associa a absolutização do trabalho à ideia de que a vida da espécie humana se torna a única absoluta no surgimento e difusão da sociedade, expressando preocupação com a possível transformação do homem na espécie animal de onde parece descender de Darwin.

 

A absolutização do trabalho caminha de mãos dadas com a evolução segundo a qual, “em última instância, a vida da espécie humana se impõe como a única absoluta no surgimento e difusão da sociedade”. Arendt acredita inclusive poder denotar sinais de perigo “de que o homem poderia estar em vias de transformar-se na espécie animal da qual ele parece descender desde Darwin” (Han, 2010, p. 17).

 

No entanto, Han critica essa visão de Arendt, argumentando que as descrições do "animal laborans" moderno não correspondem à realidade observada na sociedade moderna de desempenho. Contrariando a ideia de que este ser abandonaria sua individualidade para se entregar a um processo anônimo da espécie, ele sugere que o “animal laborans” pós-moderno é altamente individualizado, possuindo um ego forte ao ponto de quase se dilacerar. Em vez de ser passivo, esse tipo de ser é descrito como hiperativo e hiperneurótico.

Han também aborda a perda contemporânea da fé, não apenas no contexto religioso, mas também à própria realidade, destacando como essa ausência de crença contribui para uma transitoriedade radical na vida humana e no mundo. A "desnarrativização" geral do mundo é mencionada como um fator que reforça a sensação de transitoriedade, desvelando a vida de suas histórias e narrativas significativas. A metáfora do trabalho como uma atividade "desnuda" é ativada, relacionando-a diretamente à vida "desnuda". A falta de narrativas de morte está associada à pressão de manter uma vida nova incondicionalmente saudável. O autor transmitiu uma citação de Nietzsche, após a "morte de Deus", enfatizando que a saúde se torna uma deusa.

Neste capítulo, Han empregou uma abordagem interdisciplinar, combinando elementos de filosofia, psicologia, sociologia e cultura contemporânea para analisar e criticar as dinâmicas sociais atuais. Ele muitas vezes utiliza metáforas e exemplos do cotidiano para ilustrar seus argumentos, tornando sua escrita mais tangível e aplicável à experiência comum. Porém, a crítica à explicação de Arendt para o triunfo do "animal laborans" na sociedade moderna é bastante redutora. O texto argumenta que a descrição do "animal laborans" de Arendt não se aplica à realidade atual e que suas observações não resistem a um teste comprobatório nas recentes evoluções sociais, mas o autor não fornece evidências específicas para apoiar essa afirmação. Uma crítica mais robusta poderia ser fundamentada em exemplos concretos da sociedade contemporânea.

No capítulo 5 da obra, “Pedagogia do Ver” o autor evoca as ideias do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que afirma que o ser humano deveria aprender três tarefas fundamentais, ler, falar e escrever visando atingir a cultura distinta. Essas atividades baseadas no ato de “aprender a ver” serviram também para que o ser conseguisse um tipo de atenção profunda e paciente, contemplativa, resistindo os estímulos externos. Nietzsche acreditava que a falta de capacidade de resistir a estes estímulos é uma doença espiritual. Han (2015) interpreta:

 

Aqui, Nietzsche nada mais propõe que a revitalização da vita contemplativa. Essa vida não é um abrir-se passivo que diz sim a tudo que advém e acontece. Ao contrário, ela oferece resistência aos estímulos opressivos, intrusivos. Em vez de expor o olhar aos impulsos exteriores, ela os dirige soberanamente. Enquanto um fazer soberano, que sabe dizer não, é mais ativa que qualquer hiperatividade, que é precisamente um sintoma de esgotamento espiritual.

Nietzsche também afirma que a intensificação das atividades gera uma passividade, onde o indivíduo se entrega aos estímulos que devem ser combatidos. Isto cria novas formas de coerção do indivíduo, pois a crença de que ser ativo é ser livre é uma ilusão. É compreendida então a importância da negatividade, pois é ela que rompe com esse processo doentio que flagela o indivíduo.

Também é levantado em questão o sentimento de ira, que possui uma temporalidade específica, sem caminhar com a hiperatividade e a aceleração geral. A ira leva em consideração o presente, interrompe o processo, é nela que está a capacidade de interromper uma condição e fazer surgir outra nova. A constante positivização da sociedade também afeta outras emoções como angústia e luto, enfraquecendo-as. A ausência da negatividade dessas emoções transforma o pensamento humano em um cálculo e o ser humano em um computador. Han encerra o capítulo abordando dois tipos de potência, a positiva, que é o ato de poder realizar algo e a negativa, que é o poder de não fazer. O autor relaciona as duas potências com o pensamento humano da seguinte maneira:

 

A potência negativa supera a positividade, que está presa em alguma coisa. É uma potência de não fazer. Se, desprovidos da potência negativa de não perceber, possuíssemos apenas a potência positiva de perceber algo, a percepção estaria irremediavelmente exposta a todos os estímulos e impulsos insistentes e intrusivos. Então não seria possível haver qualquer “ação do espírito”. Se possuíssemos apenas a potência de fazer algo e não tivéssemos a potência de não fazer, incorreríamos numa hiperatividade fatal. Se tivéssemos apenas a potência de pensar algo, o pensamento estaria disperso numa quantidade infinita de objetos. Seria impossível haver reflexão (Nachdenken), pois a potência positiva, o excesso de positividade, só admite o continuar pensando (Fortdenken). (Han, 2015, p 30-31)

 

O escritor encerra afirmando que a negatividade descrita ao longo do capítulo é essencial para a contemplação, empregando como exemplo a meditação zen. Se o homem tivesse somente a capacidade positiva, ele seria passivo diante de um objeto, a hiperatividade, de forma paradoxal, é um modo profundamente passivo de agir, que não permite ações livres e é fundamentado somente na potência positiva.

O autor utiliza bastante de citações para poder basear suas ideias e desenvolve isso mediante profundas reflexões ao longo do capítulo. Apesar da ideia apresentada ser bastante interessante e relevante para leitores de diferentes perfis, a leitura do capítulo pode ser maçante devido a esse modo de análise e escrita do texto tão minucioso, fora a utilização de palavras mais rebuscadas e exclusivas de uma área de estudo específico. Conclui-se que Han traz novos conceitos e ideias ao debate, de considerada relevância, o que eventualmente requer uma compreensão de vocabulário por parte do leitor.

No capítulo 6, “O caso Bartleby”, Han traz o conto do escritor Herman Melville para ilustrar as características do indivíduo sobrecarregado pelo trabalho. Publicado em 1853, a história de “Bartleby, o Escrivão” se passa em um escritório de advocacia na famosa Wall Street e é nesse contexto de arranha-céus, em uma sala com baixa iluminação e com vista para um muro, que podemos observar o adoecimento psíquico que atinge o personagem.

Han aponta que todos os elementos dessa narrativa representam a sociedade disciplinar e é por isso que o esgotamento mental de Bartleby se dá de forma apática. Ele desconhece os discursos motivacionais que fomentam a autoagressão, traços da nossa sociedade do desempenho, mas vive em uma realidade na qual o trabalho é sua única atividade cotidiana, não dando espaço para ele fazer e ser outra coisa além de um animal laborans.

Em 2021, o Brasil ocupou o segundo lugar no ranking mundial nos casos de Burnout e desde 2022, a síndrome de Burnout é uma doença ocupacional reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (Palmerim, 2023). Enquanto a lógica capitalista de maximizar os lucros e minimizar as pessoas ditar os ritmos de trabalho, a previsão é que ocorram mais casos Bartleby. Estresse, enxaqueca, sentimento de frustração... entre tantos outros sintomas, são alertas que nos dizem que estamos vivendo em um ambiente nocivo e nada que extrai a nossa saúde pode resultar em um bom desenvolvimento social.

No capítulo 7 de "Sociedade do Cansaço", Byung-Chul Han aprofunda sua análise sobre a cultura do desempenho, enriquecendo seu discurso por meio do diálogo com outros autores contemporâneos. A convergência das preocupações de Zygmunt Bauman sobre a modernidade líquida com as reflexões de Han destaca como a busca incessante por sucesso e produtividade pode resultar não apenas em esgotamento individual, mas também em uma fragmentação social (Bauman, 2001).

Han expande essa análise, conectando-a às reflexões de Sherry Turkle em "Alone Together", onde a interconexão digital é abordada como uma faceta paradoxal da modernidade. Turkle discute como a tecnologia, ao mesmo tempo que conecta as pessoas, também as isola, um fenômeno que Han amplifica ao discutir o esgotamento individual e solitário induzido pela sociedade do desempenho (Turkle, 2011). No que tange ao uso de neuro-enhancers, Han contextualiza suas preocupações éticas e sociais em diálogo com Julian Savulescu, que examina a ética da melhoria humana. A pressão social para adotar tecnologias de aprimoramento e as fronteiras éticas envolvidas na busca pela excelência são temas que Han integra à discussão sobre o cansaço excessivo na sociedade contemporânea.

A proposta de "potência negativa" como forma de resistência ao cansaço incessante dialoga com as ideias de Michel Foucault sobre poder e resistência. O conceito foucaultiano de poder produtivo e a capacidade de dizer "não" como forma de resistência convergem com a proposta de Han, que busca apresentar uma alternativa à cultura do desempenho (Foucault, 1978).

A visão de Han sobre a criação de comunidade a partir do cansaço também se conecta com as reflexões de Hannah Arendt sobre a esfera pública. Arendt destaca como a ação compartilhada é fundamental para a formação de uma comunidade política. Han expande essa visão ao sugerir que o cansaço pode ser um ponto de partida para uma comunidade baseada em experiências compartilhadas, integrando aspectos mais íntimos da experiência humana (Arendt, 1958).

Dessa forma, ao dialogar com autores como Bauman, Turkle, Foucault e Arendt, Byung-Chul Han enriquece ainda mais a análise apresentada no capítulo 7 de "Sociedade do Cansaço". A convergência dessas vozes contemporâneas proporciona uma compreensão mais abrangente dos desafios e das possíveis abordagens para lidar com os dilemas emergentes da cultura do desempenho na sociedade moderna.

Esse capítulo oferece uma análise instigante e provocadora sobre a cultura do desempenho na contemporaneidade. Han, com agudeza filosófica, examina os impactos do incessante culto ao sucesso e à produtividade, proporcionando uma contribuição valiosa para o entendimento das dinâmicas sociais contemporâneas. Uma das principais fortalezas do capítulo reside na habilidade de Han de contextualizar suas reflexões dentro do panorama mais amplo da teoria social. Ao dialogar com pensadores como Zygmunt Bauman e Sherry Turkle, Han enriquece sua análise ao conectar a liquidez social proposta por Bauman com a solidão paradoxal explorada por Turkle. Essa combinação de ideias nos dá uma visão mais completa da vida atual, mostrando como os diferentes aspectos sociais se conectam reciprocamente.

No entanto, é válido questionar o quão abrangentes são as conclusões de Han sobre a sociedade do sucesso. Ele faz uma análise sofisticada sobre como a pressão por ser bem-sucedido afeta as pessoas individualmente, mas talvez essa ideia não cubra toda a variedade de situações que existem na sociedade de hoje. Se for observado mais de perto e consideradas as diferentes situações sociais e culturais, dá para enriquecer mais ainda essa análise. A sugestão do "poder negativo" como uma forma de resistir ao cansaço constante é bem interessante. Mas aí vem a pergunta: será que isso funciona em todos os lugares e em todos os grupos sociais? Se for feita uma pausa para analisar mais a fundo os desafios práticos e as possíveis resistências a essa ideia de "poder negativo", pode dar um panorama mais realista para quem está lendo. Embora brevemente abordado, o texto revisita o uso de neuro-enhancers e as implicações éticas e sociais associadas. Refletindo mais detalhadamente sobre aspectos éticos e a multiplicidade de contextos nos quais tais substâncias são empregadas, poderia substancialmente aprimorar o debate. Apesar dessas considerações, o capítulo permanece como uma significativa contribuição para o diálogo na crítica social contemporânea. Sua relevância advém da riqueza conceitual, intersecção de ideias e das propostas provocativas que instigam reflexões profundas acerca das dinâmicas presentes na sociedade voltada ao alto desempenho. A profundidade conceitual, a abordagem interdisciplinar e as propostas instigantes de Han continuam a fomentar uma reflexão crítica sobre as complexidades da sociedade voltada ao desempenho.

A escrita de Han é desafiadora, mas extremamente perspicaz. Ele explora conceitos complexos com profundidade e clareza, oferecendo uma análise da sociedade contemporânea relevante para todos que vivem nesse contexto. O autor faz um excelente trabalho ao destacar os problemas do excesso de positividade e da pressão constante para ser produtivo, ao mesmo tempo, em que oferece argumentos importantes sobre como podemos compensar nossa abordagem em relação ao trabalho, à realização e à vida em geral.

 “Sociedade do Cansaço” é um ótimo livro para quem se encontra em constante “fadiga mental”, propondo reflexões sobre a sociedade moderna e suas obsessões em sempre querer abraçar o mundo, sem considerar seus limites físicos e psicológicos, levando a uma extrema sobrecarga neuronal e ocasionando doenças como depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB), entre outros. 

 

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, [2010]. Disponível em: http://pergamum.ifsp.edu.br/pergamumweb/vinculos/000068/000068f5.pdf. Acesso em: 22 nov. 2023.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. Disponível em: https://lotuspsicanalise.com.br/biblioteca/Modernidade_liquida.pdf. Acesso em: 22 nov. 2023.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 13. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2940534/mod_resource/content/1/Hist%C3%B3ria-da-Sexualidade-1-A-Vontade-de-Saber.pdf. Acesso em: 22 nov. 2023.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

MOURA, Moema Luzia Barros de. Grupo terapêutico projetos de vida: contribuições no cotidiano de mulheres portadoras de transtornos mentais. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/875/1/moema_luzia_barros_moura.pdf. Acesso em: 22 nov. 2023.

PALMEIRIM, Juliana. Síndrome de Burnout: professor da UFF realiza estudos sobre a promoção de saúde nos ambientes de trabalho. [Página de notícias da UFF], Niterói, 11 abr. 2023. Disponível em: https://shre.ink/T0JI. Acesso em: 13 nov. 2022.

PORFÍRIO, Francisco. Byung-Chul Han. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/byung-chul-han.htm. Acesso em: 19 dez. 2023.

TURKLE, Sherry. Alone Together. [S. l.: s. n., 2011]. Disponível em: https://www.mediastudies.asia/wp-content/uploads/2017/02/Sherry_Turkle_Alone_Together.pdf

 



[1], 2, 3, 4, 5  Estudante de Arquivologia da Universidade Federal da Bahia.

6 Professora Assistente do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia; Bacharel em Biblioteconomia e Documentação UFBA (2010). Mestre em Ciência da Informação pelo PPGCI/UFBA (2016), Doutoranda em Ciência da Informação pelo PPGCI/UFBA (2023-2026). Membro do Grupo de Estudos: Laboratório de estudos em Representação do conhecimento, Competências e comportamento em informação, e Recuperação da informação em meio digital (Lab-Recrie). Membro do Grupo de Pesquisa: Laboratório de Práticas em Psicologia e Ciência da Informação (LAPCI).